Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3375/16.6T8FNC.L3-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: ACÇÃO POPULAR
PUBLICAÇÃO DA DECISÃO EM JORNAIS
PROVIDÊNCIAS CAUTELARES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I.– A exigência de publicação, em dois jornais com expressão no universo dos interessados, expressa no n.º 2 do artigo 19º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (Lei da Acção Popular – LAP), apenas respeita a sentenças proferidas em acção popular, cível ou administrativa.

II.– Tal exigência está directamente relacionada com a eficácia subjectiva geral do caso julgado, de que goza a sentença definitiva proferida em acção popular, salvo em casos de improcedência da acção por insuficiência de provas ou quando o julgador deva decidir por firma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto (n.ºs 1 e 2 do artigo 19º da LAP).

III.– Por sua vez, a eficácia subjectiva geral de que gozam as sentenças transitadas em julgado, proferidas em acção popular cível ou administrativa, é um efeito decorrente do regime especial de representação processual, previsto no artigo 14º do LAP, nos termos do qual, salvo exercício de um direito de auto-exclusão de representação, todos os titulares de direitos ou interesses cujo actor popular faz valer em juízo se consideram automaticamente representados por este em termos processuais.

IV.– Assim, considerando que as providências cautelares, não esclarecem ou solucionam definitivamente conflitos de direitos, mas apenas visam cautelar os efeitos úteis das demandas a propor, as publicações previstas no n.º 2 do artigo 19º da LAP, sendo obrigatórias no âmbito da acção principal, não o são em sede de procedimento cautelar, antecipatório ou incidental de acção popular.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.– Em 17/05/2016, os Requerente RA e JM, ora Recorrentes, requereram providência cautelar não especificada no âmbito de acção popular e preliminar a esta, contra a Requerida, aqui Recorrida, Investimentos, SA alegadamente para defesa dos interesses gerais da colectividade madeirense e também de interesses difusos, consubstanciados, designadamente, na defesa da saúde, da qualidade de vida, do bem-estar e dos bens do Estado, da Região Autónoma

2.– Tal providência veio a ser indeferida nos termos da sentença proferida pelo Tribunal a quo em 11/07/2017, indeferimento esse que veio a ser confirmado por acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 26/10/2017.

3.– Nessa sequência, por despacho com data de 30/11/2017 (ref.ª Citius 44830387),foi determinado pelo Tribunal a quoa elaboração de anúncio para publicação em dois jornais da  concretamente o “Jornal da M” e o “Diário de Notícias”, bem como a remessa aos Requerentes, ora Recorrentes, para publicação nos referidos jornais, a expensas próprias, designadamente nos seguintes termos:
“(…)
Remeta o anúncio aos requerentes para publicação nos mencionados jornais, devendo os mesmos, no prazo de 10 dias, juntar aos autos comprovativo da publicação ora ordenada, sob pena de incorrerem na prática de crime de desobediência (artigo 19º, nº 2 da Lei nº 83/95, de 31 de agosto)”.

4.– Os anúncios, para publicação, foram elaborados pelo Tribunal a quo e remetidos aos Requerentes, para publicação (ref.ªs Citius 44848733 e 44851412, de 4/12/2017 e 5/12/2017, respectivamente).

5.– Inconformados, os Requerentes apelaram para este Tribunal da Relação, e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

«1º- Nos termos do despacho com data de conclusão de 30/11/2017, despacho recorrido, foi determinado pelo Tribunal a quo a elaboração de anúncio para publicação em dois jornais da Região Autónomaconcretamente o Jornal da M e o Diário de Notícias, bem como a remessa aos ora Recorrentes, para publicação nos referidos jornais, nos seguintes termos: “Remeta o anúncio aos requerentes para publicação nos mencionados jornais, devendo os mesmos, no prazo de 10 dias, juntar aos autos comprovativo da publicação ora ordenada, sob pena de incorrerem na prática de crime de desobediência (artigo 19º, nº 2 da Lei nº 83/95, de 31 de agosto)”.

- Os Recorrentes discordam desta decisão porquanto, podendo a acção popular civil revestir qualquer das formas previstas no CPC, nomeadamente a de procedimento cautelar, como é o caso, este procedimento tem que se conformar com as exigências próprias da sua tramitação, desde logo com a sua natureza urgente, revestindo características de instrumentalidade em relação ao processo ou à acção principal, de sumariedade ou perfunctoriedade da apreciação jurisdicional e de provisoriedade do conteúdo da decisão cautelar.

- Daí que, salvo melhor entendimento, a publicação do anúncio em causa, sendo obrigatória no âmbito da acção principal, não o é no âmbito de procedimento cautelar, por força das referidas exigências próprias da respectiva tramitação, o que os Recorrentes invocam para todos os efeitos.

- Por outro lado, não está aqui em causa qualquer exercício do contraditório, mas sim e apenas o dar conhecimento da decisão judicial em causa ao universo dos interessados.

- Assim, na acção popular sob a forma de procedimento cautelar, como é o caso, face à natureza urgente do processo e ao facto de não estar em causa o princípio do contraditório, não existe a obrigatoriedade de publicação em jornais da respectiva decisão cautelar (cf. acórdão supra citado).

- Acresce que a decisão de publicação do presente anúncio da sentença nos dois referidos jornais até se afigura contraditória, o que os Recorrentes invocam para todos os efeitos.

- Com efeito, estatuindo a lei, nos termos do nº 2, do artigo 15º da LAP, que a citação dos titulares dos interesses em causa será feita por anúncio ou anúncios tornados públicos através de qualquer meio de comunicação social ou editalmente, consoante estejam em causa interesses gerais ou geograficamente localizados, e não obstante, nos termos alegados pelos ora Recorrentes, os interesses em causa digam respeito a toda a colectividade madeirense e não apenas aos residentes numa freguesia e município, verifica-se ter o Tribunal a quo, no cumprimento do referido preceito legal, e para efeitos do direito de participação, determinado, não a citação daqueles por anúncio publicado em meio de comunicação social, mas sim a citação edital dos utentes regulares da Praia Formosa, a afixar na junta de freguesia de São Martinho e na Câmara Municipal do Funchal, nos termos do douto despacho com data de conclusão de 15/05/2017.
- De onde, sob pena do referido normativo constituir cerceamento e violação dos direitos de participação e de acção popular legal e constitucionalmente consagrados, e nesse sentido padecer de inconstitucionalidade, o que os Recorrentes invocam expressamente e para todos os efeitos, mantendo-se, ou não tendo os referidos interesses gerais ou geograficamente localizados alterado no decurso da providência cautelar e até ao presente momento, não se alcança por que razão há-de ser utilizado um critério menos abrangente para efeitos da citação dos titulares dos interesses em causa não intervenientes na providência para efeitos dessa intervenção e do exercício de participação na defesa de tais interesses, circunscrevendo-o à referida freguesia e ao respectivo município, e outro critério para a divulgação da sentença que decidiu sobre os mesmos interesses, alargando-o, desta feita, designadamente a toda a colectividade madeirense por via da leitura dos referidos jornais.
- Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se o douto despacho recorrido, de modo a se fazer Justiça.»

6.– A Requerida, ora Recorrida, apresentou contra-alegações, nas quais formou as seguintes conclusões:
«1.- A Recorrida obteve vencimento integral na providência cautelar.
2.- Até à presente data, os Recorrentes não avançaram com a acção principal.
3.- A providência cautelar teve vastíssima projecção na comunicação social, junto de entidades públicas (máxime a Câmara Municipal do Funchal) e da população em geral.
4.- Sendo assim de elementar justiça e ética que a decisão favorável à Recorrida seja de igual projecção social.
5.- Por último, o Acórdão desta Veneranda Relação, datado de 20 de Junho de 2013 e relativo ao processo n.º 720/13.0TVLSB-A.L1-6, trazido à colação pelos Recorrentes, com a devida vénia, não tem aplicação no caso vertente.».

7.– Foram colhidos os vistos legais.

II–DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
Nos termos do disposto nos artigos 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1, ambos do CPC, o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608, n.º 2., “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso, na medida em que o juiz não está sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º, n.º 3, do CPC)[1].

Destarte, a questão a decidir consiste em saber se a sentença proferida na presente providência cautelar deve ou não ser publicitada, a expensas dos Recorrentes, no “Jornal da M” e no” Diário de Notícias”.

III–FUNDAMENTAÇÃO.

A)–Motivação de  Facto:
1.- A matéria de facto relevante para a questão a decidir é a que consta do relatório que antecede (segmento I).
           
B)–Motivação de Direito:
1.- Importa analisar se no caso presente tem cabimento legal a decidida publicação, em dois jornais, da sentença proferida nestes autos de procedimento cautelar.
2.- Alegam os Recorrentes que tal publicação, sendo obrigatória no âmbito da acção principal, não o é no âmbito do procedimento cautelar, por força das exigências próprias da respectiva tramitação, mormente a da urgência e sumariedade da decisão cautelar.

E, em defesa da sua posição, chamam à colação o acórdão desta Relação, de 20/06/2013, proc.º n.º 720/13.0TVLSB-A.L1-6 (Desembargadora Maria de Deus Correia), acessível em www.dgsi.pt., , do qual transcrevem o trecho:

«III– Na acção popular sob a forma de procedimento cautelar, atenta a natureza urgente do processo, poderá ser dispensado o cumprimento do disposto no art.º 15.º n.º1 da Lei n.º 83/95 de 31-08 (LAP) por se tratar de citação de eventuais intervenientes no lado activo e, por conseguinte, não estar em causa o princípio do contraditório.
(…)
Na sentença recorrida foi decidido o seguinte:
“Analisando a questão invocada, verifica-se que a acção popular, devido às suas características intrínsecas, admite que os titulares dos interesses difusos se excluam da representação pelo Autor da acção; para permitir o exercício desse direito de exclusão, a lei prevê a citação por anúncios (artigo 15.º/1 e 2 da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, que se designará doravante Lei da Acção Popular – LAP).
Estas publicações são obrigatórias no âmbito da acção principal mas não em sede de procedimento cautelar (cf. artigo 12.º/2 da LAP e artigos 381.º e seguintes do Código de Processo Civil). Se a acção popular pode revestir qualquer das formas previstas na lei civil adjectiva, pode daqui extrair-se que, revestindo a forma dum procedimento cautelar, tem que se conformar com as exigências próprias da sua tramitação, designadamente – mas não apenas – a natureza urgente (artigo 382.º do Código de Processo Civil) e o carácter sumário da decisão (artigo 387.º/1).
A problemática suscitada não é assim pertinente no âmbito deste procedimento cautelar, só se colocando, se esse for o caso, no âmbito da acção definitiva a instaurar.
Pelo exposto, julgo improcedente a arguição de nulidade por falta de citação, através de anúncios, para o exercício do direito de exclusão dos outros titulares de interesses difusos.”
Coloca-se a questão de saber se o processado previsto no art.º 15.º da Lei n.º83/95 de 31 de Agosto (LAP) se aplica a todas as acções populares qualquer que seja a forma que revista, daquelas que são permitidas no código de processo civil, designadamente aos procedimentos cautelares. É certo que, normalmente onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir, a não ser que da própria actividade hermenêutica resulte alguma razão para proceder a tal distinção. E no caso em apreço parece-nos que há.
Desde logo, repare-se que a citação dos titulares dos interesses difusos em causa, nos termos do disposto no art.º 15.º da LAP destina-se a possibilitar a intervenção desses titulares no lado activo, ou seja, acompanhando o autor, ou excluindo-se de serem representados pelo autor. Não se trata de uma citação para intervenção de interessados, no lado passivo, necessária para o exercício do direito do contraditório. Este pormenor faz toda a diferença. Porque não está em causa o exercício do direito do contraditório, justifica-se inteiramente que o cumprimento deste trâmite processual possa perfeitamente ser dispensado no âmbito do procedimento cautelar, em nome do princípio da celeridade que caracteriza este processo. Uma vez que a citação a que se refere o art.º 15.º da LAP se destina a permitir a intervenção de interessados, mas no lado activo, nunca a respectiva falta poderia equivaler à falta de citação dos réus ou requeridos, essencial para o cumprimento do princípio do contraditório.
Improcedem as conclusões de recurso a este propósito, não se verificando a invocada nulidade».

2.– Ora, como dá nota a Recorrida, a questão trazida à colação pelos Recorrentes, que se discutia no acórdão proferido no proc.º n.º 720/13.0TVLSB-A.L1-6, é distinta da questão com que estamos confrontados neste recurso: - naquele processo, estava em causa saber se a tramitação processual prevista no artigo 15º da LAP (publicação de anúncios para citação de titulares dos interesses em causa, não intervenientes no processo) era aplicável à acção popular que revista a forma de procedimento cautelar; - nestes autos, a questão que se suscita é a de saber se numa providência cautelar no âmbito de acção popular e preliminar a esta é obrigatória a publicação da sentença em dois jornais, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 19º da LAP.

Vejamos, então:  
      
Dispõe o artigo 15.º da LAP, sob a epígrafe «Direito de exclusão por parte de titulares dos interesses em causa»:
“1- Recebida petição de acção popular, serão citados os titulares dos interesses em causa na acção de que se trate, e não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo fixado pelo juiz, passarem a intervir no processo a título principal, querendo, aceitando-o na fase em que se encontrar, e para declararem nos autos se aceitam ou não ser representados pelo autor ou se, pelo contrário, se excluem dessa representação, nomeadamente para o efeito de lhes não serem aplicáveis as decisões proferidas, sob pena de a sua passividade valer como aceitação, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
2- A citação será feita por anúncio ou anúncios tornados públicos através de qualquer meio de comunicação social ou editalmente, consoante estejam em causa interesses gerais ou geograficamente localizados, sem obrigatoriedade de identificação pessoal dos destinatários, que poderão ser referenciados enquanto titulares dos mencionados interesses, e por referência à acção de que se trate, à identificação de pelo menos o primeiro autor, quando seja um entre vários, do réu ou réus e por menção bastante do pedido e da causa de pedir.
3- (….).
4- A representação referida no n.º 1 é ainda susceptível de recusa pelo representado até ao termo da produção de prova ou fase equivalente, por declaração expressa nos autos.”.

Por sua vez, o artigo 19º do mencionado diploma legal, sob a epigrafe «Decisões transitadas em julgado», estabelece:
“1- Salvo quando julgadas improcedentes por insuficiência de provas ou quando o julgador deva decidir por forma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto, os efeitos das sentenças transitadas em julgado proferidas no âmbito de processo que tenham por objecto a defesa de interesses individuais homogéneos abrangem os titulares dos direitos ou interesses que não tiverem exercido o direito de se auto-excluírem da representação, nos termos do artigo 16
2- As decisões transitadas em julgado são publicadas a expensas da parte vencida e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados no seu conhecimento, à escolha do juiz da causa, que poderá determinar que a publicação se faça por extracto dos seus aspectos essenciais, quando a sua extensão desaconselhar a publicação por inteiro.”

3.– Do confronto das citadas disposições legais, resulta que a publicação para citação a que se refere o artigo 15º da LAP se destina a permitir a intervenção de interessados não intervenientes na acção, enquanto titulares dos interesses em causa, ou o exercício, pelos mesmos, do direito de auto-exclusão de representação (artigos 14º e 15º, n.º 4, da LAP).

