Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21777/11.2T2SNT.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: ACÇÃO DE INTERDIÇÃO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
ESTADO CIVIL
TRIBUNAL DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. No art. 114º, al. h) da Lei 52/2008, aplicável às comarcas piloto, a expressão “estado civil” encontra-se utilizada no sentido restrito, não abrangendo a acção de interdição.
2. Nessa alínea cabem as acções para o reconhecimento ou o não-reconhecimento das decisões de divórcio, separação ou anulação do casamento proferidas pelas autoridades competentes dos Estados da União Europeia.
( Da Responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. No Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Sintra, A intentou ACÇÃO ESPECIAL DE INTERDIÇÃO, nos termos dos arts. 138º, 141º e 142°, todos do Código Civil, e 944° e segs. do Código de Processo Civil, contra B , peticionando que este seja declarado interdito por anomalia psíquica, com efeitos a partir do seu nascimento.
Cumprido o disposto nos artºs 945º e 946º do CPC (e antes da nomeação de curador provisório ao requerido), o Mmº Juiz titular dos autos proferiu decisão a julgar verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal e, em consequência, declarou o tribunal incompetente em razão da matéria e absolveu o requerido da instância.
Essa decisão fundou-se na seguinte linha argumentativa:
“(…) Com a revisão da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto) são definidos três conjuntos de matérias exclusivas da competência material dos Juízos de Família e Menores: a) a competência relativa ao estado civil das pessoas e família (art. 114.°) ; b) a competência relativa a menores e filhos maiores (art. 115.°) e , por último, c) a competência em matéria tutelar educativa e de protecção (art. 116.°). Desta sorte, no âmbito da competência relativa ao estado civil das pessoas e família, a LOTJ ­redacção dada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto - introduziu duas novas matérias: primeiro, a competência para preparar e julgar processos de jurisdição voluntária relativos a uniões de facto ou de economia comum; segundo, e que interessa ao caso sub judicio, a competência para preparar e julgar outras acções relativas ao estado civil das pessoas e da família.
Aqui chegados, por definição, as acções sobre o estado das pessoas pressupõem um facto registado, que tem subjacente uma declaração de vontade capaz de ter eficácia modificativa, extintiva ou constitutiva de estado civil - Neves Ribeiro, O Estado nos Tribunais, 2.ª Edição, 1994, pág. 205 - ou seja, são acções sobre interesses imateriais que não visam realizar um interesse patrimonial. ln casu, é obrigatório o registo civil da interdição ou inabilitação, que é feito por averbamento ao assento de nascimento - art. 1º, alínea h) e 69.°, n.º 1, alínea g) do Código de Registo Civil.
Na realidade, o estado civil consiste numa situação integrada pelo conjunto das qualidades definidoras do estado pessoal que constam obrigatoriamente de registo civil, sendo o estado pessoal a situação jurídica da pessoa, especialmente no que toca, entre outras, à idade (menoridade, maioridade, emancipação), relações familiares (casado, solteiro, divorciado, viúvo), relações com o Estado (nacional, estrangeiro, naturalizado, etc.), à situação jurídica (INTERDITO, INABILITADO, ETC.) – Dicionário Jurídico, Ana Prata, pag. 509 e 510.
Por outro lado, o conjunto mais significativo destas acções declarativas encontra-se integrado no Código de Processo Civil (na parte relativa às acções que têm por objecto o estabelecimento da filiação e as relações conjugais e parentais) e na Organização Tutelar de Menores (na parte relativa às providências tutelares cíveis que têm por objecto as responsabilidades parentais).
Contudo, a competência para estas acções já se encontra taxativamente atribuída aos juízos de família e menores pelo que, em nosso entender, as acções relativas ao estado civil das pessoas que não se encontram enunciadas nessa enumeração são, designadamente, as acções de interdição e inabilitação (art. 138.° e 156.° do Código Civil e 944.° a 958.° do Código de Processo Civil) e as acções de justificação de ausência (artº 1103.° do Código de Processo Civil) - neste sentido, António Fialho, Juiz de Direito, Novos Caminhos e Desafios na Jurisdição da Família e Menores, in Revista Julgar .
