Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7/18.1T8CSC.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ARECT
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
MINISTÉRIO PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/12/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário:   1 - Em presença de uma relação laboral estabelecida em 2015, visando-se o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, decorre da presunção de laboralidade estabelecida no  art.º 12º do CT que compete ao autor provar alguns dos factos índice, ficando o réu com o ónus de demonstrar que não existe contrato de trabalho.
2 – A presunção tem aplicação também nas ações implementadas pelo Ministério Públio com vista ao reconhecimento da existência de contrato de trabalho.

3 - Provados dois daqueles factos, mas evidenciando-se autonomia própria do contrato de prestação de serviços, a presunção resulta elidida, não podendo reconhecer-se a existência de contrato de trabalho.

Decisão Texto Parcial:Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
AAA, S.A, com sede na Rua (…) Paço de Arcos, Oeiras, Ré nos autos de ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho à margem identificados, notificada da sentença proferida em 25 de Janeiro de 2019, vem interpor recurso de apelação.
   Pede a revogação da sentença, com substituição por outra que a absolva do pedido.
Apresentou as seguintes conclusões:
(…)
Atento o exposto, ao declarar a existência de contrato de trabalho no período acima mencionado, a sentença recorrida infringiu o disposto nos artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho, bem como os artigos 1154.º e 342.º/1 do Código Civil.

O MINISTÉRIO PÚBLICO contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença.
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Segue-se um breve resumo dos autos para melhor enquadramento:

O Ministério Público instaurou contra AAA, S.A. a presente ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com processo especial, pedindo que se declare a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e BBB.
A Ré apresentou contestação, defendendo-se por impugnação (alegando a inexistência de contrato de trabalho, mas antes ter existido um contrato de prestação de serviços).
Notificado, o “trabalhador” não apresentou articulado próprio, nem constituiu mandatário.
Teve lugar audiência de julgamento, finda a qual se proferiu sentença da qual foi interposto recurso para esta Relação.
Foi proferido acórdão que, para o que ora releva, anulou a decisão proferida sobre a matéria de facto a fim de a 1ª instância enunciar a sua decisão e respetivos fundamentos no concernente aos factos constantes dos Artº 18º a 20º, 22º, 23º, 25º a 27º, 30º, 32º a 37º, 40º, 42º, 48º, 50º, 52º a 55º da contestação.
Proferida nova sentença, julgou-se (de novo) a ação procedente e, em consequência, reconheceu-se a existência de um contrato de trabalho entre BBB e a Ré AAA, S.A., no período entre 01.08.2015 e 31.12.2017.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
 Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
2ª – Dos factos não se pode extrair que o vínculo contratual mantido entre a Recorrente e BBB, no período de 01 de Agosto de 2015 a 31 de Dezembro de 2017, seja de trabalho subordinado?
***
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
 A 1ª questão supra elencada reporta-se ao erro de julgamento da matéria de facto.
   Sustenta a Apelante que as respostas aos factos provados sob os números 7, 12 e 14 devem ser modificadas e que os pontos de facto constantes dos Artº 19.º e 20.º, 22.º, 25.º a 27.º, 30.º (em parte), 40.º e 42.º (em parte), 52.º (em parte) e 54.º da Contestação devem ter resposta de provado.
 Consta dos pontos 7, 12 e 14 do acervo fático:
(…)
 Donde, a resposta ao ponto 7 sofre uma pequena alteração para os seguintes termos: Provado que BBB utilizava o material existente nas instalações da “(…), Lda.” e depois Ré, nomeadamente equipamento informático com programa de paginação e Photoshop, por exigências relacionadas com a natureza técnica do serviço, embora também tenha prestado serviços à Ré fora daquelas instalações, designadamente no seu domicílio, sem utilização do mencionado equipamento.
Já a resposta ao ponto 12 não sofre qualquer modificação.
A resposta ao ponto 14 também se modifica nos termos seguintes: Provado que o tempo em que se desenrolava a prestação era em tudo semelhante ao dos trabalhadores do quadro da “(…), Lda.” e depois da Ré, com início pelas 10h00 e finalização pelas 19h00, de segunda a sexta-feira, ainda que, em regra, sem horário fixo de saída.
Vamos agora deter-nos sobre o segundo grupo de factos: os que constam dos Artº 19.º e 20.º, 22.º, 25.º a 27.º, 30.º (em parte), 40.º e 42.º (em parte), 52.º (em parte) e 54.º da Contestação.
