Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
131/14.0YRLSB-9
Relator: FERNANDO ESTRELA
Descritores: SENTENÇA ESTRANGEIRA
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário: A sentença penal estrangeira que aplica pena que a lei portuguesa não prevê é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.° 4 do art.° 99.° e art.° 123° n.° 1 da Lei n.° 144/99 de 31 de Agosto, e na Convenção Europeia Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas de 21 de Março de 1983 e dos art.°s. 234.° e seguintes do C.P.Penal, veio requerer a presente
Revisão e Confirmação da Sentença Penal Estrangeira
respeitante a:
F..., de nacionalidade portuguesa, solteiro, (xxx) , natural de Macau, onde nasceu, a 2 de Outubro de 1975, e ora detido na prisão Central de Bangkwang, em Banguecoque, Tailândia, nos termos e com os fundamentos seguintes:
Por decisão proferida no âmbito dos processos judiciais n.° 967/2541, e n.° 4590/2541 pelo Tribunal de Nonthaburi, Tailândia, devidamente transitada julgado, Fernando dos Santos Gomes foi condenado na pena de prisão perpétua, pela prática, como autor, de um crime contra a Lei sobre Estupefacientes — heroína para distribuição, previsto e punido pelo artigo 4.°, 7.º, 8.°,15.°,65.°, n.°2,artigo 66.°, n.°2, artigos 67.° e 102.° da Lei sobre Estupefacientes de 1979, artigos 3.° e 7.° da Lei sobre Medidas para a Repressão dos Crimes contra a Lei de Estupefacientes de 1991, e artigos 80.°,90.°,78.°,52.° n.°2 do Código Penal da Tailândia.
Esta conduta criminosa é igualmente punida pela lei portuguesa no artigo 21.º do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A do mesmo diploma.
O arguido cumpre, na Tailândia, aquela pena de prisão, que teve o seu início em 17 de Dezembro de 1997.

O arguido tem beneficiado de redução da pena, no âmbito de Decretos de Perdão Real, tendo actualmente de cumprir o remanescente de 19 anos, 2 meses e 15 dias de prisão, conforme documentos juntos.
O condenado, cidadão português, solicitou a sua transferência para Portugal a fim de, aqui, cumprir o remanescente desta pena e declarou dar o seu consentimento para a transferência.
A execução em Portugal justifica-se pelo interesse da melhor reinserção social do condenado, sendo que, segundo informação do Ministério dos Negócios Estrangeiros se encontra em más condições físicas e psicológicas.
Nos termos do disposto no art.° 237.°,n.°3 do CPP uma vez que a sentença penal estrangeira aplicou pena que a lei portuguesa não prevê a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa.
Mostram-se prendidos os pressupostos e requisitos legalmente exigidos à confirmação e revisão de sentença estrangeira, nos termos do disposto no art.° 237.°, n.°1 CPP.
Não se mostra extinta a pena por prescrição, amnistia ou por qualquer outra razão.
As autoridades de justiça Tailandesas concordaram com o deferimento do solicitado pelo arguido, e solicitaram o prosseguimento da execução da pena às autoridades portuguesas.
Sua Excelência a Ministra da Justiça Portuguesa, no uso das competências delegadas pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 52-A/95 de 16 de Novembro, publicada no DR, II séria, de 17 de Novembro de 1995, considerou, por despacho de 11 de Outubro de 2013, admissível o pedido de transferência nos termos dos art.°s 3° da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas e 122° n.° 1 da Lei n.° 144/99 de 31 de Agosto (e uma vez verificados os requisitos previstos na Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 8/93, de 18 de Fevereiro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 8/93, de 20 de Abril publicados no D.R. I Serie-A, n.° 92 de 20.04.1993) - vd fls 6.
 A sentença revidenda obedece aos requisitos necessários para confirmação enumerados no art.° 980.° do Código de Processo Civil, aplicável "ex vi" do n.° 2 do art.° 237.° do C.P. Penal e art.° 95.° e seguintes da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto.
Nestes termos, considerando-se o disposto no art.° 95.° e seguintes da Lei n.° 144/99 de 31 de Agosto, no art.° 234.° do Código de Processo Penal, o M.P. requereu a revisão e confirmação da sentença penal estrangeira, com a conversão da pena, nos termos do disposto no art.° 237 n.° 3 do CPP., proferida pelo Tribunal acima identificado, que condenou o cidadão português , declarando-se, a final, a sentença executória em Portugal.
II. Os pressupostos processuais
Este Tribunal da Relação de Lisboa é o territorialmente competente nos termos do n.°s 1 e 2 do art.° 235.° do C.P.P..
Portugal aderiu ao estabelecido na Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas através de ratificação mediante Decreto do Presidente da República publicado em 20 Abril 1993 e após aprovação da Assembleia da República em 18 Fevereiro 1993, com, entre outras, as seguintes declarações:
"Portugal utilizará o processo previsto na al. a) do n. ° 1 do art. 9.°, nos casos em que seja o Estado da execução;
A execução de uma sentença estrangeira efectuar-se-á com base na sentença de um tribunal português que a declare executória, após prévia revisão e confirmação;
Quando tiver de adaptar uma sanção estrangeira, Portugal, consoante o caso, converterá, segundo a lei portuguesa, a sanção estrangeira ou reduzirá a sua duração, se ela ultrapassar o máximo legal admissível na lei portuguesa."
Segundo a petição, o Estado português pretende a «continuação da execução da sentença estrangeira» (art.º9.° n.°1 alínea a) e 10.° n.° 1 da Convenção de Estrasburgo), «com base em sentença de um tribunal português que a declare executória após revisão e confirmação».
O governo português autorizou o cumprimento em Portugal por parte do cidadão português do remanescente da pena.
O arguido, perante a justiça tailandesa foi regularmente constituído arguido, beneficiou da observância dos princípios do contraditório e da igualdades das partes, mostrou não ignorar a língua usada no processo e foi assistido por defensor.
Não se duvida da autenticidade dos documentos de que consta a sentença condenatória datada de 18 de Fevereiro de 1998, da sua inteligibilidade, ignorando-se a data do respectivo trânsito em julgado, e da competência do tribunal que a proferiu.
Não corre nem correu em Portugal procedimento penal com o mesmo objecto.
A execução da sentença em Portugal justifica-se pelo interesse de melhor reinserção social do condenado: é português de nacionalidade e, “oriundo de família muito carenciada sem meios para visitá-lo, tem beneficiado desde início sua detenção de parco apoio social bem como do de missionários que prestam serviço naquela prisão; encontra-se em más condições físicas e psicológicas, tendo uma fractura mal consolidada, que lhe reduz a qualidade de vida no estabelecimento prisional onde se encontra”, conforme decorre de fls. 42 e 43 dos autos.
Realizaram-se oportunamente as diligências complementares indispensáveis, após o que teve lugar a fase das alegações (art. 982.° n.°1 do CPC), sem oposição por parte do Advogado nomeado ao arguido, mormente para se obter a transferência do acima identificado cidadão português do Estado da condenação para Portugal, que passará a ser o estado da execução, a fim de no nosso país completar o cumprimento da pena.
O julgamento fez-se segundo as regras próprias da apelação (art.°s 240.° do CPP e 982.° ex vi art.º 2 do CPC).
Os factos imputados ao arguido foram os seguintes e pelos quais foi condenado:
“O imputador indicou que no dia 17 de Dezembro de 1997, em pleno dia, o arguido tinha em posse 14 embalagens de heroína ou seja droga ilícita da 1a categoria, destinadas ao comércio, com o peso líquido de 3.419 gramas, quantidade que seria 2.909,4 gramas em substâncias puras.
As 4 embalagens de heroína encontravam – se amarradas e bem envoltas e sigiladas com fitas adesivas na cintura e os 10 nas pernas do mesmo arguido com destino a Macau no vôo de Air Macau. O arguido chegou a ser apanhado em flagrante na sala de embarque do Aeroporto Internacional de Bangkok. O arguido não logrou o tráfico daquela quantidade de heroína destinada ao comércio fora do Reino da Tailândia. O crime ocorreu na área de Talat Bangkhen sub-district, Don Muang district, Bangkok. A Polícia local prendeu o arguido com aquela quantidade de heroína, o seu passaporte português, o bilhete de passagem Air Macau, o cartão de embarque, a senha emitida da Thai Immigration Bureau.”
Nos termos do disposto no art.° 237.°,n.°3 do CPP uma vez que a sentença penal estrangeira aplicou pena que a lei portuguesa não prevê a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa.
Assim, e tendo em consideração que, segundo a lei Portuguesa, o arguido teria como pena máxima aplicável aos factos a pena de 12 anos de prisão, nos termos do art.º 21.º n.º1 do citado D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa, será aquela a pena fixada para os factos imputados ao arguido.
III. O mérito do pedido:
1. Está em causa, apenas, a pena concreta aplicável em Portugal e a sua conformação com a ordem jurídica portuguesa.
IV. Decisão
Tudo visto, o Tribunal de Relação de Lisboa julgando o pedido do M.° P.° de revisão e confirmação de sentença criminal proferida a 18 de Fevereiro de 1998 que o condenou a pena de prisão perpétua, pela prática, como autor, de um crime contra a Lei sobre Estupefacientes - heroína para distribuição, previsto e punido pelo artigo 4.°, 7.º, 8.°,15.°,65.°, n.°2,artigo 66.°, n.°2, artigos 67.° e 102.° da Lei sobre Estupefacientes de 1979, artigos 3.° e 7.° da Lei sobre Medidas para a Repressão dos Crimes contra a Lei de Estupefacientes de 1991, e artigos 80.°,90.°,78.°,52.° n.°2 do Código Penal da Tailândia - e confirma-a, e alterando-a para 12 (doze ) anos de prisão, dando-lhe o exequatur necessário à execução desta pena de prisão em Portugal.
A pena ter-se-á como iniciada no dia 17 de Dezembro de 1997, data em que foi detido pelas autoridades policiais.
a. Para cálculo do cumprimento da pena será tido em conta o tempo de prisão sofrido no Reino da Tailândia, sendo que face à lei portuguesa a pena se encontra extinta pelo cumprimento.
c. Sem custas.
d. Notifique.
e. Após o trânsito deste acórdão, cumpra-se o disposto nos art.ºs 123.º n.º 2,102.º e 103.º n.º 3, todos da Lei 144/99 de 31 de Agosto.
(Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd. art.º 94 º n.º 2 do C.P.Penal)
                                               Lisboa, 20 de Março de 2014

Fernando Estrela

Guilherme Castanheira