Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
369/11.1T2AMD.L1–2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: PROMOÇÃO
PROTEÇÃO DE MENORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:

I - Se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento devem ser especificados nas conclusões da alegação do recurso; sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente importa que os pontos de facto que ele considera incorrectamente julgados sejam devidamente concretizados nas conclusões, sem o que o tribunal de recurso de tal não poderá conhecimento.
II – Não satisfaz os ónus que a lei processual lhe impõe o apelante que genericamente refere que deve ser dado como provado tudo aquilo que alegou.
III - Prevendo o nº 1 do art. 1978 do CC a confiança do menor, com vista a futura adopção, quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, ocorrendo a verificação objectiva das situações ali referenciadas (sendo a sua enumeração de carácter taxativo) ao lado dos fundamentos objectivos além enumerados haverá que demonstrar que, efectivamente, não existem ou estão seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação.
IV – Provando-se que a situação que despoletou o processo foi a pobreza extrema, não se pondo em causa as competências da progenitora como mãe nem o afecto dela para com as crianças e das crianças para com ela, revelando-se os encontros entre a mãe e os filhos institucionalizados, embora escassos na quantidade, satisfatórios em termos afectivos, gostando as crianças da mãe e querendo viver com ela e sempre havendo esta declarado pretender ter os filhos consigo, surgindo uma oportunidade de tal suceder, não é de negar a sua concretização.
V – No caso não foi suficientemente caracterizado um desinvestimento afectivo da mãe para com os menores, um desinteresse relativamente aos filhos; além de que o aludido desinteresse haveria que ter comprometido seriamente a qualidade ou continuidade dos vínculos afectivos ou levado à sua ruptura. Essa ruptura ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, face aos factos apurados não se encontra demonstrada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:

                                                                       *

            I – Em Março de 2011 o Magistrado do Ministério Público junto do Juízo de Família e Menores da Amadora, Juiz 2, intentou processo de promoção e protecção a favor dos menores ID e RM, filhos de CP e de BO.

    Em Março de 2012 foi celebrado acordo de promoção e protecção a favor dos menores ficando estes sujeitos à medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição pelo período de um ano, com visitas dos pais, obrigando-se a mãe a diligenciar pela melhoria da sua situação habitacional e profissional para os poder receber, acordo que foi homologado por sentença (fls. 178-180).

  Prolongou-se a situação dos menores, acolhidos em instituição – situação, aliás, prévia ao início dos presentes autos, por medida decretada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens – vindo o Ministério Público, em 15-2-2016, a promover a aplicação aos menores da medida de confiança à instituição que os acolhe, CAT Abei Vialonga, com vista à sua futura adopção (fls. 513-514).

  O Ministério Público alegou por escrito (fls. 522-538), também o fazendo a progenitora (fls. 540-545).

            Entretanto, em 13-1-2017 foi proferida decisão determinando a transferência das crianças para se reunirem à mãe na Casa Abrigo «O Refúgio» (fls. 633-636), decisão da qual foi interposto recurso que subiu imediatamente e em separado (fls. 762).

            Teve lugar debate judicial.

   A final foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

  «Pelo exposto, tudo visto, em conformidade com as supra referidas disposições legais e sem necessidade de mais considerações, mantém-se a medida de acolhimento residencial e decide-se pela transferência imediata, das crianças ID e RM (acolhidos no CAT da Abei de Vialonga) para se reunirem à sua mãe na Casa Abrigo O Refúgio».

  Apelou o Ministério Público, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:

1.   A sentença recorrida sofre de um erro na apreciação da prova e faz uma incorrecta subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis, em clara violação de lei.

2 Da prova produzida em sede de debate judicial não ficou provado existir uma forte ligação afectiva entre a progenitora e seus filhos nem de vinculação afectiva típica da filiação entre uns e outros mas antes, pelo contrário, de que o ID e o RM estão em processo de desvinculação pela falta de investimento por parte dos seus progenitores.

3. Ficou demonstrado que se encontram seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, por um lado, porque estando acolhidas desde Março de 2011 estas crianças pouco ou nada conviveram com a sua mãe e com o seu pai, ou com estes falaram, revelando os seus progenitores, assim e de forma inequívoca, desinteresse pelas suas vidas comprometendo seriamente a relação ma/paterno-filial que entre eles deveria existir.

4.  O ID e o RM foram acolhidos no ABEI Vialonga no dia 6.1.2012 mas já desde 11.3.2011, estavam acolhidos institucionalmente. Estão decorridos SEIS ANOS de acolhimento institucional.

5.         No 1° ano de acolhimento a progenitora telefonou e visitou os seus filhos com regularidade, sendo as visitas adequadas e afectuosas, o que com o decurso do tempo se alterou de forma radical, redundando em abandono. O decurso dos anos revelaram um desinteresse progressivo dos progenitores em relação aos filhos, designadamente, pela escassez de contactos e cuidados pessoais, afectuosos com os filhos (estes últimos inexistentes quanto ao progenitor), pela ausência de preocupação quanto ao bem-estar destes, inexistindo telefonemas para os técnicos tendentes a apurar da sua saúde (físico e emocional) e percurso escolar dos filhos. Mesmo depois de acolhida em Moura não mudou de atitude.

6.   Veja-se o número de visitas efectuadas pela progenitora: 2013 - três: 2014 - uma (após nove meses de ausência); 2015 - duas (uma em março e outra em agosto); 2016 - duas (uma em julho outra em novembro).

7.  Com o passar destes anos, o ID e o RM apresentam-se crianças emocionalmente desamparadas e extremamente carentes, revelam imaturidade, carência afectiva, com desapego da figura materna, tendo deixando há muito de falar na progenitora, transferindo os seus afectos para os técnicos do CAT.

8.    Desde o ano de 2014 que a equipa técnica do CAT ABEI Vialonga e a Equipa de Crianças e Jovens da Amadora manifestaram a preocupação com a saúde e bem-estar destes irmãos, apelando a que se definisse no mais curto espaço de tempo o seu projecto de vida. Diversas entidades e técnicos trabalharam ao longo dos anos junto desta mãe e com ela para a reversão desta situação. E estamos a falar para além deste Tribunal e do CAT ABEI Vialonga, da Comissão de Protecção das Crianças e Jovens da Amadora, a Comissão de Protecção das Crianças e Jovens de Oeiras, a Junta de Freguesia da Falagueira, a ECJ da Amadora, o Lar A. Luí de Oliveira, o CEBI da Ericeira, as casas abrigo de Viana do Castelo, Sines, Viana do Castelo, Estremoz, Lisboa, Seixal. Tudo em vão.

9.  Todas as oportunidades foram dadas a esta família para a reestruturação familiar tendo em vista a sua reunificação. Sem sucesso. Há dúvidas? Quantas mais oportunidades se pretende dar a esta mãe? E as estes crianças?

10. Quando em março de 2016 o Ministério Público alegou verifica-se já a necessidade de uma intervenção judicial urgente por parte do Tribunal porquanto volvidos anos de acolhimento com progressivo afastamento dos progenitores - ao limite do abandono- agravava-se o perigo do seu bem-estar, da sua saúde psíquica e psicológica e do seu desenvolvimento. Efectivamente no ano antecedente - em 2015   os progenitores fizeram apenas três visitas aos filhos: a mãe duas e, o pai, uma.

11.   Apesar da urgência na adopção de uma medida protectiva destas crianças, o Tribunal nada decidiu num ano, violando o princípio da intervenção precoce, da actualidade e defesa do superior interesse destas crianças, mantendo-se sem decidir enquanto a mãe requeria exames psicológicos à sua pessoa, faltava despudoradamente às convocatórias para comparência no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP (10.12.2015; 16.12.2015: 18.4.2016; 21.6.2016 e Nov.2016), tendo sido por duas vezes notificada para confirmar se mantinha o propósito de se submeter à perícia. Desde 2015 que o Tribunal aguardou, em vão, que estes exames se fizessem.

12.       A manutenção dos vínculos próprios da filiação estão há anos grave e seriamente comprometidos pela ausência destes progenitores. Não é de hoje nem de ontem. Nem se mostram menos comprometidos, como se procura fazer crer na sentença em crise, pela ajuda que a mãe se encontra a ter presentemente na casa de abrigo em Moura nem tão-pouco por saber cuidar do H.