 Compaginada a globalidade da prova, mantém-se as respostas de não provado aos Artº 19, 20º e 54º. Modifica-se a resposta ao Artº 22º que passa a ser de provado que porque assim o exigem aspetos de natureza técnica (nomeadamente de compatibilização de sistemas de edição), o serviço contratado (exceto (…) é prestado por BBB nas instalações da Ré e com equipamentos e software da propriedade desta. Também o Artº 25º sofre alteração para provado que BBB não se encontra sujeito a qualquer horário de trabalho, nem tão-pouco a período normal de trabalho diário ou semanal, mínimo e máximo, determinado pela Ré. Os Artº 26º, 27º, 30º, 40º, 42º e 52º alteram-se para provado.
As modificações ora introduzidas inserir-se-ão no local próprio.
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FACTOS PROVADOS:
1. A Ré tem por objeto a edição de publicações de natureza jornalística, de edição de outras publicações, de exploração de indústrias gráficas, de edição, produção, fabrico, importação e venda de gravações de som e de vídeo, comercialização de publicidade, quer por iniciativa própria, quer através da participação noutras sociedades já constituídas ou a constituir, produção, exploração e distribuição de espetáculos de qualquer natureza, incluindo atividades relacionadas com espetáculos, representação e colocação de artistas e, ainda, a produção de festivais e eventos para empresas e instituições.
2. E mostra-se sedeada na Rua (…)  Paço de Arcos, Oeiras.
3. Pela Ap. 99/20161229, da matrícula com o NIPC (…) mostra-se inscrita, mediante “fusão”, a transferência global do património da “(…), Lda.” a favor da Ré.
4. No dia 20 de Junho de 2017, a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) efetuou uma ação inspetiva à Rua (…), em Paço de Arcos, Oeiras.
5. No âmbito da visita inspetiva referida em 4. a ACT verificou que BBB se encontrava nas instalações da Ré, em exercício da sua atividade de “designer”, o que tinha lugar em sala open space, do piso 2, onde dispunha de uma secretária, cadeira e módulo de gavetas com chave e armário.
6. No exercício dessa atividade competia a BBB proceder à paginação da revista “(…)” e “(…)” e, por vezes, da própria revista “(…)”, o que fazia integrado no âmbito de uma equipa, sendo tais revistas pertença da “(…), Lda.” e depois da Ré.
7. BBB utilizava o material existente nas instalações da “(…)  Lda.” e depois Ré, nomeadamente equipamento informático com programa de paginação e Photoshop, por exigências relacionadas com a natureza técnica do serviço, embora também tenha prestado serviços à Ré fora daquelas instalações, designadamente no seu domicílio, sem utilização do mencionado equipamento. (alterado)
8. Entre BBB e “(…), Lda.” vigorou acordo escrito, datado de 01.08.2015, intitulado de “contrato de trabalho a termo incerto”, cujo teor consta a fls. 107/109-verso e se dá aqui por integralmente reproduzido, no âmbito do qual resulta ter sido admitido ao serviço daquela “para exercer, sob a sua autoridade, direção e fiscalização, a atividade e funções inerentes à categoria profissional de Paginador”.
9. O fundamento para o acordo referido em 8. resulta da respetiva cláusula “sétima”, “pela necessidade temporária de substituir a Trabalhadora (…), que se encontrará com incapacidade para o trabalho por motivo de licença parental”.
10. Mediante documento escrito datado de 28.10.2015, dirigido a BBB pela “(…), Lda.”, constam, entre o mais, os seguintes dizeres: “Reportam-nos ao contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 1 de Agosto de 2015. Pela presente (…) vimos comunicar a V. Exa. que tal contrato caducará (…) no próximo dia 12 de Novembro de 2015.
11. Mediante documento escrito datado de 13.11.2016 [por lapso consta do escrito o ano de 2016, mas será antes referente ao ano de 2017], dirigido a BBB pela Ré, constam, entre o mais, os seguintes dizeres: “Reportam-nos ao contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 16 de Agosto de 2017. Pela presente (…) vimos comunicar a V. Exa. que tal contrato caducará (…) no próximo dia 30 de Novembro de 2017.
12. Pelo menos desde 01.08.2015 e até 31.12.2017, primeiro relativamente à “(…), Lda.” e depois relativamente à Ré, que BBB desempenha a sua atividade de “designer”/paginador, recebendo ordens da direção das revistas referidas em 6., nomeadamente (…), que pertenceu aos quadros da Ré e daquela outra, tendo reuniões periódicas de trabalho, assim como ordens de (…), Editor Adjunto da revista “(…)”, os quais determinavam o que em concreto devia fazer, quando e onde.
13. E no âmbito dessa atividade era “(…), Lda.” e depois a Ré, através desses supervisores, quem ia esclarecendo e resolvendo eventuais dúvidas ou problemas, controlando o trabalho realizado, no tempo e modo previsto.