Na realidade, se não tivesse sido intenção do legislador - art. 9.° do Código Civil - atribuir aos Juízos de Família e Menores competência para preparar e julgar estas acções a disposição normativa em causa seria desprovida de conteúdo útil.
Igualmente neste sentido, Emídio Santos, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, na sua obra, Das Interdições e Inabilitações, Quid Júris, 2011, pág. 35 e 36, onde se pode ler: Em sede de competência em razão da matéria há que distinguir entre: a) As acções propostas nas comarcas do Alentejo Litoral, Baixo - Vouga e Grande Lisboa Noroeste Lisboa, onde é aplicável a Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ( Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto) e b) As acções propostas na parte restante do território, cuja organização se rege pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro e pelo Decreto-Lei n. ° 186-A/99, de 31 de Maio de 1999.
Nas comarcas da alínea a), as acções de interdição e de inabilitação, quer as propostas contra maiores quer as propostas contra menores dentro do ano anterior à maioridade, mas para produzirem os seus efeitos a partir do dia em que o menor se torne maior são da competência dos juízos de família e menores (art. 114.°, alínea h) da Lei n.º 52/2008 ) ou, onde não haja juízos de família e menores, da competência dos juízos de grande instância cível ( art. 128.°, n. ° 2 da Lei nº 52/2008). Na parte restante do território são competentes para as acções de interdição e inabilitação: 1. Os juízos de competência especializada cível nas áreas onde eles existam ( art. 94.°, da Lei n.º 3/99 ) ; 2. As varas cíveis nas áreas onde as hajam (art. 97., n.° 1, alínea a) da Lei n.º 3/99); 3. O tribunal de competência genérica, onde não haja juízos de competência especializada cível ou varas cíveis (art. 77.°, n.º 1, alínea a) da Lei n. ° 3/99).
Como se pode ler no Assento n.º 1/92, em sede de relatório, D.R.n.º 134, de 11.06.1992, pag. 2794 (…) as acções sobre o estado das pessoas são aquelas cuja procedência se projecta sobre o estado civil de alguém – divórcio, separação de pessoas e bens, investigação da paternidade, impugnação de legitimidade, interdição, impugnação de impedimentos para o casamento, autorização para o casamento (…).
Por último, a incompetência absoluta do tribunal, por infracção das regras da competência em razão da matéria, constitui uma excepção dilatória - art. 101.° a 107.°, 493.° e 494.°, n." 1, alínea a) - e importa a absolvição da instância - art. 105.°,288.°, n.º 1, alínea a) e 493.°, n.º 2, todos do C.P.C.”
Inconformado com essa decisão, apelou o requerente, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
a) Compete aos Juízos de Família e Menores preparar e julgar "outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família" (art.º 114°, al. h), da Lei n° 52/2008, de 28 de Agosto).
b) Considerar que a acção de interdição/inabilitação é uma acção sobre o "estado civil" das pessoas e, por isso, passando a inclui-la no âmbito de competências dos Tribunais de Família e Menores, revela-se uma incorrecta e errada interpretação da citada norma.
Com efeito,
c) A acção de interdição é uma acção de estado, que respeita à capacidade de exercício do requerido.
d) A interdição ou a inabilitação não se incluem nem fazem parte do conceito de "estado civil", constituindo, exclusivamente; situações de facto que condicionam ou afectam a capacidade exercício da pessoa, e nada mais, não se confundindo, pois, com o seu estado civil. Assim,
e) As acções de interdição respeitam a factos atinentes à capacidade do indivíduo, não se podendo concluir que tratem de matéria atinente ao "estado civil das pessoas e família", no sentido em que é usado na referida al. h) do artº. 114° da LOFTJ.
