Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1356/13.0YRLSB-7
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: PATENTE
INVALIDADE
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
ARBITRAGEM NECESSÁRIA
CONTESTAÇÃO
DEFESA POR EXCEPÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I– Por imposição do art. 35º, nº 1 do CPI, a competência para apreciação da ação onde se vise, a título principal, e com eficácia erga omnes, a declaração de nulidade ou a anulação de direitos de patente cabe em exclusivo a tribunal judicial, concretamente e nos termos do art. 111º, nº 1, alínea c) da Lei nº 62/2013 (Lei da Organização do Sistema Judiciário), ao Tribunal da Propriedade Intelectual.
II- Com o objetivo, declarado nos respetivos trabalhos preparatórios, de criar um mecanismo através do qual se obtivesse, num curto espaço de tempo, “uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial”, a Lei nº 62/2011 criou um regime específico para a composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, excluindo-os da apreciação dos tribunais estaduais e sujeitando-os a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada – seus arts. 1º e 2º .
III– É na contestação que o réu deve deduzir toda a sua defesa numa ou em ambas as modalidades que a mesma pode assumir: por impugnação e por exceção, podendo esta última ter natureza dilatória ou perentória – arts. 571º e 573º, nº 1 do CPC de 2013, correspondentes, respetivamente, aos 487º e 489º, nº 1 do anterior CPC.
IV– Ao estabelecer, no seu art. 3º, nº 2, que o demandado pode contestar nos termos e sob a cominação aí prevista, a Lei nº 62/2011, não restringe a regra básica acabada de enunciar, o que aponta no sentido de aquele poder opor ao demandante, na sua contestação, matéria de exceção, designadamente invocar a invalidade da patente cuja violação lhe venha imputada.
V– Só assim é respeitado o princípio essencial e básico do contraditório, enquanto reconhecimento do direito à defesa, direito que tem assento no art. 20º da nossa CRP, e que, de outro modo, seria violado.
VI– Se, em sede de causa de pedir, o demandante imputa ao demandado a violação dos seus direitos de patente por este haver requerido junto do Infarmed a concessão de AIM de um certo medicamento genérico, o seu direito de defesa poderá ser pura e simplistamente abolido se se entender que não pode opor ao demandante exceção de natureza perentória, designadamente invocando a invalidade daquela patente, não para a ver declarada a título principal – o que a ser possível seria obtido por via de reconvenção que deduzisse –, mas tão só para demonstrar a não verificação da invocada violação, dada a inexistência do direito que dela seria alvo.
VII– A isto acresce que, nos termos do art. 91º do CPC de 2013 – correspondente ao anterior art. 96º do CPC -, o tribunal competente para a ação é igualmente competente para conhecer, além do mais, das questões que o réu suscite como meio de defesa, princípio que seria também ele postergado se se entendesse que o tribunal arbitral imposto pela Lei nº 62/2011 não pode conhecer da invalidade da patente, enquanto exceção perentória invocada pelo demandado nestes processos, a determinar, verificando-se, a improcedência do pedido.
VIII– É entendimento que não colide com a regra instituída no já citado art. 35º do CPI, que apenas reserva à competência do tribunal judicial a declaração, a título principal e com eficácia erga omnes, de nulidade ou a anulação dos direitos de propriedade industrial.
IX– Já a invalidade do título que o demandado suscite a título incidental, por via de exceção, é matéria para a qual o tribunal arbitral tem competência, e a decisão que a reconheça como facto impeditivo dos efeitos jurídicos que o demandante visa alcançar com a ação, só vale, naturalmente, entre as partes.
X– O Tribunal Arbitral é, pois, competente para conhecer a exceção perentória de invalidade da patente que o demandado deduza.
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(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.



I-RELATÓRIO:



I- Após cartas enviadas pelas demandantes A. e A., Lda., às demandadas A., Limited, L. T., Limited e I. P., Limited, anunciando a sua intenção de instaurarem contra elas uma ação arbitral, nos termos dos arts. 2º e 3.° da Lei  62/2011, de 12 de Dezembro e 11º da Lei 31/86, de 29 de Agosto, teve lugar a instalação do Tribunal Arbitral e foi definido o objeto do litígio nos seguintes termos:

(…) exercício dos direitos de propriedade industrial que emergem, para as Demandantes, da Patente Europeia nº (…) relativa ao medicamento de referência S., nomeadamente como resulta do artigo 101.° do Código da Propriedade Industrial, em face dos pedidos de autorização no mercado ou registo de medicamentos genéricos, incluindo, mas não apenas, os indicados na lista publicada pelo INFARMED no seu website, em 14 e 15 de fevereiro e 12 de maio de 2012 - contendo a substância ativa (….) na formulação de comprimidos de libertação prolongada.

As demandantes apresentaram p. i., onde pedem que:
a) As demandadas sejam condenadas a absterem-se “de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo (…) como principio ativo com a forma farmacêutica de "comprimido para libertação prolongada", em qualquer dosagem, tendo por medicamento de referência o medicamento de marca S., cujas autorizações de introdução no mercado foram pedidas nas datas referidas nos artigos 55.° a 60.°, enquanto a patente EP (..) se encontrar em vigor, ou seja, até 28 de Maio de 2017.
b) Mais devem ser (…) condenadas, com vista a garantir o exercício dos direitos das Demandantes, a não transmitir a terceiros os pedidos de AIM identificados nos artigos 55º a 60º desta petição bem como as AIMs concedidas ou que venham entretanto a ser concedidas, até à referida data de caducidade dos direitos ora exercidos.
c) (…) que, nos termos do artigo 829º-A do Código Civil, sejam as Demandadas condenadas a pagar urna secação pecuniária compulsória de valor não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil ouros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida nos termos do acima requerido.

As demandadas apresentaram contestação, pedindo a sua absolvição dos pedidos formulados e, bem assim, que se reconheça “a invalidade da patente de invenção europeia nº EP (…), conforme alegado por via de exceção, por o seu objeto não ser patenteável nos termos dos artigos 52.° e 57.° da Convenção de Munique de 1973 sobre Patente Europeia e artigos 51.° e seguintes do Código de Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n.° 36/2003, de 5 de Março, ou seja, por as respetivas invenções não serem novas e não implicarem qualquer atividade inventiva, com a consequente improcedência dos pedidos formulados pelas Demandantes e a absolvição das Demandadas desses mesmos pedidos; exceto se o Tribunal Arbitrai entender que poderá apreciar e reconhecer o invalidade da aludida patente por via de reconvenção” (sic).

No seu articulado de resposta as demandantes, além do mais, pugnaram pela falta de competência de Tribunal Arbitral para apreciar a questão, suscitada pelas demandadas, da invalidade da patente em causa por falta de novidade e atividade inventiva.

Realizou-se a audiência de produção de prova e as partes produziram alegações sobre a matéria de facto e de direito.

Foi proferido acórdão, onde, além do mais que aqui não assume relevância, se decidiu:
a) Condenar as Demandadas a absterem-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo (…) como princípio ativo com a forma farmacêutica de «comprimido para libertação prolongada», em qualquer dosagem, tendo por medicamento de referência o medicamento de marca S., cujas autorizações de introdução no mercado foram pedidas nas datas de 2-2-2012, 3-2-20102 e 30-4-2012, referidas nas alíneas o), r) e s) da matéria de facto, enquanto a patente EP (…) se encontrar em vigor, ou seja, até 28 de Maio de 2017.
b) Absolver as Demandadas dos pedidos de proibição de transmissão das autorizações de introdução no mercado e de fixação de sanção pecuniária compulsória;”

Apelaram as demandadas, tendo apresentado alegações onde, pedindo a revogação do acórdão, formulam as conclusões que de seguida se transcrevem:

A- O presente recurso vem interposto do acórdão arbitral, datado de 20 (vinte) de Setembro de 2013, proferido, no âmbito dos autos de acção arbitral necessária, pelo tribunal arbitral ad hoc especificamente constituído para dirimir o litígio que opõe as Recorridas (A. e A. Produtos Farmacêuticos, L.da) às Recorrentes (A., Limited, L. T., Limited e a I. P. Limited), na parte que pontificou (i.) a procedência da excepção de incompetência do tribunal arbitral a quo para apreciar a questão suscitada pelas Recorrentes da invalidade da patente de invenção europeia n.º 0 907 364 e, consequentemente, considerou prejudicado o conhecimento da questão da nulidade da referenciada patente por falta de requisitos de patenteabilidade; (ii.) a condenação das Recorrentes a absterem-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo (…) como princípio activo com a forma farmacêutica de comprimido para libertação prolongada, em qualquer dosagem, tendo por medicamento de referência o medicamento de marca S., cujas autorizações de introdução no mercado foram pedidas nas datas de 2-2-2012, 3-2-2012 e 30-4-2012, referidas nas alíneas o), r) e s) da matéria de facto, enquanto a patente EP (…) se encontrar em vigor, ou seja, até 28 de Maio de 2017; e (iii.) a condenação da Recorrente no pagamento dos custos da acção arbitral na proporção de 2/3.
B- Salvo o devido respeito, o tribunal arbitral a quo é materialmente competente para a apreciação da validade da patente de invenção europeia n.º (…) e, sendo assim, deveria ter julgado a presente acção arbitral totalmente improcedente por não provada.
C- O tribunal arbitral a quo equivocou-se na decisão sobre a matéria de facto controvertida, particularmente na resposta dada aos quesitos 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 11.º, 12.º, 14.º, 16.º e 17.º.
D- A. A. e A. R. teriam necessariamente de considerar-se os técnicos referenciais sobre a factualidade em discussão, considerando as especiais qualificações académicas e profissionais na área da formulação e da tecnologia farmacêutica.
E- O tribunal arbitral deveria ter considerado provado que «Já em 1989, no campo das patentes referentes a fármacos psicoactivos, se indicava que os técnicos da arte poderiam facilmente obter formas de libertação controlada daquele tipo de fármacos, caso assim o pretendessem, sem qualquer necessidade de serem descritas ou ensinadas as técnicas para o efeito.».
F- O facto levado ao quesito 6.º - «À data da prioridade reivindicada na EP (…) um perito da técnica não teria motivação para tentar obter uma formulação de libertação prolongada de (…) - deveria ter sido considerado como não provado.
G - É na literalidade da própria patente de invenção europeia n.º (…) titulada pela Recorrida A., concretamente na alusão à existência de um desejo para que a substância farmacêutica seja proporcionada numa forma de libertação sustida no tratamento de várias doenças, que está o âmago da resposta à questão levada ao quesito 6.º.
H- O tribunal arbitral dispunha de elementos probatórios esmagadores para considerar como não provado que «À data da prioridade reivindicada na EP (…), a formulação de (…) não se encontrava comercialmente disponível e até que a formulação de (…) de libertação imediata pudesse ser evidenciada num contexto comercial não havia incentivo para procurar qualquer formulação diferente, incluindo uma formulação de libertação prolongada.».
I- Deveria também o tribunal arbitral a quo ter considerado como não provado o facto seguinte: «À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito na técnica sabia que a (…) produzia uma tão reduzida ocupação ao nível do recetor D2, que não faria prever uma actividade antipsicótica previsível, conduzindo o mesmo perito a procurar doses mais elevadas.».
J- O facto levado à base instrutória sob o quesito 11.º foi erradamente considerado provado, pelo que, em conformidade, deverá considerar-se como não provado que «À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito na técnica não estava preocupado com a adesão do doente à terapêutica ou com os efeitos secundários associados à (…), designadamente porque se entendia que a adesão do doente à terapêutica não se alterava com a toma de duas vezes por dia ou de uma vez por dia.».
K- Também a matéria quesitada em 12.º - «Os efeitos secundários da (…) descritos eram reduzidos e, portanto, o perito na técnica não estava motivado, à data da prioridade reivindicada na (…), para desenvolver uma formulação de libertação prolongada de (…) com vista a reduzir efeitos secundários.» - deveria ter sido considerada pelo Tribunal arbitral como não provada.
L- O Prof. Doutor A. A. foi peremptório ao afirmar que a patente US (…) servia de ensinamento para o desenvolvimento de uma formulação de libertação prolongada para a (…).
M- Pelo que, deverá considerar-se como incondicionalmente provado o facto levado ao quesito 14.º da base instrutória, ou seja, que «A patente US (…) refere-se à adição de (…) ao ácido nicotínico (a vitamina B3), não podendo servir de ensinamento para a forma de libertação prolongada da (…).».
N- A factualidade levada ao quesitos 16.º - «As companhias referidas no quesito anterior disponibilizam no mercado determinados excipientes que apresentam determinadas características físico-químicas melhoradas, características essas que têm já em vista uma determinada utilização-alvo, permitindo desse modo que as empresas farmacêuticas (ou mesmo do ramo alimentar) apliquem os resultados dessas modificações em seu benefício, bastando para tal efectuar mero trabalho de experimentação.» - deveria considerar-se como provado.
O- Por último, também a resposta ao em 17.º - «Já em Outubro de 1979 encontramos referência, na preparação de composições de libertação prolongada, à utilização de um agente que gelifique, nomeadamente à hidroxipropilmetilcelulose.» - deverá ser alterada no sentido da matéria ali quesitada ser considerada totalmente provada.
P- A questão decidenda traduz-se em saber se o desenvolvimento de uma formulação de libertação prolongada para a (…) teve ou não carácter inventivo.
Q- Os elementos probatórios carreados para os autos apontam no sentido da total ausência de inventividade no desenvolvimento de tal formulação.
R- A essa mesma conclusão chegaram o Bundespatentgericht (Tribunal Federal de Patentes), na Alemanha, o United Kingdom Court of Appeal (Tribunal de Recurso), no Reino Unido, e mais recentemente a Audiencia Provincial de Barcelona (tribunal de 2.ª instância), em Espanha, tendo considerado nula as patentes alemã, inglesa e espanhola, respectivamente, equivalentes à patente aqui invocada, por ausência de actividade inventiva.
S- A patente invocada pelas Recorridas reconhece a conveniência e o interesse genérico numa formulação de libertação prolongada de (…), tal como alude às vantagens deste género de formulação.
T- A patente europeia n.º (…) reflecte aquilo que integrava já o conhecimento comum geral.
U- O desenvolvimento de uma formulação deste género passa essencialmente por seguir a orientação dos textos de referência e as instruções de um fabricante de sistemas de libertação.
V- Havia uma notória motivação para produzir uma formulação de toma única diária, sendo pacífico que uma dose diária teria sido e continua a ser melhor do que duas ou mais vezes ao dia.
W- Não havia obstáculo técnico que perspectivasse dificuldades na execução de tal formulação, o técnico especialista antes esperava alcançar o objectivo com sucesso e sem dificuldade.
X- Os conhecimentos necessários ao desenvolvimento de uma formulação de libertação prolongada integrava já o estado da técnica à data da prioridade da patente de invenção europeia n.º (…).
Y- O perito na especialidade consideraria o desenvolvimento de uma formulação de libertação prolongada de toma única diária e uma dose mais elevada de uma formulação de libertação imediata como possibilidades óbvias (neste sentido, vd. O. Gefvert e Outros).
Z- O perito na matéria não esperaria, à luz dos conhecimentos gerais comuns ou de qualquer consulta bibliográfica que efectuasse, que a (…) provavelmente iria saturar no metabolismo de primeira passagem e, por isso, nunca conceberia que não conseguiria desenvolver uma formulação de libertação prolongada.
AA- Os problemas e as dificuldades levantadas pelas Recorridas como (alegados) obstáculos ao desenvolvimento de uma formulação de libertação prolongado para a (…) não eram (nem são) reais.
BB- A questão (suscitada pelas Recorridas) da solubilidade da (…) e da dependência daquela com o pH não constituía um problema para o perito na especialidade.
CC- O princípio geral da adição de um modificador de pH em formulações farmacêuticas era óbvio para o perito na especialidade.
DD- O estudo de O. Gefvert e Outros é incontornável para avaliação da expectativa de êxito do perito na especialidade na obtenção de uma formulação de libertação prolongada.
EE- O especialista na matéria, depois de ler o estudo de O. Gefvert e Outros, concluiria que uma dose única diária de 450 mg. de uma formulação de libertação imediata não seria eficaz.
FF- O especialista consideraria a administração de uma dose por dia como desejável; sendo que para atingir esse objectivo – uma vez ao dia – constituiriam possibilidades óbvias uma formulação de libertação prolongada e uma dose mais elevada de uma formulação de libertação imediata.
GG- A questão jurídica decidenda consiste em saber se a patente de invenção europeia n.º (…) é (in)válida.
HH- Na acção arbitral em apreço as Recorrentes defendem-se invocando tão-só a nulidade da patente de invenção europeia n.º (…), porquanto, conforme alegaram, carece de actividade inventiva.
II- O tribunal arbitral a quo declarou-se materialmente incompetente para a apreciação da defesa deduzida pelas Recorrentes, isto é, a (in)validade da patente.
JJ- A pretensão das Recorrentes era tão-apenas que o tribunal arbitral reconhecesse - inter partes e a título de excepção - a nulidade da patente invocada nos autos e
KK- em termos tais que tornasse ilegítimo qualquer impedimento ou tentativa de impedimento à comercialização dos medicamentos das Recorrentes.
LL- A declaração de incompetência material do tribunal arbitral limitou total e definitivamente as hipóteses de defesa das Recorrentes, pois encerrou a discussão relativa à comercialização dos medicamentos genéricos das Recorrentes antes de caducados os direitos de propriedade industrial das Recorridas.
MM- As Recorrentes expectavam a apreciação pelo tribunal arbitral dos respectivos argumentos.
NN- A Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, não comporta qualquer limitação em relação aos argumentos susceptíveis de ser deduzidos em resposta a uma acção arbitral necessária instaurada ao abrigo da referida Lei.
OO- O artigo 608.º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil (correspondente ao antigo artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) constituía para as Recorrentes uma “garantia” de que a defesa que deduziriam seria apreciada, por força da previsão de aplicação subsidiária desta norma aos autos.
PP- O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, incluindo a matéria de defesa por excepção que tenha sido deduzida pelo Réu.
QQ- A rejeição de apreciação da defesa deduzida no âmbito da presente acção arbitral pelas ora Recorrentes, integra, salvo o devido respeito, um non liquet, violando assim o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil.
RR- As Recorrentes viram ser-lhes negada justiça na medida em que a declaração material de incompetência fez terminar definitivamente a discussão sobre a comercialização dos medicamentos genéricos antes da caducidade dos direitos de propriedade industrial das Recorridas.
SS- Esta situação, a manter-se, determinaria que as Recorrentes, ainda que vissem a patente de invenção europeia n.º (…) anulada, sempre estariam “amarradas” à decisão recorrida e assim impossibilitadas de lançar no mercado os respectivos medicamentos.
TT- A declaração de incompetência do tribunal arbitral desrespeitou o princípio do acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional efectiva (com assento no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).
UU- A doutrina de referência sobre a questão da competência material dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de Dezembro, para a apreciar as questões que se prendam com a validade de patentes de invenção, atenta as reflexões e as publicações sobre a mesma, é encabeçada pelo Prof. Doutor João Paulo F. Remédio Marques.
VV- Os argumentos em que se funda a declaração de voto (vencida) proferida pelo Prof. Doutor R. M. relativamente à decisão recorrida são absolutamente irrefutáveis e de total aplicabilidade ao caso que nos ocupa.
Por conseguinte,
WW- o tribunal arbitral é materialmente competente para apreciar a (in)validade da patente de invenção europeia n.º (…).
XX- Fundado nessa competência material e munido de todos os elementos probatórios carreados para os autos deveria o tribunal arbitral a quo ter reconhecido – ainda que com efeitos restritos inter partes e a título de excepção – a nulidade da patente invocada nos autos, legitimando, em consequência, a comercialização dos medicamentos das Recorrentes.

Por seu turno, as apeladas, nas conclusões que elaboraram, pedindo a improcedência da apelação, formulam as conclusões que passamos a transcrever:

a) Sem qualquer censura, o Tribunal a quo considerou-se materialmente incompetente para apreciar a validade da EP (…), quer por via incidental — em sede de excepção —, quer por via de apreciação de pedido reconvencional, sendo pois matéria não arbitrável
b) Um dos princípios basilares que preside à proteção da propriedade industrial encontra‑se plasmado no artigo 4.°, n.° 2 do Código da Propriedade Industrial (CPI), que estabelece que a concessão de direitos de propriedade industrial implica a presunção jurídica ("juris tantum") dos requisitos da sua concessão, havendo assim uma presunção da validade do título donde derivam esses direitos.
c) O único meio facultado pelo CPI para a elisão da presunção de validade de um título de propriedade industrial é a ação de nulidade ou a ação de anulação, a intentar pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, junto de um tribunal judicial, conforme resulta claramente do artigo 35.° n.°s 1 e 2 daquele Código.
d) O tribunal competente para julgar as ações referidas no artigo 35.° nºs 1 e 2 do CPI  é o Tribunal da Propriedade Intelectual, conforme dispõe o artigo 89.°-A, n.° 1 c) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, com a redação dada pela Lei n.° 46/2011, de 24 de Junho.
e) Enquanto o Tribunal da Propriedade Intelectual não declarar nulo ou anular um título de propriedade industrial, nenhuma outra autoridade (outros tribunais judiciais e administrativos, tribunais arbitrais, administração pública, etc.) se pode pronunciar sobre a sua invalidade, quer por via de reconvenção, quer pela da exceção, funcionando em toda a sua plenitude a presunção de validade decorrente do artigo 4.° n.° 2 do CPI.
f) Qualquer decisão invalidante que seja proferida nessa ação, pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, é sujeita a registo e publicação (nºs. 3 e 4 do artigo 35.° do CPI) e produz efeitos extintivos do direito de propriedade industrial em causa, oponíveis erga omnes.
g) Qualquer tribunal, ainda que estatal, apenas pode conhecer da invalidade de uma patente, mesmo com meros efeitos inter partes, desde que suceda tal invalidade "resultar de decisão judicial" prévia, proferida pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, em ação para o efeito proposta pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, nos termos previstos no n.° 2 do artigo 35.° do Código da Propriedade Industrial.
h) Ao contrário da caducidade e da inoponibilidade (resultante, v.g., da interpretação das reivindicações, do direito de uso anterior, da preclusão por tolerância/ suppressio), a invalidade das patentes (v.g. a nulidade) tem de ser previamente declarada pelo tribunal competente para poder produzir os seus efeitos.
i) A vingar a tese de que a invalidade de uma patente ainda não declarada pelo Tribunal da Propriedade Intelectual poderia ser apreciada no âmbito de uma ação arbitrai, estaria então franqueada a possibilidade de prolação de decisões contraditórias, considerando uns tribunais a sua invalidade e outros negando-a.
j) E se viesse a ser proposta ação de invalidação, nos termos do artigo 35.° do CPI e tal ação fosse julgada improcedente, julgando-se, pelo contrário, válida a Patente, tal decisão embora eficaz erga omnes teria de conviver com eventuais decisões individuais considerando a patente inválida, permitindo assim a sua contrafação por parte dos agentes económicos, os quais, sendo parte nessas ações individuais, aproveitariam das decisões nelas proferidas.
k) É isso que a lei portuguesa pretende evitar ao enfatizar que "a declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial", proferida em ação própria, intentada no Tribunal da Propriedade Intelectual, sujeita a registo e publicidade, e à qual são chamados a participar todos os interessados.
l) O Tribunal a quo acolheu, sem quaisquer reparos, as razões essenciais, das Recorridas no sentido da incompetência material do Tribunal Arbitrali para apreciar a validade da EP (…), tendo fundamentalmente assentando na referida previsão do 35.°, n.° 1 do CPI, tendo ainda acrescentado, e bem, que a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a invalidade de uma patente é confirmada pelo artigo 48.°, n.° 1 do CPI, que "define o âmbito da arbitrabilidade de questões de propriedade industrial, limitando-o «a todas as questões susceptíveis de recurso judicial», questões essas que são as indicadas no artigo 39.° do mesmo Código, em que não se incluem a declaração de invalidade ou anulação de patentes".
m) Confirmou, ainda, o Tribunal a quo o seu acertado entendimento com o pertinente argumento de estarem os direitos de propriedade sujeitos a registo, valendo em relação a eles "razões de segurança jurídica que este visa tutelar, que justificam a generalização no nosso direito da unicidade da apreciação da validade dos actos registrais (..) com consequente inviabilidade de declarações de invalidade com meros efeitos inter partes, soluções estas com que se harmoniza a adotada no artigo 35. ° do cpi..
n) É manifestamente improcedente a tese preconizada pelas Recorrentes — no sentido de que o Tribunal a quo "limitou total e definitivamente as possibilidades de defesa das sociedades titulares das autorizações de introdução no mercado em questão, porquanto pôs um ponto final sobre a discussão da comercialização dos genéricos antes da caducidade dos direitos de propriedade industrial das Recorridas" — porquanto a ação de declaração de nulidade da patente em apreço é uma possibilidade que o artigo 35.°, n.° 1 do CPI continua a facultar-lhes.
o) A exclusiva competência de um Tribunal - no caso, do Tribunal da Propriedade Intelectual - para julgar ações de nulidade e anulação de direitos de propriedade industrial não pode ser entendida como uma limitação dos direitos de defesa nas ações arbitrais resultantes da Lei n.° 62/2011, sendo certo que as Recorrentes sempre tiveram ao seu dispor a competente via judicial para tentarem colocar em crise os direitos das Recorrentes.
p) Caem assim por terra os argumentos de que o Tribunal Arbitral denegou justiça no presente caso ou que foi prejudicado o princípio do acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional efectiva (cf. artigo 20.° da CRP).
q) Com efeito, não só o Tribunal competente para a ação de declaração de nulidade da patente não denegou justiça às Recorrentes como o acesso ao mesmo Tribunal manteve-se sempre intocável.
r) Sem prescindir, não houve qualquer erro de julgamento na decisão recorrida, designadamente quanto aos quesitos, 5.°, 6.°, 7.°, 9.°, 11.°, 12.°, 14.°, 16.°, e 17.°, assinalando-se, desde logo, que deve ter-se presente o princípio da livre apreciação da prova - no caso, pelo Tribunal de 1ª. instância -, que norteou a correspondente resposta à matéria de facto.
s) A comparação de credibilidade científica entre as testemunhas das Partes, que as Recorrentes optaram por empreender nas suas alegações, constitui um exercício vazio de qualquer sentido objetivo.
t) Tendo o Tribunal a quo disposto da inquestionável liberdade na apreciação da prova - desde que minimamente fundamentada, como sucedeu no douto Acórdão recorrido - a mera discordância das Recorrentes com a decisão sobre a matéria de facto não faz com que o Acórdão recorrido padeça de qualquer vício.
u) Apesar da técnica farmacêutica de libertação prolongada de um fármaco ser conhecida à data de prioridade reivindicada na EP (…), não se aplicava de todo à substância ativa (…) que, para além de nunca ter sido divulgada até essa data — o que as Demandadas/Recorrentes acabaram até por reconhecer — todos os poucos dados clínicos disponíveis demonstravam que não era, de forma alguma, uma boa candidata a uma formulação de libertação prolongada.
v) Não havia, no estado da técnica em 31 de Maio de 1996 nenhum documento, designadamente patentes ou pedidos de patentes que descrevesse ou reivindicasse uma forma de libertação prolongada da (…).
w) A decisão de facto sobre o quesito 5.° é irrepreensível, porquanto da patente portuguesa n.° 91.401 nada foi possível concluir quanto à alegada falta de novidade e/ou atividade inventiva da EP (…), o que resultou dos depoimentos das testemunhas das Recorridas e também das próprias testemunhas das Recorrentes.
x) Uma questão-chave quanto à atividade inventiva da EP (…) é a de saber se a partir do estado da técnica à data de prioridade aí reivindicada (31 de Maio de 1996) um perito na especialidade sentir-se-ia motivado ou incentivado para desenvolver uma fórmula de libertação de prolongada da substância ativa (…).
y) Não se trata de saber se um perito na especialidade podia desenvolvê-la, mas sim se deveria desenvolvê-la, de modo óbvio ou evidente, com base nos dados disponíveis, especialmente os dados clínicos.
z) Nem as características da (…) nem os poucos ensaios clínicos com a mesma - em dosagens sob a forma de libertação imediata — conhecidos à data da prioridade (Maio de 1996), justificavam, designadamente do ponto de vista clínico, uma motivação ou necessidade do desenvolvimento da sua forma de libertação prolongada, pelo que não ficou provado que um perito na especialidade deveria ter como óbvio ou evidente o desenvolvimento de uma formulação de libertação prolongada da (…).

aa) Do pouco que se sabia e retirava dos estudos clínicos disponíveis, tudo apontava para que a (…) fosse um antipsicótico atípico "fraco", ou seja, que requeria doses diárias elevadas para que a sua eficácia aumentasse, só assim estando assegurada a ocupação do recetor de dopamina D2 ao nível dos 60% a 80% e sem a produção dos chamados efeitos piramidais, pelo que era aceitável a ideia de aumentar a dose de (…).
bb) Outra razão prendia-se com os estudos clínicos disponíveis (com relevância de O. Gefvert e R. Greenberg) no que respeita à adesão (ou conveniência) do doente à terapêutica considerando o número de tomas diárias da (…) sob a forma de libertação imediata, sendo que dos mesmos nada se pode se concluir no sentido de que uma só dose diária de (…) na forma imediata estaria recomendada ou seria mesmo necessária (era irrelevante e indiferente, para efeitos de adesão do doente à terapêutica, uma ou duas doses diárias do fármaco).
cc) A (…) sob a forma de libertação imediata era bem tolerada, isto é, os efeitos secundários eram quase inexistentes, mesmo com a administração de doses elevadas, pelo que não haveria necessidade de desenvolver uma formulação de libertação prolongada de (…) com o objetivo de diminuir efeitos secundários.
dd) A procura de uma formulação de libertação prolongada da (…) era assim, em Maio de 1996, incompatível e inconsistente com os dados clínicos disponíveis, sendo, por isso, ilógica para um perito na especialidade, ou seja, que o mesmo devesse obviamente desenvolver.
ee) Todos estes factos ficaram claramente comprovados através da prova testemunhal das Demandantes e prova documental (documentos juntos à resposta às exceções deduzidas na contestação sob os n°s 2 — estudo de L. Fabre (e outros); 3 — estudo de H. Wetzel (e outros); estudo de ensaios de O. Gefvert (e outros); 5 — estudo de R. Greenberg (e outros); 6 — estudo de R. Chang e J. Robinson; 7 — expert report de P. Seeman).
ff) Não basta afirmar, a título de exemplo, que a patente US 3065143 serve de ensinamento para a forma de libertação prolongada da (…), quando ficou comprovado, como se assinalou exaustivamente, que um perito na especialidade, a partir de qualquer documento do estado da técnica, em Maio de 1996 — incluindo a patente US (…) — não deveria conceber como óbvia e necessária a forma de libertação prolongada da (…).
gg) Parece ser de elementar senso comum que se a patente US (…) não se refere sequer a libertações prolongadas de substâncias ativas não poderia servir de ensinamento para a forma de libertação prolongada da (…).
hh) Os ensinamentos a que as testemunhas das Recorrentes aludiram resultaram, assim, como afirmações generalistas e conclusivas, sem qualquer suporte numa necessidade e racional clínico para uma libertação prolongada da mesma substância ativa que, como se viu, não existia àquela data.
ii) Razões porque o Tribunal a quo julgou, sem quaisquer reparos, a matéria de facto atinente aos quesitos em apreço.
jj) As Recorrentes pedem a reapreciação da matéria de facto, mas transcrevem partes dos depoimentos das suas testemunhas que nada dizem respeito às matérias em discussão.
kk) Basta uma leitura atenta da fundamentação da resposta ao quesito 6.°, no Acórdão arbitral — e para a qual o Tribunal a quo remeteu na fundamentação da resposta aos quesitos 7.° a 12.° —, para se verificar que não existe qualquer erro de julgamento quanto a essas matérias factuais.
11) O douto Acórdão recorrido não padece de nenhum dos vícios que lhe é assacado, não tendo violado a lei, designadamente os artigos 608.°, n.° 2 do novo CPC e 20.° da CRP, devendo ser confirmado, nos seus precisos termos.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Na decisão sob recurso vêm descritos como provados os seguintes factos:

a) A. é titular da Patente Europeia (…) (doravante "Patente" ou …), que protege uma formulação e que tem o teor constante do documento n.° 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, sendo o medicamento de referência S. que em Portugal tem a denominação S. 23.° e 24.° da petição inicial e documento nº 1 com ela junto);
b) A invenção da EP (…) protege uma composição farmacêutica e mais particularmente a composição farmacêutica de libertação sustida compreendendo um agente gelificante e (…)ou um seu sal farmaceuticamente aceitável, em conjunto com um ou mais excipientes farmaceuticamente aceitáveis, sendo a fórmula do composto a seguinte: (art. 25.° da petição inicial e documento n.° 1, páginas 7 e 8, com ela junto)
(…)
c) A descrição da EP (…) refere que a invenção é desejável no tratamento de diversas doenças, quer terapeuticamente quer profilaticamente (esquizofrenia, perturbação bipolar, episódios depressivos major na perturbação bipolar), para proporcionar a substância farmacêutica ativa (neste caso a (…) numa forma de libertação sustida (art. 26.° da petição inicial e documento nº 1 com ela junto);
d) A EP (…) refere que a libertação sustida proporciona uma velocidade de libertação genericamente uniforme e constante ao longo de um período de tempo prolongado que atinge um nível de substância ativa estável e desejado no sangue (plasma) sem a necessidade de administração frequente do medicamento (art. 27.° da petição inicial e documento n.° 1 com ela junto);
e) A EP (…) refere ainda que a preparação, propriedades físicas e propriedades farmacológicas vantajosas da (…) ou um seu sal farmaceuticamente aceitável, estão descritas nas publicações das Patentes Europeias EP (…) e (…), bem como na Patente U.S. (…) (pág. 3, parágrafo 8.°) e nas correspondentes PT (…) e PT (…) (art. 29.° da petição inicial e documento n.° 1 com ela junto);
f) O De acordo com a EP (…) é proporcionada uma formulação de libertação sustida compreendendo um agente gelificante, preferencialmente hidroxipropil metilcelulose, e (…) ou um seu sal farmaceuticamente aceitável, conjuntamente com um ou mais excipientes farmaceuticamente aceitáveis (art. 30º da petição inicial e documento n.° 1 com ela junto);
g) A EP (…) tem por epígrafe "COMPOSIÇÃO FARMACÊUTICA DE L1BER1TAÇÃO SUSTIDA" (art. 32º da petição inicial e documento n.° 1 com ela junto);
h) A EP (…)  foi pedida em 27 de Maio de 1997, pela sociedade A., reivindicando a prioridade do pedido de patente britânica GB (…), de 31 de Maio de 1996 " (art. 33.° da petição inicial e documento n.° 1 com ela junto);
i) Em 12-11-2002, a A. apresentou junto do INPI a tradução da EP (…) (art. 34,0 da petição inicial e documento n.°1 com ela junto);
j) A EP (…) está em vigor, produzindo os seus efeitos em Portugal, até 28 de Maio de 2017 (artigos 35º e 36.° da petição inicial e documento n.° 1 com ela junto);
k) A EP (…) contém 20 reivindicações, que constam do documento nº 1 junto com a petição inicial (artigo 37.° da petição inicia e documento com ela junto);
l) Por contrato de licença de exploração celebrado no dia 1-1-2012, a Demandante A. celebrou com a Demandante A., Lda., um contrato de licença de exploração dos direitos emergentes da Patente Europeia, com efeitos no território português, conforme consta do documento nº 1 junto com a petição inicial (artigo 46.° da petição inicial);
m) O contrato referido na alínea anterior encontra-se registado no INPI (artigo 47º da petição inicial e certidão que integrada no documento n° 1, junto com a petição inicial);
n) As Demandadas, requereram, no seu conjunto, ao Infarmed, sete pedidos de AIM de um medicamento genérico contendo (…) (….Hemifumarato) como princípio ativo com a forma farmacêutica de "comprimidos de libertação prolongada", tendo por medicamento de referência o medicamento denominado S. (artigo 55.0 da petição inicial e documentos nºs. 2 a 8 juntos com a petição inicial, cujos teores se dão como reproduzidos);
o) A ora Demandada A., Limited requereu, no dia 2-2-2012 e no dia 30­.4.012, duas AIMs para um medicamento genérico contendo (…) (… Hemifumarato) para a dosagem de 50mg (artigo 56.° da petição inicial e documentos nºs, 2 e 3, juntos com ela, cujos teores se dão como reproduzidos);
p) O procedimento relativo ao pedido de 2-2-2012 foi extinto (art. 57º da petição inicial e documentos n.°s 2 e 3, juntos com ela);
q) Em 12-5-2012 foi publicitado na página informática do Infarmed o requerimento da AIM apresentado em 30-4-2012 (documento n.° 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);
r) A Demandada L. T., Limited requereu ao Infarmed, no dia 2-2-2012, uma AIM para um medicamento genérico contendo (…) (… Hemifumarato) para a dosagem de 50mg, o que foi publicitado na página informática do lnfarmed em 14-2-2012 (art. 59.° da petição inicial e documento n.° 5 com ela junto, cujo teor se dá como reproduzido);
s) A Demandada I. P. Limited requereu, no dia 3-2-2012, quatro AIMs para um medicamento genérico contendo (…) (… Hemifumarato) para as dosagens de 50mg, 200mg, 300mg e 400mg, o que foi publicitado na página informática do Infarmed em 15-2-2012 (art. 60º da petição inicial e Documentos nºs 6 a 9, com ela juntos, cujos teores se dão como reproduzidos).
t) Os medicamentos cujas AIMs as Demandadas solicitaram e pretendem lançar no mercado contêm a (…) (Hemifumarato) na sua formulação de libertação prolongada como substância ativa, conforme se refere na informação prestada a seu respeito pelo Infarmed (art. 67.° da petição inicial);
u) O medicamento de referência S. contém como principio ativo a (…), na forma farmacêutica de comprimidos de libertação prolongada, nas dosagens de 5omg, 150mg, 200mg, 300mg e 400mg (a maior parte das quais requeridas pelas Demandadas), e é comercializado em Portugal pela Demandante A., Lda., devidamente autorizada pelo Infarmed (artigo 61º da petição inicial e documentos nºs 10 a 14 juntos com a petição inicial, cujos teores se dão como reproduzidos);
v) As Demandadas não solicitaram, nem obtiveram, autorização das Demandantes para, por qualquer forma, explorar a alegada invenção constante da Patente (art. 70.° da petição inicial);
w) Em 20-8-2012, as Demandantes solicitaram a cada uma das Demandadas, por cartas enviadas no passado dia 20 de Agosto, entre outros dados, que lhe disponibilizassem elementos que fizessem prova sobre a composição qualitativa e quantitativa dos Genéricos (…) (art. 72.° da petição inicial e documentos nºs 15 a 17 com ela juntos, cujos teores se dão como reproduzidos);
x) Nenhuma das Demandadas acedeu a disponibilizar às Demandantes os elementos solicitados (artigos 82.° e 83.° da petição inicial.
y) A EP (…) apresenta uma reivindicação,  n.° 19, de processo:
Processo para a preparação de uma formulação de acordo com qualquer das reivindicações 1 a 17 que compreende misturar (…) ou um seu sal farmaceuticamente aceitável, um agente gelificante e outros excipientes;
z) No livro "Técnica Farmacêutica e Farmácia Galénica", 2ª.a edição de 1979, que constitui um manual para estudo dos estudantes do curso de farmácia, os professores L. Nogueira Prista, A. Correia Alves e Rui Morgado, no vol. III, a página 2454, descrevem e ensinam "O processo de fabricação de comprimidos de acção prolongada que uliliza matrizes hidrófilas consiste na mistura do princípio activo com um agente que gelifique com elevada viscosidade, seguida da obtenção da forma farmacêutica por compressão directa ou após granulação a seco ou a húmido. Quando em contacto com os líquidos digestivos, as macro moléculas hidratam-se e dão origem a uma barreira gelificada, física, que permite regular a velocidade de libertação do fármaco. Entre as substâncias que se usam para estas preparações citamos a metil, a carboximetil, a hidroxietil e a hidroxipropilmetilcelulose, o carbopol e os alginatos. As matrizes hidrófilas apresentam várias vantagens, como a simplicidade e rapidez de preparação, o baixo custo, a possibilidade de incorporarem quantidades apreciáveis de princípio medicamentosos, a libertação pouco influenciada pelos agentes externos (pH, movimentos peristálticos e composição enzimática dos sucos digestivos) e a possibilidade diferentes condições de cedêncía, uma vez que pode alterar o pH da própria matriz". (documento n.° 2, junto com a contestação, cujo teor se dá como reproduzido);

aa) Na obra "Pharmaceutical Dosage Forms: Tablets, 2nd Ed, 1989, Marcel Dekker, volume I, a páginas 181-183, refere-se:
(documento n.° 5  junto com a contestação)

"A prolonged (ar sustained) release product is one in which the drug is initiallly made available to the body in an amount sufficient to produce the desired pharmacological response as rapidly as is consistent with the properties of the drug and which provides for the maintenance of activity at the initial level for a desired number of hours.
(…)
Many varied materials have been used in practice to achieve prolonged release dosage forms,
The following example illustrates the ubiquitous nature shown in Exemple 20.
Example 20: Ferrous Sulfate Prolonged Release Tablets
(…)
bb) Na PT (…) – “Processo para a preparação de compostos de benzodiazepina" — Eli Lilly — depósito em Agosto/1989 —, onde se divulgavam novos compostos úteis no tratamento de doenças do sistema nervoso central, lê-se (pág. 18): «Os compostos do invento serão normalmente administrados oralmente ou por injecção e, para este fim, os compostos habitualmente serão utilizados na forma de uma composição farmacêutica. Tais condições são preparadas de um modo bem conhecido na ciência farmacêutica (...)» (artigo 59." da contestação e documento anexo à mesma sob o nº 4, que não foi impugnado);
cc) Na página 19 da patente referida na alínea anterior lê-se: «As composições do invento podem, se desejado, ser formuladas para fornecer rápido, libertação continua ou retardada do ingrediente activo após administração ao doente» (artigo 60º da contestação e documento anexo à mesma sob o n.° 4, que não foi impugnado);
dd) A tecnologia que permite a utilização das formas "retard" para os medicamentos de uso humano, particularmente cápsulas ou comprimidos já em 1979 era matéria de estudo para os alunos das licenciaturas em ciências farmacêuticas nas faculdades de farmácia portuguesas e até à data de prioridade reivindicada na EP (…), que é 31-5-1996, não havia sido divulgada técnica de libertação prolongada aplicada à substância ativa (…);
ee) De entre os vários modos de obtenção de formas farmacêuticas de libertação prolongada ou controlada (igualmente designada como sustentada), a utilização de matrizes hidrófilas que dilatam e gelificam na presença de fluídos aquosos, particularmente os fluidos gastrointestinais, foi divulgada em 1962 através da US (…), em que não há qualquer referência à substância ativa (…);
ff) Desde a década de 1960, pelo menos nos Estados Unidos da América, era conhecido que se podia obter formas de libertação prolongada usando matrizes hidrófilas e muito particularmente matrizes hidrófilas à base de hidroxipropilmetilcelulose, mas até à data de prioridade reivindicada na EP (…), que é 31-5-1996, não havia sido divulgada técnica de libertação prolongada aplicada à substância ativa (…);
gg) A PT (…), junta à contestação como documento n.° 4, cuja data de depósito é 8­-8-1989, se refere, além do mais, que «as composições do invento podem, se desejado, ser formuladas para fornecer rápido, libertação continua ou retardada do ingrediente ativo após administração ao doente», sem serem nela descritas as técnicas para o efeito, com o esclarecimento de que esta patente não se refere à (…) mas a benzodiazepinas;
hh) À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito da técnica não teria motivação para tentar obter uma formulação da libertação prolongada de (…);
ii) À data da prioridade reivindicada na EP (…), a formulação de (…) não se encontrava comercialmente disponível e até que a formulação de (…) de libertação imediata pudesse ser evidenciada num contexto comercial não havia incentivo para procurar qualquer formulação diferente, incluindo uma formulação de libertação prolongada;
jj) À data da prioridade reivindicada na EP (…), os peritos na técnica tinham conhecimento de que a (…) era um antipsicótico fraco e que por isso requeria ser utilizado com doses diárias elevadas;
kk) À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito na técnica sabia que a (…) produzia uma tão reduzida ocupação ao nível do recetor D2, que não faria prever uma atividade antipsicótica previsível, conduzindo o mesmo perito a procurar doses mais elevadas;
ll) À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito na técnica sabia que a eficácia de um tratamento rápido era requerido no tratamento da esquizofrenia e por isso eram requeridas doses muito elevadas;
mm) À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito na técnica não estava preocupado com a adesão do doente à terapêutica ou com os efeitos secundários associados à (…), designadamente porque se entendia que a adesão do doente à terapêutica não se alterava com a toma de duas vezes por dia ou de uma vez por dia;
nn) Os efeitos secundários da (…) descritos eram reduzidos e, portanto, o perito na técnica não estava motivado, à data da prioridade reivindicada na EP (…), para desenvolver uma formulação de libertação prolongada de (…) com vista a reduzir efeitos secundários;
oo) A formulação de libertação prolongada da (…) resolveu os problemas técnicos indicados no parágrafo 3.° da EP (…);
pp) A patente US (…) refere-se à adição de Methocel 60 HG 4,00 cps ao ácido nicotínico (a vitamina B3);
qq) Há companhias que investigam e comercializam excipientes, tal como a hidroxipropilmetil celuloses e a hidroxipropilcelulose;
rr) As companhias referidas no quesito anterior disponibilizam no mercado determinados excipientes que apresentam determinadas características físico-químicos melhoradas, características essas que têm já em vista uma determinada utilização-alvo, permitindo desse modo que as empresas farmacêuticas apliquem os resultados dessas modificações em seu beneficio, com o esclarecimento de que a disponibilidade referida já existia em 31-5-1996;
ss) Encontram-se disponíveis no mercado hidroxipropilmetil celuloses com uma gama viscosidades muito alargada.

III – Importa então abordar as questões suscitadas.

Da competência do Tribunal Arbitral para o conhecimento, por via de exceção, da invalidade da EP (…):
É problemática que as demandadas, apelantes, tratam nas suas conclusões B) e GG) a XX) e que as apeladas, por seu turno, versam nas conclusões a) a q) das suas contra-alegações.

E os argumentos e raciocínio usados no acórdão recorrido para sustentar a decisão aí emitida - de incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a exceção de invalidade da patente - foram, em síntese nossa, os seguintes:

- Os direitos de patente, enquanto direitos de propriedade industrial, estão sujeitos ao princípio da tipicidade – arts. 316.° do CPI e 1303.0, n.° 2, e 1306.° do Código Civil -, o que torna inadmissível a criação de direitos diferentes dos previstos na lei.
- É esta, além de outras, a razão determinante do regime instituído no art. 35º do CPI, segundo o qual a declaração de nulidade ou a anulação desses direitos só podem resultar de decisão judicial, a proferir em ação que pode ser intentada pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, e na qual se assegura, através da respetiva citação, a possibilidade de intervenção, não só do titular do direito registado, réu na ação, mas de todos aqueles que, à data da publicação do averbamento previsto na alínea d) do n.0 1 do artigo 30.0, tenham requerido o averbamento de direitos derivados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
- A consagração prática do dito princípio só será assegurada através de uma decisão de invalidade única proferida em ação onde possam ter intervindo todos os interessados.
- Não é, assim, possível a invocação da invalidade da patente por via de exceção, com efeitos apenas entre as partes, tanto em ações interpostas em tribunais judiciais como em ações arbitrais, “pois o princípio da tipicidade reclama que todas as decisões sobre essa matéria tenham efeitos erga omnes.”.

Como se salienta no acórdão sob recurso é questão de solução duvidosa.

O nº 1 do art. 35º do CPI (Código da Propriedade Industrial) reserva em exclusivo aos tribunais judiciais a competência para apreciação da validade dos direitos de propriedade industrial, ao estabelecer que: “A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial”.

E, por imposição do nº 2 do mesmo preceito legal, na ação instaurada com tal objetivo, pelo M. P. ou por qualquer outro interessado, assegurar-se-á, por via da respetiva citação, que possam participar na discussão da pretendida invalidação, não apenas o titular do direito registado, mas todos aqueles que, à data do averbamento da ação no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, tivessem requerido junto dessa mesma entidade o averbamento de direitos derivados - como o são, por exemplo, o usufrutuário ou o titular de licença de utilização da patente ou o titular de arresto ou penhora sobre a patente.

O efeito útil da decisão que, declarando a nulidade ou decretando a anulação da patente, a destrua definitivamente, com eficácia erga omnes, será alcançado se na ação declarativa constitutiva instaurada para o efeito tiverem intervindo todos os referidos interessados, enquanto titulares da relação material controvertida, relativamente aos quais só assim aquela decisão formará caso julgado.

É, assim, inequívoco que a competência para apreciação da ação onde se vise, a título principal, e com eficácia erga omnes, a declaração de nulidade ou a anulação de direitos de patente cabe em exclusivo a tribunal judicial, concretamente e nos termos do art. 111º, nº 1, alínea c) da Lei nº 62/2013 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) ao Tribunal da Propriedade Intelectual.

Os tribunais arbitrais carecem, pois, de competência material para o efeito.

Mas o que neste recurso está em discussão é saber se essa falta de competência abrange também o conhecimento da invalidade da patente, não a título principal - por via de ação ou de reconvenção -, mas enquanto exceção de natureza perentória oposta pelo demandado ao titular da patente, no âmbito de ação arbitral que lhe é movida nos termos da Lei nº 62/2011.

Vê-se dos trabalhos preparatórios desta Lei que, com o regime nela instituído, se pretendeu essencialmente “estabelecer um mecanismo que, num curto espaço de tempo, profira uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial”.

Por esta via se superariam as demoras excessivas que até aí vinham ocorrendo no início de comercialização dos medicamentos genéricos, mercê dos inúmeros recursos que os titulares dos medicamentos de referência vinham interpondo nos tribunais centrais administrativos contra atos de concessão de autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos, praticados pelo Infarmed, entidade a quem competiria - segundo entendimento preconizado por alguns, e dominante dos Tribunais Administrativos[1] –, não apenas emitir decisão sobre aqueles pedidos, mas também apreciar se as autorizações em causa violavam qualquer patente existente e válida.

Com esse objetivo, a Lei nº 62/2011 cria um regime específico para a composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, excluindo-os da apreciação dos tribunais estaduais e optando por sujeitá-los a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada – seus arts. 1º e  2º .

Assim, segundo o seu art. 3º, nº 1, publicitada que seja pelo Infarmed, nos termos do art. 15º-A, do Dec. Lei nº 176/2006, de 30 de Agosto[2], a existência de pedido de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamento genérico, o interessado que pretenda invocar violação do seu direito de propriedade industrial tem de fazê-lo, no prazo de trinta dias, junto de tribunal arbitral.

Por seu lado, o demandado pode contestar em igual prazo, sob pena de, abstendo-se de o fazer, não poder iniciar a exploração comercial ou industrial do medicamento genérico objeto do pedido pedido de autorização, ou registo, de introdução no mercado que formulara – nº 2 do mesmo art. 3º..

Sendo o articulado de defesa, na contestação o réu deve deduzir toda a sua defesa numa ou em ambas as modalidades que esta pode assumir: por impugnação e por exceção, podendo esta última ter natureza dilatória ou perentória – arts. 571º e 573º, nº 1 do CPC de 2013, correspondentes, respetivamente, aos 487º e 489º, nº 1 do anterior CPC.

São regras básicas que a Lei nº 62/2011 não restringe, designadamente no tocante à dupla modalidade que a defesa pode revestir, o que aponta, em termos que nos parecem seguros, no sentido de que o demandado nestas ações pode opor ao demandante na sua contestação matéria de exceção, designadamente invocar a invalidade da patente cuja violação lhe vem imputada.

Só assim é respeitado o princípio essencial e básico do contraditório, enquanto reconhecimento do direito à defesa, direito que tem, aliás, assento no art. 20º da nossa CRP e que, de outro modo, seria violado.

Se, em sede de causa de pedir, o demandante imputa ao demandado a violação dos seus direitos de patente por este haver requerido junto do Infarmed a concessão de AIM de um certo medicamento genérico, o seu direito de defesa poderá ser pura e simplistamente abolido se se entender que não pode opor ao demandante exceção de natureza perentória, designadamente invocando a invalidade daquela patente, não para a ver declarada a título principal – o que a ser possível seria obtido por via de reconvenção que deduzisse –, mas tão só para demonstrar a não verificação da invocada violação, dada a inexistência do direito que dela seria alvo.

Aquela invalidade da patente traduzirá a invocação de facto impeditivo do efeito jurídico da matéria aduzida pelo demandante como causa de pedir, não se concebendo, salvo o devido respeito por opinião contrária, que sem a sua consideração possa emitir-se decisão de mérito que julgue verificada a violação dos direitos de patente invocada como substrato do pedido formulado, sendo sabido que, a constatação da existência daquela exceção determinaria a improcedência do pedido – arts. 571º, nº 2 e 576º, nºs 1 e 3 do CPC de 2013, correspondentes, respetivamente, aos arts. 487º, nº 2 e 493º, nºs 1 e 3 do anterior CPC.

A isto acresce que, nos termos do art. 91º do CPC de 2013 – correspondente ao anterior art. 96º do CPC -, o tribunal competente para a ação é igualmente competente para conhecer, além do mais, das questões que o réu suscite como meio de defesa, princípio que seria também ele postergado se se entendesse que o tribunal arbitral imposto pela Lei nº 62/2011 não pode conhecer da invalidade da patente, enquanto exceção perentória invocada pelo demandado nestes processos, a determinar, verificando-se, a improcedência do pedido.

No sentido por que optamos, Dário Moura Vicente[3], após notar que a Lei nº 62/2011 não estabelece qualquer limitação quanto aos fundamentos possíveis da contestação, escreve, lapidarmente, que estes “(…) são, assim, os mesmos que poderiam ser invocados perante tribunal estadual, se a este fosse submetido idêntico litígio. Nem poderia ser de outro modo, pois a sujeição de um litígio, ope legis, a arbitragem necessária não pode implicar uma restrição dos direitos de defesa que às partes competem quando tal litígio seja cometido à decisão dos tribunais do Estado.”

Rejeitando a hipótese de a competência dos tribunais arbitrais não comportar a possibilidade destes se pronunciarem sobre os meios de defesa onde os demandados ponham em causa, designadamente, a validade dos títulos de propriedade industrial em causa, fundamenta esta asserção, escrevendo:

Primeiro, pela flagrante injustiça que representaria a eventual condenação, por um tribunal arbitral necessário, do suposto infrator de um direito de propriedade industrial alheio cujo título fosse inválido.
Segundo, porque uma tal restrição dos meios de defesa concedidos aos demandados (…) seria incompatível com o princípio do contraditório, que exige que os factos alegados por uma das partes como causa de pedir ou como fundamento de uma exceção possam ser contraditados pela outra, por impugnação ou por exceção. (…). Princípio este que, constituindo uma das traves mestras do processo justo ou equitativo, que o art. 20º, nº 4 da Constituição garante, conduziria à inconstitucionalidade de qualquer interpretação da referida Lei que impedisse as demandadas de, na arbitragem obrigatória por ela instituída, se fazerem valer, em sede de contestação, da invalidade dos direitos de propriedade industrial invocados (…)
Terceiro, porque de outro modo se teria introduzido na ordem jurídica portuguesa (….), uma injustificada derrogação do princípio geral conforme o qual o tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa, consignado no art. 96º, nº 1 do Código de Processo Civil”[4]

O entendimento que vimos expondo, e que nos parece o mais acertado, não colide, a nosso ver, com a regra instituída no já acima citado e analisado art. 35º do CPI, que apenas reserva à competência do tribunal judicial a declaração, a título principal e com eficácia erga omnes, de nulidade ou a anulação dos direitos de propriedade industrial.

Já a invalidade do título que o demandado suscite a título incidental, por via de exceção, é matéria para a qual o tribunal arbitral tem competência, e a decisão que a reconheça como facto impeditivo dos efeitos jurídicos que o demandante visa alcançar com a ação, só vale, naturalmente, entre as partes.

A exclusão da «arbitrabilidade» da declaração de nulidade e da anulação de títulos de propriedade industrial decorrente do art. 35º do CPI, apenas vale, deste modo, para a sua apreciação a título principal e com efeitos erga omnes; não para uma pronúncia incidenter tantum.
Assim se conciliam a competência dos tribunais arbitrais necessários criados pela Lei nº 62/2011 – a qual se restringe à emanação de decisões com eficácia inter partes – com a observância dos direitos de defesa garantidos a estas pela Constituição.[5]

Em sentido idêntico, e com abundante fundamentação, se pronuncia J.P.F.R.M. no voto de vencido que elaborou no acórdão sob recurso.[6]

Conclui-se, pois, pela competência do Tribunal Arbitral para o conhecimento exceção perentória deduzida pelas demandadas.

Da impugnação da decisão proferida sobre os factos:

É matéria versada pelas apelantes nas suas conclusões C) a O) e a que as apeladas, demandantes, se referem nas conclusões r) a kk).
Pretende-se a alteração da decisão proferida sobre os pontos 5º, 6º, 7º, 9º, 11º, 12º, 14º, 16º e 17º do guião de prova.
Apreciemos sucessivamente, partindo da respetiva decisão e sua fundamentação, os elementos probatórios invocados pelas apelantes como fundamento do erro que atribuem à decisão quanto a cada um desses factos.

Da decisão proferida sobre o ponto 5º:
Tinha o seguinte teor:
Já em 1989, no campo das patentes referentes a fármacos psicoactivos, se indicava que os técnicos da arte poderiam facilmente obter formas de libertação controlada daquele tipo de fármacos, caso assim o pretendessem, sem qualquer necessidade de serem descritas ou ensinadas as técnicas para o efeito? (artigo 58º da contestação).”

Mereceu ao Tribunal a seguinte resposta restritiva – que originou o facto supra descrito como provado sob a alínea gg) -: “Provado apenas que na PT (…), junta à contestação como documento nº 4, cuja data de depósito é 8-8-1989, se refere, além do mais, que «as composições do invento podem, se desejado, ser formuladas para fornecer rápido, libertação continua ou retardada do ingrediente ativo após administração ao doente», sem serem nela descritas as técnicas para o efeito, com o esclarecimento de que esta patente não se refere à (…) mas a benzodiazepinas.”

E, em fundamentação do assim decidido, escreveu-se:
Documento nº 4 junto com a contestação.
Não foi produzida qualquer prova em sentido contrário, nem foi feita referência na prova testemunhal ou na PT (…) a qualquer outra patente de 1989 em que se indicasse o que se pergunta neste quesito.

Sustentam as recorrentes que este ponto, ao invés do decidido, deve ser julgado como integralmente provado.

E para fundar esta sua impugnação, depois de se insurgiram em termos genéricos, contra a alegada circunstância de o Tribunal recorrido ter formado a sua convicção sobre os factos, privilegiando o depoimento das testemunhas (técnicas) arroladas pelas demandantes, M. C. e M. L., em detrimento do depoimento prestado pelas testemunhas (técnicos) Prof. Doutor A. A. e Prof. Doutor A. R. por si arroladas, o único elemento probatório que, em concreto, invocam para demonstrar o suposto erro de julgamento existente na decisão sobre este facto é constituído por dois segmentos do depoimento testemunhal de A. A., com o teor que de seguida se enuncia.

Estando a ser perguntado sobre a matéria do ponto de facto em questão, disse, como salientam as recorrentes, que:

(…) o que eu lhe posso dizer com toda a segurança é que, por exemplo, aquilo que é um dos conhecimentos chaves nesta área e que é basicamente aquilo que nós chamamos a «equação de Higuchi» – a equação de «Higuchi» é a equação que diz basicamente que a velocidade de libertação do fármaco é diretamente proporcional à raiz quadrada do tempo. Isto para nós farmacêuticos da tecnologia é quase como o “teorema de Pitágoras” e, portanto, aluno nosso que no quarto ou quinto ano não saiba isso, não sabe nada. «Higuchi» foi um cientista, de origem japonesa, professor de uma Universidade Americana, que criou isto. E isto foi criado exactamente nos anos sessenta. A «equação de Higuchi» é de sessenta e três, sessenta e cinco, salvo erro. E era conhecimento adquirido nessa altura, obviamente, isto é dos anos sessenta.”.

Mais à frente, sendo-lhe perguntado se estudara pelo manual do Prof. Nogueira Prista e se este autor dedicava algum capítulo às fórmulas de libertação prolongada e às fórmulas retard, a mesma testemunha disse que a edição do manual de tecnologia farmacêutica de Nogueira Prista, datada de 1989, pela qual estudou, fala nos conceitos de libertação prolongada e dos medicamentos retard que, então, já existiam.

É manifesto, a nosso ver, que estas declarações, pelo seu conteúdo objetivo, nada permitem acrescentar àquilo que se julgou como provado.

A testemunha dá notícia da existência, desde os anos 63/65, da “equação de Higuchi”, segundo a qual a velocidade de libertação do fármaco é diretamente proporcional à raiz quadrada do tempo e, ainda, de que Nogueira Prista, no seu manual, datado de 1989, falava nos então já existentes conceitos de libertação prolongada e dos medicamentos retard.

Estas suas declarações apontam seguramente no sentido de que, desde antes de 1989, era já conhecida a técnica de libertação prolongada ou sustida de um medicamento, mas a testemunha não faz a mínima alusão a qualquer patente referente a fármaco psicoativo que, naquele ano, indicasse que os técnicos da arte poderiam facilmente obter formas de libertação controlada daquele tipo de fármacos, caso assim o pretendessem, sem qualquer necessidade de serem descritas ou ensinadas as técnicas para o efeito.

E era isto que as demandadas haviam alegado no art. 58º da sua contestação e se pretendia averiguar através do ponto 5º do guião de prova.

Daí que o elemento probatório invocado pelas apelantes seja manifestamente insuficiente para a formação de convicção diversa daquela que subjazeu à decisão proferida sobre este facto que, por isso, se mantém inalterada.

Sobre a decisão dada aos pontos 6º, 7º e 9º do guião de prova:

Passamos a transcrever o teor destes pontos de facto, a decisão que obtiveram do Tribunal “a quo” e a fundamentação respetiva.
Julgado como provado, o ponto 6º tinha o seguinte teor:
À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito da técnica não teria motivação para tentar obter uma formulação de libertação prolongada de (…)? (artigo 79.0 da resposta à contestação).

Foi julgado como provado com a seguinte fundamentação:
“Depoimentos das testemunhas M. C. e M. L., que aparentaram depor com isenção e com conhecimentos sobre a matéria deste quesito
Destes depoimentos resulta que só havia motivação para se chegar a uma libertação prolongada ou para se pensar em desenvolver uma formulação de. libertação prolongada de (…) se as suas características conhecidas através dos ensaios clínicos que estavam disponíveis na altura, apontassem no sentido da conveniência do desenvolvimento de uma libertação prolongada, designadamente, por exemplo, por a utilização de formas de libertação imediata provocarem picos plasmáticos altos com efeitos adversos demasiadamente elevados.
A substância caracterizada nas 20 reivindicações da patente, consiste, sinteticamente, numa composição farmacêutica de (…) de libertação prolongada na forma de comprimido, compreendendo um agente gelificante, conjuntamente com excipientes farmaceuticamente aceitáveis, destinada ao tratamento de doenças psicóticas ou hiperatividade.
Os estudos clínicos que estavam publicados à data da prioridade reivindicada pela EP (…), todos diziam que e (…) era um medicamento bem tolerado com libertação imediata, que tinha poucos efeitos adversos e os efeitos piramidais eram muito diminutos comparativamente com os fármacos comparadores, e portanto, não se justificava fazer uma libertação prolongada para diminuir os efeitos adversos.
Os estudos clínicos publicados à data da prioridade reivindicada. pela EP (…) indicavam que a (…) era um antipsicótico fraco, relativamente aos fármacos comparáveis, no sentido de que ocupava os recetores da dopamina em percentagem inferior e que era necessário no tratamento da esquizofrenia e por isso eram requeridas doses muito elevadas.
Nessa data, não havia no mercado nenhum antipsicótico de libertação prolongada. No que concerne à (…), o que existia era a forma farmacêutica de libertação imediata destinada ao tratamento da esquizofrenia (cuja patente foi pedida em 1986), mas este f´ármaco não estava ainda disponível no mercado à data da prioridade da PE (…) (1996), sendo utilizado apenas na realização de ensaios clínicos. A primeira AIM para o medicamento de referência "S. de libertação imediata foi concedida, em 1997, nos EUA, num momento posterior à data da prioridade da patente dos autos.
É de presumir que um formulador da indústria farmacêutica não iria pesquisar a libertação prolongada de uma substância ativa se não lhe dissessem que, do ponto de vista clinico, isso era necessário ou desejável e os estudos clínicos que eram do conhecimento dos peritos da técnica não apontavam nesse sentido, Um perito da técnica, não teria motivação específica para tentar obter uma formulação de libertação prolongada de (…), pois, por um lado, a formulação de (…) não se encontrava comercialmente disponível e até que a formulação de (…) de libertação imediata pudesse ser "testada" no mercado o perito não teria incentivo específico para procurar uma formulação de libertação prolongada, a qual é mais dispendiosa e difícil enquanto não houver experiência clinica prévia com a formulação de libertação imediata; por outro lado, os peritos na técnica tinham conhecimento de que a (…) era um antipsicótico fraco e que, por isso, consentia doses diárias elevadas e sabiam que a (…) produzia uma tão reduzida ocupação ao nível do recetor D2, que .conduzia os mesmos peritos a procurarem doses mais elevadas; um perito na técnica sabia ainda que a eficácia de um tratamento rápido era requerido no tratamento de crises agudas de esquizofrenia sendo, por isso, necessárias doses muita elevadas e que a adesão do doente à terapêutica não se alterava com a torna de duas vezes por dia ou de uma vez por dia.
A falta de motivação específica, dada a existência de alternativa terapêutica mais acessível, com recurso a novos parâmetros quantitativos de (…) de libertação imediata, implica que o perito não teria chegado, direta, linear e logicamente, à solução terapêutica reivindicada..
O desenvolvimento da formulação de libertação prolongada de (…), nestas circunstâncias, não se pode dizer que resultou de uma maneira evidente do estado da técnica - O perito, face ao teste would/could, não teria chegado (would) em condições normais a essa solução.
O facto de a tecnologia de formulação de libertação prolongada (ou controlada) para prolongar substâncias ativas, ser conhecida desde os anos 70 do século passado, não significa que exista uma fórmula universal eficaz de aplicação dessa formulação a qualquer molécula farmacêutica. Cada "molécula" representa um problema técnico autónomo, a carecer de investigação adequada, específica e não rotineira ou genérica.
No que concerne ao estudo de Gefvert referido no documento n.° 7 junto pelas Demandadas na audiência de produção de prova e na documento nº 4 junto pelas Demandantes com a resposta às exceções, trata-se de um resumo de um estudo clinico desacompanhado que em nenhum ponto faz referência à conveniência de administração de um dose diária de libertação prolongada, pelo que não pode com base nele concluir-se que os peritos da técnica teriam, com os dados nele fornecidos, ser motivados para uma formulação deste tipo. No contexto desse estudo, o regime de dosagem conveniente para conseguir a adesão dos doentes de esquizofrenia à terapêutica seria as duas doses diárias, como se conclui de ser nesse sentido o estudo que se refere na parte final desse documento estar a ser efetuado, o que está em sintonia com o estudo de Greenberg, referido pelas testemunhas M. C. e M. L. e junto pelas Demandantes como documento 6 com a resposta à contestação, em que se concluiu que tal adesão de doentes à terapêutica não é significativamente diferente com urna ou duas tomas diárias (73% e 70%,  respetivamente).

O ponto 7º, também ele julgado como provado, tinha o seguinte conteúdo:
“À data da prioridade reivindicada na EP (…), a formulação de (…) não se encontrava comercialmente disponível e até que a formulação de (…) de libertação imediata pudesse ser evidenciada num contexto comercial não havia incentivo para procurar qualquer formulação diferente, incluindo uma formulação de libertação prolongada? (artigos 79º e 80º da resposta à contestação)

Em fundamentação desta decisão escreveu-se:
Depoimentos das testemunhas M. C. e M. L., que aparentaram depor com isenção e cem conhecimentos sobre a matéria deste quesito.
Remete-se para a fundamentação da resposta ao quesito 6º.”

O ponto 9º, julgado também como provado, tinha a seguinte redação:
À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito na técnica sabia que a (…) produzia urna tão reduzida ocupação ao nível do recetor B2, que não faria prever uma atividade antipsicótico previsível, conduzindo o mesmo perito a procurar doses mais elevadas? (artigos 79,° e 83.° da resposta à contestação).

E fundamentou-se a decisão do seguinte modo: “Depoimentos das testemunhas M. C. e M. L., que aparentaram depor com isenção e com conhecimentos sobre a matéria deste quesito.
Remete-se para a fundamentação da resposta ao quesito 6.”

Sustentam as apelantes que estes factos devem ser julgados como não provados, socorrendo-se, para tanto, do depoimento da testemunha A. A. que, segundo dizem, deve ser considerado o técnico referencial dada a profundidade com que falou sobre as matérias em causa.
Nas passagens do seu depoimento, destacadas pelas recorrentes, esta testemunha, quando lhe foi perguntada diretamente a matéria do ponto 6º da base instrutória, declarou,:

(…) se se trata de um fármaco com as caraterísticas que este tem, para a utilização que este tem, a forma de libertação prolongada e se isto é utilizado, por exemplo, em tratamentos crónicos, em princípio sim.

E tal como salientam as apelantes, a mesma testemunha, quando questionada sobre se as características e/ou propriedades da “(…)”, conhecidas à data da prioridade reivindicada, tornavam este princípio ativo num mau ou péssimo candidato a ser incorporado numa formulação de libertação controlada, afirmou:

Não. Vamos lá ver uma coisa, a “(…)”, hoje e à data é um fármaco de classificação bio farmacêutica 2, ou seja, é um fármaco pouco solúvel e um fármaco permeável. O que quer dizer que, de acordo com o sistema de classificação biogalénico, a “(…)” é um fármaco interessante para formulação em sistema de libertação prolongado.
Porque (…) vamos lá ver uma coisa, ela é pouco solúvel. Então e se é muito permeável o que se dissolve é absorvido. E se o que se dissolve é absorvido, então é a forma farmacêutica que vai controlando essa libertação e aquilo que vai saindo da matriz vai sendo absorvido pelo intestino. É exactamente uma das coisas que ao formulador farmacêutico dá algum prazer, porque lhe dá o controlo daquilo que o medicamento vai fazer. Isto é interessante porque já em mil novecentos e noventa e dois saiu um livro chamado «Drug Delivery Systems», em que há um professor de nome «Yie Chien» que classifica estes sistemas (e as classificações valem o que valem), mas ele de modo bastante inteligente classifica estes sistemas em várias gerações. E a classificação, apesar do avanço da ciência tem prevalecido, porque ele não diz que “A” é diferente de “B”. Não, ele diz que “A” evoluiu de “B” e “A” que evolui para “C”, que evolui para “D” e assim sucessivamente. Ele apresenta quatro gerações que se vão mantendo.
Este tipo de formulações que nós estamos aqui a falar agora, das matrizes, estão exactamente na primeira geração. Ele coloca as matrizes na primeira geração. As tais que depois vão ser regidas e agora muito grosso modo, obviamente, pela tal equação de «Higuchi», a quantidade de libertação do fármaco é directamente proporcional à raiz quadrada do tempo. Porquê? Porque nós não vemos aqui a concentração do fármaco e aí é que está o interessante da questão. Porque quando o fármaco se governa a si próprio são as suas características físico-químicas na maioria dos casos, o seu coeficiente de partilha, etc. a governar-se a si próprio e ele é que, são as suas características que vão levar a um determinado destino, digamos assim, é o formulador que tem interesse em limitar.”

Ainda tendo em vista a demonstração do erro do julgamento que terá sido cometido na resposta dadas aos pontos de facto em referência, as apelantes destacam passagens do depoimento da mesma testemunha, em que esta, quando confrontada com a questão de saber se a dependência da solubilidade da “(…)” com o pH constituiria ou não um fator de afastamento do perito na especialidade pela busca de uma forma de libertação prolongada de “(…)”, respondeu:

Não creio. E vou-lhe dizer porquê. Porque a “(…)” é uma base fraca, é solúvel a pH ácido, a pH ácido ela é mais solúvel e em água ela é pouco solúvel. E a (…), por acaso, há um estudo interessante de dois mil e dez mas que, que foca a “(…)”, mas as características físico-químicas da “….” não nasceram em dois mil e dez, nasceram quando a molécula foi sintetizada, foi criada. A “…”, a sua solubilidade diminui à medida que o pH sobe, portanto, a “…” é pouco solúvel. Abaixo de seis, a solubilidade da “…” vai subindo e mais ou menos até chegar ao pH, mais ou menos, um, dois, ou seja, estamos nas condições do estômago, do pH gástrico, que é bastante ácido, ou seja, ela vem de uma molécula solúvel, mas no sítio onde ela vai ser absorvida onde este medicamento vai libertar o fármaco ela é menos solúvel. Ela é pouco solúvel de acordo com a classificação farmacopeia. Portanto, a farmacopeia classifica-a como uma molécula pouco solúvel. Agora, nós numa formulação, nós não, quem fez esta formulação e numa formulação deste tipo, uma matriz hidrófila de pH de funcionamento por intumescimento ou dilatação, isto é um caso de libertação prolongada, em que, pelo menos em teoria, não é pretendido que o conteúdo da formulação seja todo libertado no compartimento gástrico. Senão não precisávamos, se quiséssemos que isso acontecesse, não precisávamos de libertação prolongada nenhuma. Portanto, este comprimido vai passar ao intestino e liberta no intestino de modo lento, O.K.? Aliás, se nós quisermos acelerar a libertação deste fármaco, dentro de uma matriz dessas bastava baixar-lhe o pH dentro da matriz, pôr qualquer coisa que lhe baixasse o pH para ele sair mais depressa. E, portanto, não é isso que acontece.

Prosseguem as apelantes salientando que, sobre os supostos obstáculos ao sucesso na obtenção de uma formulação de libertação prolongada para a “…” emergentes da variação do pH, este técnico disse:

O controlo do pH em formulações farmacêuticas não é facto novo, porque, em última análise, queremos, até num simples colírio (para um problema qualquer para uma conjuntivite), ter o pH controlado, porque não pode ser diferente do pH do líquido lacrimal. E, portanto, em farmácia, aqui não há nada de novo. Portanto, o controlo do pH em formulações farmacêuticas é uma coisa conhecida e não é de agora.”.

E diretamente questionado sobre se a variação da solubilidade da “…” com o pH representaria um obstáculo ao desenvolvimento de uma forma de libertação prolongada, respondeu:
Não.”

Perguntado ainda sobre se pode afirmar-se de um modo geral que a solubilidade dos fármacos varia sempre com o pH, acrescentou:
(…) se forem electrólitos, sim. Se forem electrólitos, sim.”.

Sendo-lhe perguntado se “(…) face à sua experiência e daquilo que leu sobre a “…”, a variação do pH, da solubilidade do pH da “…” é das maiores que já viu? Ou existem fármacos com uma variação muito maior de pH?”, respondeu:

Existem fármacos com variações de solubilidade ao longo da escala de pH superiores aos da “…”.

Não pondo em causa, naturalmente, o interesse e a erudição destas declarações, o certo é que as mesmas, salvo as proferidas em resposta à pergunta que diretamente lhe foi feita sobre o facto perguntado no quesito 6º, sendo cabalmente esclarecedoras sobre caraterísticas da (…), como a solubilidade e o pH, nada de concreto permitem concluir quanto ao objeto dos pontos de facto que as apelantes consideram incorretamente julgados.

É que nos pontos 6º e 7º o que está em causa é saber se na data neles referida, para um perito da técnica haveria ou não motivação para obter uma formulação de libertação prolongada de (…).

Para além deste depoimento testemunhal, as apelantes invocam ainda, como elementos probatórios que imporão decisão diversa da adotada:

- passagem do relatório técnico elaborado pelo Dr. Peter Rue, cientista formulador, junto aos autos a fls. 1121 e segs., no qual este afirma, segundo tradução livre, que: “o uso de excipientes modificadores de pH, como o citrato de sódio, era uma prática estabelecida em 1996” e «o citrato de sódio é um excipiente padrão e o seu uso como modificador de pH é também padrão no caso dessa necessidade surgir”.

- passagem do relatório técnico elaborado pelo Professor Paul J. Harrison (médico psiquiatra), junto aos autos a fls. 1084 e segs., [1.º relatório, parágrafo 62], onde é afirmado que: “uma dose diária teria sido, e continua a ser, mais desejável do que duas ou mais vezes por dia».
- passagem de estudo elaborado por O. Gefvert e Outros, junto aos autos, segundo a qual e em tradução livre: “Dada a importância da adesão à medicação na esquizofrenia, um regime de dose mais conveniente seria benéfico.”

As apeladas, por seu turno, em sustentação do acerto da decisão proferida, destacam segmentos do depoimento prestado pelas testemunhas por si arroladas, M. C. e M. L., que transcrevem, e cujo conteúdo é o extratado, em súmula, pelo Tribunal Arbitral na fundamentação – acima transcrita e para a qual se remete – da decisão que adotou sobre os factos em causa.

Tendo em mente, mais uma vez, o objeto dos pontos em análise, é forçoso concluir, em face do conteúdo objetivo, tanto do depoimento da testemunha A. A., como das afirmações constantes dos citados relatórios e estudo, que tais elementos probatórios – mesmo combinados entre si – não são, de modo algum, bastantes para infirmar a convicção justificadamente adquirida pelo Tribunal Arbitral com base nos elementos de prova que indicou, entre os quais os depoimentos prestados pelas testemunhas M. C. e M. L. – que as apeladas destacam -, cuja razão de ciência[7] e credibilidade não vêm postas em causa, nem nos autos se descortinam razões que as possam abalar.

Aliás, quanto à afirmação constante do estudo de Gefvert, reiteramos aqui o que a seu propósito escreveu o tribunal arbitral na fundamentação da decisão de facto, supra transcrita.
Em face do exposto, é de manter a decisão proferida sobre os pontos 6º, 7º e 9º do guião de prova.

Da decisão proferida sobre o ponto11º:

Este facto, julgado como provado, tinha o seguinte teor:
“À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito na técnica não estava preocupado com a adesão do doente à terapêutica ou com os efeitos secundários associados à (…), designadamente porque se entendia que a adesão do doente à terapêutica não se alterava com a toma de duas vezes por dia ou de uma vez por dia? (artigo 85.° da resposta à contestação).

E o julgamento assim emitido teve a seguinte fundamentação:
Depoimento da testemunha M. L., com as competências profissionais referida na resposta ao quesito 1.°, que aparentou depor com isenção e com conhecimentos sobre a matéria deste quesito.
Remete-se para a fundamentação da resposta ao quesito 6.

Defendem as recorrentes que o tribunal errou e que, se tivesse atendido aos relatórios técnicos da autoria do Dr. Peter Rue e do Professor Paul J. Harrison, junto aos autos no local supra referenciado, teria julgado este facto como não provado.

Isto porque, referem as recorrentes, Peter Rue, técnico formulador, “alude amiúde ao conhecimento geral comum sobre a adesão do doente à terapêutica e sobretudo ao facto de esta constituir uma preocupação do formulador”(sic) e Paul J. Harrison afirma “que uma dose diária teria sido e continua a ser mais desejável do que duas ou mais vezes por dia” (sic).

Por seu lado, as demandadas socorrem-se, transcrevendo, de passagens dos depoimentos das duas testemunhas por si arroladas, entre as quais aquela em cujas declarações especialmente se fundou a convicção do tribunal arbitral, cujo conteúdo, absolutamente conforme à síntese que dele se faz na fundamentação da decisão de facto exarada no acórdão recorrido, se mostra absolutamente idóneo para a formação da convicção que esteve na base da decisão emitida.
 
Não se vê que o facto de a terapêutica ser - como é natural - uma preocupação do formulador possa beliscar o acerto da convicção formada, já que esta, sem negar ou sequer contrariar essa realidade, levou a que se consagrasse como verdadeiro que, nas circunstâncias e pelos motivos concretamente descritos na resposta dada ao ponto 11º, um perito na técnica não estava preocupado com a adesão do doente à terapêutica. A preocupação que se julga não existir tem por objeto a adesão do doente à terapêutica, e não, a terapêutica em si.

Também a afirmação, proferida pelo citado Professor, de que era e é mais desejável uma, a duas ou mais, doses diárias, em nada contraria e decisão que, reportando-se à alterabilidade da adesão do doente à terapêutica, julga provado que então se entendia que essa adesão não mudava consoante a toma ocorresse duas ou uma vez por dia.

Sendo os invocados elementos manifestamente insuficientes para porem em causa o acerto do julgamento emitido sobre o ponto 11º, sem necessidade de outras considerações, é de manter a decisão sobre ele proferida.

Embora peçam, nomeadamente na conclusão K), a alteração da decisão proferida sobre o ponto 12º do guião de prova, as apelantes não versam a questão em termos concretos, nem nas conclusões, nem na parte arrazoada das suas alegações, omitindo toda e qualquer referência a elementos de prova que pudessem concorrer para evidenciar o erro de julgamento cometido.

Por isso, rejeita-se o recurso nesta parte – art. 685º-B, nº 1, b) do CPC de 1961 (o então vigente), correspondente ao atual art. 640º, nº 1, b) do CPC de 1013.

Da decisão proferida sobre os pontos 14º:

O ponto 14º tinha o seguinte teor: “ A patente US (…) refere-se à adição de Methocel 6o HG 4,00 cps ao ácido nicotínico (a vitamina B3), não podendo servir de ensinamento para a forma de libertação prolongada da (…)? (artigo 126.° da resposta à contestação);
Teve a seguinte resposta: “Provado apenas que a patente US (…) refere-se à adição de Methocel 60 HG 4,00 cps ao ácido nicotínico (a vitamina B3).
E em fundamentação do assim decidido escreveu-se: “Documento n.° 3 junto com a contestação.
A parte restante do quesito tem natureza conclusiva.

Como no próprio quesito se referencia, trata-se de matéria que fora alegada pelas demandantes na sua resposta à contestação e que é, naturalmente, favorável à sua tese.

A resposta que lhe foi dada ateve-se ao que de factual nele se continha, julgando-o como provado, omitindo-se pronúncia sobre o juízo de valor que igualmente o compunha.

Seguramente por lapso, as apelantes sustentam na conclusão M) que deve “considerar-se como incondicionalmente provado o facto levado ao quesito 14º da base instrutória, ou seja, que «A patente US (…) refere-se à adição de Methocel 6o HG 4,00 cps ao ácido nicotínico (a vitamina B3), não podendo servir de ensinamento para a forma de libertação prolongada da (…)»”, isto apesar de, como fundamento do erro de julgamento que atribuem à decisão, invocarem o depoimento da testemunha Prof. Doutor A. A., segundo o qual a patente em causa servia de ensinamento para o desenvolvimento de uma formulação de libertação prolongada para a (…).

Pretenderiam as apelantes defender, ao invés do que exprimiram, que a decisão acertada, por consentânea com o dito depoimento, seria julgar como provado que a dita patente servia de ensinamento para o desenvolvimento de uma formulação de libertação prolongada para a (…), o que constitui o facto contrário ao que fora alegado e constava deste ponto do guião de prova – nele perguntava-se se não servia de ensinamento (…).

Sempre se dirá, sem entrar no respetivo mérito, que uma tal decisão não seria legítima, na medida em que extravasaria o conteúdo do quesito, consagrando como verdadeira matéria de facto de que o tribunal não podia conhecer por não ter sido alegada.

O certo é, porém, que a matéria sobre a qual o Tribunal Arbitral se não pronunciou, respondendo positiva, mas restritivamente ao quesito, é um juízo de valor que não pode ser, como não foi, nesta sede – a do julgamento da matéria de facto – objeto de decisão.
Mantém-se, por isso, a decisão proferida sobre este ponto.

Da decisão proferida sobre o ponto 16º:

Era do seguinte teor este ponto de facto:
“As companhias referidas no quesito anterior disponibilizam no mercado determinados excipientes que apresentam determinadas características físico- químicas melhoradas, características essas que têm já em vista uma determinada utilização-alvo,  permitindo desse modo que as empresas farmacêuticas (ou mesmo do ramo alimentar) apliquem os resultados dessas modificações em seu beneficio, bastando para tal efetuar mero trabalho de experimentação? (artigo 77º  da contestação)”.

Foi decidido assim: “Provado apenas que as companhias referidas no quesito anterior disponibilizam no mercado determinados excipientes que apresentam determinadas características físico-químicas melhoradas, características essas que têm já em vista urna determinada utilização-alvo, permitindo desse modo que as empresas farmacêuticas apliquem os resultados dessas modificações em seu beneficio, com o esclarecimento de: que a disponibilidade referida já existia em 31-5-1996.

E com base na seguinte fundamentação: “Depoimento da testemunha A. A., que aparentou depor com isenção e com conhecimentos sobre a matéria deste quesito, não se tendo produzido qualquer prova em sentido contrário,
A última parte do quesito tem natureza conclusiva.”

Pugnando por que se julgue como provada toda a matéria do ponto em causa, as apelantes apontam como elemento de prova que conduzirá a essa decisão exatamente o elemento probatório que determinou a convicção do tribunal arbitral quanto àquilo que julgou como provado, de cujo âmbito excluiu os dizeres bastando para tal efetuar mero trabalho de experimentação, por lhes ter atribuído natureza conclusiva.

Vejamos, então.

A passagem do depoimento do Prof. Doutor A. A., destacado pelas recorrentes, constituindo a sua resposta à questão de saber se o facto de as empresas farmacêuticas fazerem uso de excipientes desenvolvidos por companhias terceiras constitui um bom ponto de partida, tem o seguinte conteúdo:

“Constitui um excelente ponto de partida, tal como os catálogos, a informação dos fornecedores, a informação técnica que acompanha os excipientes, sejam eles quais forem em formulação e hoje em dia os excipientes são cada vez mais e mais interessantes, mais polifacetados porque - só para fazer um parêntesis, nós todos nascemos, com exceção aqui de alguns jovens que aqui estão presentes, no tempo em que o excipiente era apenas o veículo. O excipiente era o veículo. Entra mudo e sai calado, como eu costumo dizer. Neste momento não é. - o excipiente é cada vez menos um veículo. O excipiente, por exemplo, como um que estamos a falar nas celuloses e nas matrizes, a partir do momento em que isto acontece o excipiente condiciona o desempenho do medicamento, o desempenho que o doente vai beneficiar depende também do excipiente e não só da molécula terapeuticamente ativa. Então, toda a informação tecnológica que nos permita otimizar, que nos permita utilizar nas melhores condições determinados excipientes e essa, sim, é-nos fornecida pelas fábricas, pelos produtores dos próprios excipientes que os estudam e que os estudam muitas vezes é para nos venderem - a nós que estamos na academia nem tanto, mas para a indústria farmacêutica que são os clientes deles e que lhes, e que lhes pagam para isso, obviamente há uma investigação deles próprios subjacente a estes produtos e essa informação eles têm-na, eles disponibilizam-na, eles fornecem-na. E, portanto, uma linha de excipientes Methocel, por exemplo, e já que estamos nas celuloses, com vários graus de viscosidade, etc. isto é importantíssimo.”.

Isto revela que a testemunha, assinalando a importância crescente dos excipientes, de hoje em dia já não meros veículos, mas condicionadores do desempenho do medicamento, não faz a mínima alusão à natureza ou complexidade do trabalho que as empresas farmacêuticas terão de desenvolver para aproveitar, aplicando em seu benefício, os resultados das modificações operadas por eles.

Assim, seja ou não conclusivo o conteúdo daqueles dizeres, o certo é que o depoimento testemunhal em causa lhe não dá arrimo.

Por isso, também quanto a este ponto da decisão não pode dar-se razão às recorrentes, mantendo-se a decisão sobre ele proferida.

Da decisão proferida sobre o ponto 17º:

Este facto tinha a seguinte redação: “Já em Outubro de 1979 encontramos referência, na preparação de composições de libertação prolongada, à utilização de um agente que gelifique, nomeadamente à hidroxipropilmetilcelulose? (artigos 67º e 68º da contestação).
Obteve a decisão de: “Provado o que consta da alínea z) dos factos assentes. “, com a seguinte fundamentação: “Documento nº 2 junto com a contestação.”

Ou seja, e relembrando o que consta da alínea z), foi julgado como provado que: No livro "Técnica Farmacêutica e Farmácia Galénica", 2ª.a edição de 1979, que constitui um manual para estudo dos estudantes do curso de farmácia, os professores L.  Nogueira Prista, A. Correia Alves e Rui Morgado, no vol. III, a página 2454, descrevem e ensinam "O processo de fabricação de comprimidos de acção prolongada que uliliza matrizes hidrófilas consiste na mistura do princípio activo com um agente que gelifique com elevada viscosidade, seguida da obtenção da forma farmacêutica por compressão directa ou após granulação a seco ou a húmido. Quando em contacto com os líquidos digestivos, as macro moléculas hidratam-se e dão origem a uma barreira gelificada, física, que permite regular a velocidade de libertação do fármaco. Entre as substâncias que se usam para estas preparações citamos a metil, a carboximetil, a hidroxietil e a hidroxipropiltnetilcelulose, o carbopol e os alginatos. As matrizes hidrófilas apresentam várias vantagens, como a simplicidade e rapidez de preparação, o baixo custo, a possibilidade de incorporarem quantidades apreciáveis de princípio medicamentosos, a libertação pouco influenciada pelos agentes externos (pH, movimentos peristálticos e composição enzimática dos sucos digestivos) e a possibilidade diferentes condições de cedência, uma vez que pode alterar o pH da própria matriz". (documento n.° 2, junto com a contestação, cujo teor se dá como reproduzido);
Também aqui as recorrentes atribuem erro de julgamento à decisão, defendendo que, ao invés do decidido, se deve julgar como provado o que constava do quesito.

Salvo o devido respeito, não se entende a posição que assumem.

É que o ponto 17º do guião de prova é expressão exata do que haviam alegado, em termos genéricos, no art. 69º da contestação, alegação que logo acompanharam da seguinte remissão “(PRISTA, IN Técnica Farmacêutica e Farmácia Galénica, Vol. II, 2ª edição, página 2454), conforme já referido supra

Vale por dizer que a referência por elas anunciada à utilização de um agente que gelifique, nomeadamente à hidroxipropilmetilcelulose, na preparação de composição de libertação prolongada, é a constante daquela obra, a fls. 2454.

Ora, o que se julga como provado – já considerado assente em z) – é o que nessa obra, concretamente a fls. 2454, se escreve. Assim se concretiza, dando-lhe conteúdo factual, a alusão genérica, feita pelas apelantes no citado artigo da sua contestação.

Não tem, pois, fundamento a crítica que vem feita à decisão neste ponto, pelo que a mesma é de manter.

Os factos a considerar são, assim, os julgados como provados em 1ª instância e acima transcritos.

Da suscitada invalidade da patente:

Reconhecida que foi a negada competência do tribunal arbitral para conhecer da exceção da nulidade da patente deduzida pelas demandadas, importa conhecer do seu mérito – art. 665º, nº 2 do CPC de 2013 correspondente ao art. 715º, nº 2 do CPC de 61 -, matéria que naturalmente ficou fora do âmbito do julgamento emitido no acórdão recorrido, mas sobre a qual ambas as partes se pronunciaram já, sendo a mesma objeto deste recurso.

É problemática tratada pelas apelantes nas conclusões P) a FF) e que as apeladas versam conjuntamente com a matéria atinente ao recurso sobre a matéria de facto, nomeadamente nas conclusões x), y), z), aa) a dd).

Importa começar por referir que, nos termos do art. 4º, nº 2 do Código da Propriedade Industrial (CPI), “(…) a concessão de direitos  de propriedade industrial implica mera presunção jurídica dos requisitos da sua concessão.”

Vale por dizer que, uma vez concedida a patente de invenção europeia nº 0 907 364, que está na base dos pedidos formulados nesta ação, presume-se – “juris tantum” –, a verificação dos requisitos para tanto exigidos pelo nº 1 do art. 51º do CPI [8] – diploma a que respeitam as normas doravante referidas sem menção de diferente proveniência – [9], ou seja, que o seu objeto, para além de ser uma invenção nova, implicou atividade inventiva.
Tal presunção, de que beneficia a titular da patente, sendo “juris tantum”, pode ser ilidida mediante prova em contrário – art. 350º do C. Civil – por quem nisso esteja interessado, no caso, as demandadas, ora apelantes.

Numa outra perspetiva, mas no mesmo trilho, sendo a nulidade da patente matéria de exceção, sobre as apelantes, que a invocaram, impendia o ónus de demonstrar os factos passíveis de a enquadrar - nº 2 do art. 342º do C. Civil.

A nulidade que as recorrentes atribuem à patente – ao abrigo do disposto no art. 113º, a) -[10], é por elas radicada, em sede deste recurso, na alegada circunstância de a formulação patenteada carecer de atividade inventiva[11] – conclusões P) e HH) -, essencialmente fundadas na afirmação de factos e juízos de valor que expõem nas conclusões T), U), V), W) X), Y), Z), AA), BB), CC), DD), EE) e FF), uns e outros sem suporte nos factos provados, únicos de que podemos socorrer-nos.

Vejamos.

A atividade inventiva exigida no citado art. 56º, nº 1 que, estando em falta, determinará a nulidade da patente que, não obstante isso, tenha sido concedida, é definida no seguintes termos pelo nº 2 do art. 55º: “Considera-se que uma invenção implica actividade inventiva se, para um perito da especialidade, não resultar de uma maneira evidente do estado da técnica.”; isto depois de nº 1 se estabelecer que uma invenção é nova “quando não está compreendida no estado da técnica.”

Por seu turno, o estado da técnica, segundo o nº 1 do art. 56º “(…) é constituído por tudo o que, dentro ou fora do País, foi tornado acessível ao público antes da data do pedido de patente, por descrição, utilização ou qualquer outro meio.
Considerando-se igualmente “(…) como compreendido no estado da técnica o conteúdo dos pedidos de patentes e de modelos de utilidade requeridos em data anterior à do pedido de patente, para produzir efeitos em Portugal e ainda não publicados.” – nº 2 do mesmo preceito.

O suporte da tese das apelantes estaria – como estas reconhecem - na alteração da decisão proferida sobre os factos nos termos por elas pretendidos em sede do recurso que para tanto interpuseram, mas este, como acima se viu, improcedeu na sua totalidade.

Pelo seu especial relevo neste campo, relembremos, de entre os factos provados, os seguintes:

z) No livro "Técnica Farmacêutica e Farmácia Galénica", 2ª.a edição de 1979, que constitui um manual para estudo dos estudantes do curso de farmácia, os professores L. Nogueira Prista, A. Correia Alves e Rui Morgado, no vol. III, a página 2454, descrevem e ensinam "O processo de fabricação de comprimidos de acção prolongada que uliliza matrizes hidrófilas consiste na mistura do princípio activo com um agente que gelifique com elevada viscosidade, seguida da obtenção da forma farmacêutica por compressão directa ou após granulação a seco ou a húmido. Quando em contacto com os líquidos digestivos, as macro moléculas hidratam-se e dão origem a uma barreira gelificada, física, que permite regular a velocidade de libertação do fármaco. Entre as substâncias que se usam para estas preparações citamos a metil, a carboximetil, a hidroxietil e a hidroxipropiltnetilcelulose, o carbopol e os alginatos. As matrizes hidrófilas apresentam várias vantagens, como a simplicidade e rapidez de preparação, o baixo custo, a possibilidade de incorporarem quantidades apreciáveis de princípio medicamentosos, a libertação pouco influenciada pelos agentes externos (pH, movimentos peristálticos e composição enzimática dos sucos digestivos) e a possibilidade diferentes condições de cedêncía, uma vez que pode alterar o pH da própria matriz". (documento n.° 2, junto com a contestação, cujo teor se dá como reproduzido);

dd) A tecnologia que permite a utilização das formas "retard" para os medicamentos de uso humano, particularmente cápsulas ou comprimidos já em 1979 era matéria de estudo para os alunos das licenciaturas em ciências farmacêuticas nas faculdades de farmácia portuguesas e até à data de prioridade reivindicada na EP (…), que é 31-5-1996, não havia sido divulgada técnica de libertação prolongada aplicada à substância ativa (…);

ee) De entre os vários modos de obtenção de formas farmacêuticas de libertação prolongada ou controlada (igualmente designada como sustentada), a utilização de matrizes hidrófilas que dilatam e gelificam na presença de fluídos aquosos, particularmente os fluidos gastrointestinais, foi divulgada em 1962 através da US 3,065,143 — "Sustained Release Tablet", em que não há qualquer referência à substância ativa (…);

ff) Desde a década de 1960, pelo menos nos Estados Unidos da América era conhecido que se podia obter formas de libertação prolongada usando matrizes hidrófilas e muito particularmente matrizes hidrófilas a base de hidroxipropilmetilcelulose, mas até à data de prioridade reivindicada na EP (…), que é 31-5-1996, não havia sido divulgada técnica de libertação prolongada aplicada à substância ativa (…);

hh) À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito da técnica não teria motivação para tentar obter uma formulação da libertação prolongada de (…); [12]

ii) À data da prioridade reivindicada na EP (…), a formulação de (…) não se encontrava comercialmente disponível e até que a formulação de (…) de libertação imediata pudesse ser evidenciada num contexto comercial não havia incentivo para procurar qualquer formulação diferente, incluindo uma formulação de libertação prolongada; [13]

jj) À data da prioridade reivindicada na EP (…), os peritos na técnica tinham conhecimento de que a (…) era um antipsicótico fraco e que por isso requeria ser utilizado com doses diárias elevadas;

kk) À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito na técnica sabia que a (…) produzia uma tão reduzida ocupação ao nível do recetor D2, que não faria prever uma atividade antipsicótica previsível, conduzindo o mesmo perito a procurar doses mais elevadas; [14]

ll) À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito na técnica sabia que a eficácia de um tratamento rápido era requerido no tratamento da esquizofrenia e por isso eram requeridas doses muito elevadas;

mm) À data da prioridade reivindicada na EP (…), um perito na técnica não estava preocupado com a adesão do doente à terapêutica ou com os efeitos secundários associados à (…), designadamente porque se entendia que a adesão do doente à terapêutica não se alterava com a toma de duas vezes por dia ou de uma vez por dia;[15]

nn) Os efeitos secundários da (…) descritos eram reduzidos e, portanto, o perito na técnica não estava motivado, à data da prioridade reivindicada na EP (…), para desenvolver uma formulação de libertação prolongada de (…) com vista a reduzir efeitos secundários;[16]

qq) Há companhias que investigam e comercializam excipientes, tal como a hidroxipropilmetil celuloses e a hidroxipropilcelulose;

rr) As companhias referidas no quesito anterior disponibilizam no mercado determinados excipientes que apresentam determinadas características físico-químicos melhoradas, características essas que têm já em vista uma determinada utilização-alvo, permitindo desse modo que as empresas farmacêuticas apliquem os resultados dessas modificações em seu beneficio, com o esclarecimento de que a disponibilidade referida já existia em 31-5-1996;[17]

Deste acervo factual resulta, em resumo nosso, o seguinte:

- Na data da prioridade reivindicada na EP (…), o estado da técnica revelava já o conhecimento do processo de fabricação de comprimidos de ação prolongada ou retard, com utilização de matrizes hidrófilas e que consiste “na mistura do princípio activo com um agente que gelifique com elevada viscosidade, seguida da obtenção da forma farmacêutica por compressão directa ou após granulação a seco ou a húmido”, mas até então (31-5-1996) não havia sido divulgada técnica de libertação prolongada aplicada à substância ativa (…) - factos z), dd), ee) e ff);
- Na mesma data, um perito da técnica não teria motivação para tentar obter uma formulação de libertação prolongada de (…) pelos motivos expostos ao longo dos factos hh) a nn).
- Os factos julgados como provados, nomeadamente os descritos em qq) e rr), não permitem extrair a conclusão exposta pelas apelantes em U).
Em suma, é facto indesmentível que, na data da prioridade reivindicada na EP (…), o estado da técnica há muito incluía um processo de fabricação de medicamentos de libertação prolongada, mas tal processo não se aplicava à substância ativa (…), sendo que a sua formulação de libertação imediata, à data, não se encontrava sequer comercialmente disponível – facto ii).
Não podendo afirma-se, à míngua de factos provados, que um perito na especialidade devesse, a partir desse conhecido processo de fabricação, ter deduzido de uma maneira evidente – como coisa óbvia – a formulação de uma libertação prolongada da substância ativa (…) – solução terapêutica reivindicada -, tanto mais que, pelas razões apuradas, não sentia nem necessidade nem motivação para tal, não pode concluir-se pela inexistência de atividade inventiva. E o ónus de demonstração de factos que pudessem caraterizar essa alegada inexistência cabia, como se disse já, às apelantes.
Sem isso, não pode concluir-se, em sede de exceção, pela invalidade da patente, nesta parte improcedendo o recurso das apelantes, do que resulta ser de manter a decisão de mérito emitida no acórdão recorrido.

IV – Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente, nos termos expostos, mantendo-se, porém, a decisão de mérito emitida no acórdão recorrido.
Custas a cargo das apelantes.

Lxa. 13.01.2015 (baixa da relatora, devido a intervenção cirúrgica entre 2.07 e 30.08, seguida do gozo de férias entre 1.09 e 14.10)

(Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho)
(Maria Amélia Ribeiro)
(Graça Amaral)

[1] Entendimento que hoje não tem o menor substrato, dadas as alterações introduzidas pela Lei que vimos citando aos arts. 19º, nº 8  e 25º, nº 2 do Dec. Lei nº 176/2006, de 30 de Agosto. 
[2] O denominado Estatuto do Medicamento
[3] Em “O Regime Especial de Resolução de Conflitos em Matéria de Patentes (Lei nº 62/2011)”, Separata da Ordem dos Advogados, Ano, 72, IV – Lisboa Out.-Dez. 2012, pág. 981 e segs..
[4] Ibidem, pág. 981
[5] Ibidem pág. 983
[6] É este também o entendimento de Ana Perestrelo de Oliveira, em “Arbitragem de litígios com entes públicos”, Coimbra 2007, pág. 45, conforme citação feita por Dário Moura Vicente no estudo que acabámos de referir, a pág. 983.
[7] Referenciada na fundamentação da decisão proferida sobre os factos pela seguinte forma:
Doutora M. C., doutorada em química orgânica no Imperial College of Science and Technology, que desenvolveu a maior parte da sua vida profissional no Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, que agora deu origem ao Laboratório Nacional de Energia e Geologia onde continua, e dirigiu o Departamento de Tecnologia de Indústrias Químicas; trabalhou na indústria farmacêutica em Inglaterra, trabalhou na Sefton Bulk Pharmaceuticals, que é uma empresa do Grupo Glaxo, que vende substâncias ativas por grosso. Interessou-se por propriedade industrial e desde mil novecentos e noventa e quatro que colaborou como perita ou testemunha em litígios de propriedade industrial; fez duas pós-graduações, uma em economia e gestão da propriedade industrial, uma no ISEG e a outra na Faculdade de Direito em direito intelectual.
Dra. M.  L., tirou o curso de Farmácia na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, fez estágio no laboratório militar em Produção e Controlo de Qualidade, trabalhou em várias empresas multinacionais nas áreas da Qualidade e da Regulamentação; durante dez anos trabalhou numa empresa, em que fez investigação de novas formas farmacêuticas e de novos medicamentos e novas moléculas, sendo responsável pelo desenvolvimento clinico e farmacológico de novas substancias, pela aprovação e implementação dos protocolos, dos ensaios clínicos e farmacológicos e toxicológicos em animais e também pré-clínicos. É especialista em indústria farmacêutica desde 1986 e especialista na área regulamentar, desde 2000”
[8] Segundo o qual “Podem ser objecto de patente as invenções novas, implicando actividade inventiva, se forem susceptíveis de aplicação industrial (…)”
[9] E no art. 52º, nº 1 da Convenção de Munique sobre a Patente Europeia, D. R., Série I-A, de 30.08.1991
[10] E no art. 138º, nº 1, alínea a) da Convenção de Munique,
[11] Não põem já em causa a novidade da invenção.
[12] Facto que as recorrentes sustentavam que devia ser julgado como não provado, pretensão que não foi atendida.
[13] Facto que as apelantes pretendiam que fosse julgado como não provado, o que não aconteceu.
[14] Também a decisão proferida sobre este facto vinha impugnada, mas não foi objeto de qualquer alteração.
[15] Facto que, sem êxito, as apelantes pretendiam ver julgado como não provado.
[16] Também a decisão sobre este facto foi impugnada, mas tal impugnação foi rejeitada.
[17] A decisão sobre este facto vinha também impugnada, pretendendo as recorrentes que fosse ainda julgado como provado que para tal bastaria efetuar mero trabalho de experimentação.