Por sua vez, as publicações da sentença, previstas no n.º 2 do artigo 19º da LAP, estão directamente relacionadas com a eficácia subjectiva geral do caso julgado, de que goza a sentença definitiva proferida em acção popular, salvo em casos de improcedência da acção por insuficiência de provas ou quando o julgador deva decidir por firma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto. É oque decorre da leitura concatenada dos n.ºs 1 e 2 do citado normativo.

A eficácia subjectiva geral de que gozam as sentenças transitadas em julgado, proferidas em acção popular cível ou administrativa, é um efeito decorrente do regime especial de representação processual, previsto no artigo 14º[2] do LAP, nos termos do qual, salvo exercício de um direito de auto-exclusão de representação, todos os titulares de direitos ou interesses cujo actor popular faz valer em juízo se consideram automaticamente representados por este em termos processuais.

Por isso, tendo em conta a natureza e os fins dos procedimentos cautelares, entendemos, tal como a Recorrida, embora com fundamentos diferentes[3], que as publicações previstas no n.º 2 do artigo 19º da LAP, sendo obrigatórias no âmbito da acção principal, não o são em sede de procedimento cautelar, antecipatório ou incidental.

As providências cautelares, como é sabido, não se destinam a resolver questões de fundo e a decisão nelas proferida não se reflecte na acção principal. As providências cautelares, como o próprio nome indica, destinam-se a acautelar direitos, ainda que de forma provisória e precária, e são sempre dependentes de uma acção que tem por fundamento o direito acautelado, que não o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável desse direito (cf. artigos 362º e 364º, n.º 1, do CPC).

Na expressão feliz utilizada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19-09-2005, Proc. n.º JTRP00038331, acessível em www.dgsi.pt, já citado, “Os procedimentos cautelares são meios provisórios de tutela do direito, destinados a evitar o perigo de demora do desfecho definitivo de acções (…)”.

Em suma, não passando os presentes autos de providência cautelar (antecipatórios de acção popular a propor, eventualmente) apenas de um procedimento de antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado final do processo principal, e sendo a decisão nele proferida provisória por natureza, não têm justificação legal as publicações ordenadas na decisão recorrida.

E não se argumente, como fez a Recorrida nas contra-alegações (conclusões 3 e 4), com apelo à ética, que as publicações ordenadas pelo Tribunal a quo se justificam como resposta à vastíssima projecção que a providência cautelar teve na comunicação social, junto de entidades públicas (CMF) e da população em geral. Desde logo, porque, salvo o devido respeito, tal argumento não tem base jurídica e também porque, como é usual nestes casos, a comunicação social funchalense deu devido destaque à decisão da 1ª instância e ao acórdão desta Relação, de que citou, aliás, alguns excertos,  como se pode constatar através da consulta da imprensa online, designadamente do diário “FUNCHALNOTÍCI@S”, de 23.Nov.2017, artigo publicado por
Rosário Martins-(https://funchalnoticias.files.wordpress.com/2017/01/img 260112017 103351 hdr.jpg)

4.– Procede, consequentemente, a apelação, embora com fundamentos diferentes dos invocados pelos Recorrentes.

Deste modo, deve a decisão recorrida ser revogada.

IV–DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogar a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrida – artigo 527º do CPC
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Registe e notifique.
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Lisboa, 15 de Fevereiro de 2018
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Maria Manuela Gomes
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[1]Cf., entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/09/2007 (proc. n.º 07B2113) e de 08/11/2007 (proc. n.º 07B3586), consultáveis em www.dgsi.pt
.
[2]Nos termos do artigo 14º da LAP “Nos processos de acção popular, o autor representa por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão previsto no artigo seguinte, com as consequências constantes da presente lei”.
[3]A Recorrida invoca, em abono da sua posição, “as exigências próprias da respectiva tramitação, mormente a da urgência e
sumariedade da decisão cautelar”.