Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1697/15.2T8SNT.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
TÍTULO EXECUTIVO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
CUSTAS NA APELAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) A aplicação do elenco dos títulos executivos do artigo 703.º, do CPC, aprovado pela Lei 41/2013, às execuções instauradas após a sua entrada em vigor encontra-se dilucidada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional de 23 de Setembro de 2015.
II) A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional por não ter ocorrido fixação de alcance mais restrito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO
A [ CAIXA…, SA.] , com os sinais dos autos, instaurou em 16 de Janeiro de 2015 a presente execução para pagamento de quantia certa contra B e C , ambos com os sinais dos autos, alegando ter celebrado com o Executado, enquanto mutuário, e com a Executada, enquanto fiadora dele, contrato de mútuo, do montante de € 10.000,00, vencendo juros, pelo que deles pretende haver quantia que liquida em € 17.468,74.
Em 13 de Fevereiro de 2015, pelo Ex.mo Senhor Juiz foi proferido despacho liminar de indeferimento, com fundamento em o título executivo constituir documento particular, entretanto suprimido do elenco de títulos executivos, nos termos do artigo 703.º, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho (doravante NCPC), vigente à data da instauração da acção executiva.
Deste despacho interpôs a Exequente o presente recurso apresentando alegações que conclui como segue:
1º A eficácia retroativa da lei processual é admitida, por via da consagração de disposições transitórias, desde que não viole a Constituição da República Portuguesa.
 2º A norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos (artigo 703º do novo CPC), quando conjugada com o artigo 6º, nº3 da Lei nº41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46º do anterior Código de Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica e protecção da confiança integradores do princípio do Estado de Direito Democrático.
 3º O princípio do Estado de Direito consagrado no seu artigo 2.º. que impõe que a atuação dos poderes públicos deve ser previsível e confiável. 
 4º A eliminação dos documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelos devedores do elenco dos títulos executivos, constitui uma alteração no ordenamento jurídico que não era previsível. 
 5º Os titulares de documentos particulares constituídos antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que tinham a característica da exequibilidade conferida pela então alínea c) do nº1 do artigo 46º do velho código, têm a legítima expectativa da manutenção da anterior tutela conferida pelo direito.
 6º Durante anos a evolução e sucessão legislativa foi mesmo no sentido da diminuição das exigências formais para a obtenção de características de exequibilidade a documentos particulares, pelo que a alteração operada em Setembro de 2013 com a interpretação que se pretende ver feita, é pois geradora de uma insegurança jurídica inaceitável, desrespeitando em absoluto as expectativas legítimas e juridicamente criadas.
 7º As razões de interesse público subjacentes à opção da retirada dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos, não prevalecem, sobre as legítimas expectativas individuais geradas pelo próprio ordenamento jurídico.
 8º Uma alteração da ordem jurídica que sacrifique legítimas expectativas de particulares juridicamente criadas, só faz sentido e só pode ser admitida quando valores mais elevados se impõem, ou seja, o sacrifício imposto apenas tem razão de ser perante a inevitabilidade de razões da maior importância para a sociedade, justificando-se, então, o sacrifício de alguns em prol do coletivo.
 9º É necessário fazer a ponderação entre os interesses constituídos pelas expectativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo e as razões de interesse público que justificam a alteração do regime legislativo - ou seja, entre o interesse público em evitar execuções injustas e o interesse particular em manter a força executiva do documento que titula o crédito, e encontrar a solução mais adequada.
 10º Certo é que os fins que se visam alcançar com a eliminação dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos não constituem razões de tal forma ponderosas para o bem comum coletivo que justifiquem o sacrifício das legítimas expectativas de cidadãos que se limitou a agir de acordo com a lei vigente, na altura, confiando que a sua atuação estaria protegida pelo Estado de Direito Democrático.
 11º É inconstitucional, por violação do princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático, a norma resultante dos artigos 703.º do novo CPC e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Julho, na interpretação de que aquele artigo 703.º se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo CPC e então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961.
12º Pelo que, o documento apresentado na execução referente ao contrato de mútuo, porque celebrado e assinado em data anterior a 01.09.2013, é título executivo, devendo o douto despacho recorrido ser revogado.