14. O tempo em que se desenrolava a prestação era em tudo semelhante ao dos trabalhadores do quadro da “(…) Lda.” e depois da Ré, com início pelas 10h00 e finalização pelas 19h00, de segunda a sexta feira, ainda que, em regra, sem horário fixo de saída. (alterado)
14A BBB não se encontra sujeito a qualquer horário de trabalho, nem tão-pouco a período normal de trabalho diário ou semanal, mínimo e máximo, determinado pela Ré. (Artº 25º da contestação) (alterado)
15. BBB comunicava quaisquer ausências ao trabalho, o que fazia através de contacto telefónico ou presencialmente junto da diretora (…).
16. BBB tinha um cartão de acesso ao interiores das instalações referidas em 4., só assim podendo ultrapassar os torniquetes ali instalados para controlo da circulação de pessoas.
17. BBB auferia como contrapartida da sua atividade, fora dos períodos referidos em 10. e 11., com referência ao período referido em 12., mensalmente, as seguintes quantias (valores base), que constituíam a sua única fonte de rendimento:
- em 21.12.2015: 800,00 €;
- em 20.01.2016: 100,00 €; 240,00 €; 460,00 €; e 60,00 €;
- em 22.02.2016: 340,00 €; 300,00 €; e 600,00 €;
- em 21.03.2016: 910,00 €;
- em 20.04.2016: 600,00 €;
- em 20.05.2016: 600,00 €; e 580,00 €;
- em 20.06.2016: 60,00 €; 600,00 €; 660,00 €;
- em 20.07.2016: 600,00 €; 760,00 €;
- em 22.08.2016: 120,00 €;
- em 20.09.2016: 540,00 €; e 600,00 €;
- em 20.10.2016: 60,00 €; 750,00 €; e 100,00 €;
- em 21.11.2016: 600,00 €; 480,00 €;
- em 20.12.2016 e 22.12.2016: 660,00 €; 60,00 €; e 60,00 €;
- em 20.01.2017: 160,00 €; 660,00 €; e 600,00 €;
- em 20.02.2017: 220,00 €; e 750,00 €;
- em 20.03.2017: 660,00 €; e 540,00 €;
- em 20.04.2017 e 21.04.2017: 900,00 € e 220,00 €;
- em 22.05.2017: 630,00 €; 60,00 €; e 480,00 €;
- em 20.06.2017: 240,00 €; 660,00 €; e 120,00 €;
- em 20.07.2017: 600,00 €; 240,00 €; 420,00 €; e 120,00 €; e,
- em 21.08.2017: 600,00 €.
18. Em todo o período referido em 17., a que correspondem as faturas-recibo nºs 83 a 132, sequenciais, não consta como “adquirente” do “serviço” outrem que não “(…), Lda.” e, a partir do nº 113, em 20.01.2017, a Ré.
Da contestação
19. Toda a atividade da redação das publicações da Ré encontra-se sob a alçada da respetiva direção, a quem compete definir a estratégia editorial da publicação em causa, em linha com o respetivo estatuto editorial (artigo 18º).
20. Os equipamentos utilizados por BBB, referidos em 7., são também utilizados por quem deles necessite em cada momento (artigo 23º).
21. BBB não está sujeito ao regime de faltas e férias, nem a qualquer controlo de assiduidade ou pontualidade por parte da Ré, ao contrário do que sucede com os trabalhadores desta (Artº 30º) (alterado).
22. Relativamente ao gozo de férias, os trabalhadores subordinados da Ré registam igualmente os seus pedidos de férias no Portal do Trabalhador, seguindo-se a aprovação ou recusa dos mesmos pelo respetivo superior hierárquico (artigo 32º).
23. O que não sucede com BBB (artigo 33º).
24. Sem prejuízo do disposto em 15., BBB não tem acesso ao referido portal, nem está obrigado a observar qualquer procedimento de justificação de ausências (artigos 34º, 36º e 37º).
25. E, por seu turno, a Ré não determina o período de férias de BBB, nem tão pouco autoriza ou recusa qualquer gozo de férias, pelo que o mesmo não consta do mapa de férias da Ré (artigo 35º).
26. Sem prejuízo da necessidade de conformar os períodos de tempo em que os serviços são prestados com as necessidades da Ré – fecho de publicações -, o número de dias em que presta serviços depende da disponibilidade de (…) e não de quaisquer horários de trabalho elaborados pela Ré, pelo que aquele número é variável de mês para mês, de ano para ano e sempre dependente da conjugação entre a sua disponibilidade e as necessidades de prestação de serviços da Ré (artigos 40º e 42º) (alterados).
27. Sem prejuízo do referido em 12., 17. e 18., entre BBB e a Ré nunca foi acordada exclusividade para a prestação da atividade daquele (artigo 48º).
28. Nem a ré impôs qualquer exclusividade (artigo 50º).
29. É (…) quem entrega à Ré descrição dos serviços prestados e os honorários correspondentes, cujo valor, embora com base num valor diário aproximado de € 60,00 (sessenta euros), o mesmo determina e fixa conforme entende adequado ao trabalho que prestou (artigo 52º) (alterado).
30. Os honorários são pagos pela Empresa após aprovação da descrição mencionada no artigo anterior e após a emissão pelo Designer do(s) competente(s) recibo(s), elencados em 18., titulando as importâncias recebidas, do tipo fiscalmente definido para o rendimento de trabalho independente, o que muito frequentemente o Designer emitia em número idêntico ao número de publicações com as quais colaborou (artigo 53º).
31. A contrapartida auferida por BBB, varia e é calculada em função do número de dias em cuja atividade é prestada (artigo 55º), conforme elencado em 17. e 26.
32. Porque assim o exigem aspetos de natureza técnica (nomeadamente de compatibilização de sistemas de edição), o serviço contratado (exceto (…) Júnior) é prestado por BBB nas instalações da Ré e com equipamentos e software da propriedade desta (Artº 22º) (alterado).
33. Não impendendo sobre BBB obrigação de comparência ou permanência nas instalações da Ré fora dos períodos previamente acordados entre as partes (Artº 26º) (alterado).
34. BBB presta os serviços contratados nos períodos acordados com a Ré, em função das necessidades, em cada momento, dos serviços solicitados por esta e, por sua vez, da disponibilidade e conveniência pessoal do próprio BBB (Artº 27º) (alterado).
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O DIREITO:
Reapreciada que ficou a prova, importa agora responder à questão que elencámos em segundo lugar: Dos factos não se pode extrair que o vínculo contratual mantido entre a Recorrente e BBB, no período de 01 de Agosto de 2015 a 31 de Dezembro de 2017, seja de trabalho subordinado?
A sentença recorrida partindo do pressuposto de que à relação estabelecida entre as partes é aplicável o CT de 2009, concluiu que ficou demonstrada a natureza laboral do contrato celebrado entre as partes.
Ponderou para o efeito, e em síntese, que “verificadas quatro das circunstâncias do artigo 12º do Código do Trabalho, concretamente as alíneas a), b), c) e d) presume-se a existência de um contrato de trabalho (artigo 11º e 12º do Código do Trabalho e 350º, nº 1, do Código Civil), competindo à Ré a prova da inexistência do mesmo (cfr. artigo 344º, nº 1, do Código Civil), ilidindo a referida presunção, o que no caso concreto e pelas razões expostas não sucedeu, mais a mais quando, olhando ainda às funções que ao longo de anos foram prestadas por BBB, relativamente às quais, pela sua natureza, a supervisão dos diretores e editores da Ré era uma constante, patente na inserção numa equipa que se verificou existir na produção das “revistas”, a visão global da atividade prestada é, sem qualquer dúvida, a de um efetivo contrato de trabalho, quando o faz no âmbito da permanente organização e autoridade da Ré, em espaço, condições e meios estabelecidos pela mesma.
Insurge-se a Apelante invocando, por um lado, que a prova revela outros factos para além dos que se consideraram provados na sentença, e, por outro, que estando em causa ação desencadeada por uma autoridade administrativa e em que é Autor o Ministério Público e não o alegado trabalhador, não pode operar a presunção de laboralidade prevista no aludido artigo 12.º do Código do Trabalho. Em todo o caso, ainda que se entendesse que a referida presunção de laboralidade seria aplicável, sempre se teria de considerar que, no caso concreto, a referida presunção não se encontra verificada, porquanto não se provaram – no que respeita à Recorrente e à relação entre esta e BBB – duas ou mais características elencadas no artigo 12.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
Contrapõe o Ministério Público que se conclui pela verificação das circunstâncias previstas nas als. a), b) c) e d) do nº 1 do Art.º 12º do Código do Trabalho, presumindo-se a existência de um contrato de trabalho, presunção essa que não foi elidida por banda da Ré.
Vejamos!
A relação estabelecida entre o prestador e a beneficiária remonta a Agosto de 2015, altura em que aquele foi admitido mediante contrato de trabalho a termo incerto, razão pela qual se lhe aplica o Código do Trabalho de 2009.
No pedido formulado na petição inicial o Ministério Público limita-se a peticionar o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre aqueles, não deixando explícita qualquer referência ao termo inicial do contrato (muito embora no articulado defenda que o termo inicial reporta a 18 de Maio de 2012, não obstante ter sido celebrado entre ambos, nos períodos compreendidos entre os dias 1 de Agosto e 12 de Novembro de 2015 e 16 de Agosto e 30 de Novembro de 2017, dois contratos a termo incerto) (Artº 20º da PI).
Não parece, contudo, que existam dúvidas que nos períodos em que esteve contratado a termo incerto o trabalhador beneficiou de contrato de trabalho, Dúvidas existirão relativamente aos períodos subsequentes ao término de cada um desses contratos em que a prestação para a beneficiária se manteve. E, em face da articulação supra referida, não seria claro também que a relação se estabelecera em 2015.
Contudo, do acervo fático (ponto 12) resulta claramente o início de uma relação jurídica entre o prestador e as beneficiárias em Agosto de 2015, pelo que partiremos do pressuposto da aplicabilidade da lei a partir de tal momento.
O contrato de trabalho é definido no Código do Trabalho de 2009 como aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas (Artº 11º).
No caso, a prestação de atividade subjacente à relação inter partes foi titulada, a dado passo, por um contrato de trabalho a termo incerto (o acervo fático regista apenas a existência de um, não obstante a referência à cessação de outro[1]) e não titulada pelo menos desde13/11/2015 a 31/12/2017.
Não obstante, a prestação de atividade manteve-se, pelo que urge apurar a existência, desde então, de uma vinculação jus laboral.
As dificuldades de demonstração de existência de um contrato de trabalho são conhecidas dada a presença neste e em contratos de prestação de serviços de elementos coincidentes, mas, não obstante, também de outros distintivos, elegendo-se como elemento diferenciador a subordinação jurídica.
Ocorre, porém, que esta, também não é, bastas vezes, facilmente apreensível, muito especialmente quando se perspetive o exercício de profissões com elevado grau de autonomia.
Ciente das dificuldades, o legislador consagrou, no Artº 12º do CT, uma presunção de laboralidade cuja mais valia resulta na dispensa do encargo do ónus da prova que recairia sobre o trabalhador de todos os elementos que caracterizam o contrato de trabalho tal como ele é definido no Artº 11º do CT. Uma “presunção sui generis, que permite a ilação não de um facto mas de uma figura jurídica – a existência de contrato de trabalho”, como expressivamente foi designada no Ac. desta Relação de 6/06/2018, relatado pelo ora 1º Adjunto e subscrito pela ora 2ª Adjunta.
Efetivamente, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (Artº 350º/1 do CC).
Como ensina José Lebre de Freitas, a parte que beneficia da presunção (a que invoca o direito, quando o facto é constitutivo; aquela contra a qual a invocação é feita, quando o facto é impeditivo, modificativo ou extintivo) não tem de provar por outro meio o facto presumido, cabendo à outra parte provar, por qualquer meio, o facto contrário para que o resultado probatório obtido com a presunção seja afastado (Artº 347º), dizendo-se então ilidida a presunção legal (Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Almedina, 435).
Assim, por força de tal presunção, a quem alegue a existência de um contrato de trabalho, basta agora evidenciar algumas das características ali enunciadas, ficando o beneficiário da prestação com o ónus de desmontar a situação de autonomia ou, melhor dizendo, de não subordinação jurídica. É que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir (Artº 350º/2 do CC).
Nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, “a qualificação laboral do negócio pode ser afastada se o empregador provar a autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato de trabalho” (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, 51), a saber, a atividade, a retribuição, a subordinação.
E, assim, contrariamente ao que até à entrada em vigor deste regime se registava – em que se impunha uma ponderação global dos índices de laboralidade de modo a concluir pela subordinação jurídica – agora pode concluir-se estar em presença de um contrato de trabalho se se demonstrarem alguns dos índices legais. E sem que cumpra ajuizar da maior ou menor relevância dos mesmos, pois se a inferência é efetuada pelo legislador, ao aplicador cumpre apenas verificar da evidência do elemento que integra a presunção. A relevância de determinado facto está na consagração legal, não nas mãos do aplicador.
Na verdade, “legal ou judicial, baseia-se se numa regra de experiência, que estabelece a ligação entre o facto conhecido que está na base da ilação e o facto desconhecido que dele é derivado: atendendo ao elevado grau de probabilidade ou verosimilhança da ligação concreta entre o facto que constitui base da presunção e o facto presumido, este é dado como assente quando o primeiro é provado”. A presunção legal baseia-se em regras da experiência, “que o legislador tem em conta quando cria a regra da ligação entre o facto base da presunção e o facto presumido” (José Lebre de Freitas, 434).
Contudo, a contraparte pode convencer que atividade prestada, apesar da ocorrência daquelas circunstâncias que integram a presunção, configura uma relação que não é uma relação de trabalho subordinado.
O Ac. do STJ de 2/07/2015 é explícito nesta matéria. Aqui se explica com clareza a distinção imposta pelo novo regime na apreciação do acervo fático de modo a concluir pela caracterização do contrato como de trabalho.