1) O conceito de "estado civil" adoptado na referida norma, deve ser entendido na sua vertente mais restrita e no sentido usado na linguagem comum, ou seja, referindo-se apenas às relações do indivíduo com a sua família.
g) O art°. 220-A, n.º 1 do C. do Registo Civil, expressamente, diferencia e autonomiza o conceito de "estado civil" dos factos relativos à capacidade do indivíduo, embora sujeitos a registo.
h) Salvo melhor opinião, na organização judiciária prevista pela LOFTJ, nunca esteve, tácita ou expressamente, na intenção do legislador transferir a competência para preparar e julgar estas acções de interdição ou inabilitação das varas cíveis/tribunais cíveis para os tribunais/juízos de Família e Menores.
i) A presente acção deve, pois, prosseguir a sua tramitação neste Juízo de Grande Instância Cível, que é o competente em razão da matéria.
j) Foram, pois, violadas as disposições dos artºs. 114°, al. h) e o art°. 128°, nº 1, al. a), da Lei n.° 5212008, de 28 de Agosto (LOFTJ).
Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada ou anulada, determinando-se o prosseguimento da presente acção neste Juízo de Grande Instância Cível, por ser o competente em razão da matéria.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, do Código de Proc. Civil ), a questão a apreciar e decidir é tão só a de saber, em face do art. 114.°, al. h) da L.O.F.T.J. aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, quais os juízos materialmente competentes para preparar e julgar as acções de interdição: se os juízos de família e menores, se os juízos de competência especializada cível.
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III. Da questão de direito:
Por decisão proferida nos autos, entendeu-se que as acções de interdição se integram na previsão da alínea h) do art. 114º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aplicável às comarcas piloto, como a Grande-Lisboa Noroeste, competindo aos juízos de família e menores a preparação e julgamento das mesmas.
Estatui o citado art. 114º:
“ Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar:
a) Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges;
b) Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum;
c) Acções de separação de pessoas e bens e de divórcio;
d) Inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como os procedimentos cautelares com aqueles relacionados;
e) Acções de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil;
f) Acções intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil;
g) Acções e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex -cônjuges;
h) Outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família”.
A competência material dos juízos de família e menores para o conhecimento da presente acção de interdição derivaria, no entendimento do tribunal recorrido, do facto de se tratar de uma acção relativa ao “estado civil das pessoas e família”.
E a seu favor invoca uma noção de estado civil, em sentido lato, socorrendo-se da definição dada por Ana Prata (in Dicionário Jurídico, pags. 509/510), segundo a qual, o estado civil consiste numa situação integrada pelo conjunto das qualidades definidoras do estado pessoal que constam obrigatoriamente de registo civil, sendo o estado pessoal a situação jurídica da pessoa, no que toca, entre outras, à idade (menoridade, maioridade, emancipação), relações familiares (casado, solteiro, divorciado, viúvo), relações com o Estado (nacional, estrangeiro, naturalizado, etc.), à situação jurídica (interdito, inabilitado).
É esse também o sentido empregue por Pedro Pais de Vasconcelos, o qual refere que o estado civil exprime a condição jurídica da pessoa, enquanto maior ou menor, capaz ou incapaz (in Teoria Geral do Direito Civil, 2008, 5ª edição, pag. 96).
Dissentindo deste entendimento, o apelante propugna que no art. 114º al. h) o legislador utilizou o conceito de estado civil na sua vertente mais restrita, referindo-se apenas e tão só às matérias atinentes à relação do indivíduo com a família, não integrando a matéria da interdição.
A questão da competência material dos tribunais piloto para conhecer da acção de interdição têm sido alvo de respostas diferentes por parte deste Tribunal da Relação de Lisboa.