13.   E isto apesar de os menores, em Fevereiro de 2015, terem afirmado neste Tribunal, o que reafirmaram no debate - ser seu desejo regressar a casa da sua mãe -, a verdade é que esta é a única que conhecem e aquela que idealizam. Mas para além da perspectiva estritamente genealógica e biológica, a BO não se apresenta como mãe destas crianças, pelo que é apenas neste contexto que se podem interpretar as declarações dos menores neste Tribunal.

 14.  Esta asserção não é nossa mas técnica e consta descrita e relatada nos autos do qual ressalta que estas crianças têm uma imagem fantasiada da mãe que não é para elas uma figura securizante: que a progenitora continua a não manifestar qualquer interesse em conhecer as rotinas dos filhos, nunca tendo feito um único pedido sequer para saber do estado dos mesmos, nem mesmo depois de pedir o reunificação familiar em Moura, .. Como se pode fazer um juízo de prognose favorável perante a manutenção da mesma conduta de indiferença já conhecida do Tribunal?

15.    Em que se baseia o Tribunal para dar como assente o que dá no ponto 90 de que as crianças gostam muito do mãe e querem viver com a suo progenitora?

16.   Também o disseram em relação ao pai. O Tribunal ponderava entregá-las ao pai que, mal por mal, não vive institucionalizado? Essa hipótese nem se coloca ...

17.   Salvo o devido respeito, da prova produzida em sede de debate judicial não ficou provado existir uma forte ligação afectiva entre a progenitora e seus filhos, e/ou vice-versa. O que foi possível provar é que existe uma ligação biológica entre uma e outros que não se consubstancia na transmissão de afectos nem de emoções nem tão pouco de acompanhamento da vida de uns e de outros. Os menores não conhecem outra vida com a progenitora que não o que têm mantido nestes últimos anos (de abandono), sendo certo que se manifestam desejosos de ter outra vida. Ser mãe é algo mais do que simplesmente ser funcional. Tanto assim é que a avaliação do estado emocional destas crianças se encontra descrita nas avaliações psicológicas realizadas no CAT onde se descrevem carências básicas de afecto de abandono afectivo, de relação funcional e genealógica com os progenitores, ausência de vinculação afectiva filial.

18.  Tal escassez de contactos dos pais, traduziu-se inevitavelmente e de forma objectiva e notória no comprometimento sério dos vínculos afectivos próprios da filiação, nos termos da alínea e) do arfo 1978° do Cód.Civil.

19.       O Tribunal não apreciou, portanto, devidamente os relatórios psicológicos elaborados pelo CAT ABEI de Vialonga bem assim o depoimento da Sra. Dra. AC, sendo estes os mais valiosos elementos probatórios destes autos, pois se tivesse apreciado devidamente teria concluído que a entrega destas crianças à mãe biológica ao fim de seis anos de acolhimento viola todos os princípios estruturantes do sistema de promoção e protecção mormente da intervenção precoce, actualidade, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e do interesse superior da criança e do jovem estabelecidos no art. 4º da LPCJP mormente os constantes das alíneas a), c), d), e) e g) e h).

20.       Sustentar, como se sustenta na decisão em crise, que os laços biológicos por si só constituem uma vinculação filial e que estas crianças encontram o seu bem-estar junto da mãe BO apenas porque o verbalizam; e que por si só aqueles trarão a estabilidade que estas crianças frágeis precisam é, quanto a nós, uma conclusão errónea e que não encontra base segura na prova produzida.

21.       A vinculação estabelece-se com tempo e frequência na relação e mede-se - no caso da filial/maternal - na adversidade. Em ambos os crivos, a vinculação que se apura é indiferenciada. A vinculação que se apura em nada se assemelha à própria da filiação. Esta mãe não se apresenta para estes seus filhos biológicos como figura de referência nem lhes dá sentimento de segurança e protecção.

22.       Como se pode pensar que existem vínculos próprios de mãe e filhos com o número de visitas que se fizeram durante os anos de acolhimento. Desde o ano de 2013, oito visitas. Estamos perante um quadro de abandono institucional.

23.       A vinculação entre mãe e filhos tem que ser objectivamente avaliada e não pode concluir-se pela sua (in)existência apenas com base na observação pelo Tribunal, em sala de audiência, por escassos minutos, uma vez em 2015 e outra em 2017, e apenas porque perguntadas as crianças dizem gostar da mãe e querer viver com ela ... pois então o que haveriam de dizer crianças com 8 e 9 anos em acolhimento há SEIS?

24.   O desinteresse da alínea e) do nº l do art.1978° Cód.Civ. é notório e não apenas subjectivo sendo irrelevante a alegação e prova da subsistência de um vínculo afectivo de ordem exclusivamente subjectiva, como in casu, pelo o Ministério Público entende, pois, estarem verificados todos os pressupostos estabelecidos no art. 1978° do Cód.Civ.

25.  A Sra. Dra. AC não teve dúvidas em afirmar que esta mãe desinvestiu tanto nos filhos que deixou de estabelecer com eles qualquer vinculação que se assemelhe à filiação, colocando - concluímos nós - estas crianças em condições de se ponderar se o seu projecto de vida pode ou não passar pela confiança com vista à sua futura adopção.

26.   Considera o Ministério Público que se à justiça protectiva não foi possível fazer estas crianças regressar ao seio materno em tempo útil, não cremos que chegados a este ponto, o deva impor agora, justificando-se apenas nos vínculos biológicos e nas condições logísticas de uma casa de abrigo cujos técnicos nada sabem a seu respeito e da dinâmica relacional (in)existente entre mãe e filhos.

27.    Se é verdade que o acolhimento destas crianças em 2011 foi determinado pela instabilidade decorrente da carência económica, também é verdade é que muitos milhares de dias foram vividos, depois desse momento, por estas crianças em claro abandono institucional, concluindo-se hoje, com segurança, que já não são questões de falta de apoio económico que impedem esta mãe do exercício da maternidade com relação a estes filhos.

28.   O amor maternal exige vinculação filial que não no caso existe. E vice-verse. E o amor não se alcança porque judicialmente se decide que uma mãe tem que passar a amar os seus filhos e a pautar a sua conduta em conformidade com tal amor; não se alcança com depoimentos bem-intencionados de técnicas de uma Casa Abrigo cujo vocação é apoiar mulheres vítimas de Violência Doméstica e não acolher crianças na situação concreta destas duas, nem com sessões de formação parental.

29. A BO é uma mulher com competências e um discurso sedutor, que foi desperdiçando as oportunidades que ao longo dos anos lhe forem proporcionadas, conseguindo ainda hoje afirmar, despudoramente, não lhe terem sido prestados, A BO não tem como nunca teve um projecto de vida para o ID e para o RM. As suas caraterísticas pessoais foram-se sempre sobrepondo à concretização de um projecto de reunificação familiar, com manipulação, com mentiras, com impulsividades e confrontação em todas as casas de abrigo em que esteve acolhida. A sua instabilidade emocional reverteu-se sempre de forma negativa para estas crianças, culminando no seu abandono. As relações afectivas que estabelece são pautadas por instabilidade que se reflectirão negativamente sempre nos mais pequenos seres que tenho a seu cargo.

30. A Bruna decidiu, como o afirmou no debate judicial, "agora quero ter os meus filhos comigo" e, o Tribunal ao invés de salvaguardar os interesses destas crianças, decidiu satisfazer o desejo egoísta desta mãe e entregar-lhe as crianças, decisão que manifestamente não protege o superior interesse destas.

31. O Ministério Público concluiu existirem diversos e inultrapassáveis óbices à reintegração familiar destas crianças.

32.  O primeiro dos quais o da verificação de um notório e objectivo desinteresse desta mãe por estes filhos, um grave e sério comprometimento da vinculação afectiva própria da filiação que a pôs em causa de forma irremediável.

33.   O segundo porque o sucesso de qualquer reunificação familiar - dizem-no todas as evidências técnica-científicas - pressupõe prévios visites parentais de forma frequente e de qualidade afectiva, conhecimento da vida através de telefonemas, com o trabalho psicológico intenso com as crianças, o que sabemos ser inexistente;

34.    O terceiro porque esta progenitora não sabe viver sem ser do assistencialismo em claro abuso da rede de abrigo de vítimas de Violência Doméstica;

35.  O quarto, porque as características pessoais desta mãe biológica antecipam não um juízo de prognose favorável como se afirma na sentença, mas antes muito desfavorável porque esta mãe já demonstrou à saciedade não ter qualquer capacidade de mudança, de vivência autónoma e de capacitação parental.