Consignou-se ali que “A técnica da presunção da existência de contrato de trabalho, consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, embora seja inspirada no modelo indiciário tradicional, altera radicalmente o cenário da prova dos elementos integrativos do contrato de trabalho. Na verdade, ao contrário do modelo indiciário, que apelava a uma ponderação global dos elementos caracterizadores da concreta relação estabelecida entre partes, destacando nos mesmos aqueles que apontam para a subordinação jurídica, a sopesar com os que apontem no sentido da autonomia, de forma a encontrar o sentido global caracterizador da relação, a demonstração da existência de contrato de trabalho vai ficar agora dependente, e apenas, da demonstração de «alguns» dos índices consagrados nas alíneas do n.º 1 do artigo 12.º” (Procº 182/14.4TTGRD, www.dgsi.pt).
Antes de avançarmos, importa que ponderemos a aplicabilidade do regime decorrente da presunção legal nas ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho propostas pelo Ministério Público, porquanto a Apelante vem alegar que a jurisprudência vem afastando a possibilidade de recurso à presunção nestes casos.
Para o efeito socorre-se de um Ac. da RP datado de 8/04/2013 no qual se conclui que a presunção de laboralidade a que se reporta o Art. 12º, nº 1, do CT/2009 não tem aplicação em matéria de responsabilidade contraordenacional (Procº 40/12.7TTOAZ).
Não é, porém, legítimo extrapolar a partir deste aresto para a conclusão pretendida.
Na verdade, semelhante entendimento foi também declarado no Ac. da RLx. de 15/12/2016, relatado pela ora Relatora e subscrito pelo ora 1º Adjunto, no âmbito do Procº 20134/15.6T8LS, onde se consignou que em matéria contraordenacional não releva a presunção de laboralidade.
Mas isto é assim porque os princípios atinentes à verificação do facto típico fazem recair a necessidade de prova sobre todos os elementos do mesmo na entidade que acusa.
Tratando-se de ação para reconhecimento da existência de contrato de trabalho os princípios atinentes à prova são os consignados na lei substantiva de cariz civilístico, pelo que, existindo uma presunção legal a favor do autor, nenhum óbice se regista a que da mesma se extraiam as devidas consequências. Aliás, o CT não determina a existência de presunção na pessoa do trabalhador, mas sim a seu favor. A presunção vem estabelecida com referência á figura do contrato de trabalho e, assim, invocando-se tal existência, é tarefa do aplicador verificar do preenchimento da presunção legal.
Nada legitima, pois, a afirmação de que a presunção de laboralidade não tem aplicação nas ações cuja autoria seja do Ministério Público e das quais decorra que a procedência do pedido se vai repercutir na pessoa de um trabalhador.
Isto posto, relembremos quanto se dispõe no Artº 12º/1 do CT:
Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
No caso sub judice provou-se que o prestador prestava a sua atividade de paginador nas instalações da R. usando equipamentos desta, sendo-lhe paga contrapartida mensal variável pela prestação.  
Não se provou, contrariamente ao que foi ponderado na sentença, a existência de horário de trabalho imposto, ou que a quantia paga fosse certa.
Do conjunto destes factos verificamos que estão preenchidos os factos índice da presunção enumerados nas alíneas a) e b).
Donde, embora divergindo da sentença no concernente ao preenchimento dos factos índice, se presume a existência de contrato de trabalho.
Perante esta evidência cumpre aquilatar se a Apelada demonstrou o contrário, ou seja, que não existe contrato de trabalho.
Para o efeito, a mesma necessita de desmontar que não está evidenciada a sujeição a ordens e instruções, horário de trabalho, ou seja, que está caracterizada uma situação de autêntico trabalho autónomo (sem laivo de subordinação).
No sentido que advogamos também se pronunciou o Ac. desta Relação, datado de 27/02/2019, subscrito quer pela ora Relatora, quer pelo 1º Adjunto (Processo n.º 1358/16.5T8CSC.L2).
Daí a diferença entre o regime atual e o regime antecedente, pois agora, em presença da presunção de laboralidade, é à contraparte que compete alegar e provar os factos que logrem convencer da inexistência de contrato de trabalho, sendo insuficiente a dúvida ou pôr em causa a relevância dos factos índice.
Compaginado todo o acervo fático, afigura-se-nos que a Apelada logrou afastar a presunção legal porquanto provou um conjunto de factos que, apreciados no seu conjunto, revelam a existência de autonomia própria da prestação de serviços e ausente numa relação laboral. Senão, vejamos!