Assim:
Nos acórdãos de 29-05-2012, 29-05-2012, 29-05-2012 e 26-06-2012, no âmbito dos processos n.ºs 3928/12.1T2SNT.L1 (relatado pela Des. Rosário Gonçalves), 21427/11.7T2SNT.L1 (relatado pela Des. Maria João Areias), 1188/12.37T2SNT.L1 (relatado pela Des. Maria do Rosário Morgado) e 20639/11.87T2SNT.L1 (relatado pelo Des. António Santos), respectivamente, entendeu-se que nas comarcas abrangidas pela LOFTJ de 2008 a competência para preparar e julgar as acções de interdição cabe aos juízos cíveis.
Diversamente, no acórdão de 31/05/2012, proferido no processo n.º 13466/11.4T2SNT.L1 (relatado pelo Des. Jorge Leal), entendeu-se que essa competência recai sobre os juízos de família e de menores.
A questão a dirimir passa, primacialmente, pela aferição do conceito de “estado civil das pessoas e família” empregue na alínea h) do citado art. 114º: se um conceito amplo, abrangendo nele a acção de interdição, se um conceito restrito, abrangente apenas das acções sobre o estado civil relativo à família.
E, como se escreveu no citado acórdão de 26/06/2012, “o estado civil, será da pessoa/s ou individual, ou da família, consoante diga ele v.g. respeito, respectivamente, às “características” físicas da pessoa e/ou capazes de influenciar seu modo de agir ou diga respeito à posição da pessoa na família”.
Reconhece-se que o registo civil português, na actualidade, não se limita ao registo do estado civil em sentido restrito, e é com o sentido mais amplo que no art.º 211.º do CRC se expende que “Os factos sujeitos a registo e o estado civil das pessoas provam-se pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão” (nº 1).
Porém, como se refere no Ac. de 29/05/2012 (proferido nos autos 21427/11.7T2SNT.L1), na linguagem corrente, e por vezes na própria terminologia legal, estado civil tem um sentido mais restrito, atinente à posição da pessoa face ao matrimónio (solteiro, casado, divorciado, separado, viúvo).
Efectivamente, é esse o sentido que se tem em vista no art. 7º, nºs 1 e 2 do CRC, onde se faz referência ao “estado ou à capacidade civil” dos cidadãos; no art.º 69º, al. r), onde se determina o averbamento ao assento de nascimento de todos os factos jurídicos que modifiquem “os elementos de identificação ou o estado civil do registado”; no art. 220º-A, onde se refere que “A base de dados do registo civil tem por finalidade organizar e manter actualizada a informação respeitante à nacionalidade, ao estado civil e à capacidade dos cidadãos”; e ainda nos arts. 126.º n.º 1 al. a) e b), 132.º n.º 2, 136.º n.º 2 al. a) quando, na identificação de intervenientes de determinados actos, se exige a menção do seu “estado”
Sendo assim, importa concluir que a lei portuguesa utiliza a expressão “estado civil” em diferentes sentidos.
Comportando tal expressão dois sentidos, importa procurar a sua significação em outros elementos interpretativos.
O elemento gramatical:
No art. 114º al. h) utiliza-se a expressão “estado civil das pessoas e família”.
A utilização de uma conjunção coordenativa aditiva (“e”) ao interligar estado civil das pessoas e família, parece apontar para um conceito mais restrito de estado civil, ao ligá-lo à família, ou seja, às matérias atinentes à relação do indivíduo com a família.
Elemento histórico (trabalhos preparatórios):
Estabelece o nº 1 do artigo 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada
Pode dizer-se que “o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, volume 1º, 4ª edição, pags. 58/59.