36.    Como apreciar o facto de mesmo depois de a casa abrigo de Moura ter requerido a reunificação familiar e se ter penhorado (em nome da deste mãe) esta mulher continue sem telefonar para se inteirar da vida dos filhos, a fim de preparar o seu ansiado regresso? Estamos perante uma mãe que não padece de qualquer deficit cognitivo, pelo contrário, trata-se de uma mulher inteligente e capaz.

37. A progenitora destas crianças manifesta portanto uma incapacidade parental que só não foi possível demonstrar pericialmente porquanto a mesma nunca compareceu ao exame psicológico por si mesma requerido.

38.    Para defender solução diferente importaria conhecer as reais e concretas competências parentais desta mãe que a manter-se presente na vida destes menores teria que ter sido consistente e consequente, interessando-se por conhecer os sues rotinas, o seu estado de saúde física e anímica, os seus problemas e necessidades, sobre o seu percurso escolar mobilizando-se de forma activa e efectiva para os receber quer sob o ponto de vista pessoal quer económico e habitacional.

39.     Esta sua incapacidade parental tem posto e continua a por em sério e grave perigo a saúde psíquica dos seus filhos que se têm conformado a anos de institucionalização sem sequer dar regularidade e continuidade às visitas de relevância sobejamente sabida para que se estabeleça e/ou mantenha uma vinculação própria da maternidade/filiação e para a qual foi bem esclarecida.

40.  É verdade que a progenitora manifesta querer ter os filhos consigo. Mas também é certo que durante todo o período de acolhimento nunca criou condições para que tal desejo se materializasse. Na verdade, a mãe biológica destas crianças mantém hoje o mesmo padrão de desinteresse que começou a revelar nos idos anos de 2013, e apesar de todo o esforço efectuado para o seu envolvimento na vida dos menores não se obteve qualquer sucesso.

41. Esta mãe continua ao fim de seis anos de acolhimento a não ter condições mínimas para ter os seus filhos consigo. Pela sua atitude e personalidade demonstrados à saciedade, a mãe destes menores continua presentemente a não se apresentar como alternativa ao acolhimento. É legítimo manter estas crianças em acolhimento de forma indefinida? Agora em Moura, mais tarde quiçá noutra região do país? Quando é que o Tribunal dá uma verdadeira e consistente oportunidade de VIDA a estas crianças?

42.  Os especialistas não têm dúvidas em afirmar que acolhimentos sucessivos causam perturbações graves ao nível da vinculação - vinculações perturbadas, inclusivamente, patologia descrita nos manuais de psiquiatria - que vai impedir que as crianças, futuros adolescentes, criem relações preferenciais. O futuro de adolescência destas crianças aliado à instabilidade desta mãe estritamente biológico avista-se catastrófico.

43.  Estas crianças estão muito carentes. Integraram-se bem no CAT, têm feito uma evolução positiva e apresentam bom comportamento; encontram-se acomodadas à institucionalização, não reagindo às ausências da progenitora mantendo-se ainda resilientes.

44.    As equipas técnicas em articulação (ECJ da Amadora e ABEI Vialonga) entenderam desde 2014 que estas duas crianças precisam de ver definido em definitivo o seu projecto de vida. A progenitora foi devidamente informada e esclarecida.

45.  O pai é pessoa ausente da vida dos filhos a assume-o com humildade. Não existe família alargada com condições de constituir como alternativa, tendo já sido exploradas, sem sucesso, todas as possibilidades.

46. O que se extrai da prova produzida é esclarecedor quanto à qualidade e intensidade da relação mãe/filhos (o contrário do que é dado como provado na sentença) e às condições que os menores apresentam para socializar, ou seja, à disponibilidade interior e afectiva para vir a integrar uma família adoptiva, ao contrário do afirmado na douta sentença recorrido quando se afirma que os meninos "muito dificilmente seriam adoptáveis".

47.  Corroborando o parecer das equipas técnicas entende o Ministério Público que o ID e o RM não podem manter-se nesta situação de acolhimento indefinidamente, por incapacidade desta progenitora (que se percebeu já Se vai perpetuar) de se assumir como tal, importando encontrar urgentemente uma família que se constitua como alternativa à biológico.

48.  Efectivamente, dos factos relatados pelas técnicas e constantes dos relatórios resulta que estes meninos têm desejo e vontade de ter uma família, que estão afectivamente adoptáveis. Estas conclusões extraem-se dos factos que constituem o modo de viver descrito pelas técnicas que diariamente as acompanham.

 49.      Constitui, na nossa perspectiva, realidade evidente e inegável a necessidade de intervenção judicial relativamente a estes dois menores que se veem com esta sentença de que ora se recorre condenados ao acolhimento uma vez que a sua mãe biológica volvidos todos estes anos não tem autonomia de vida, continuando a viver do assistencialismo.

50.       Em face da prova produzida entendemos que não pode deixar de se dar como assente tudo o que o Ministério Público alegou porquanto nenhum dos factos alegados foi dado como não provado. Assim, a decidir-se como se decidiu estamos perante um caso de omissão de pronúncia que inquina a presente sentença. Mais. Por tudo quanto se expos se conclui ter existido uma errada apreciação da prova e um errado enquadramento jurídico em face da prova produzida,

51.   pelo que o Ministério Público entende que a medida de promoção e protecção que de acordo com os princípios enformadores desta jurisdição protectiva de menores e a que melhor se adequa à situação especialíssima do ID e do RM é a de confiança judicial com vista à sua futura adopção do artigo 35 o, nº 1, alínea g), da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, decisão pela qual pugna.

   A progenitora contra alegou nos termos de fls. 897 e seguintes.

    Entretanto, em 11 de Abril de 2017, pela equipa técnica do CAT da ABEIV foi dado conhecimento ao Tribunal de que os menores, naquela data, haviam passado a residir com a mãe na Casa Abrigo «O Refúgio», em Moura (fls. 885).

                                                                       *

  II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1. Os menores ID e RM nasceram a 12.04.2007 e 28.09.2008, respectivamente, e são filhos de CP e de BO (fls. 79/80).

2. O IDe o RM foram sinalizados à Comissão de Protecção das Crianças e Jovens, por anónimo, em Maio de 2008, porquanto os progenitores ocupavam e habitavam ilegalmente, à data, uma casa camarária e o pai não tem regularizada a sua situação documental.

3. A Comissão de Protecção das Crianças e Jovens começou a acompanhar esta família em Agosto de 2008, apoiando-a, tendo aplicado medida de apoio junto dos progenitores, ao Igor, em 26.2.2009 e ao RM, em 23.3.2010 (fls. 11/16).

4. Nesse contexto, os progenitores fizeram cursos de formação de competências parentais, foram ajudados na procura activa de emprego bem assim como de habitação e ainda na regularização da situação de indocumentação do progenitor em território nacional (situação que ainda hoje se mantém).

5. Os progenitores não tinham habitação, ocuparam ilegalmente uma casa, foram despejados e, em consequência, mudaram de residência vivendo em casas de amigos e pensões.

6. Os serviços de Segurança Social adiantaram aos progenitores do ID e do RM a quantia de € 700,00 para arrendamento de uma habitação, o cheque foi recebido pelos progenitores mas a casa não foi arrendada devido a infiltrações.

7. A progenitora foi localizada a dormir com os menores em vão de escadas (fls. 112).

8. Os serviços da Segurança Social procuraram, sem sucesso, vaga em instituição que acolhesse mãe e filhos conjuntamente (foram contactadas quatro instituições que acolhem mães e filhos, nenhuma tinha disponibilidade de vaga - fls. 33).

9. Os menores foram, então, acolhidos de emergência no dia 11.3.2011 no Lar Escola Fundação António Luís Oliveira, em Lisboa (fls. 17).

10. As crianças tiveram facilidade em relacionar-se com os adultos e com os educandos acolhidos, tendo despertado a simpatia de todos, comem bem e brincam bastante, aparentando sempre boa disposição, embora o RM chore na hora de adormecer e chame muito pela mãe.

11. A progenitora manifestava-se cuidadosa e preocupada com o bem-estar dos filhos, cumprindo o regime de visitas estabelecido e mantendo contactos permanentes e estreitos com a creche que os mesmos frequentavam (fls. 32/3).

12. As crianças expressavam felicidade ao ver a mãe, sentindo os menores conforto pela presença e afecto da mãe (fls. 34).

13. Os progenitores tiveram acompanhamento da Associação Laços & Afectos, onde frequentaram 2 cursos de promoção das competências parentais, tendo-se revelado participativos e empenhados nas acções desenvolvidas (fls. 32).

14. Os dois menores mantinham um vínculo afectivo com a progenitora o que já não sucedia com o progenitor com quem mantinham uma relação mais próxima da amizade do que filial.

15. Os progenitores separaram-se, mas mantêm um diálogo cordial relativamente às questões das crianças (fls.51).

16. No dia 17.03.2011 em reunião com a ECJ da Amadora, considerou-se que a relação da mãe com os filhos deve ser preservada, sendo a melhor alternativa a integração em equipamento de mãe e filhos, facilitadora de um acompanhamento próximo da progenitora, que a ajudará na reorganização da sua vida (fls. 34).

17. A progenitora subscreveu declaração onde afirma desejar ser acolhida com os seus filhos, em qualquer local do país, porque o que mais deseja é estar junto deles (fls. 38).

18. O Lar Escola Fundação António Luís Oliveira concluiu que pela observação directa da mãe, na relação com os seus filhos, assim como o aspecto cuidado em que estes se encontravam, em termos de saúde, higiene e desenvolvimento geral, esta mãe demonstra ter condições para desempenhar as funções maternas, exceptuando-se pela situação de pobreza económica que resultou na ausência de um lar para esta família (fls. 34/35).

19. O Centro Infantil concluiu que a mãe mantém uma boa relação com as técnicas e auxiliares, cumprindo as ordens e trazendo tudo o que era solicitado, mantém uma boa relação de afectividade com as crianças, que expressavam felicidade ao vê-la, demostrou ser uma mãe muito preocupada, questionando a Educadora e as Auxiliares, como tinha decorrido o dia dos filhos, e tinham comido tudo e o que tinham aprendido de novo (fls. 36/37).

20. A mãe e filhos foram acolhidos na Comunidade de Inserção para Famílias Monoparentais da Fundação CEBI - Ericeira, no dia 28.03.2011 (fls.82).

21. Em Agosto de 2011, o CEBI - Ericeira relatou que após um período de adaptação a progenitora se começou a revelar desafiante, desadequada, desrespeitadora. Mais relatou que começou a revelar instabilidade nos cuidados prestados aos menores, oscilando entre comportamentos de negligência e de autoritarismo com estes (fls. 106/107).

22.    O progenitor considera que a progenitora é boa mãe mas é mentirosa.

23.    A progenitora sempre negou ter dormido com os filhos em vão de escadas.

24.   Em Novembro de 2011, o CEBI - Ericeira informou que a mãe se ausentou por dois dias da instituição deixando os menores a cargo de uma outra utente (fls. 133/134).

25. O CEBI - Ericeira mostrou-se indisponível para manter a progenitora e menores acolhidos (fls. 134).

26. A progenitora tem consciência que incumpriu o acordo e com as regras da instituição CEBI - Ericeira, esteve a trabalhar num restaurante nos Bombeiros e está inscrita na Escola das Profissões de Mafra, para um Curso e Ajudante e Lar e outro de Cozinha, não tem para onde ir com os filhos, concluindo-se que apesar de se preocupar com os filhos, não tem condições para ficar com estes nomeadamente habitacionais e económicas (fls. 138/139).

27. Os serviços da Segurança Social procuraram novamente - mas sem sucesso - vaga em instituição que acolhesse mãe e filhos conjuntamente (fls. 139/143).

28.    Foram, então, os filhos separados da sua mãe.

29.  Os menores foram acolhidos no CAT ABEI Vialonga em 6.1.2012 (fls.169).

30.  Os progenitores celebraram neste Tribunal acordo de promoção e protecção em Março de 2012 aplicando-se a favor dos menores a medida de acolhimento residencial. Comprometeram-se ambos, à data, a criar condições de vida para que os seus filhos regressassem ao seio familiar mantendo entretanto relação afectiva regular e estável com os filhos, visitando-os e deles cuidando no CAT (fls. 178/180).

31. No primeiro ano de institucionalização (2012) por dificuldades económicas da mãe, agendaram-se visitas com periodicidade quinzenal: a progenitora visitou os filhos: duas vezes no mês de Janeiro, duas vezes no mês de Fevereiro, nenhum dia no mês de Março, uma vez no mês de Abril, nenhum dia nos meses de Maio, Junho, Julho; um dia no mês de Agosto; um dia no mês de Outubro, nenhum dia nos meses de Setembro, Novembro e Dezembro.

32. As visitas revelavam a existência de um vínculo afectivo entre mãe e filhos, com manifestações de satisfação e alegria das crianças, que procuram o seu colo, a progenitora é carinhosa e afectuosa com os filhos e preocupada com ambos (fls. 213).

33. Os progenitores contactam os menores telefonicamente, a mãe com muita frequência, para saber do estado dos filhos (fls. 188/213).

34. Em 5.06.2012, a progenitora foi mãe pela terceira vez, do menor H, passando a residir em Carnaxide com o companheiro e pai deste (Ângelo Barbacinhas).

35. A progenitora esteve com os filhos em 9.8.2012 para lhes dar a conhecer o seu irmão H (fls. 212).

36. Durante o ano de 2012, o progenitor visitou os filhos: uma vez no mês de Março, uma vez no mês de Abril, uma vez no mês de Maio, as visitas eram desprovidas de afecto e as crianças não revelaram manter qualquer vínculo afectivo com o progenitor.

37. Ambos os progenitores telefonavam para a instituição para saber do estado dos filhos.

38. Pode ler-se no relatório do CAT de Vialonga datado de Janeiro de 2014: No que concerne à qualidade das visitas da progenitora, os encontros revelaram-se satisfatórios em termos afectivos, denotando-se afectividade entre as crianças e a mãe. A D. Bruna era carinhosa e afectuosa com os filhos e revelava preocupação com a vivência institucional de ambos. Evidenciava uma grande preocupação em presenteá-los, o que promovia a satisfação das crianças face à eminência de visitas. As crianças manifestavam satisfação e alegria sempre que a mãe os visitava, procuravam o seu colo e afecto, no entanto, durante os encontros; a desorganização familiar era evidente, tanto o RM como o ID alteravam de modo muito significativo o seu comportamento, verificando-se muita agitação motora, chamadas de atenção frequentes, sendo que a D. Bruna não respondia de forma adequada, em muitas ocasiões. Foi notória a dificuldade da progenitora em estabelecer limites, impor-se perante os filhos e adoptar práticas educativas mais benéficas e adequadas. A título de exemplo, sempre que os filhos desenvolviam alguma birra ou adoptavam algum comportamento desadequado nas visitas foi frequente a progenitora chamar ou evocar a técnica presente “olha que eu vou chamar a Doutora; a Doutora vai ficar triste; a Doutora está a ouvir. ( ... )”. As despedidas da progenitora, nas visitas iniciais, foram de algum sofrimento para as crianças, que choraram face à separação da mãe, o que nos últimos encontros já não foi constatado. As crianças despediram-se da D. Bruna e integraram as rotinas do CAT com normalidade, salvo na visita de Agosto, em que o RM questionou a mãe, por algumas vezes, sobre quando ia para casa, o que a comoveu bastante (fls.264)

39. No que se refere à qualidade das visitas do progenitor, este junto dos Técnicos  manteve uma postura pouco colaborante e introvertida, não procurava conversar a respeito das rotinas dos filhos e da sua vivência institucional, embora acatasse e cumprisse com as orientações dadas por esta Equipa Técnica. As crianças ficavam contentes com a sua presença, mas agiam como se de um amigo se tratasse., inclusivamente chamam-no pela sua alcunha “Copa”.

40. As visitas realizadas pelo progenitor mantiveram sempre o mesmo registo, as crianças entravam satisfeitas no espaço reservado ao encontro, gritavam pela alcunha do pai, não o cumprimentavam, nem manifestavam afectividade, e quando o faziam era por incentivo dos técnicos presentes ou do próprio progenitor. A primeira coisa que procuravam saber era se o pai lhes havia trazido algum presente e ao longo da visita brincavam, entre si, ou com o brinquedo que o pai lhes havia oferecido. A postura das crianças na visita foi sempre de grande agitação motora, de muitos gritos e chamadas de atenção, uma considerável desorganização que o progenitor não conseguia controlar. As crianças não obedeciam às orientações dadas pelo Sr. Cláudio e mesmo as interacções verificadas entre pai e filhos foi por vezes desadequada. Nestas visitas não se observaram abraços, colo, beijinhos, não houve momentos de conversa e momentos de afecto, não se verificou qualquer vinculação entre pai e filhos. As despedidas sempre se deram de modo harmonioso, sem que as crianças evidenciassem sofrimento pela saída do pai.

41. Em Agosto de 2012, o progenitor escreveu aos autos manifestando o seu interesse pelos filhos, afirma que está a trabalhar mas não tem condições para receber os filhos porque continua sem ter residência (fls. 207).

42.       Escreve nova missiva em termos idênticos em Março de 2013 (fls. 228).

43.       A progenitora afirma que se está a organizar para receber os seus filhos (fls. 252).

44.       Durante o ano de 2013, a progenitora visitou os filhos três vezes, a última das

quais em Abril (28.02; 14.03 e 30.04).

45.       Os telefonemas para a instituição começam a ter um carácter irregular.

46.       A progenitora foi acolhida em Casa Abrigo sita em Sines por alegada Violência Doméstica por parte do seu companheiro e pai do H.

47. Não obstante a progenitora reitera que se está a organizar para receber os seus filhos (fls.252).

48. Durante o ano de 2013, o progenitor pouco visitou os filhos (14.03 e 14.06) tendo

deixado de telefonar se não pontualmente para saber do estado do IDe o RM.

49. Pode continuar a ler-se no relatório do CAT de Vialonga datado de Janeiro de 2014: O RM encontra-se mais inibido e com um humor mais negativo; apresenta-se dentro dos parâmetros normativos esperados para a sua faixa etária. O ID é uma criança que actualmente se encontra mais extrovertida, alegre e sociável, mantém dificuldades em gerir a frustração, continuando muito imaturo face à sua idade desenvolvendo com facilidade  birras para ver satisfeitos os seus caprichos. No âmbito do seu desenvolvimento mental, o ID situa-se ligeiramente abaixo dos parâmetros normativos esperados para a sua faixa etária, sendo que as suas principais dificuldades centram-se ao nível da Linguagem, quer expressiva como compreensiva, pelo que beneficiou de apoio especializado em Terapia da Fala, sendo acompanhado em consulta de Desenvolvimento (fls. 264 e seguintes).

50. Em Fevereiro de 2013, em reunião dos técnicos do CAT com ECJ da Amadora foi delineado um plano de intervenção com acções prioritárias a serem cumpridas pela progenitora, com vista à definição do projecto de vida das crianças.

51. Acordou-se depois e a pedido da progenitora que esta cumpriria com visitas semanais aos filhos. Mais se acordou que a mesma diligenciaria pelo pedido de RSI e marcação de consulta para apoio psicológico. A progenitora não cumpriu nenhum dos compromissos assumidos.

52. A progenitora partilhou ser vítima de violência doméstica por parte do pai do seu filho H, motivo pelo qual se encontrava a residir com os seus pais de criação desde Agosto de 2012, na Falagueira, altura em que os informou da situação institucional dos filhos RM e Igor, adiantando dispor já de condições para ficar com os filhos, que os seus pais a ajudariam.

53. Mais adiantou a progenitora que, apesar de residir em Carnaxide, o menor Hmantinha as consultas de Saúde Infantil no Centro de Saúde de Alverca, localidade que dista cerca de 6 km de Vialonga.

54. Esta proximidade, porém, nunca facilitou que aquela tenha procurado visitar o RM e o Igor, nos dias em que ali se deslocava com o H.

55. Depois do acolhimento, em Julho 2013, numa Casa Abrigo em Sines, a progenitora agendou visita aos filhos para o dia 16.09.2013 mas não compareceu, nem justificou a ausência.

56. Apurou-se então que fora acolhida na sequência de outro episódio de alegada violência doméstica por parte do pai do seu filho H, depois de uma reconciliação.

57. Nesta instituição não apresentava uma postura adequada perante os técnicos e colegas da casa, sendo agressiva e conflituosa.

58. Com o intuito de se definir concretamente o Projecto de Vida do RM e do Igor, as equipas técnicas do CAT ABEI Vialonga, da Casa Abrigo, da ECJ da Amadora e CPCJ de Oeiras (responsável do Processo de Promoção e Protecção do menor H) reuniram a 4.10.2013 com a progenitora, concluindo que: a progenitora não cumpria as regras da instituição, destabilizava o funcionamento da mesma, sendo pessoa conflituosa, mal-educada, agressiva. Na relação com o Hapresentava-se cuidadosa ao nível da higiene e vestuário, mas evidenciava falta de competências parentais. Não procurou ocupação, sendo que se questionava a forma como a mesma tinha sempre dinheiro consigo; que no dia 16.09.2013 (dia que marcou para visitar os filhos) a progenitora veio a Lisboa, numa tentativa de reconciliação com o pai do H, não tendo visitado o RM e o Igor.

59. A progenitora partilhou, ainda assim, que pretendia que os filhos fossem para junto de si, para Sines, dado ser sua intenção manter-se na instituição, verbalizando que gosta de lá estar.

60. Em relação à ausência às visitas, no período que antecedeu o seu acolhimento, justifica com o facto do pai do H não permitir as suas deslocações ao CAT, sendo que mesmo os telefonemas que estabelecia eram à sua revelia.

61. No dia 9.10.2013, em reunião dos técnicos com o progenitor, este ao tomar conhecimento de todas as alternativas ao Projecto de Vida dos filhos, designadamente a adopção, comoveu-se, manifestando que vai lutar por eles.

62. A data informou que se encontrava a residir na Falagueira com os seus pais de criação, que se mantinha sem rendimentos, sem documentação válida (só dispondo de passaporte e já caducado) sendo que não se encontra inscrito na segurança Social.

63. Foi encaminhado pela ECJ da Amadora para a Cruz Vermelha para que pudesse tratar da sua documentação, justificando a sua falta às visitas com questões económicas.

64. Em Dezembro de 2013 a progenitora pretendeu agendar visita para os filhos tendo sido marcado o dia 31.12.2013. A progenitora não compareceu à visita dos filhos. Abandonara a casa abrigo no dia 23.12.2013 retomando a vida em comum com o pai do H.

65. No ano de 2014 a progenitora visitou os filhos em 6 de Março e manteve contactos telefónicos de forma pontual (em Março telefonava quase todos os dias para falar com os filhos).

66. No ano de 2014 o progenitor visitou os filhos em 14.03, 24.09 e 10.11 alegando a falta de condições económicas para mais frequentes deslocações.

67. Em Março de 2014 a progenitora escreveu nova missiva aos autos reafirmando que se encontrava a organizar-se e que só lhe falta ter uma habitação para ter os filhos consigo (fls. 299).

68. Em Setembro de 2014 a progenitora foi ouvida neste Tribunal tendo confirmado não ver os seus filhos havia oito meses, ter sido novamente acolhida em Casa Abrigo sita em Viana do Castelo depois transferida, a seu pedido, para Estremoz, para ficar mais perto dos filhos.

69. A progenitora não visitou os filhos no Natal de 2014 e ausentou-se da Casa Abrigo Santa Isabel em Estremoz (onde esteve acolhida com o filho Hde 2.09.2014 a 13.03.2015) para passar o Natal em Lisboa, verificando-se que tem uma relação próxima e afectiva com o filho H, assegurando-lhe os cuidados necessários, a mãe garantia a assiduidade e pontualidade do filho à creche (f1s. 442).

70. Em Dezembro de 2014 o progenitor reafirmou neste Tribunal não poder ter os filhos consigo por se manter desempregado e sem habitação nada sabendo dizer, quando perguntado, quanto ao projecto de vida destas crianças.

71. Durante o ano de 2015, a progenitora passou a fazer telefonemas de forma irregular (2.01, 9.01, 10.01, 20.1, 30.1, 1.02, 8.02, 11.02 e 17.02) e de conteúdo repleto de promessas que criaram expectativas aos filhos, entre outras, criar condições para os ter consigo.

72. Nestes telefonemas a progenitora falava com os filhos mas nunca com os técnicos mormente para saber do estado daqueles.

73.  O progenitor visitou os filhos em 25.02.2015.

74.   A progenitora foi transferida em 13.3.2015 para Casa Abrigo sita em Lisboa para estar mais perto dos filhos.

75.    Pediu visitas aos filhos no CAT aos sábados, o que lhe foi autorizado.

76.    Fez uma primeira visita a 21.3.2015, acompanhada do seu filho H, o IDe o RM ficaram felizes com a visita e cumprimentaram espontaneamente a mãe, abraçando-a (fls. 435).

 77. Nesta visita a progenitora não procurou informações acerca dos filhos junto de um membro da Equipa Técnica.

78.   Não contactou o ID no dia do seu aniversário, o que o progenitor fez.

79.       No ano de 2015, já a residir em Lisboa, a progenitora visitou os filhos no dia 

21.3.2015 e 4.8.2015.

80. O pai envia duas novas missivas aos autos (23 de Abril de 2015) manifestando vontade de estar junto dos filhos (fls.436/448).

81. Em Julho de 2015 neste Tribunal a progenitora justificou a ausência de contactos com os filhos por ser muito dispendioso e que pretende reverter a sua situação de vida para receber os filhos. O progenitor reiterou não ter condições para receber os filhos achando porém, que a progenitora tem condições (fls. 470/471).

82.       Em Maio de 2015 a progenitora requereu o acolhimento seu e dos filhos.

83.   Durante o ano de 2015, o progenitor visitou os filhos uma vez.

84.   Em 13.03.2015 a progenitora foi acolhida com o seu filho Hna Casa Abrigo Mums and Kids, trabalhando num lar de idosos HABICAS - Residência Permanente, como auxiliar de geriatria, auferindo o salário mensal de € 500,00 (fls. 546/547).

85. Em 14.10.2016 a progenitora foi acolhida com o seu filho Hna Casa Abrigo “O Refúgio”, em Beja, sendo parecer da Equipa Técnica que esta mãe dispõe de competências parentais suficientes para dar todo o carinho, atenção e cuidar tanto física como emocionalmente dos seus filhos ID e RM já que a mesma tem com ela o seu filho mais novo H e revela na relação com o mesmo as competências parentais ajustadas às necessidades das crianças ( ... ) reunida toda a Equipa Técnica é parecer que a D. Bruna apresenta as competências parentais ajustadas ao desempenho do papel de parentalidade, não obstante poder melhorar algumas práticas, sobretudo ligadas à disciplina e atuação em situações de birra elou oposição. No entanto, naquilo que toca à relação emocional e vinculação com a criança, observa-se um comportamento adequado e uma relação positiva e protectora ( ... ) temos procurado trabalhar com a D. Bruna na construção de um projecto de vida alternativo e estável, que passe pela autonomização da instituição, numa situação de sustentabilidade financeira e inclusão social a todos os uiveis (…) Nestes termos requer que se avalie a possibilidade dos menores ID e RM poderem viver com a mãe na nossa Casa Abrigo, sendo esta relação supervisionada por nós e mais tarde poder a mesma usufruir de uma nova oportunidade de se autonomizar e refazer a sua vida conjuntamente com os seus três filhos (fls. 586/587).

86.    A progenitora visitou os filhos em 12.11.2016 (fls. 591).

87.  Em 12.01.2017 a Casa Abrigo O Refúgio reitera que a progenitora tem um comportamento adequado, apresenta competências parentais ajustadas, mantendo a proposta de reunião dos menores ID e RM com a mãe e irmão uterino H, na nossa Casa Abrigo, sendo esta relação supervisionada pela Casa e mais tarde poder a mesma usufruir de uma nova oportunidade de se autonomizar e refazer a sua vida conjuntamente com os seus três filhos (fls. 633).

88. O RM é uma criança com um desenvolvimento físico, intelectual e emocional dentro dos parâmetros normativos esperados para a sua faixa etária.

89. O IDapresenta um desenvolvimento físico e emocional dentro dos parâmetros normativos esperados para a sua faixa etária, apresentando dificuldades ao nível da linguagem, quer expressiva quer compreensiva que por vezes, prejudicam a seu desempenho, ainda que o ID se encontre com um ajustado rendimento escolar. É uma criança simpática, afável e calma, sendo muito imatura face à sua idade cronológica.

90. As crianças gostam muito da mãe, querem viver com a sua progenitora e o RM quando se despede da mãe chora.

91. A equipa Técnica da Casa Abrigo O Refúgio apresenta um projecto de autonomização da mãe e os seus três filhos, dentro de meses, com apoio na procura de habitação e trabalho para a progenitora, em Beja.

92. A progenitora quer fixar-se em Beja, com os seus filhos e apoio de integração da Casa Abrigo, pelo menos, nos primeiros seis meses.

93. A Casa Abrigo O Refúgio tem um protocolo com o Agrupamento Escolar e tem vaga assegurada e imediata para o ID e RM na escola.

94. A progenitora tem procurado activamente trabalho, irá iniciar uma acção de formação em breve através do Centro de Emprego e ofereceu-se para acções de voluntariado na Santa Casa da Misericórdia de Beja.

95. O progenitor defende que as crianças deverão ser confiadas aos cuidados da mãe

(fls. 611).

                                                                       *

            III - Considerou o Tribunal de 1ª instância que a progenitora dispõe de competências parentais suficientes para dar carinho, atenção e cuidar física e emocionalmente dos filhos, querendo cuidar e viver com eles e que as crianças gostam da mãe e querem viver com ela, pelo que não se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação; acrescentando que a adopção só poderá ser considerada depois de esgotada a oportunidade de integração na família biológica.

            Das extensas conclusões da alegação de recurso do apelante resulta sustentar este, em resumo: que está demonstrado que se encontram seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, havendo os progenitores demonstrado desinteresse pelas vidas dos menores em seis anos de acolhimento institucional no decurso dos quais o comportamento da mãe para com eles se foi alterando, progressivamente negligenciando os contactos com os filhos; que existe um notório e objectivo desinteresse da progenitora pelos filhos, um grave e sério comprometimento da vinculação afectiva própria da filiação, posta em causa de forma irremediável; que as características pessoais da progenitora antecipam um juízo de prognose desfavorável, não se apresentando como alternativa ao acolhimento que, de qualquer modo, não se poderia manter indefinidamente, continuando a mãe a viver do assistencialismo.

Temos, pois, que a questão que essencialmente se coloca é a de se no caso se impunha a aplicação aos menores ID e RM da medida de confiança judicial com vista à sua futura adopção, verificando-se os pressupostos para tal identificados na lei.

Mas não só.

Refere o apelante na conclusão 50):

«Em face da prova produzida entendemos que não pode deixar de se dar como assente tudo o que o Ministério Público alegou porquanto nenhum dos factos alegados foi dado como não provado. Assim, a decidir-se como se decidiu estamos perante um caso de omissão de pronúncia que inquina a presente sentença. Mais. Por tudo quanto se expôs se conclui ter existido uma errada apreciação da prova.»

            Duas outras questões parecem, assim, ser colocadas – a da omissão de pronúncia e a de reapreciação da prova, dando-se como provados os factos que o apelante alegara. Sendo por estas que iniciaremos a nossa análise.

Refere, também, o apelante que apesar da urgência da adopção de uma medida protectiva destas crianças o Tribunal de 1ª instância nada decidiu num ano, após o MP em Março de 2016 ter chamado a atenção para essa necessidade, violando designadamente o princípio da intervenção precoce (conclusões 10) e 11)). Trata-se de questão que não se mostra no momento como relevante para a decisão que cumpre a este Tribunal da Relação tomar e que radica na ponderação da adequada medida de protecção; dito por outras palavras, não poderemos agora reverter o tempo passado.

                                                                       *

      IV – 1 - Nos termos do art. 121 da lei 147/99, de 1-9, na sentença do processo judicial de promoção e protecção, ao relatório segue-se a fundamentação que consiste na enumeração dos factos provados e não provados, bem como na sua valoração e exposição das razões que justificam o arquivamento ou a aplicação de uma medida de promoção e proteção, terminando a sentença com a decisão.

   O Tribunal de 1ª instância elencou os factos que julgou provados e motivou as razões porque o fazia, mas não enunciou quaisquer factos que julgasse não provados.

Nos termos do art. 615, nº 1-d) do CPC, a sentença ou o acórdão são nulos quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. A nulidade da omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento por parte do julgador daquele dever prescrito no nº 2 do art. 608 do mesmo Código, de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada.

Ora, no caso que nos ocupa, o Tribunal de 1ª instância conheceu da questão que lhe era proposta – se aos menores IDe RM era de aplicar alguma medida de promoção e protecção e qual.

Quanto muito, poderia haver aqui deficiência na decisão sobre a matéria de facto provada por o Tribunal não se ter pronunciado sobre todos os factos relevantes que se encontravam em discussão.

Todavia, não será propriamente esse o caso, antes se nos afigurando que o Tribunal de 1ª instância julgou provados os factos que elencou – e apenas aqueles – nada mais, em seu entendimento, se havendo provado.

Certo é que não se verifica a omissão de pronúncia imputada ao acórdão recorrido.

                                                           *

    IV – 2 - O processo judicial de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo é um processo de jurisdição voluntária – art. 100 da lei 147/99, de 1-9 – sendo-lhe aplicável subsidiariamente (com as devidas adaptações) na fase do debate judicial e do recurso as normas relativas ao processo civil declarativo comum de declaração – art. 126 do mesmo diploma legal. No que concerne especificamente aos recursos eles são processados e julgados como em matéria cível – art. 124 daquela lei.

De acordo com o nº 1 do art. 639 do CPC o recorrente deve apresentar a sua alegação na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Efectivamente, expostas pelo recorrente, no corpo das alegações, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão.

Assim, se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, consoante decorre do nº 4 do art. 635 do CPC, importa que os pontos de facto que ele considera incorrectamente julgados sejam devidamente concretizados nas conclusões, pois se aí não forem indicados o tribunal de recurso não poderá tomar conhecimento deles.

  Afirma o apelante que a sentença recorrida não apreciou devidamente a prova produzida em debate judicial, verificando-se um erro na apreciação da prova, bem como que «não pode deixar de se dar como assente tudo o que o Ministério Público alegou».

Ora, «foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos sobre a errada decisão da matéria de facto» ([1]).

   Não satisfaz os ónus que a lei lhe impõe o apelante que genericamente refere que deve ser dado como provado tudo aquilo que alegou.

   Sucede, todavia, que no âmbito das conclusões, veio a ser concretizado como alvo da discordância o ponto 90) dos factos julgados provados (conclusão 15).

    No corpo da alegação de recurso são referidos, para além daquele, os factos 81) e 85) (fls. 841-842), aparentemente “deixados cair” quando das conclusões.

            Aliás, uma impugnação daqueles factos 81) e 85) não teria qualquer razão de ser uma vez que aquele primeiro facto contém a enunciação do que fora declarado pelos progenitores em Julho de 2015, conforme com a acta de audição de fls. 470-472, e o segundo dos referidos factos contém a transcrição do parecer da equipa técnica da Casa Abrigo “o Refúgio”, em Beja, conforme com fls. 586-587. O apelante poderá discordar do parecer daquela equipa técnica, bem como entender que as declarações dos progenitores são inverídicas – mas isso não põe em causa a realidade daquele parecer nem daquelas declarações como tendo sido efectivamente emitidos.

            Resta-nos, pois, o ponto 90) dos factos provados o qual tem o seguinte teor: «As crianças gostam muito da mãe, querem viver com a sua progenitora e o RM quando se despede da mãe chora».

       Analisámos os elementos documentados nos autos e ouvimos as declarações gravadas das duas crianças. Estas encontravam-se institucionalizadas sem terem a mãe consigo desde o início de 2012. No relatório da Segurança Social de Agosto desse ano refere-se denotar-se «afectividade entre as crianças e a mãe» (fls. 194-200); em Janeiro de 2014 a ABEIV de Vialonga referia que as visitas revelavam afectividade entre as crianças e a mãe e que no início as despedidas eram de algum sofrimento para aquelas que choravam quando se separavam da mãe o que nos últimos encontros já não fora constatado (fls. 263 e seguintes); da acta de audição de fls. 470-472, resulta que quando ouvidos em 8-7-2015 o IDe o RM afirmaram gostar da mãe e de estar com ela; em audiência os menores disseram gostar de estar com a mãe e que gostariam de estar mais tempo com ela. Mesmo a testemunha CH referiu que o RM dissera que queria ir para junto da mãe, e não negou existirem laços os próprios da filiação.

Do que analisámos não temos elementos que conduzam à alteração deste ponto da matéria de facto que, por isso se mantém.

                                                                       *

IV – 3 - Decorre dos nºs 5 e 6 do art. 36 da Constituição da República Portuguesa que os pais têm o direito e o dever de educar e manter os filhos, não podendo estes deles ser separados, excepto quando os pais não cumprirem para com eles os seus deveres fundamentais, sempre mediante decisão judicial.

Em conformidade, na lei ordinária dispõe o art. 1878 do CC que compete aos pais, no interesse dos filhos, designadamente, velar pela saúde e educação destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação.

Por outro lado, embora segundo o nº1 do art. 68 do Diploma Fundamental, os pais e as mães tenham direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, atentos os nºs 1 e 2 do art. 69, as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, assegurando o Estado especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.

Neste contexto e consoante resulta dos arts. 3 e 4 da Lei nº 147/99, de 1-9, a intervenção para protecção de uma criança em perigo é norteada pelo interesse superior da criança e tem lugar, designadamente, quando os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto, ponham em perigo a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento do menor.

A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança em perigo deve, efectivamente, atender em termos prioritários aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo, embora, da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes na situação concreta (nº 1-a) do citado art. 4).

As medidas de promoção e protecção visam afastar o perigo em que a criança se encontre, bem como proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (art. 34 da Lei nº 147/99).

Entre as várias medidas encontra-se a de «confiança a pessoa seleccionada para a adopção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adopção» (art. 35, nº 1-g). Esta é a mais gravosa das medidas previstas - sendo o seu carácter irreversível, tendo em conta que dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão; somente poderá ser revista, a título excepcional, quando a criança atinja a data limite para a adopção sem que o projecto adoptivo tenha sido concretizado (art. 62-A da lei 147/99).

A medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adopção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art. 1978 do CC – art. 38-A da lei 147/99.

Ora, o nº 1 do art. 1978 do CC prevê a confiança do menor, com vista a futura adopção, quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, ocorrendo a verificação objectiva das situações ali referenciadas, sendo a sua enumeração de carácter taxativo.

   Sucede que, na linha do que defende Paulo Guerra ([2]), ao lado dos fundamentos objectivos das várias alíneas do art. 1978, haverá que provar que «de facto, não existem ou estão seriamente comprometidos os vínculos afectivos (e não se fala aqui em vínculos económico-sociais) próprios da filiação». Acrescentando que a verificação e prova das circunstâncias do nº 1 do art. 1978 não constitui uma presunção iure et de iure de que aqueles vínculos não existem ou estão seriamente comprometidos.

                                                                       *

   IV – 4 - A situação destes autos começa, essencialmente, como sendo uma história de extrema pobreza – uma família com duas crianças muito pequenas (com dois e três anos de idade) sem casa e sem meios, progenitores sem emprego, nenhuma retaguarda familiar de qualquer dos lados. Neste contexto, a progenitora chegou a ser localizada a dormir com os menores em vão de escadas.

  Continuou com a incapacidade de os progenitores se organizarem – o pai nem mesmo tem regularizada a sua situação documental em território nacional - e estruturarem com estabilidade uma família, juntos ou separados.

O Ministério Público no corpo da alegação caracteriza a progenitora como detentora de uma personalidade “manipuladora”, abusando de estruturas sociais, sendo “conflituosa, impulsiva, agressiva, desestabilizadora”, “instável e mentirosa” (fls. 863). Refere, também, o apelante a mãe dos menores «não sabe viver sem ser do assistencialismo».

Efectivamente dos factos provados retira-se alguma impulsividade e conflituosidade da progenitora, bem como o confronto com as regras estabelecidas nas instituições (ver os factos provados com os números 21 e 57), sendo também apontada pelo progenitor como mentirosa (facto com o nº 22).

Trata-se de uma mãe jovem (quando o ID nasceu tinha apenas 18 anos – fls. 80) decorrendo da análise dos factos provados a sua acanhada capacidade para gerir e orientar a sua própria vida, dotando-a de alguma estabilidade - eventualmente com origem no seu percurso e formação enquanto criança e adolescente, sendo certo que as suas condições de vida logo à partida não a terão auxiliado.

Entre Março de 2011 e o final desse ano os menores estiveram com a mãe integrados na Fundação CEBI na Ericeira, numa comunidade de inserção para acolhimento de famílias monoparentais. Nesse período a progenitora manteve uma relação com o pai do seu terceiro filho que veio a nascer em 5-6-2012, o H, acabando por não utilizar verdadeiramente a oportunidade de inserção social e profissional que lhe fora proporcionada.

Em Janeiro de 2012 os menores passaram a estar institucionalizados no ABEIV de Vialonga onde continuaram no decurso deste processo, havendo então sido separados da mãe.

A situação da progenitora variou, entretanto, entre a residência com o pai do filho H(com quebra de relacionamento e reconciliação), a Casa Abrigo em Sines, a Casa Abrigo em Viana do Castelo, a Casa Abrigo em Estremoz, a Casa Abrigo em Lisboa, trabalhando ocasionalmente, tendo o filho mais novo consigo … Retrata-se, assim, o recurso recorrente à assistência social. Todavia, parece-nos imprudente conotar negativamente a progenitora por essa circunstância quando a mesma à partida se encontrava tão desfavorecida, desde logo materialmente, não dispondo de qualquer amparo familiar.

 Como referimos, a situação que despoletou este processo foi a pobreza extrema, não se pondo então em causa as competências da progenitora como mãe nem o afecto dela para com as crianças e das crianças para com ela.

Com o decurso do tempo verificou-se que as visitas aos menores diminuíram de frequência, embora, como vimos, a mãe se tenha encontrado em locais como Viana do Castelo, Sines e Estremoz (sempre com o filho H consigo).

Em 2012 a progenitora visitou os filhos duas vezes em Janeiro, duas vezes em Fevereiro, uma vez em Abril, uma vez em Agosto (já com o terceiro filho, H, entretanto nascido), uma vez em Outubro, revelando as visitas a existência de um vínculo afectivo entre mãe e filhos; contactava os menores telefonicamente com muita frequência para saber do estado dos filhos (factos 31, 32, 33, 35). Em 2013 visitou os filhos três vezes, tendo os telefonemas caracter irregular (factos 44 e 45). Todavia, os encontros continuavam a revelar-se satisfatórios em termos afectivos (facto 38). Em 2014 visitou os filhos uma vez e manteve contactos telefónicos de forma pontual (facto 65). Em 2015 fez telefonemas de forma irregular e visitou os filhos em Março e Agosto, tendo naquela primeira visita os menores ficado felizes abraçando a mãe (factos 71, 76 e 79).

Verifica-se, por outro lado, que a mãe do ID e do RM, sempre afirmou pretender ter os filhos consigo - podendo, embora, nem sempre ter agido concretamente em ordem a conseguir obtê-lo.

Já o pai foi realizando visitas pontuais, bem como telefonemas, mas logo no ano de 2012 as crianças não revelavam manter qualquer vínculo afectivo com ele (factos 36, 39 e 40). Sempre manifestou não possuir condições para ter os filhos consigo – desde logo porque não tinha casa; defende que as crianças deverão ser confiadas aos cuidados da mãe (facto 95).

É neste contexto que, encontrando-se a mãe dos menores juntamente com o filho mais novo, na Casa Abrigo «O Refúgio», surge a comunicação de fls. 585 e seguintes, proveniente da Directora Técnica daquela casa, datada de Novembro de 2016, referindo que a mãe manifestava imensa vontade de ter os filhos com ela, que era do parecer da equipa técnica que a mãe apresentava as competências parentais ajustadas e que fosse avaliada a possibilidade de as crianças poderem viver com a mãe na Casa Abrigo.

Provou-se que a equipa Técnica da Casa Abrigo «O Refúgio» apresenta um projecto de autonomização da mãe e os seus três filhos, dentro de meses, com apoio na procura de habitação e trabalho para a progenitora, em Beja, que a progenitora quer fixar-se em Beja, com os seus filhos e apoio de integração da Casa Abrigo, pelo menos, nos primeiros seis meses, que a Casa Abrigo «O Refúgio» tem um protocolo com o Agrupamento Escolar e tem vaga assegurada e imediata para o ID e RM na escola, que a progenitora tem procurado activamente trabalho.

Trata-se de oportunidade que, nestes termos, antes não fora apresentada a esta família – pelo menos desde que os menores estiveram com a mãe no CEBI da Ericeira.

Provou-se, também, que as crianças gostam muito da mãe e querem viver com ela.

Uma das situações objectivas previstas no já aludido nº1-e) do art. 1978 do CC consiste em os pais de uma criança acolhida por uma instituição terem «revelado manifesto desinteresse pelo filho em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança».

Refere a propósito Paulo Guerra ([3]) que o «desinteresse distingue-se do abandono, porquanto este representa um comportamento activo (activo, no afastamento, omissivo na sua manutenção), traduzindo-se num objectivo, patente e inequívoco afastamento (voluntário ou não), existindo já a quebra do vínculo afectivo da filiação.

O desinteresse supõe uma situação omissiva, de não fazer, em que ainda há contacto com a criança, gerando-se a dúvida acerca da manutenção ou não do referido vínculo».

Dizendo-nos Madalena Alarcão ([4]) que esta alínea «é relativamente explícita quanto à existência de um desinvestimento afectivo dos pais relativamente a um menor acolhido. Nestas situações é importante avaliar e compreender o significado deste desinteresse parental, dos seus comportamentos de afastamento e/ou de contacto episódico e irregular». Apontando, adiante, para, factores como, entre outros, dificuldades de deslocação, dificuldades económicas, dificuldades de articulação com o trabalho, perda de controlo sobre a sua própria vida, poderem contribuir para explicar situações em que os pais, sobretudo ao fim de algum tempo, deixam de contactar os seus filhos quando estes estão temporariamente institucionalizados. Acrescentando que em qualquer dos casos a dúvida, a existir, quanto à adequação da solução da adopção da criança com cessação dos direitos dos seus pais passa não tanto pela constatação das dificuldades parentais mas, sobretudo: pela avaliação e constatação da impossibilidade de mudança do comportamento parental; pela ponderação do que é mais ameaçador para o desenvolvimento da criança, se a permanência num contexto familiar caracterizado por dificuldades e inconsistências da parentalidade, aliadas a alguma negligência, se o corte de uma filiação que embora atribulada, constitui uma referência num percurso desenvolvimental marcado por uma ou mais rupturas.

Afigura-se duvidoso, atenta a factualidade apurada, que haja sido demonstrado no caso dos autos um manifesto desinteresse de ambos os progenitores pelos filhos em ordem a comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos da filiação. Desde logo, que esteja suficientemente caracterizado um evidente desinvestimento afectivo da mãe relativamente aos menores – poderá esta ter realizado a partir de determina ocasião poucas visitas, mas há alguma indefinição do condicionalismo envolvente, atendendo aos locais onde se encontrou e à sua debilidade económica.

Haveria, contudo, que ter sido demonstrado (como vimos) que não existem ou estão seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação. O invocado desinteresse haveria que ter comprometido seriamente a qualidade ou continuidade dos vínculos afectivos ou levado à sua ruptura.

 Ponderou a propósito o STJ no seu acórdão de 14-7-2016 ([5]) citado na sentença recorrida: «Só no caso de termos a firme convicção de que está quebrada, de forma absoluta, essa relação filial, isto é, quando já não é possível garantir o estado saudável da criança no ambiente da sua família natural, é que haveremos de pensar na “adoção” como o exclusivo trilho a percorrer para acautelar o interesse da criança, e, desta feita, assegurar de forma definitiva o seu futuro junto de outra família que lhe possa proporcionar todas as condições materiais e afectivas necessárias para o seu crescimento harmonioso, num ambiente de bem-estar e de amor, tendo subjacente à sua regulamentação o facto de estar cientificamente comprovado que, quanto mais cedo forem encontrados substitutivos parentais mais possibilidade tem a criança de atingir aquele objectivo” (Mónica Jardim; Breve análise da nova lei da adopção (Lei n.º 31/2003 de 22 de Agosto)». 

Ora, é essa ruptura ou sério comprometimento vínculos afetivos próprios da filiação que, face aos factos apurados, não nos parece estar demonstrada.

Pelo que a pretensão do Ministério Público de que a medida adequada a aplicar aos menores ID e RM é a confiança judicial com vista à sua futura adopção não pode proceder.

                                                           *

V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Sem custas.

                                                           *

Lisboa, 29 de Junho de 2017


Maria José Mouro

   Teresa Albuquerque

      Jorge Vilaça

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[1]             Ver Abrantes Geraldes, «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, 2013, pag. 124.
[2]             Em «Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo», Almedina, 2ª edição, pags. 100-101.
[3]             Obra citada, pag. 99.
[4]             Em «Incumprimentos da parentalidade, comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação e adopção», na «Revista do Ministério Público», ano 29, Out./Dez. 2008, nº 116, pags. 121 e seguintes.
[5]             Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 8605/13.3TBCSC.L1.S1.