Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
329/18.1T8FNC-A.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL
DIVISÃO DE COISA COMUM
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Em acção especial de divisão de coisa comum, em que foi proferida decisão sumária relativa à indivisibilidade do imóvel e determinado o prosseguimento dos autos nos termos do artº 926º, nº 2 e 929, nº 2 do C.P.C., não é admissível pedido reconvencional relativo a realização de benfeitorias.
2. A fase subsequente do processo especial de divisão de coisa comum (fase de natureza executiva) e a forma de processo comum que o conhecimento do pedido reconvencional imporia são formas de processo que comportam tramitação absolutamente distintas e manifestamente incompatíveis (artº 37º do C.P.C.), não susceptíveis de adequação, pois só depois da tramitação própria do processo comum quanto ao pedido reconvencional, com instrução da prova, decisão de facto e de direito, eventual recurso, se retomaria a fase executiva própria da acção especial de divisão de coisa comum, para adjudicação ou venda do imóvel.
3. Tal corresponde a duas tramitações autónomas e sequenciais, constituindo o conhecimento do pedido reconvencional uma fase declarativa a “enxertar” à tramitação regular do processo especial, assim provocando a paragem deste até à decisão daquele.
4. É nesta circunstância que radica a manifesta incompatibilidade, insusceptível de adaptação formal, adaptação que terá de significar, de algum modo, aproximação, conciliação de duas formas processuais distintas, seja através de concatenação de actos, de supressão de outros, etc. – e não apenas “cumulação” de actos próprios de uma forma processual e de outra.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

J intentou ação especial de divisão de coisa comum contra P, relativamente ao prédio urbano, seu solo e logradouro, localizados na freguesia de S. A., concelho de F., ao Caminho do M., nº 24, porta nº l, adjudicado a A. e R. em partes iguais em processo de inventário, concluindo pela prolação de decisão que ponha termo à indivisão da referida fração e a sua adjudicação ao A., pelo valor que vier a ser fixado.
A R. e marido, apresentaram contestação e deduziram pedido reconvencional. Aceitaram expressamente que o prédio em compropriedade pertencente na proporção de metade para cada um, autor e ré, pelas suas características e natureza, não pode ser dividido em substância. A título de reconvenção alegaram que na construção edificada pelos pais, em 2013, procedeu a R. a obras para impedir que o imóvel se tornasse inabitável e outras, constituindo aquelas benfeitorias necessárias e estas benfeitorias úteis, cujo levantamento iria provocar o detrimento do imóvel.
Concluem pela prolação de decisão que ponha termo à indivisão, nos termos e para os efeitos dos artºs 925º e seguintes do Código de Processo Civil, formulando o seguinte pedido:
- declarar-se que se o prédio for adjudicado ao autor ou a um terceiro, a ré deverá receber o valor equivalente à sua metade na compropriedade, bem assim como ao montante despendido nas benfeitorias que construiu no valor total de € 38.431,09 (€ 27.977,64 respeitantes a benfeitorias necessárias, acrescido de € 10.453,45 referentes a benfeitorias úteis).
O A. apresentou réplica em que, para além do mais, impugnou a factualidade atinente à realização de obras pela R..
Concluiu pela improcedência das exceções e declaração de que se o prédio for adjudicado ao autor, ou a um terceiro, a R. deverá receber apenas os valores equivalentes à sua compropriedade, bem assim como ao montante despendido exclusivamente nas benfeitorias necessárias que tenham comprovativo de pagamento realizado, e devidamente avaliado por perito a indicar no processo em curso.
Em 23.04.2019 foi proferido o seguinte despacho:
“Ambas as partes concordam que o prédio não é suscetível de ser dividido em substância, pelo que os autos seguirão com esse pressuposto, o que se determina à luz do artigo 926.°, n.° 2, do CPC, assim se decidindo sumariamente a questão da indivisibilidade do bem, desnecessário se tornando, assim, a respeito, diligências probatórias, designadamente ouvir as testemunhas indicadas.