Ora, como nos dá conta o Ac. desta Relação de 31/05/2012 (proferido nos autos n.º 13466/11.4T2SNT.L1):
“Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 187/X, que deu origem à LOFTJ 2008, no que concerne à competência material dos diversos tribunais apenas se refere, como sendo uma das linhas de orientação do diploma, “apostar no reforço da justiça especializada no tratamento de matérias específicas, como sejam, família e menores, comércio, trabalho, níveis diferenciados de criminalidade.” No Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (DAR II série A n.º 91/X/3, de 03.5.2008), a respeito dos juízos de família e menores escreveu-se “de referir que se atribui aos juízos de família e menores a competência para preparar e julgar processos de jurisdição voluntária relativos a situação de união de facto ou economia comum – cfr. art.º 113.º alínea b) – e acções de investigação da maternidade e paternidade – cfr. art.º 114.º, n.º 1,alínea l), competências que não se encontram actualmente acometidas aos Tribunais de Família e Menores.”
Na Proposta de Lei o artigo correspondente ao actual art.º 114.º (art.º 113.º), tinha como epígrafe “Competência relativa ao estado das pessoas e família”, e na alínea i) (correspondente à alínea h) do art.º 114.º da LOFTJ) escrevia-se “Outras acções relativas ao estado das pessoas e família.”
Apontava-se, pois, para um conceito mais amplo que o de estado civil (…). Porém, em sede de discussão na especialidade, na sequência de proposta oral apresentada pelo PSD, acrescentou-se a palavra “civil” à palavra “estado” (DAR II série A n.º 137/X/3, 19.7.2008)”.
Assim, apenas se sabe que foi propósito do legislador alargar a competência dos tribunais/juízos de família e menores aos processos de jurisdição voluntária relativos a situação de união de facto ou economia comum e acções de investigação da maternidade e paternidade, competências que não se encontram actualmente acometidas aos Tribunais de Família e Menores.
Não se descortina, pois, ter sido intenção do legislador, alargar a competência dos tribunais de família, em razão da matéria, para conhecimento das acções de interdição.
Elemento sistemático:
Estabelece o art. 140º do CC, sob o título, competência dos tribunais comuns, que pertence ao tribunal por onde corre o processo de interdição a competência atribuída ao tribunal de menores nas disposições que regulam o suprimento do poder paternal.
Ora, esta disposição legal manteve-se inalterada após a entrada em vigor da Lei 52/2008.
Embora a revogação possa ser tácita (art. 7º, n.º 2, do C.C.), o certo é que, como se escreveu no acórdão de 29-05-2012, proferido no processo n.º 21427/11.7T2SNT.L1, “se o legislador tivesse pretendido operar uma alteração de tamanho impacto na esfera de competência dos tribunais de família e menores (tais acções sempre estiveram confiadas aos tribunais cíveis), tê-lo-ia feito de modo directo e inequívoco, contemplando as acções de interdição e inabilitação e de declaração de morte presumida expressamente numa das suas alíneas, em vez de as fazer incluir numa alínea residual, susceptível de interpretações dúbias”.
Divergimos, por isso, do entendimento expresso no acórdão de 31-05-2012 (proferido no proc. n.º 13466.11.4) supra citado, quando afirma que atribuir à expressão “estado civil” sinonímia com o conceito corrente e mais restrito de posição das pessoas perante o matrimónio retiraria qualquer efeito útil à alínea h) do art. 114º.
É que nessa alínea cabem, a nosso ver, as acções para o reconhecimento ou o não-reconhecimento das decisões de divórcio, separação ou anulação do casamento proferidas pelas autoridades competentes dos Estados da União Europeia (vide arts. 21º, 22º e 68º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho e lista dos tribunais publicada no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 40, de 17 de Fevereiro de 2005).
Concluímos, assim, que no art. 114º, al. h) da Lei 52/2008, a expressão “estado civil” encontra-se utilizada no sentido restrito, não abrangendo a acção de interdição.
Procede, por isso, a apelação.
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Sumário:
(…)
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IV. Decisão:
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se o tribunal recorrido materialmente competente para preparar e julgar a presente acção de interdição.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 12 de Julho de 2012

Manuel Ribeiro Marques - Relator
Pedro Brighton - 1º Adjunto
Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta