Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | TERESA PARDAL | ||
Descritores: | PROVA POR DECLARAÇÕES DAS PARTES ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/29/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | - Com a reforma introduzida pela Lei 41/2013 de 27/6, foi autonomizada, da prova por confissão das partes, a prova por declarações das partes, que assim poderão requerer a prestação das suas declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo, a apreciar livremente pelo tribunal. - Não é admissível prova testemunhal e a prova por declaração de partes para provar deliberações tomadas em assembleia de condóminos, as quais deverão provar-se mediante a respectiva acta; mas poderá ser produzida prova testemunhal ou por declarações de partes à simples interpretação do contexto do documento. (sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO. Nesta acção declarativa com processo ordinário que A… intentou contra: 1º BA… e BB…, 2º CA… e CB, 3º D…, 4º E…, 5º F…, 6º G…, 7º H…, 8º IA… e IB…, 9º JA… e JB…, 10º K…, vem a autora pedir, na qualidade de proprietária de uma fracção autónoma num prédio em que todos os réus também são condóminos, a condenação destes a reconhecer como parte comum do edifício o sótão e a casa da porteira e a facultar-lhe o acesso ao sótão e ainda a condenação dos 1ºs a 8ºs réus a demolir as obras que cada um fez nas suas varandas e terraços de cobertura. Os réus contestaram, pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido e alegando, para além do mais, que as obras cuja demolição a autora pretende foram expressamente autorizadas por maioria de dois terços, na assembleia de condóminos do dia 19 de Novembro de 2010, como resulta da acta nº37 que não foi impugnada pela autora e que juntam. A autora replicou, alegando, para além do mais, que a acta da assembleia de condóminos de 19 de Novembro de 2010 não contém qualquer discussão ou aprovação das obras em causa, nem qualquer deliberação sobre o assunto, referindo apenas uma “informação” da administração. Após os articulados e o saneamento dos autos, fixados os factos assentes e a base instrutória, vieram os réus requerer a prestação de declarações de parte das 1ª e 8ª rés à matéria do artigo 9º da base instrutória, relativa à assembleia de condóminos de 19/11/2010, alegando que estas rés se encontravam presentes nessa assembleia. Este requerimento veio a ser indeferido por despacho que decidiu nos seguintes termos: “Na nossa opinião, a matéria vertida no artigo 9ª da base instrutória não admite qualquer outro meio de prova que não seja de natureza documental, reputando-se, por isso, desprovida de qualquer utilidade a prestação de declarações requerida pelos réus no seu requerimento de 06.02.2014. Deste modo, indefiro a requerida produção de prova por declarações de parte”. * Inconformados, os réus interpuseram recurso e alegaram, formulando as seguintes conclusões: 1. A apelada intentou a presente acção pedindo – para o que releva para a decisão do presente recurso – a condenação dos réus 1ºs a 8ºs inclusive a demolir, a expensas suas, as obras que cada um fez nas respectivas varandas e terraços de cobertura. 2. As apelantes apresentaram contestação, alegando que as obras executadas pelos réus foram expressamente autorizadas por assembleia de condóminos do dia 19 de Novembro de 2010, formalizada na acta nº37. 3. A apelada veio alegar que a acta nº37 não contém qualquer deliberação sobre a aprovação de tais obras, mas que apenas refere uma “informação” da administração. 4. Pelo que veio esta matéria integrar o facto 9º da Base Instrutória. 5. Os apelantes requereram a prestação de declarações de parte à matéria do facto 9º da Base Instrutória, porque as rés estiveram presentes na assembleia de condóminos do dia 19 de Novembro de 2010. 6. Sucede que, por despacho datado de 20 de Março de 2014, foi indeferida a requerida produção de prova por declarações de parte, com a seguinte fundamentação: (…). 7. Uma vez que a apelada impugnou o sentido da acta nº37 e as razões que suportam a deliberação que lhe está subjacente, há que apurar qual a vontade dos condóminos presentes na assembleia e como interpretar a referida acta. 8. Ora, os condóminos, apelantes e apelada, estiveram presentes na assembleia de condóminos do dia 19 de Novembro de 2010, pelo que só através da prestação de declarações de parte das pessoas presentes poderá ser descoberta verdade material. 9. O Tribunal a quo não deveria ter indeferido a requerida produção de prova por declarações de parte, porquanto a mesma não é ilegal, ofensiva de normas processuais ou manifestamente infundada. 10. É, antes, o único meio de prova da matéria do facto 9º da Base Instrutória e, por isso, indispensável à descoberta da verdade. 11. O douto despacho violou as normas jurídicas dos artigos 3º, 4º, 411º e 413º do Código de Processo Civil. 12. Por conseguinte, deverá o despacho proferido ser revogado, ordenando-se a admissão da produção de prova por declarações de parte. * Não há contra-alegações e o recurso foi admitido como apelação, como subida imediata, em separado e com efeito devolutivo. A questão a decidir é a de se saber se são ou não admissíveis as requeridas declarações de parte. * * FACTOS. Para além dos factos que resultam do relatório do presente acórdão, tem interesse para a decisão o conteúdo das alíneas N) a U) dos factos assentes e do artigo 9º da base instrutória, que é o seguinte: As alíneas N) a U) dos factos assentes consagram que os 1ºs aos 8ºs réus fecharam as respectivas varandas, com marquise. O artigo 9º da base instrutória pergunta: “o referido em N) a U) dos factos assentes foi autorizado pela assembleia de condóminos do dia 19 de Novembro de 2010, por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio?”. Deverá ainda considerar-se assente o conteúdo da acta nº37 de 19/11/2010, junta como documento nº2 da contestação, a qual não foi impugnada e que é o seguinte, na parte relevante: “(…) a Administração informou também que, apesar de diversas vezes repetido em Assembleias ordinárias e extraordinárias, verifica-se que nunca tinha ficado lavrado em Acta a permissão concedida aos condóminos que, tendo varandas exteriores, construíram nas mesmas marquises em alumínio, mais especificamente aos condóminos das fracções D, E, F, G, H, I, J, L. Estas construções foram em devido tempo discutidas em assembleias, inclusive aquando da administração da Prolex, não tendo sido lavradas em Acta, situação que se corrige na presente Acta. A administração considerou que estes fechos das varandas iriam beneficiar o edifício, até pela sua localização parte da Tapada da Ajuda, zona de muita humidade uma vez que a fachada do prédio é frontal com o Instituto de Agronomia e Parque de Monsanto. Desta forma a administração concorda com tais acções viriam reduzir a deterioração dos interiores e paredes das fracções, evitando despesas para o condomínio”. * * ENQUADRAMENTO JURÍDICO. Antes da reforma introduzida pela Lei 41/2013 de 26/6, o CPC continha uma secção denominada “prova por confissão das partes”, no qual se inseriam os artigos 552º a 567º, que regulavam o depoimento de parte, encontrando-se, por seu lado, a confissão definida no artigo 352º do CC como sendo “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”. Com a referida reforma, a lei autonomizou a prova por declaração das partes da prova por confissão das partes, integrando cada uma delas uma secção separada, passando os artigos 452 e seguintes (que correspondem aos anteriores 552º e seguintes) a regular o depoimento de parte na secção denominada “prova por confissão das partes” e passando o artigo 466º com a epígrafe “declarações de parte” a integrar a secção denominada “prova por declarações de parte”, com a seguinte redacção: Nº1 – As parte podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo. Nº2 – Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior. Nº3 – O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão. Assim, ao contrário do que acontece com o depoimento de parte, a parte pode requerer a prestação das suas próprias declarações, não visando a obtenção de uma confissão, mas sem prejuízo de as mesmas virem a constituir confissão. No presente caso, tendo os réus ora apelantes requerido as declarações de parte de duas das rés, esta prova foi indeferida com o fundamento de que a matéria em questão só poderá provar-se por documento. A matéria a que se refere o artigo 9º da base instrutória diz respeito a deliberação tomada numa assembleia de condóminos que, nos termos do artigo 1º nº1 do DL 268/94 de 25/10, deve ser obrigatoriamente reduzida a escrito, mediante a elaboração de uma acta. Estabelece o artigo 393º do CC, no seu nº1, que “se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admissível a prova testemunhal”, no seu nº2, que “também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena” e, no seu nº3, que “as regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento”. A prova em causa nos autos não é testemunhal, mas sim de declarações de parte. Mas deverá considerar-se aplicável o regime do artigo 393º do CC, tendo em atenção que relativamente às declarações de parte se verificam as razões relacionadas com a fragilidade da prova testemunhal perante a segurança da prova documental. Na verdade, não faria sentido exigir-se que determinada declaração negocial tivesse de ser reduzida a escrito e depois pudesse provar-se por prova testemunhal ou por declarações de parte. Deste modo, não sendo arguida a falsidade da acta nº37 em causa e junta com a contestação, apenas esta poderá fazer prova das deliberações e declarações aí prestadas, as quais não poderão ser contrariadas por prova testemunhal ou por declarações de parte. Contudo e como resulta do nº3 do artigo 393º do CC, poderá ser admitida prova testemunhal ou por declarações de parte à simples interpretação do contexto do documento. E, nos autos, é diferente a interpretação dada pelas partes à acta nº37, como resulta dos articulados. Por outro lado, resulta também do conteúdo da referida acta (que deve considerar-se assente, nos termos supra mencionados) que, embora aí não conste formalmente uma deliberação, constam considerações sobre a matéria em discussão, relativamente às quais poderá eventualmente ser útil prestar esclarecimentos. Sendo assim e alegando os réus que as 1ª e 8ª rés estiveram presentes na referida assembleia de condóminos, poderão as mesmas prestar declarações à matéria do artigo 9º da BI, sem prejuízo da prova resultante da acta nº37 e devendo as declarações ser restritas à interpretação do contexto da mesma, a apreciar livremente pelo tribunal. * * DECISÃO. Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, revogando o despacho recorrido, admite-se a prova por declarações da 1ª e 8ª rés à matéria do artigo 9º da base instrutória, nos moldes acima definidos. * Sem custas. * 2015-01-29 Maria Teresa Pardal Carlos Marinho Anabela Calafate
|