 Sem prescindir, 
13º De qualquer forma, sendo a Exequente/ora recorrente a Caixa …. S.A., é lhe directamente aplicado o disposto no D.L. 287/93 de 20 de Agosto, que atribui força executiva aos documentos/ contratos realizados pela Caixa Geral de Depósitos, que prevejam a existência de uma obrigação perante a credora Caixa e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades (artigo 9º nº 4 do citado diploma).
 14º O artigo 9º nº 4 do D.L. 287/93 de 20 de Agosto encontra-se ainda em vigor não tendo sido revogado, sendo que o Legislador, ao manter a previsão constante do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 703º do novo CPC, e já antes com alínea c) do nº 1 do artigo 46º do CPC, quis salvaguardar os casos especificamente consagrados em legislação avulsa especial.
 15º Pelo que, também ao abrigo do artigo 703º nº 1, alínea d) do novo CPC, e sem prejuízo do já referido, o documento nº 1 junto com o requerimento executivo e que respeita ao contrato de mutuo, é título executivo.
 16ºPor outro lado, o Meritíssimo Juiz a quo, absteve-se de apreciar a matéria alegada no artigo 9º dos Factos constantes do requerimento executivo, não tendo sido assim a mesma objecto de qualquer análise ou mesmo “mera alusão” aquando da prolação do douto despacho ora recorrido.
 17º Dado a exequente ter efectuado clara menção ao facto do documento de contrato de mútuo ser título executivo, justificando de forma expressa a razão que a levou a dar à execução o contrato outorgado em 28.07.2008, no mínimo, a decisão proferida deveria necessariamente, e atendendo ao alegado no artigo 9º, se ter debruçado sobre a matéria do mesmo, apresentando a respectiva fundamentação de facto e de direito, eventual adesão ou discórdia à posição da exequente.
18º Pelo contrário, fez “tábua rasa”, à matéria ali alegada!
19º Pelo que, tendo o Meritíssimo Juiz a quo o dever de se debruçar sobre todas as questões que a exequente tenha submetido à apreciação, e não o tendo feito, quando lhe era legalmente imposto fazê-lo, violou claramente o disposto no artigo 608º do CPC.
 20º Desta forma ocorreu a nulidade prevista na al. d) do art.º 615º do CPC (omissão de pronúncia).
22º Nulidade do despacho/ sentença recorrida que se invoca, para todos os efeitos legais.
23º Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou, antes de mais, o artigo 2º da Constituição da República, tendo ainda sido violados os artigos 703.º do novo CPC e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Julho, na interpretação de que aquele artigo 703.º se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo CPC;  o artigo 9º nº 4 do DL 287/93 de 20 de Agosto; e bem assim o artigo 608º nº 2 do CPC.
24º O documento dado à execução é título executivo, devendo a execução prosseguir os seus termos legais normais.
 Nestes termos, e com o muito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, devendo a execução prosseguir os seus termos legais.
Os executados, estando a executada revel representada pelo Ministério Público, não contra-alegaram.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir já que a tal nada obsta.
II) OBJECTO DO RECURSO

Tendo em atenção as conclusões da Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, são as seguintes as questões a decidir:
1. Da nulidade do despacho.
2. Da inexequibilidade do título apresentado por exclusão dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos constante do artigo 703.º do NCPC.
3. Da especialidade do título apresentado, mesmo quando se entenda aplicável o artigo 703.º, do NCPC, por se enquadrar na previsão da alínea d), do n.º 1, daquela norma.
III) FUNDAMENTAÇÃO

1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto pertinente é a que resulta do relatório supra, assim concretizada, com fundamento nos documentos que constam dos autos:
1) A presente acção executiva foi instaurada em 16 de Janeiro de 2015.
2) A Exequente apresentou como título executivo um escrito, indicando que no mesmo constam apostas as assinaturas autógrafas do seu representante e dos Executados.
3) Do referido escrito consta que a finalidade do acordo é o financiamento pela Exequente, no exercício da sua actividade creditícia, de despesas de educação do primeiro Executado no montante de €10.000,00, a entregar na data indicada de perfeição do acordo, 28 de Julho de 2008, por crédito em conta de depósitos identificada, vencendo juros a taxas indicadas nas cláusulas, a reembolsar em 84 prestações mensais, vencendo-se a primeira no mês seguinte à data de perfeição do contrato, sendo a segunda Executada constituída fiadora solidária e principal pagadora com renúncia ao benefício de prazo.
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

2.1. Da nulidade do despacho
2.1.1. Aos despachos são aplicáveis as normas consagradas para as sentenças no que à nulidade das mesmas se refere – artigo 613.º, n.º 3, do NCPC.
Invocou a Exequente que o despacho é nulo por omissão de pronúncia por isso que não se pronunciou quanto à especialidade do título dada à execução porquanto, a Exequente alegou que deve considerar-se incluído no elenco do artigo 703.º, n.º 1, do NCPC, na sua alínea d), por lhe ser aplicável lei especial que assim dispõe.
A omissão de pronúncia - artigo 615.º, n.º 1, alínea d), I.ª parte, do NCPC verifica-se apenas quando o juiz omite decisão quanto a questões sobre as quais deva pronunciar-se, não quando se não pronuncie quanto a todos os argumentos deduzidos pelas partes no sentido que propugnam para a decisão.
Determinante se torna saber o que deve entender-se por questões submetidas ao julgamento do juiz quando aprecia a existência de título executivo e que este deve resolver, sob pena de omitir pronúncia e ferir a decisão de nulidade.
O artigo 608.º, do NCPC, indica, na parte pertinente em concreto, que o juiz deve decidir as questões processuais que determinem a absolvição da instância e aquelas que as partes tenham submetido à sua apreciação.
As questões que as partes submetem à apreciação judicial, ignorando por impertinentes as questões processuais conducentes a absolvição da instância, são aquelas que constituem o pedido e a causa de pedir em que se funda.
2.1.2. No caso o pedido consiste no pagamento coercivo de uma quantia, a obter judicialmente, e a causa de pedir consiste no título dado à execução, que no caso é o acordo consignado por escrito (não se vê que tenha sido junta prova adminicular da creditação da conta – artigo 715.º, n. 1, do NCPC -, o que, no entanto, não está em causa neste recurso).
«O título executivo é, pois, a base da execução (…) É o título que autoriza o credor a mover a acção executiva; é o título que define o fim da execução; é o título que marca os limites do procedimento executivo» ensinava o Professor Alberto dos Reis[1].
Para continuar: «a necessidade de título executivo como fundamento e apoio da execução é fácil de explicar e compreender. O processo executivo traduz-se, em última análise, num acto de força, no emprego de meios coercitivos, em benefício de uma pessoa (exequente) e em detrimento de outra (o executado). O Estado põe à disposição do credor o seu aparelho executivo, o que equivale a dizer a sua força e a sua autoridade, para se conseguir determinado fim.
(…)
O título executivo justifica o uso da acção executiva, que é como quem diz o emprego da força, precisamente porque dá ao órgão executivo a garantia e a segurança de que o exequente tem razão»
Noutros enunciados, títulos executivos «são documentos de actos constitutivos ou certificativos de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servirem de base ao processo executivo»[2], são o pressuposto formal da ação executiva, por oposição ao pressuposto material que a obrigação constitui[3].
Amâncio Ferreira[4] dá nota das teses que se confrontam quanto à natureza do título executivo (acto jurídico ou documento[5]) para concluir que «à luz da nossa lei processual o título é o próprio documento. Com efeito, o título executivo não surge enquanto o documento se não forma, quer este certifique o acto do juiz quer certifique o negócio jurídico celebrado entre as partes. E a prová-lo está ainda a circunstância de o mesmo negócio jurídico ser ou não ser fonte da acção executiva, conforme preencha ou não a forma de uma das figuras previstas na lei como título executivo» (nosso sublinhado).
Dicotomia que Anselmo de Castro põe em causa. Refere este Autor[6]: «parece-nos pertinente, neste particular, o cepticismo de Mazarella e Satta quanto à possibilidade de se condensar numa fórmula unitária os caracteres essenciais do título executivo e de se pretender ir mais além de uma simples descrição do título, como condição necessária e bastante da acção, na base da aparência ou da probabilidade do direito, dada pelas condições formais predeterminadas na lei, e nas quais a força probatória do título não intervém, qua tale, e é apenas uma entre muitas de todo um contexto de circunstâncias».
Com referência à mesma polémica que qualifica de clássica, aderindo à tese do título como documento e não acto, Lebre de Freitas[7] propõe porém uma delimitação que se aproxima daquela de Anselmo de Castro, se bem a lemos, no caminho de uma abstração em função do seu valor de base da execução propondo que «na tentativa de chegar a um conceito unitário, se tenha de ficar pela afirmação de que uma e outra são consideradas, cada qual no seu campo específico, base suficiente da radicação da própria obrigação no título (documento) para efeitos executivos, dado constituir qualquer delas o grau de certeza (sobre a existência do direito) que o sistema entende exigível para a admissibilidade da acção executiva».
Na mesma senda de uma aproximação ao conceito de título executivo Rui Pinto[8] defende, abordando a função de certificação do título, que o título executivo «é, assim, o documento pelo qual o requerente de realização coativa da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos».
Para adiante concretizar que esta função de certificação «não é uma função probatória em sentido próprio, pois nada há a apreciar no plano dos factos pelo tribunal ou agente de execução» pelo que, «para efeitos de condição formal da execução, o título, como se disse, cumpre uma representação que não é dada pelas normas substantivas, maxime do Código Civil, mas pelas próprias normas processuais, in casu, pela verificação dos requisitos descritos no art. 46.º e art. 703.º NCPC. E é-o porquanto não se está na ação declarativa onde a apresentação do documento concorreria para a produção de um título judicial, mas num momento posterior no ciclo de tutela dos direitos: no momento de uso de um título para a realização coativa do direito nele declarado[9]».
2.1.3. Esta longa excursão pretendia situar-nos na consideração das questões que se encontram sujeitas a apreciação pelo juiz no despacho de uma execução respeitante à existência de título executivo: a apreciação do documento apresentado como tal.
Pese embora a multifacetada natureza do título executivo, na sua apreciação liminar como base da execução, que quadra fazer no caso sub judicio, é esta função de certificação formal bastante a atuar a força coativa do Estado que está suposta na apreciação dos títulos passíveis de abrir o limiar da execução.
Esta era a questão colocada no despacho liminar, cuja omissão de apreciação e decisão tornaria a decisão nula.
A questão de saber se a análise do título permitia concluir que o mesmo se enquadrava no elenco dos títulos legalmente considerados como exequíveis, constitui uma questão do mérito do despacho, não uma questão da sua nulidade. Mesmo sendo esse um argumento invocado pela Exequente. Porque o tribunal não está adstrito a apreciar argumento mas a resolver questões, no que à nulidade das decisões respeita.
Veja-se a respeito o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Março de 2010, proferido no processo 1472/04.OTVPRT-C.S1 (Serra Baptista): Ora, sendo, ainda, certo que sobre a verdadeira questão pelo recorrente colocada (…) a Relação foi bem parca, argumentando, no essencial, com a evidência da sem razão do recorrente, sem escalpelizar a argumentação em contrário por ele defendida, não se pode, todavia, dizer que não houve pronúncia sobre tal problemática.
Não se verifica omissão, não merecendo provimento o recurso na parte relativa à declaração de nulidade do despacho.
2.2. Da inexequibilidade do título apresentado por exclusão dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos constante do artigo 703.º do NCPC.
2.2.1. O escrito dado à execução é um documento particular – artigos 362.º, 363.º e 373.º, do CC – constando como sua data a de 24 de Fevereiro de 1999. Foi apresentada a execução em 16 de Janeiro de 2015.
A questão que os autos colocam é a da aplicação no tempo da norma do artigo 703.º, do NCPC, na parte em que elenca os títulos que podem servir de base à execução, restringindo-os.
Ou seja, se é aplicável a norma do NCPC, desde que verificado o pressuposto do artigo 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013: instauração da execução após a entrada em vigor do NCPC que aquela lei aprovou.
Ao invés, defende a Recorrente que deve ser aplicada a lei vigente à data da constituição do título, a do artigo 46.º, do CPC, na redacção dada pela Lei 38/2013.
2.2.2. A questão foi objecto de numerosíssimas decisões dos tribunais judiciais, nomeadamente desta Relação[10], e encontra-se actualmente dilucidada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional de 23 de Setembro de 2015 n.º 408/15, nos termos previstos no artigo 281.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) e do artigo 82.º, da Lei 28/82, de 15 de Novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).
Lê-se no artigo 281.º, n.º 3, da CRP:
O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos.
Do aresto em causa consta na parte decisória:
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição).
O alcance desta declaração de inconstitucionalidade resulta do disposto no artigo 282.º, n.º 2, da CRP ou seja, produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, quando não ocorra, como não ocorre, fixação de alcance mais restrito.
A aplicação da decisão do Tribunal Constitucional impõe a revogação da decisão recorrida, aliás proferida antes da prolação daquela decisão, devendo os autos prosseguir se outras questões não obstarem a tal.
2.3. Da especialidade do título apresentado, mesmo quando se entenda aplicável o artigo 703.º, do NCPC, por se enquadrar na previsão da alínea d), do n.º 1, daquela norma.
A questão fica prejudicada pela conclusão anterior pela revogação da decisão.
2.4. Da responsabilidade por custas
Nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC, é responsável pelo pagamento de custas a parte vencida.
Consagra a norma o denominado princípio da causalidade que importa a verificação de quem no incidente autónomo ou no processo ficou vencido, em qualquer das instâncias.
A tal não obsta, em sede de recurso, que uma das partes não contra-alegue, quando a decisão de mérito lhe seja favorável. Nesse sentido Salvador da Costa[11]: o princípio da causalidade também funciona nesta matéria em sede de recurso, devendo a parte vencida nele ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado.
Já entendemos que, em caso como o dos autos, em que a decisão judicial é proferida em sentido que nenhuma das partes defendeu em primeira instância, em que tem vencimento a tese do recorrente num recurso em que o recorrido não apresentou alegações, o princípio da causalidade não excluía a condenação em custas determinando-se o vencimento a final.
Cremos agora não ser a melhor solução. O princípio da causalidade sofre alguma distorção, com esta interpretação, e o princípio da proporcionalidade vai no sentido da interpretação contrária. Nessa medida, entende-se que não deve ocorrer condenação quanto a custas.
Pese embora a Recorrente decaia quanto ao pedido de declaração de nulidade, entende-se que o mesmo se não reveste de autonomia justificativa de tributação autónoma.

IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
1) Não prover o pedido de declaração de nulidade do despacho recorrido;
2) Revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, se outras questões excluídas da matéria deste recurso não devam ser consideradas.
Sem custas – artigo 527.º, do CPC.
                                           *
Lisboa, 26 de Setembro de 2019
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen da Silva
Cristina Neves

[1] In “Processo de execução”, vol I, Coimbra Editora, 1995, 3.ª edição, reimpressão, p. 68.
[2] Manuel de Andrade in “Noções elementares de processo civil”, Coimbra Editora, 1979, p. 58.
[3] Professor João de Castro Mendes in “Acção executiva”, AAFDL, 1980, p. 12-13.
[4] In “Curso de Processo de Execução”, Almedina, 2005, p. 48-49.
[5] Como expoentes da defesa de uma e outra tese Liebman e Carnelutti.
[6] In “A acção executiva singular, comum e especial”, Coimbra Editora, 1977, p. 51-52.
[7] In “A ação executiva – à luz do Código de Processo Civil de 2013”, Coimbra Editora, 6.ª edição, fevereiro de 2014, p. 85.
[8] In “Maual da execução e despejo”, Coimbra Editora, agosto de 2013, p. 143.
[9] Idem, p. 144.
[10] No sentido contrário ou seja, no sentido da aplicação imediata da norma que elenca os títulos executivos, decidimos em acórdão de 3 de Julho de 2014, inédito, proferida no processo 6803/06.5 TCLRS-A.L1, em situação idêntica à destes autos quanto à argumentação jurídica mas inversa quanto à situação fáctica – título incluído no elenco dos exequíveis em data posterior à sua formação - argumentação postergada pela força obrigatória geral do acórdão do Tribunal Constitucional 408/2015).
[11] In As custas processuais, Almedina, 7.ª edição,2018 p. 8, ponto 1.2.