O bem comum será dividido, conforme a finalidade da ação (vide artigo 925.° do CPC) e sendo a coisa indivisível, há que proceder à sua adjudicação ou venda, havendo para tanto que designar data para a realização de conferência de interessados (artigo 929.°, n.° 2, do CPC).
No entanto e antes disso, a respeito das questões afloradas atinentes a benfeitorias, determina-se, em prol da adequação processual ínsita ao artigo 6.° do CPC, determinar a realização de tentativa de conciliação, e solicitação de esclarecimento à requerida à matéria de facto, sem prejuízo de, caso as partes efetuarem transação a respeito, se aproveitar a diligência para a realização de conferência de interessados. (…)”
Em 03/01/2020, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Nos presentes autos, já foi proferida decisão ao abrigo do disposto no artigo 926.°, n.° 2, do CPC, no sentido de que o bem objeto dos aulos é indivisível, decisão já transitada em julgado.
Realizada tentativa de conciliação, não foi conseguido acordo que colocasse termo ao litígio, tendo sido reiterado o pedido de avaliação da verba n.° 9.
Sigam, pois, os autos, nos termos definidos, considerando a indivisibilidade do bem comum, importando deferir o pedido de realização de perícia com vista a apurar o valor do bem comum, pelo que se determina a avaliação da verba n.°9 do inventário mencionado no artigo 3º do requerimento inicial, a ser efetuado pelo primeiro perito que consta da lista fornecida pela Associação Nacional de Avaliadores Imobiliários, com domicílio na RAM, que desde já se nomeia para o efeito. Remeta-se ao mesmo cópia da petição inicial e dos documentos que a acompanham, da contestação e dos documentos juntos com a mesma, e do presente despacho.
Tal avaliação será levada em conta em futura conferência de interessados, a realizar nos termos do artigo 929.°, n.° 2, do CPC.
Foi solicitada a avaliação de benfeitorias.
Importa proferir, primeiramente, decisão a respeito da reconvenção, o que se faz nos seguintes termos:
Não se admite a mesma considerando o seguinte:
Conforme já ficou referido, já foi proferida a decisão nos autos a que alude o artigo 926.°, n.° 2, do CPC, no sentido de que o bem objeto dos autos é indivisível, decisão já transitada em julgado.
Conforme refere o Ac. R L de 04.03.2010, se as questões deduzidas na contestação forem decididas sumariamente, em processo de divisão de coisa comum, sem que haja de prosseguir a causa nos termos do processo comum, a reconvenção só é admissível se também dessa forma puder ser decidida (o que não é o caso da situação em apreço).
É o seguinte o sumário da referida decisão jurisprudencial (…)
No caso sub judice, já foi proferida decisão nos termos do artigo 926.°, n.° 2, do CPC, com a força de caso julgado, pelo que os autos não seguirão os termos do processo comum conforme o previsto no n.° 3 do mesmo artigo mas sim a forma de processo especial de divisão de coisa comum
As questões levantadas na reconvenção, a respeito das benfeitorias, não são passíveis de ser decididas sumariamente, e exigiriam que os autos seguissem os termos do processo comum.
Pelo exposto, e considerando o disposto no artigo 266.°, n.° 3, do CPC, não admito a reconvenção deduzida.
Não seguirão, pois, os autos, a forma de processo especial e a perícia terá apenas por finalidade a supra indicada (avaliação de toda a verba 9 da relação de bens apresentada no âmbito do processo 1434/10.8TBFUN, a qual foi adjudicada às partes da presente ação, na proporção de metade para cada uma delas).
Notifique.”
A R. e marido recorrem deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
A) Em 18 de janeiro de 2018, o A. intentou uma ação de divisão de coisa comum contra a R.,  onde, por considerar que o prédio em comum não seria divisível, pediu que lhe fosse adjudicado pelo valor que viesse a ser fixado.
B) Em 7 de novembro de 2018, a Ré ora Recorrente, e seu marido, contestaram, aceitaram a divisibilidade do prédio, mas em reconvenção pediram que se o prédio fosse adjudicado ao A., ou a um terceiro, aquela deveria receber, para além do pagamento do valor equivalente à sua metade na compropriedade, o montante despendido em benfeitorias que realizou no montante de € 38.431,09, requerendo, em consequência, nos termos do art9 467º e seguintes rio Código de Processo Civil; prova pericial singular sobre o valor daquelas obras.
C) Por despacho judicial com a refª 46842032, datado de 23 de abril de 2019, veio a Exma Juíza do tribunal "a quo" declarar a indivisibilidade do prédio, decisão já transitada em julgado, decidindo posteriormente, por despacho com a refª 47854678, não admitir a reconvenção por considerar que esta mesma reconvenção e a divisão de coisa comum teriam que seguir termos processuais diferentes, invocando para tal o arts 267º, nº 3, do Código de Processo Civil e um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
D) Inconformados com a não admissão da reconvenção os RR. vêm agora interpor o respetivo recurso.
E) O artº 267º, nº 3, do Código de Processo Civil não permite a reconvenção numa ação de divisão de coisa comum quando "ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponda ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artº 37º daquele diploma", ou seja, "quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível sempre que nelas haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio".
F) Parece-nos evidente que neste caso a apreciação conjunta das pretensões é indispensável para a justa composição do litígio, uma vez que as benfeitorias realizadas pelos RR. têm impacto sobre o valor da adjudicação quer seja esta feita pelo A., quer por um terceiro.
G) E é para nós inquestionável que, embora aos pedidos correspondam forma de processo diferentes, a divisão de coisa comum e a reconvenção por benfeitorias em causa não seguem uma tramitação manifestamente incompatível, uma vez que, tal como ensina o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça invocado (6ª Secção, Proc. 385/18.2T8LMG-A.C1.S2, de 01 de outubro de 2019), tramitação manifestamente incompatível teria manifesta (intolerável, gritante) só existindo  naqueles casos em que imporia (ou, pelo menos, em que houvesse o risco disso  suceder) praticar atos processuais contraditórios ou inconciliáveis, o que não é  de todo o caso.
H) Aliás, a não ser assim, e seguindo o critério do tribunal "a quo", dir-se-ia que nunca seria possível a reconvenção por benfeitorias num processo judicial de divisão de coisa comum em que o prédio é indivisível, tornando a norma ínsita no artº 267º, nº 2, alínea b), inútil por inaplicável.
I) A Meritíssima Juíza do tribunal de 1ª instância não deveria ter indeferido a  reconvenção no processo de divisão de coisa comum em causa, por benfeitorias realizadas, uma vez que a apreciação conjunta das pretensões é indispensável para a justa composição do litígio, e as benfeitorias realizadas pelos têm impacto sobre o valor da adjudicação, e a tramitação daquela não segue uma forma de processo manifestamente incompatível (no exato sentido que lhe dão a lei e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça invocado) com esta última, sendo que, ao invés, a deveria ter aceite, e como consequência fazer seguir os ulteriores termos do processo.
J) O despacho do tribunal a "quo" violou de forma grosseira os artºs 267º, nº 2, alínea b), e 37º, nºs 2 e 3, todos do Código de Processo Civil, devendo estes, pelo contrário, terem sido aplicados.
Nestes termos e nos mais de Direito, e sempre com o doutro suprimento de V. Excias, deve o presente recurso  merecer provimento e, consequentemente, ordenar-se ao tribunal "a quo" que admita a reconvenção, com as legais consequências, pois só assim se fará inteira Justiça!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a constante do relatório que antecede.
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
Assim, a questão a decidir é a da (in)admissibilidade do pedido reconvencional.
Apreciando.
A R. e marido apresentaram contestação e deduziram pedido reconvencional. Na contestação aceitaram expressamente a compropriedade e a indivisibilidade do imóvel. Por via da reconvenção pretende a R., em caso de adjudicação do imóvel ao A. ou a terceiro, receber para além do valor equivalente à sua metade na compropriedade, o montante despendido nas benfeitorias que construiu no valor total de € 38.431,09.
A ação de divisão de coisa comum destina-se a pôr termo à contitularidade de direitos reais (artºs 925º do C.P.C. e 1412.º do Código Civil) e comporta duas fases distintas, declarativa (artºs 925º a 928º do C.P.C.) e executiva (artº 929º do C.P.C.).
A fase declarativa processa-se de acordo com as regras aplicáveis aos incidentes da instância (artº 926º, nº 2 do C.P.C.), exceto se o Juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que é determinado que se sigam os termos do processo comum (artº 926º, nº 3 do C.P.C.).
É nesta fase declarativa que se apreciam as questões relativas à natureza comum da coisa e das suas características materiais, dos quinhões e da divisibilidade material e jurídica da coisa dividenda.
Decididas as referidas questões passa-se à fase executiva que se destina essencialmente à adjudicação ou venda.
A decisão recorrida fundou a rejeição da reconvenção na circunstância de ter transitado a decisão proferida nos termos do artigo 926.°, n.° 2, do CPC e na inerente incompatibilidade de formas de processo relativas ao pedido do A. (processo especial) e ao pedido da R. (processo comum), com suporte no artº 266º, nº 3 do C.P.C..
A questão da admissibilidade da reconvenção nas ações de divisão de coisa comum tem dividido a jurisprudência (veja-se o elenco de decisões constantes do acórdão do S.T.J. de 01/10/2019, in www.dgsi.pt, citado pela recorrente), assentando as divergências sobretudo na incompatibilidade processual do pedido de divisão e do pedido reconvencional (artº 266º, nº 3 do C.P.C.), que nuns casos se considera ultrapassável, nos termos do disposto no artº 37º, nºs 2 e 3, ex vi do artº 266º, nº 3 do C.P.C. e, noutros, por absolutamente incompatíveis, impõem a rejeição do pedido reconvencional, mormente se as questões relativas à divisão são resolvidas de forma sumária, isto é, sem necessidade de recurso às regras do processo comum, e na medida em que a apreciação das questões suscitadas na reconvenção impõem a adoção de tal forma processual.     
Estas posições centram-se, assim, na interpretação dos preceitos referidos, maxime dos artºs 266º, nº 3, 37º, nºs  2 e 3 e 926º do C.P.C..
Nos termos do disposto no artº 266º, nº 3 do C.P.C. “não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações”, nos quais se estabelece que:
“2. Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
3 - Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada.”
Em 23/04/2019 foi proferida decisão, transitada em julgado, com o seguinte teor:
 “Ambas as partes concordam que o prédio não é suscetível de ser dividido em substância, pelo que os autos seguirão com esse pressuposto, o que se determina à luz do artigo 926.°, n.° 2, do CPC, assim se assim decidindo sumariamente a questão da indivisibilidade do bem, desnecessário se tornando, assim, a respeito, diligências probatórias, designadamente ouvir as testemunhas indicadas.
O bem comum será dividido, conforme a finalidade da ação (vide artigo 925.° do CPC) e sendo a coisa indivisível, há que proceder à sua adjudicação ou venda, havendo para tanto que designar data para a realização de conferência de interessados (artigo 929.°, n.° 2, do CPC).”
O pedido objeto da petição inicial circunscreve-se à divisão do prédio. Com o pedido reconvencional pretende a R. efetivar um direito de crédito, traduzido em benfeitorias realizadas sobre o imóvel em causa, o qual, impugnado pelo A., não é passível de ser objeto de decisão sumária, a implicar produção de prova e a tramitação dos autos sob a forma comum.
Assim, aos pedidos formulados pelo A. e pela R. correspondem, respetivamente, a forma de processo especial e a forma declarativa comum.
E se em abstrato é possível deduzir reconvenção no caso de apresentação de contestação em ação de divisão de coisa comum, verificados os requisitos substanciais e processuais, como decorre dos preceitos citados, certo é que no caso que nos ocupa, e relativamente ao pedido de divisão, já foi determinado que os autos prosseguem nos termos do disposto no artº 926º, nº 2 e 929º, nº 2 do C.P.C., o que equivale a afirmar que a sua tramitação se circunscreve à “fase de natureza executiva”.
Do preceituado nos artº 925º e ss. do C.P.C. resulta que o legislador pretendeu instituir um processo célere, de que é exemplo na fase declarativa, não se aplicar, como regra, o processo comum, mas as regras dos incidentes da instância.
A fase executiva do processo especial de divisão de coisa comum e a forma de processo comum que o conhecimento do pedido reconvencional imporia são formas de processo que comportam tramitação absolutamente distintas e manifestamente incompatíveis (artº 37º do C.P.C.), não suscetíveis de adequação.
Com efeito, a admissibilidade do pedido reconvencional determinaria o prosseguimento dos autos sob a forma comum para apreciação deste pedido (com instrução da prova, decisão de facto e de direito, eventual recurso) e só depois de proferida a respetiva decisão, se retomaria a fase executiva própria da ação especial de divisão de coisa comum, para adjudicação ou venda do imóvel.
Ou seja, não há aqui qualquer adaptação de diferentes formas de processo, mas sim duas tramitações autónomas e sequenciais, constituindo o conhecimento do pedido reconvencional uma fase declarativa a “enxertar” na tramitação regular do processo especial, assim provocando a paragem deste até à decisão daquele.
Não vislumbramos aqui qualquer adaptação formal que o Juiz possa determinar – que não fazer correr sequencialmente as duas formas de processo, como referido.
A ser este o sentido dos artºs 266º, nº 3 e  37º, nº 2 e 3 do C.P.C. estaria esvaziado de conteúdo o seu objeto, pois, no limite, todos os pedidos seriam cumuláveis, independentemente da forma do processo, para tanto bastando respeitar a tramitação própria de cada um, de forma sequencial.
Entendemos, pois, que é nesta circunstância que radica a manifesta incompatibilidade, insuscetível de adaptação formal, adaptação que terá de ter o significado de algum modo, aproximar duas formas processuais distintas, seja através de concatenação de atos de uma e outra, de supressão de outros, etc. – e não apenas “cumulação” de atos próprios de uma forma processual e de outra.
Como se refere no Ac.R.L. de 13-09-2018, disponível em www.dgsi.pt “manifesta incompatibilidade, que não se confunde com impossibilidade de adaptação. Esta, bem ou mal, de forma mais ou menos forçada, é quase sempre possível, o que não quer dizer que a tramitação dos processos em causa seja compatível.”
Entendemos, pois, que a manifesta incompatibilidade não deve ser interpretada de forma restritiva no sentido de nela apenas se abranger atos processuais contraditórios ou inconciliáveis.
Seguimos, pois, a corrente de que é exemplo o Ac.R.L. de 04/03/2010, disponível na base de dados citada:
“Com efeito, se para conhecer do pedido reconvencional se mostrar necessário proceder a instrução e respeitar o contraditório, tal exige uma tramitação que se não compagina com a do processo especial. Daí que o n.º 3 do artigo 274º do Código de Processo Civil levante esse obstáculo à admissibilidade da reconvenção – não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponda ao pedido do autor. Por isso, terá que, primeiramente, analisar-se da necessidade ou não de enxertar uma fase declaratória comum, na sequência e por força da contestação. Neste caso, se tiver sido deduzido pedido reconvencional este só pode ser conhecido em duas circunstâncias: se for ordenada a tramitação comum posterior à contestação (enxerto da ação comum); ou se for possível conhecer da reconvenção sem necessidade de instrução, isto é, sumariamente, na fase do saneador, se aí também forem conhecidas as questões que a contestação opõe é petição inicial. (…)
Se, no entanto, as questões deduzidas na contestação, no confronto com o pedido inicial, forem decididas sumariamente sem que haja de prosseguir a causa nos termos do processo comum, a reconvenção só é admissível se também dessa forma puder ser decidida.”
Em suma, face à tramitação concreta dos presentes autos de processo de divisão de coisa comum a reconvenção deduzida não é admissível.
Ainda que fosse possível adequar as duas formas de processo, sempre seria de manter a decisão recorrida, por não se verificarem os pressupostos substantivos.
Os requisitos substantivos de admissibilidade da reconvenção encontram-se taxativamente elencados no nº 2 do artº 266º do C.P.C., nos seguintes termos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
A reconvenção corresponde a uma ação proposta pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo), fundando-se num pedido conexo com o do autor. A reconvenção constitui uma contra-ação ou uma ação cruzada.
“Todos os pedidos reconvencionais devem ser conexos com o pedido do autor, porque seria inadmissível que ao réu fosse lícito enxertar na ação pendente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma.” – cfr. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 99.
O pressuposto de admissibilidade do pedido reconvencional exige mais do que uma simples conexão entre as duas causas de pedir (da ação e da reconvenção), devendo estas serem idênticas, pois é essa identidade que fundamenta o regime excecional de admissibilidade da reconvenção – Ac.R.L de 08/10/2019, in www.dgsi.pt.
O pedido reconvencional não se enquadra em nenhuma das situações previstas nas alíneas a) a d) do citado preceito legal, uma vez que:
- se trata de pedido absolutamente autónomo, sem conexão com o pedido do A., que se funda num direito de crédito, completamente alheio à causa de pedir por aquele alegada (direito real), nem  assenta em fundamentos obstativos da procedência daquele. Com efeito, a R. não contestou a contitularidade do direito real, a proporção, nem a indivisibilidade. Isto é, a R. não invocou qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão formulada pelo A. (alínea a);
- embora a R. se proponha tornar efetivo o direito a benfeitorias, não estamos no âmbito de ação em que lhe seja pedida a entrega da coisa objeto daquelas (alínea b);
- não se pretende o reconhecimento de crédito para obter a compensação ou o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor. Com efeito, não obstante a R. pretender o reconhecimento de um crédito sobre o A., não está em causa na ação um contra crédito reclamado pelo A. (alínea c).
Não se afigura legítimo equacionar que a reconvenção se destine a modificar, reduzindo-o, o eventual crédito do A., no caso de o imóvel vir a ser vendido a terceiro, por exemplo. A admissibilidade do pedido reconvencional não pode depender de condição futura e incerta, exigindo-se que os respetivos requisitos se mostrem reunidos aquando da sua dedução, sendo que o funcionamento da compensação, nos termos previstos pelo art. 847º do CC, segundo o Prof. Menezes Cordeiro, in Obrigações, 1980, 2º, 221, depende da verificação dos seguintes requisitos: a existência de dois créditos recíprocos; a exigibilidade do crédito do autor da compensação; que as obrigações sejam fungíveis e da mesma espécie e qualidade; a não exclusão da compensação pela lei; a declaração da vontade de compensar – o que não ocorre.
- o efeito jurídico do pedido do A. é pôr termo à contitularidade do direito real, enquanto que o direito que a R. pretende efetivar é o valor das benfeitorias que realizou na coisa (alínea d).
No sentido exposto cfr. Ac.R.C. de 12/03/2013 e Ac.R.E. de 22/03/2018, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim, em conclusão, não se mostram verificados os requisitos de ordem processual e substantiva da admissibilidade da reconvenção, pelo que a decisão de primeira instância se deve quedar inalterada.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo dos apelantes.

Lisboa, 25 de junho de 2020
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida
Alexandrina Branquinho