Provou-se que BBB presta os serviços contratados nos períodos acordados com a Ré, em função das necessidades, em cada momento, dos serviços solicitados por esta e, por sua vez, da disponibilidade e conveniência pessoal do próprio. O número de dias em que presta serviços depende da disponibilidade de BBB e não de quaisquer horários de trabalho elaborados pela Ré, pelo que aquele número é variável de mês para mês, de ano para ano e sempre dependente da conjugação entre a sua disponibilidade e as necessidades de prestação de serviços da Ré. Utilizava o material existente nas instalações da “(…), Lda.” e depois Ré, nomeadamente equipamento informático com programa de paginação e Photoshop, por exigências relacionadas com a natureza técnica do serviço. Os equipamentos podiam ser utilizados por quem deles necessitasse. Não obstante normalmente iniciar a sua prestação pelas 10h00 e finalização pelas 19h00, de segunda a sexta-feira (tal como os demais trabalhadores da R.), certo é que não se encontrava sujeito a qualquer horário de trabalho, nem tão-pouco a período normal de trabalho diário ou semanal, mínimo e máximo, determinado pela Ré. Não impendendo sobre o prestador qualquer obrigação de comparência ou permanência nas instalações da Ré fora dos períodos previamente acordados entre as partes. Não está sujeito ao regime de faltas e férias, nem a qualquer controlo de assiduidade ou pontualidade por parte da Ré, ao contrário do que sucede com os trabalhadores desta, nem está obrigado a observar qualquer procedimento de justificação de ausências. Não esteve sujeito a qualquer regime de exclusividade na prestação. É o prestador quem entrega à Ré descrição dos serviços prestados e os honorários correspondentes, cujo valor, embora com base num valor diário aproximado de € 60,00 (sessenta euros), o mesmo determina e fixa conforme entende adequado ao trabalho que prestou. Os honorários são pagos pela Empresa após aprovação da descrição mencionada e após a emissão pelo Designer do(s) competente(s) recibo(s), titulando as importâncias recebidas, do tipo fiscalmente definido para o rendimento de trabalho independente, o que muito frequentemente o Designer emitia em número idêntico ao número de publicações com as quais colaborou. A contrapartida auferida varia e é calculada em função do número de dias em cuja atividade é prestada.
É certo que no exercício da sua atividade de “designer”/paginador, recebia ordens da direção das revistas, nomeadamente (…), tendo reuniões periódicas de trabalho, assim como ordens de (…), Editor Adjunto da revista “(…)”, os quais determinavam o que em concreto devia fazer, quando e onde. E no âmbito dessa atividade era “(…), Lda.” e depois a Ré, através desses supervisores, quem ia esclarecendo e resolvendo eventuais dúvidas ou problemas, controlando o trabalho realizado, no tempo e modo previsto.
Na ponderação de toda a factualidade resulta, porém, evidente a diferença entre uma prestação subordinada (própria do contrato de trabalho) e uma prestação autónoma sem quaisquer laivos de subordinação jurídica.
Na verdade, para aquilatar de subordinação jurídica sempre se teve como muito relevante a imposição de horário de entrada e saída, a sujeição ao poder disciplinar, a submissão a procedimentos para justificação de ausências, para gozo de férias. Tudo isto está ausente da prestação em apreciação.
É patente que se contratualizou um dado trabalho, um resultado, e não uma atividade diária, assim como não restam dúvidas de que o pagamento se reportava à encomenda realizada. Não só o próprio prestador relatava os serviços a pagar mensalmente, como é óbvia a variabilidade da remuneração dos mesmos.
Claro que o prestador recebia ordens com vista á conformação da sua prestação com os objetivos das revistas. Mas o recebimento de ordens é próprio também da prestação de serviços especialmente quando, como no caso, a prestação se integra numa atividade de equipa.
Ora, da noção legal de contrato de trabalho decorre que o elemento autoridade é intrínseco à noção de trabalho subordinado, distinguindo-o do trabalho autónomo.
Na verdade, o contrato de trabalho caracteriza-se essencialmente “pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direção do empregador que lhe dá ordens, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da atividade.
A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente daquele poder de direção que a lei confere à entidade empregadora (artigo 150.º) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [artigo 121.º, n.os 1, alínea d), e 2]” (Ac. do STJ de 4/02/2015, Procº 437/11.0TTOAZ, in www.dgsi.pt).
Como se extrai do Parecer publicado na R.D.E.S. – Ano XXIX, n.º 1 – Jan./Mar. de 1987, págs. 57 a 8, da autoria de Fernando Ribeiro Lopes, a subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.
Para que se possa concluir pela existência de “subordinação jurídica” na relação contratual, a entidade patronal tem que dispor de:
a) Poder determinativo da função: corporizado na faculdade do empregador escolher, dentro do género de trabalho em que se integra a categoria do trabalhador, a atividade de que carece, correspondendo a tal direito, na esfera do trabalhador, o dever de conduta direcionado para a realização da função efetivamente escolhida pela entidade patronal;
b) Poder conformativo da prestação: consistente na faculdade do empregador especificar os termos em que deve ser prestado o trabalho, o que se projeta num dever de obediência por banda do trabalhador;
c)) E ainda, poder-dever de elaborar um horário de trabalho: a que corresponde o dever de assiduidade e pontualidade por parte do trabalhador.
É sabida a dificuldade existente na concretização desta figura, dificuldade que se acentua quando o trabalhador dispõe de autonomia técnica.
Daí que, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência venham apelando ao recurso a indícios reveladores da existência de subordinação jurídica, que é o elemento por excelência caracterizador do contrato de trabalho.
Tais indícios prendem-se com a existência de horário de trabalho, a prestação da atividade em local previamente definido pelo empregador, a existência de controlo no exercício da atividade, a utilização de bens do beneficiário da atividade, a sujeição a poder disciplinar, a modalidade de retribuição, a atribuição de categoria profissional, o não recurso, pelo executante, a colaboradores externos, a repartição do risco, ou mesmo a observância de um ou outro regime fiscal e de segurança social, enfim, impõe-se que recorramos a elementos próprios de uma organização laboral. Há, ainda, indícios externos ao próprio contrato que podem elucidar, como por exemplo, a prestação da mesma atividade para outrem.
Não é, contudo, imperativo que todos os indícios se verifiquem em cada caso, assumindo cada um deles valor relativo, devendo fazer-se um juízo de globalidade em relação à situação concreta evidenciada no acervo fático. Imperativo é, porém, que dos indícios presentes se possa, sem dúvidas razoáveis, concluir pela existência de contrato de trabalho por estar presente a característica que o define, a saber, a subordinação jurídica.
E, como bem nota Pedro Romano Martinez, “os tradicionais indícios desatualizaram-se com a evolução tecnológica, com diferentes modos de organização do trabalho” (Direito do Trabalho, Almedina, 5ª Ed., 336) ”.
Não despicienda é também a reflexão de Maria do Rosário Palma Ramalho que ensina que “o reconhecimento tradicional do poder diretivo como critério qualificativo por excelência do contrato de trabalho, enquanto reverso da subordinação do trabalhador merece ser reponderado, porque corresponde a uma visão excessivamente estreita da própria subordinação e porque o poder de direção é pouco saliente como marca distintiva do contrato de trabalho (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6ª Ed., Almedina,56). Propõe, por isso, uma visão integrada dos dois poderes laborais como critério decisivo para a qualificação do contrato: o poder diretivo e o poder disciplinar, porquanto o vigor daquele é assegurado pela existência deste.
Além disso, o poder disciplinar estando pressuposto sempre que exista contrato de trabalho, nem sempre é visível, palpável, pressupondo apenas a hipótese de ver sancionada uma determinada conduta.
No caso sub judice, como deixámos antever, os factos são reveladores da ausência do elemento subordinação, inculcando com preponderância para a vivência de uma relação caracterizada pela autonomia.
Não pode, pois, concluir-se que existe contrato de trabalho.
Uma palavra para concatenar o pedido com a matéria de facto constante dos pontos 8 a 10 (a matéria inserta no ponto 11 é absolutamente inócua porquanto não se provou ter sido subscrito algum contrato a termo).
Afigura-se-nos óbvio que durante o período que mediou entre 15/08/2015 e 12/11/2015 a relação estabelecida o foi ao abrigo de um contrato de trabalho (aliás não impugnado).
Não poderemos, contudo, declarar tal existência porquanto o pedido se reporta ao reconhecimento de contrato de trabalho entre o prestador e a R., sendo que aquele contrato foi celebrado com a (…), tendo-se a fusão patrimonial registado apenas em 29/12/2016.
E, por outro lado, a causa de pedir não assentou na prévia existência de um contrato de trabalho a termo incerto.
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A responsabilidade tributária recairia sobre o A., nos termos do disposto no Artº 527º/1 do CPC, por ser o mesmo parte vencida.
 Contudo, o A. está isento de custas por força do disposto no Artº 4º/1-a) do RCP. A isenção não abrange, porém, os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte (Artº 4º/7 do RCP). Logo, as custas serão restritas às de parte.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, alterar a matéria de facto conforme sobredito e, em consequência, revogar a sentença.
Custas pelo A. (restritas ás de parte).
Notifique.
2019-06-12

MANUELA BENTO FIALHO

SÉRGIO ALMEIDA

FRANCISCA MENDES
(Voto vencida, porque entendo que, atenta a factualidade referida sob 8 a 12, vigorou entre as partes um contrato de trabalho a termo incerto que se converteu em contrato de trabalho sem termo (art.º 147.º, n.º2, c) do CT).

[1] Sem dependência da prova de celebração do contrato – prova essa que, tratando-se de contrato a termo, é vinculada a documento escrito – não se pode concluir pela existência de um segundo contrato de trabalho a termo.
Decisão Texto Integral: