Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26253/16.4T8LSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO
INCUMPRIMENTO DO ARRENDATÁRIO
DESVALORIZAÇÃO DO LOCADO
REDUÇÃO DE UTILIZAÇÃO DO LOCADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O artigo 1083º do Código Civil concede ao senhorio a possibilidade de resolver o contrato com fundamento no incumprimento das obrigações do arrendatário, mas essa resolução é sujeita a certos condicionalismos.

- Assim, não é todo e qualquer incumprimento das obrigações do arrendatário que determina a resolução, exigindo-se que esse incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento (artº 1083º nº 2, in fine)).

- O fundamento resolutivo previsto no artigo 1083º nº 2 alª d) do Código Civil compreende-se pelo facto de o arrendatário ter uma obrigação de utilização do local arrendado (artº 1072º), em ordem a evitar a desvalorização que está normalmente associada ao não uso.

- Deve, por isso, considerar-se que pode constituir fundamento de resolução do contrato não apenas a abstenção integral de utilização do locado, mas também uma redução na sua utilização de tal forma significativa que prejudique o valor do locado.

- A partir de 2002 a ré retirou do locado os seus funcionários e colaboradores, tendo-os deslocado para novas instalações, onde passaram a laborar em pleno os seus serviços, pelo que se verifica o fundamento resolutivo previsto no artigo 1083º nº 2 alª d) do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

DMC e DC intentaram acção com processo comum contra “Alrica - Comércio e Indústria de Equipamento Electrónico, Lda”, pedindo que se decrete a resolução dos contratos de arrendamento existentes entre autores e ré, referentes aos 1.º andar dt.º e 1.º andar esq.º da Av. AA, em Lisboa.
Alegam, em síntese, que são proprietários do imóvel por força de sucessão hereditária. A R. adquiriu o direito ao trespasse e ao arrendamento à massa falida de “Elco - Electro, Comercial e Industrial, Lda”. A R. uniu as duas fracções sem autorização ou conhecimento dos então senhorios. O espaço está votado ao abandono, transformado numa arrecadação para depósito de lixo, fim diverso daquele a que se destinava.

Contestou a ré, alegando que a unificação entre as duas fracções já existia à data em que tomou posse daquelas na sequência da aquisição do direito ao trespasse e ao arrendamento. Aquando da aquisição centrou toda a sua actividade no local. Com o decurso dos anos o imóvel foi-se deteriorando. Deu conhecimento de tal circunstância ao procurador dos proprietários, JR. À medida que a degradação evoluía foi fechando alguns departamentos. Sempre foi dando conhecimento aos senhorios das condições em que o imóvel se encontrava, solicitando reparações urgentes. Nos finais de 2006 viu-se obrigada a determinar que todos os colaboradores deixassem de laborar no andar. As partes do imóvel que ainda detinham algumas condições foram adaptadas para armazenamento de material mais resistente e alguns serviços técnicos. Em 24-1-2013 os AA enviaram-lhe comunicação para actualização de rendas. Em 25-2-2013 respondeu, contrapondo com o estado do imóvel. Deduziu pedido reconvencional, pedindo a condenação dos AA. a pagarem-lhe o montante de € 71 760, 00 acrescidos de juros à taxa legal, desde a data da notificação da reconvenção até pagamento.
Alega que ficou privada do uso integral do locado. A indemnização de € 26.760,00, é correspondente às rendas de 10 anos em que terá estado privada do uso. Àquele montante acresce a quantia de € 45.000,00 a título de lucros cessantes.

Os AA responderam, dizendo que a R. apenas reclamou a realização de obras aquando da notificação para aumento da renda. A R. mudou de instalações por as novas serem mais adequadas à sua actividade. A R. tem vindo a tentar um acordo de entrega de chaves contra a entrega de dinheiro.

Foi proferida SENTENÇA que:
a) julgou a acção inteiramente procedente por provada, decretando a resolução dos contratos de arrendamento referentes aos 1º andar dtº e 1º andar esqº da Av. AA, em Lisboa.
b) julgou a reconvenção inteiramente improcedente, absolvendo-se os AA. dos pedidos correspondentes.
Não se conformando com a sentença, dela recorreu a ré, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1) Com o presente recurso, a recorrente impugna a decisão de facto, impondo-se a sua reapreciação, em face do notório e manifesto erro de julgamento.
2) O juiz não está obrigado a aceitar o enquadramento jurídico que as partes oferecem para os factos alegados e provados, sendo livre na aplicação do direito – artº 5º, nº3 do CPC.
3) A causa de pedir invocada pelos autores, integrada pela alegação do contrato de arrendamento e dos factos que constituem fundamento de resolução desse contrato, subsume-se ao uso do locado para fim diferente (art.1083º, nº2 al. c)), violação de regras de higiene(art.1083º, nº2 al. a)) e o não uso do locado por mais de um ano(1083º, nº2 al. d)).
4) O Tribunal «a quo» decreta a resolução do contrato de arrendamento com base, ao que parece pela situação de não uso ou uso extremamente mitigado e pela falta de advertência ao senhorio relativamente ao estado do imóvel.
5) Sucede que, nos factos dados como assentes, designadamente na 1ª parte do fixado em 11), resulta que o Tribunal dá como provado que a “ Ré usa o 1º andar exclusivamente como armazém de materiais usados que aí podem ser encontrados para reparações”.
6) Posteriormente e em sede de fundamentação jurídica, o Tribunal «a quo» socorre-se do não uso do locado para fundamentar a resolução do contrato de arrendamento. Isto em manifesta contradição com o facto que anteriormente tinha considerado como provado.
7) Existe vício da contradição insanável da entre a matéria de facto dada como provada e a decisão.
8) O facto julgado como provado colide inconciliavelmente com a fundamentação da decisão.
9) Ao considerar-se como provado que a Ré usa o 1º andar exclusivamente como armazém de materiais usados que aí podem ser encontrados para reparação levam-nos obrigatoriamente a concluir que a Ré usa o locado como armazém, o que conforme se afere do contrato de arrendamento junto pelos Autores com a petição inicial, sob o nº1, está conforme o fim estipulado em termos contratuais.
10) Ora se a Ré usa o locado (FACTO PROVADO), não se pode concluir pelo não uso do locado como fundamento da Resolução do contrato de arrendamento.
11) A Douta Decisão Recorrida é nula nos termos do artigo 615, nº 1, alíneas c) do Código de Processo Civil, por contradição entre a fundamentação e a matéria provada.
12) Paralelamente ao não uso, o Tribunal «a quo» fundamenta também a resolução do contrato de arrendamento na falta de comunicação por parte do arrendatário.
13) Todavia, os Autores, aqui apelados, não sustentam como causa de pedir a falta de comunicação por parte do arrendatário para o estado degradado do imóvel.
14) Não se vislumbra dos articulados que os Autores tenham alegados como factos e causa de pedir, que a Ré não comunicou, para efeitos de obras, o estado degrado do imóvel e como base nessa falta de comunicação tenham peticionado a resolução do contrato de arrendamento.
15) O que os Autores vêm invocar é que o não uso do imóvel contribuiu para o degradar do locado, o que naturalmente são coisas diferentes.
16) Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, e o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes.
17) Estando os limites objectivos da sentença condicionados pelo objecto da acção, integrado não só pelo pedido formulado, mas, ainda, pela causa de pedir, o preenchimento da causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica apresentada, supõe a alegação de factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional.
18) Ao julgar-se procedente a pretensão dos autores de resolverem o contrato de arrendamento, com fundamento em causa de pedir diferente daquela por eles invocada, o Tribunal recorrido conheceu de questão não submetida à apreciação do tribunal – artº 609º, nº 1, CPC -, incorrendo essa sentença no vício de nulidade previsto no artº 615º, nº 1, al. d), do CPC.
19) Mais, o Tribunal “a quo” ao servir-se de factos não articulados e decretar a resolução do contrato do arrendamento com base num fundamento cujo conhecimento não lhe foi pedido, violou o princípio do dispositivo e, alterando ex officio o pedido na sentença final, deixou a recorrente sem qualquer possibilidade de exercício do contraditório;
20) No entender da Apelante resultam erroneamente julgados os seguintes factos considerados como assentes:
(11)-A R. usa o 1.º andar exclusivamente como armazém de materiais usados que aí podem ser encontrados para reparações, estando de resto votado ao abandono, como arrecadação de caixas e caixotes, latas, aparelhos eléctricos e aparelhagens, trapos, plásticos, fios eléctricos, pneus, velho, deteriorados, sujos e amontoado.
(13)-Há vidros de janelas partidos.
(20) -A partir de 2002 a R. retirou os seus funcionários e colaboradores, tendo-os deslocado para novas instalações, onde passaram a laborar em pleno os seus serviços.
21) Bem como os factos considerados como não provados, foram erradamente considerados, os mesmos deveriam ser considerados como provados.
-Que a R. tenha adaptado o andar para armazenamento de material mais resistente e serviços técnicos, mas apenas que aí foram deixados alguns materiais, que técnicos vão buscar quando deles necessitam para proceder a reparações de equipamentos mais antigos;
-Que por não ter podido usar o 1.º andar a R. tenha perdido clientes e sofrido diminuição de lucros de pelo menos € 45 000, 00; -Que a R. tenha dado conhecimento do estado do imóvel ao senhorio e que o tenha instado a proceder a obras anteriormente à carta de 25-2-2013;
22) Os meios de prova que impunham decisão diversa são: relatório pericial de fls…, documento junto sob o nº8 da contestação a fls…, bem como os esclarecimentos prestados pelo senhor Perito João Manuel Caldeira Ferrão, prestado na audiência de discussão e julgamento Gravado no sistema Habilus media studio com início a 00:00:01 e fim a 00:31:54, das testemunhas JR prestado na audiência de discussão e julgamento Gravado no sistema Habilus media studio, com início a 00:00:01 e fim a 00:30: 40, NC prestado na audiência de discussão e julgamento Gravado no sistema Habilus media studio com inicio a 00:00:01 e fim a 00:50:52, MC prestado na audiência de discussão e julgamento Gravado no sistema Habilus media studio com inicio a 00:00:01 e fim a 00:15:32, CA prestado na audiência de discussão e julgamento Gravado no sistema Habilus media studio , com início a 00:00:01 e fim a 00:08:39., FC prestado na audiência de discussão e julgamento Gravado no sistema Habilus media studio, com início a 00:00:01 e fim a 00:29:59 e JR prestado na audiência de discussão e julgamento Gravado no sistema Habilus media studio ,com início a 00:00:01 e fim a 00:12:46.
23) Não se descortina o motivo pelo qual o Tribunal recorrido não atendeu aos depoimentos das testemunhas NC, CA, MC e FC, até p e JR.
24) Em face dos depoimentos das testemunhas NC, MC, CA e FC deveria o Tribunal «a quo» considerar como provado que a Ré utiliza o locado para o fim acordado em sede de contrato de arrendamento (documento º1 junto com a PI), isto é, como armazém de equipamentos e componentes electrónicos e para reparações de equipamentos antigos.
25) Deveria constar do nº11 dos factos provados que A R. usa o 1.º andar como armazém de materiais novos e usados e como departamento técnico para reparações de equipamentos antigos, que no local encontram-se equipamentos antigos, aparelhos eléctricos, aparelhagens e cabelagem ou cabos eléctricos.
26) Quanto ao facto elencado com o nº (13)-Há vidros de janelas partidos, não poderia o Tribunal «a quo» considerar este facto como provado, mas sim como não provado.
27) O facto identificado a (20), não poderia considerar como provado que «-A partir de 2002 a R. retirou os seus funcionários e colaboradores, tendo-os deslocado para novas instalações, onde passaram a laborar em pleno os seus serviços».
28) Da prova testemunhal produzida resulta que a Ré em face da degradação do imóvel, à qual não conseguiu por cobro pese embora as obras de reparação levadas a efeito, foi gradualmente retirando os serviços que estavam instalados no nºv56 da Av. AA.
29) Deveria o Tribunal recorrido ter julgado como assente que (20) -A partir de 2006 a R. , de uma forma gradual, retirou funcionários e colaboradores, tendo-os deslocado para novas instalações, e que no locado apenas ficou a funcionar como área técnica para reparações e armazém.
30) Os factos elencados nos factos não provados, devem constar como provados nomeadamente
-Que a R. tenha adaptado o andar para armazenamento de material mais resistente e serviços técnicos, mas apenas que aí foram deixados alguns materiais, que técnicos vão buscar quando deles necessitam para proceder a reparações de equipamentos mais antigos;
-Que por não ter podido usar o 1.º andar a R. tenha perdido clientes e sofrido diminuição de lucros de pelo menos € 45 000, 00; - Que a R. deu conhecimento do estado do imóvel ao senhorio e que o tenha instado a proceder a obras anteriormente à carta de 25-2-2013;
31) A Ré não fez um uso imprudente do imóvel e cumpriu com os seus deveres enquanto arrendatária no que respeita à manutenção em bom estado do locado.
32) A Ré por diversas vezes fez obras nas zonas mais afectadas.
33) Em virtude de o processo constar todos os elementos de prova, nada impede e até aconselha que o Venerando Tribunal da Relação faça uso da faculdade que é conferida e proceda à alterando a decisão sobre a matéria de facto em conformidade com a prova produzida.
34) A Ré não deixou de usar o locado, até porque conforme resulta do facto dado como assente em 11 da decisão de facto, resulta na 1ª parte que a Ré usa o 1º andar exclusivamente como armazém de materiais que aí podem ser encontrados para reparações.
35) Para se concluir pelo encerramento e pelo não uso há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente a natureza do local arrendado, o fim do arrendamento, o grau de redução da actividade, suas causas e mesmo o seu carácter temporário e definitivo.
36) O 1º andar continua a ser usado pela apelante como armazém.
37) Conforme resulta do documento junto pelos Apelados com a sua petição inicial, sob o numero 1, o locado destinava-se a armazém.
38) A Apelante usa o locado como armazém em conformidade com o fim a que se destina.
39) Acresce que embora o uso do locado não seja na sua totalidade, o não uso de parte do imóvel encontra-se devidamente justificado, pelo estado degradado em que as traseiras do locado se encontra.
40) Degradação do imóvel que foi dado a conhecer ao representante dos anteriores proprietários.
41) A utilização do espaço não é esporádica, pois está a funcionar como armazém de equipamentos novos e antigos e componentes, bem como é utlizado para arranjos técnicos de equipamentos mais antigos.
42) A Apelante cumpriu com as suas obrigações enquanto locatária e usou e usa efectivamente o imóvel para o fim contrato.
43) O comportamento da Apelante não consubstancia abuso de direito, porquanto o imóvel é usado para o fim contratado.
44) Acresce que é obrigação do senhorio assegurar o gozo do imóvel ao arrendatário, incumbindo-lhe fazer obras necessárias no locado, de molde à fruição do locado ao fim a que se destina, nos termos do art. 1031º alínea b) do CC.
45) Conforme já se referiu o arrendatário cumpriu com as suas obrigações emergentes do arrendamento e comunicou, por diversas vezes, ao representante legal dos senhorios e posteriormente ao pai dos aqui Apelados que se apresentou em representação dos mesmos.
46) A Apelante sofreu prejuízos decorrentes da privação do uso, tal como elencado em sede de reconvenção.
47) O Tribunal «a quo» considera como provado em (21) que a Ré em face dos factos descritos, o 1º andar foi progressivamente deixando de reunir condições para a laboração.
48) Impunha-se a condenação dos AA. Em indemnização derivada da privação do uso no montante que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença.
49) O Tribunal «a quo» fez errada interpretação do artigo 1083º nº 2 al. c) e d) do CC.

A parte contrária contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II -FUNDAMENTAÇÃO

A) Fundamentação de facto
Mostram-se provados os seguintes factos:
1º - Em 5-5-1988 teve lugar escritura de cessão do direito ao trespasse e ao arrendamento do primeiro andar, direito e esquerdo, em que foi cessionária a R., constando da mesma escritura que o prédio se destinava a armazém (doc. de fls. 12 a 16).
2º - O prédio sito na Avenida AA, na freguesia de Arroios, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 000, é pertença dos AA. por sucessão hereditária ocorrida em 2010.
3º - A contrapartida monetária mensal correspondente ao primeiro andar dt.º suportada pela R. é de € 57, 00 (doc. de fls. 17).
4º - A contrapartida monetária mensal correspondente ao segundo andar dt.º suportada pela R. é de € 166, 00 (doc. de fls. 18).
5º - JR, a solicitação dos AA., enviou à R. o escrito de que se mostra junta cópia a fls. 67, datado de 24-1-2013, em que, assinaladamente, propôs que o contrato passasse para o regime do N.R.A.U. e que o valor da renda mensal passasse para € 488, 44.
6º - A R. respondeu conforme escritos de que se mostram juntas cópias de fls. 68 a 71, datados de 25-2-2013, aduzindo, em relação ao valor de renda proposto, consideramos que o mesmo é deveras excessivo, tendo em conta o estado de total degradação em que o imóvel se encontra, que obsta à normal laboração da minha constituinte. Como sabem, o imóvel em questão carece de obras urgentes uma vez que se encontra em estado de ruína eminente.
7º - Os AA responderam conforme escrito de fls. 72, datado de 4-3-2013, invocando o disposto no art.º 33.º do N.R.A.U. e indicando que o contrato se considera celebrado com prazo certo, pelo período de 5 anos, a contar de 21-1-2013, pela renda de € 488, 44.
8º - A R. respondeu conforme escrito de fls. 73 a 78, de 26-3-2016, concluindo que não assiste aos senhorios o direito a lançarem mão do mecanismo de actualização de renda invocado e que continuarão a ser pagos os valores anteriormente fixados.
9º - A R. enviou aos AA. o escrito de que se mostra junta cópia a fls. 79 a 80, datado de 2-5-2013, em que manifesta vontade de proceder a negociação do valor das rendas, caso os AA. se disponibilizem para realizar obras de recuperação, conservação e restauro.
10º - O lado direito e o lado esquerdo do 1.º andar estão unidos, tendo sido demolidas as paredes divisórias.
11º - A R. usa o 1.º andar exclusivamente como armazém de materiais usados que aí podem ser encontrados para reparações, estando de resto votado ao abandono, como arrecadação de caixas e caixotes, latas, aparelhos eléctricos e aparelhagens, trapos, plásticos, fios eléctricos, pneus, velho, deteriorados, sujos e amontoado.
12º - A tinta e o estuque das paredes dos tectos e das paredes caíram, com buracos à vista.
13º - Há vidros de janelas partidos.
14º - Há ratazanas.
15º - A R. comercializava equipamentos electrónicos de som e luz.
16º - O imóvel foi-se deteriorando, com infiltrações e humidades.
17º - Parte dos tectos ameaçavam e ameaçam ruir.
18º - O chão tinha e tem buracos.
19º - As paredes tinham e mantêm frinchas
20º - A partir de 2002 a R. retirou os seus funcionários e colaboradores, tendo-os deslocado para novas instalações, onde passaram a laborar em pleno os seus serviços.
21º - Em face dos factos descritos supra, o 1.º andar foi progressivamente deixando de reunir condições para a laboração da R.

B) Fundamentação de direito
As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, são as seguintes:
- Nulidade da sentença;
- Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto;
- A questão de direito.

NULIDADE DA SENTENÇA
Argumenta a ré, ora apelante, que a sentença é nula nos termos do artigo 615, nº 1, alíneas c) do CPC, por contradição entre a fundamentação e a matéria provada.
Nos factos dados como assentes, designadamente na 1ª parte do fixado em 11), o tribunal dá como provado que a “ Ré usa o 1º andar exclusivamente como armazém de materiais usados que aí podem ser encontrados para reparações”. Posteriormente e em sede de fundamentação jurídica, o tribunal «a quo» socorre-se do não uso do locado para fundamentar a resolução do contrato de arrendamento. Isto em manifesta contradição com o facto que anteriormente tinha considerado como provado. Existe vício da contradição insanável da entre a matéria de facto dada como provada e a decisão.

Os autores responderam, referindo que não é aplicável o disposto no artigo 615º nº 1 alª c) do CPC.

Cumpre decidir.
O artigo 613º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), preceitua o seguinte:
“1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3…”.
Dispõe o artigo 615° n°1 na alínea c) do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando:
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

A nulidade da alínea c) - contradição entre a decisão recorrida e a sua fundamentação - ocorre quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e, no entanto, decide em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente[1].
Tende por vezes a confundir-se com o erro de julgamento.
Anselmo de Castro[2] considera que a alínea c) nem tem autonomia em relação à alínea b) (falta de fundamentação de facto e de direito).
E em relação à alínea sublinha que só existe nulidade quando falta em absoluto a fundamentação.
Não faltando em absoluto, haverá fundamentação errada, que contende apenas com o valor lógico da sentença, sujeitando-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produzindo nulidade.

Esta nulidade remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
Por vezes torna-se difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, que é aquele que está na origem da decisão.

No acórdão do STJ de 30/9/2010[3], refere-se que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.
Porque assim é, as nulidades da decisão, previstas no artº 668º do CPC, (hoje artigo 615º do NCPC) são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito[4].
É que basta ler a sentença para concluir imediatamente que os fundamentos apontam no sentido da decisão proferida, pelo que não padece do apontado vício, sendo totalmente descabida tal afirmação, pois que o raciocínio lógico seguido na decisão teria de conduzir à procedência da acção, não existindo qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, pois o inverso é que conduziria a eventual nulidade.
Coisa diversa é a apelante discordar da decisão.
Conclui-se, pois que a sentença não padece do apontado vício.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE MATÉRIA DE FACTO
Preliminarmente, há que recordar que, consoante refere Abrantes Geraldes[5], as diferentes circunstâncias em que se encontra o tribunal de 1ª instância e o tribunal de 2ª instância «deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados».
Dito de outro modo, quanto aos recursos que têm por objecto a reapreciação da matéria de facto, vigora o princípio da livre apreciação da prova – Cfr artigo 607°/5 do CPC - segundo o qual “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Além deste princípio de livre apreciação da prova, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.

Posto isto, iremos apreciar a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto.

Pretende a apelante impugnar a decisão proferida sobre os seguintes factos:
Factos provados
(11)- A R. usa o 1º andar exclusivamente como armazém de materiais usados que aí podem ser encontrados para reparações, estando de resto votado ao abandono, como arrecadação de caixas e caixotes, latas, aparelhos eléctricos e aparelhagens, trapos, plásticos, fios eléctricos, pneus, velho, deteriorados, sujos e amontoado.
(13)-Há vidros de janelas partidos.
(20) -A partir de 2002 a R. retirou os seus funcionários e colaboradores, tendo-os deslocado para novas instalações, onde passaram a laborar em pleno os seus serviços.
Factos não provados.
(B)-Que a R. tenha adaptado o andar para armazenamento de material mais resistente e serviços técnicos, mas apenas que aí foram deixados alguns materiais, que técnicos vão buscar quando deles necessitam para proceder a reparações de equipamentos mais antigos;
(C)-Que por não ter podido usar o 1.º andar a R. tenha perdido clientes e sofrido diminuição de lucros de pelo menos € 45 000, 00;
(D)-Que a R. tenha dado conhecimento do estado do imóvel ao senhorio e que o tenha instado a proceder a obras anteriormente à carta de 25-2-2013.

Facto provado nº 11
Pretende a apelante que tal facto venha a ter a seguinte redacção:
“A R. usa o 1º andar como armazém de materiais novos e usados e como departamento técnico para reparações de equipamentos antigos, que no local encontram-se equipamentos antigos, aparelhos eléctricos, aparelhagens e cabelagem ou cabos eléctricos”.

Vejamos os depoimentos das testemunhas:
NC, consultor financeiro, trabalha para a ré na área financeira desde 1992.
Em síntese, seguindo a transcrição efectuada pela apelante, disse:
“A Alrica em concreto vende equipamentos de audiovisuais, ou seja, equipamento de som de iluminação, cabelagem, microfones”. Explica que cabelagens “estamos a falar de cabos e fios” e que serviços técnicos se tratam de “reparar equipamentos de terceiros e dar serviços de garantia a equipamentos comercializados pela empresa”; que nas instalações é normal existirem cabos, sendo que esses cabos ou cabelagem “não é lixo”, mesmo quando estamos perante cabos antigos. Refere a testemunha que” não, não, um cabo é sempre um cabo e é reutilizável, ou seja, tem sempre um uso, seja numa instalação, seja num projecto, seja para vender, é essa a finalidade dele”; No que concerne aos equipamentos existentes no locado, explica que “ esses equipamentos tem vários destinos, podem ser vendidos a um preço mais atractivo, podem ser dedicados a aluguer a pessoas para um evento, para qualquer necessidade que precisam dispor daquele equipamento, no limite pode ser utlizado para extrair componentes para reparação de equipamentos semelhantes que utilizem os mesmos componentes”; Mais refere que “essencialmente até à presente data, as instalações da Almirante Reis tiveram e tem uso, está a ser mantido como armazém, pontualmente estão a ser operados lá serviços técnicos, reparação de equipamentos, o que é que houve a necessidade de se fazer dado o nível de degradação que o local atingiu, nomeadamente por questões estruturais que decorrem de infiltrações do piso superior, do 2º andar e por obras levadas a cabo por umas das fracções do rés do chão que mexeu um bocadinho com a estrutura e causou danos ao nosso piso, alguns serviços tiveram que ser deslocados para esse espaço em Marvila”. Mais afirma que “não, não é lixo” e que existe lá equipamento novo que “ em regra geral estava embalado em caixas de origem” que “o material antigo não está em caixas” e que “ não tem consciência de existir lixo, ou seja alguma coisa que não sirva para nada”, “vou lá todas as semanas, para mim, não sendo a minha área na empresa, tenho a consciência que aquele material foi mantido por ter uso futuro, ou destinar-se a ser comercializado, alugado ou reutilizado para extracção de componentes electrónicos;” O que está lá é reutilizável”. Mais afirma que a Ré faz a manutenção ao local, mas que “as características do espaço, características presentes no espaço, tornam inglórias a limpeza do espaço, porque há ali muita circulação de poeiras;” Reafirma que “ vou lá todas as semanas”, “há colegas que vão lá buscar equipamentos ou fazer alguns serviços técnicos, eu no meu caso porque gosto de ter o controle da correspondência, trata-se da sede, toda a nossa correspondência vai para lá e há assuntos de responsabilidade, há facturas com prazo de pagamento, continua a ter electricidade, nunca deixou de ter electricidade, nunca deixou de ter água, nunca deixou de ser paga a renda”;

Os apelantes efectuaram a síntese do depoimento desta testemunha com as seguintes transcrições:
“NC afirma que cedeu várias vezes uma chave ao Sr. JR para este poder intervir no seguimento de queixas de outras fracções; afirma que “pontualmente” é usado para serviços técnicos; “não há registo de continuidade e contínuo de serviços técnicos”; a “electrónica não convive com tanta poeira”; não sabe se há vidros partidos porque não vai lá dentro, nem conhece o estado das salas das traseiras; o aspecto de muitas salas é de “estado de guerra”.

MC, técnico de electrónica, trabalhando para a ré há cerca de 22 anos.
A apelante baseia-se na transcrição sintética dos seguintes excertos da testemunha:
“Refere que “conheço as instalações na Almirante Reis, trabalhei lá muitos anos”; “inicialmente, não era mau de todo, depois foi-se deteriorando com o tempo, inicialmente já havia deficiência a nível da casa de banha, da cozinha, logo desde o início, alias quando eu para lá fui, há 22 anos, tecto a cair, as paredes a cair, viam-se os barrotes já.” E que ” foram feitas obras, foram feitas algumas obras de recuperação, no tecto, em algumas paredes, o chão da loja, tecto da casa de banho”; E que “a reparação que era feita ao fim de alguns anos começava a deteriorar-se novamente, não sei possivelmente oscilações do edifício, feito em madeira e começava a ceder, águas do piso de cima, havia infiltrações de agua, havia tubos que possivelmente estavam deficientes dos pisos superiores e iam destruindo, volta e meia era necessário reparar e sei que foram feitas várias vezes intervenções a esse nível”;” foi-se deteriorando, com o passar do tempo, era na generalidade, uns mais do que outros, grande parte do espaço foi recuperado, o chão da chamada loja, as salas de reuniões das traseiras, as áreas técnicas, a cozinha” mas “caia de um lado apodrecia de outro”, “reparava de um lado caia do outro, andavam eternamente em obras”, “se bem me lembro era quase sempre, andamos sempre em obras a remendar”; depois “ a empresa foi tirando dali alguns departamentos pelo facto de já não existirem condições de funcionamento de habitabilidade;”. “ a casa de banho era débil não funcionava, constantemente havia infiltrações de água e as paredes continuavam a deteriorar-se”. “Aos poucos e poucos foi se tirando de lá algum departamento, mas sempre ficando colegas lá”, “sempre voltamos lá pelo facto de nunca deixarmos de lá ter uma série de materiais e equipamentos e houve uma série de inclusivamente de máquinas e equipamentos que, devido ao facto de estarem desmontadas e com um grau de complexidade, ainda houve colegas nossos que continuaram a laborar lá, mesmo já não existindo grandes condições iam para lá trabalhar na área da reparação, os escritórios também la estiveram bastante tempo”. Até 2010/2012 ia-se lá com alguma frequência isto no que diz respeito a resolver alguns problemas com alguns equipamentos e materiais que fazem parte da empresa”; “sei que à data inclusivamente existem materiais que fazem parte dos nossos stocks da área técnica, da parte dos sperd, material de recurso, ainda hoje não foi tudo retirado da mesma” Refere que “sim ainda vou às instalações da Almirante Reis, normalmente vou lá recolher componentes, vou lá recolher material que as vezes é necessário intervencionar, ir buscar um altifalante, buscar um acessório para uma máquina mais antiga”; “vou lá onde temos pequenos armazéns, onde temos recursos técnicos e vamos lá buscar algumas peças que lá estavam guardadas”; “continua a ter componentes para reparação de equipamento electrónico até à data”; que nas instalações existem “ transformadores, altifalantes, componentes electrónicos, estruturas, chassis, fazem partes de maquinas” e explica a necessidade e utilidade dos equipamentos com “ durante muitos anos fomos representantes e continuamos a ser representantes exclusivos em Portugal de muitas marcas de audiovisuais, nós sempre tentamos garantir a assistência técnica mesmo após a venda, aliás após a garantia, aos nossos clientes, ainda é muito comum aparecerem pessoas com maquinas que adquiriram à empresa há uns 10,12, 13 anos, a solicitar intervenção por nós, ainda temos componentes e conseguimos satisfazer algumas necessidades, algumas marcas que nós temos, marcas que entretanto deixamos de representar, em que esses componentes de reparação, continuam lá armazenados, quando temos necessidade vamos lá procurar ao armazém”; Quanto aos cabos que se encontram nas instalações, explica que “a cabelagem é reaproveitável, as cabelagens são para introduzir em obra, a empresa faz obra há muitos anos, consumimos muitos km de cabo”; E que “há lá material novo, se não estou em erro, de uma representada nossa, que é a EBS, que em tempos não tínhamos a onde condicionar o material e foi lá guardado, parte do material da EBS está lá guardado” . Mais afirma que a última vez que foi lá “ foi há uns meses” e que “vou lá com alguma regularidade buscar componentes” e que “arrumamos ali parte do material”. Esta testemunha confrontado com as fotografias juntas com o relatório pericial, nomeadamente nºs 6,7,8, 11, 18 e 19, conseguiu descrever com precisão o local e os equipamentos retratados e quanto a fls. 22, refere “ isto é material que usamos” e “nada disso é lixo, é material que está ali guardado, são peças que nos extraímos dos equipamentos para intervencionar máquinas antigas, não é lixo”.

Os apelados contrapuseram a seguinte transcrição:
MCafirma que “não há manutenção do locado e por isso está em mau estado”. “Aquilo é muito grande mas só a sala da frente foi reparada”.

CA, empresário de som e imagem, trabalhou nas décadas de 90 e 2000 como comercial da ré e actualmente é cliente da mesma.
Refere que as últimas vezes que fui lá, foi há 4 ou 5 anos, terá sido em 2012, por essa altura ainda fui à Alrica entregar equipamentos para reparar, não sei se os reparavam lá ou não, mas foi lá que os fui entregar”.

FC, técnico de informática e de electrónica, trabalhou para a ré de 1996 a 2007, tendo colaborado com esta até 2016.
Refere que trabalhou para Alrica nas instalações da Almirante Reis e prestou colaboração até ao ano de 2016. Afirma que “ficaram só os departamentos técnicos cá em baixo, porque lá em cima não havia condições para os departamentos técnicos”; “O senhor NC ficou comigo praticamente até ao fim, talvez 2004, o Mário ia ficando, ia fazendo as coisas também cá em baixo” e “ a parte da reparação ainda continuava na Almirante Reis e ainda ficou lá, em 2016 quando saí ainda estava lá, não, não era a mesma coisa que era, mas ainda se fazia reparações”; Também resulta do relatório pericial (3º quesito) e confirmado em audiência pelo senhor Perito que no espaço existe material embalado.

O mesmo depoimento com a transcrição sintética elaborada pelos apelados:
FCafirma que os “serviços no locado são reduzidos e foram retirados gradualmente”. A “campainha já não funciona”. “As instalações na Vale Formoso são novas e melhores condições. “Não tem de carregar com o material bem pesado do rés-do-chão para o 1º andar.

Quanto ao nº 11 a douta sentença fundamentou a resposta nos seguintes termos:
“O tribunal fundou a sua convicção no que concerne ao uso dado ao locado na conjugação dos depoimentos de JR, JG, ME, NC, CA, MC e FC. A perícia realizada mais serviu para dar arrimo à convicção assinalada. Contribuíram outrossim para a formação de convicção as fotografias carreadas para os autos juntamente com a petição inicial e as aquelas juntas com o relatório pericial.
Segundo JR, há cerca de 15 anos que não se encontra ninguém no locado, quando a “Alrica” saiu não deu por haver lá mais serviços, uma vez precisou de lá ir e abriu-lhe a porta uma senhora brasileira que lhe disse que morava lá, em seguida perdeu-a de vista, era uma espécie de armazém, só lixo, tinha que se arredar as coisas para chegar a algum lado. A testemunha manifestou ter conhecimento de causa, quer por morar no prédio ao lado, quer porque, por si e por conta de outrem, fazia trabalhos de construção civil no prédio.
JG - também morador na zona -, que procedeu a um desentupimento no local, atestou que aquilo estava sempre fechado, como se não fosse lá ninguém, há muito mais do que há 5 anos. Asseverou que tudo indica que é acumulação de lixo, que estava abandonado, para chegar às traseiras foi com dificuldade, para abrir as portas também, pois estavam fechadas há muito tempo, não viu material novo, aquilo é depósito de material usado e estragado”.

O relatório pericial (fls 133 a 140), também se debruçou sobre o assunto nos seguintes termos:
“ 3º Quesito
O 1º andar não tem indícios de ser usado, apresenta aspecto abandonado, servindo como arrecadação de caixas e caixotes, latas, aparelhos eléctricos e aparelhagens, trapos, plásticos, fios eléctricos, pneus, tudo velho, estragado, sujo e amontoado?
Resposta
Verifica-se em parte do espaço de maiores dimensões que confronta com a Avenida Almirante Reis, a existência de algum material embalado com aspecto recente e a existência de iluminação eléctrica.
Todos os restantes espaços e parte deste encontram-se vazios ou servem como arrecadação, apresentando-se degradados e sujos, com material amontoado, recoberto de pó, sem qualquer indício de ocupação ou de utilização efectiva”
“11º Quesito
“ O estado do imóvel não é consentâneo com a sua utilização como escritório nem como armazém, encontrando-se sujo e degradado, sem qualquer vestígio de manutenção, limpeza e utilização contínua ou diária”

Àqueles depoimentos resumidamente transcritos, há ainda que analisar os seguintes, constantes da resumida transcrição feita pelos apelados:
JR, trabalhador da construção civil.
“JR vive no prédio do lado há 53 anos e presta serviços de construção civil e faz pequenas reparações no prédio em causa. Conhece a R. desde que arrendou o locado, há 30 anos. Há pelo menos 15 anos que não vê lá ninguém. A porta já lhe foi aberta por uma senhora brasileira que lhe disse que morava lá. Já teve de entrar no locado várias vezes, pedindo a chave à R, para proceder a desentupimentos e limpezas. O que vê lá dentro é lixo, tudo a monte. Viu vidros partidos numa janela das traseiras por onde entram pombos. Viu ninhos de pombos na varanda da R. No quintal que pertence à R. viu ratazanas e fez limpezas. Teve de arrancar um arbusto que ameaçava rebentar com as paredes. Há muitos anos fechado e os prédios são velhos e o material vai rebentando. Há falta de arejamento. Mudaram-se para o novo escritório em 2000 e pouco e não têm lá nem escritório nem serviços técnicos. Desde que saíram para as novas instalações, tudo piorou”.

JG, pintor de construção civil, tendo procedido a trabalhos de limpeza no prédio em questão a favor dos autores por solicitação de JR.
“JG, mora em frente ao locado em causa há muitos anos. Vê sempre tudo fechado como se ninguém usasse. Deslocou-se ao locado há 2 anos atrás para ajudar o Sr. JRa fazer limpezas nas traseiras da fracção. O que viu foi entulho, lixo, restos de papéis, sacos, restos de caliça. Plantas estavam a crescer e a provocar infiltrações no piso de baixo (loja). Lixo de muitos anos. Parece abandonado. Entrou pelo menos três vezes. Há dificuldade em abrir as portas por estarem fechadas há muito tempo. Para chegar às traseiras da fracção é preciso atravessar muitas salas e teve de acender um isqueiro para ver onde punha os pés. Nunca lá viu material novo. Material usado e estragado. O 1º andar está em mau estado, os outros andares não”.

ME, cozinheira aposentada, inquilina dos autores há cerca de 3 anos no 2º dtº do mesmo prédio.
“ME, é arrendatária do 2ºandar (o piso superior). Está em casa o dia todo. Nunca viu os vizinhos do 1º andar. Uma vez até lá entrou porque a porta estava aberta e estava lá o Sr. JRa fazer uma reparação num tecto que correspondia ao chão da sua cozinha que estava a abater. Estava cheio de aparelhos. Era uma “bagunça”. “Era um vazadouro”. Só viu lixo. Já viu ratazanas no patamar do 1º andar. Isto foi há um ano”.

JF, arquitecto, perito que elaborou o relatório pericial de fls 133 a 140, tendo prestado esclarecimentos do seguinte modo:
“Existe material embalado recente na sala que confronta com a Av. AA, que é um espaço comprido e nesse espaço coexistem restos do passado, amontoado, acumulado e claramente não recente”. Detritos. “Junto à entrada existe algum material audiovisual embalado em plástico, trazido recentemente. Parece material trazido no próprio dia. Único material novo”. O resta estava devoluto e com restos de coisas do passado. “Material com tanto pó que é impossível dizer quando foi colocado lá dentro. “Dá para ver claramente o estado de armazenamento, degradado, sujo”. “Nível de pó não é normal num armazém em que se pretende manter material e claramente também não é provocado por queda de estuque”. “Volto a dizer que fora do espaço que confronta com a Av. Almirante Reis, está em abandono total”. “Tudo degradado por não estar a ser utilizado. “Claramente parte da deterioração é por não uso”. “Não há manutenção das janelas, pavimentos, instalação eléctrica, paredes, carpintarias”. “Não há qualquer tipo de reparação, qualquer tipo de obra”. “Dá claramente ideia que não houve vontade explícita de quem ocupa a fracção de a manter em bom estado”. “Só 10 a 15% do imóvel é que poderá estar menos mal”. Todo o tardoz estava fechado, janelas. “A quantidade de pó era muito, muito exagerada, excepto no espaço junto à entrada”. “Tentaram limpar as 2 fracções recentemente com algum insucesso”. “Nada denotava que o espaço estava a ser utilizado.”

Análise crítica da prova
A prova testemunhal apresentada pela apelante não é convincente em confronto com a prova testemunhal apresentada pelos autores, ora apelados. As fotografias constantes dos autos (fls 19 a 28 e fls 141 a 161) e o relatório pericial contribuem decisivamente para o acerto da decisão recorrida quanto ao facto nº 11. O esclarecimento do perito, arquitecto JF está em consonância com as respostas que efectuou no relatório pericial sobre a matéria.
Nesta conformidade, mantém-se a resposta dada ao facto provado sob o nº 11.

Facto provado nº 13
No nº 13 da Fundamentação de facto ficou provado que:
“13 - Há vidros de janelas partidos”.
Argumenta a apelante o seguinte:
Quanto ao facto elencado com o nº (13) -Há vidros de janelas partidos, não poderia o tribunal «a quo» considerar este facto como provado apenas socorrendo-se de uma única testemunha que mencionou existir um vidro partido nas janelas das traseiras, designadamente a testemunha JR. Este facto apenas foi referido por esta testemunha e decorre do relatório pericial e dos esclarecimentos prestados pelo senhor perito que não existam vidros de janelas partidos. Para além do mais a testemunha JRapenas indica um vidro numa janela das traseiras. Logo não se podiam concluir, tal como, o tribunal «a quo» fez que existiam vidros de janelas partidos.

Cumpre decidir.
No relatório pericial (fls 136) pergunta-se no 5º quesito o seguinte:
Há vidros de janelas partidos?
Resposta
Não se verificou a existência de vidros partidos.

A testemunha JRafirmou que “viu vidros partidos numa janela das traseiras por onde entram pombos”
A fotografia de fls 28 mostra uma janela com um vidro partido.
O perito Arquitecto JF, afirmou que não viu vidros partidos, porque muitas das janelas estavam com as portadas de madeira fechadas.

Análise crítica da prova
O depoimento da testemunha João Daniel, a fotografia de fls 28 e o esclarecimento do perito mostram-se claramente que a decisão foi acertada, pelo que mantém a resposta ao nº 13 da Fundamentação de facto.

Facto provado nº 20
No nº 20 da Fundamentação de facto ficou provado que:
“20 -A partir de 2002 a R. retirou os seus funcionários e colaboradores, tendo-os deslocado para novas instalações, onde passaram a laborar em pleno os seus serviços”.
Pretende a apelante que se dê como provado apenas que:
“ A partir de 2006 a R. , de uma forma gradual, retirou funcionários e colaboradores, tendo-os deslocado para novas instalações, e que no locado apenas ficou a funcionar como área técnica para reparações e armazém”.
Vejamos os depoimentos em que se baseia.
NC
“A testemunha NC refere que “o que é que acontece finais de 2007/2008 porque começava a haver infiltrações, queda de estuque, houve espaços que tiveram que ser encerrados, porque não se podia dar uso, porque era perigoso em termos de segurança, quer para as pessoas, quer para os bens que lá estavam, portanto numa 1ª fase foi tirar parte administrativa, foi colocada para outro local. Até 2007, mantiveram-se no local os restantes serviços, sendo que em 2008, a área comercial também saiu, ficando aquele espaço a ser utlizado como armazém e serviços técnicos”.

MC
A testemunha MC refere que “a empresa foi retirando dali alguns departamentos pelo facto de já não existirem condições de funcionamento e de habitabilidade como é obvio, a casa de banho era débil não funcionava, constantemente havia infiltrações água e as paredes continuavam a deteriorar-se, de facto não havia condições, aos poucos e poucos foi se tirando de lá alguns departamentos, mas sempre ficando colegas”; “ nunca deixamos de lá ter uma serie de materiais e equipamentos que devido ao facto de estarem desmontados e com um grau de complexidade, ainda houve colegas nossos que continuaram a laborar lá mesmo já não existindo grandes condições iam para lá trabalhar mais na área de reparação, os escritórios também lá estiveram bastante tempo”

CA
“ por vezes ia à Almirante Reis era quando ia entregar coisas ao Mário para recuperar, na altura a técnica estava lá”; “ a loja já não funcionava lembro-me que tinha que tocar à campainha para entrar, tinha muito material lá dentro, julgo que seria armazém também, porque eu lembro-me quando precisava de equipamentos era lá que estavam e a técnica sei que estava lá”; “na altura tinha os componentes para reparar os equipamentos, os componentes tinha lá para reparação e como tinha lá algum material para eventualmente depois fornecer à loja que tem na rua vale formoso.”

FC
“Nos finais de 2004 mudamos mesmo para a parte da frente (referindo-se à parte do locado virado para Avenida Almirante Reis), ficaram reduzidos praticamente a 3 pessoas” (…) “foi-se retirando os serviços ponto a ponto porque não havia condições para estarem lá todos” (…)” as condições já não eram as mesmas, depois houve problemas na secretaria também havia infiltrações de água por que estava contigua à casa de banho, de maneira que havia empresa na Vale de Formoso de Cima, foi-se passando as coisas de maneira a trabalhar, ficaram só os departamentos técnicos cá em baixo, porque lá em cima porque não havia mesmo condições para o departamento técnico, ir só se fosse para a cave e não tinha condições” (…) “ depois a parte administrativa, o senhor NC ficou comigo praticamente até ao fim, talvez em 2006, o Mário também ia fazendo as coisas também lá em baixo” (…) “A parte da reparação ainda continuava na Almirante Reis e ainda ficou lá, em 2016 quando eu sai ainda estava lá, já não era a mesma coisa que era mais ainda se fazia reparações”.

Análise crítica da prova.
Há uma nítida contradição entre os depoimentos das testemunhas NC e Fernando Correia quanto ao momento da saída para as novas instalações,
No relatório pericial consta o quesito 12º com a seguinte redacção:
“ É possível precisar aproximadamente no tempo desde há quanto tempo o imóvel se vem deteriorando?
Resposta
Com excepção da zona de entrada e escritório do lado direito e do espaço sobre a Avenida Almirante Reis, onde se contacta ter existido uma intervenção nos anos 80/90 do século passado, considera-se razoável afirmar que nenhum outro espaço parece ter tido qualquer manutenção nos últimos quinze a vinte anos, resultando daí a sua degradação”.
Tal facto leva à conclusão que a ré deixou as instalações da Avenida AA no ano de 2002.
Do mesmo modo é a convicção constante da fundamentação constante da sentença, quando afirma o seguinte:
“O tribunal ficou convicto de que já em 2002 a R. começou a retirar os seus serviços da Almirante Reis. Efectivamente, a testemunha CA afirmou que foi no decurso deste ano que foi trabalhar para a Rua do Vale Formoso. A parte técnica da R. ter-se-ia mantido na Almirante Reis. A R. foi removendo os seus funcionários e colaboradores, tendo-os deslocado para novas instalações, onde passaram a laborar em pleno os seus serviços.
Conforme consta da página da internet da R., de que foi junta impressão a fls. 103, esta dispõe de um espaço de armazém de 1400 m2, de que seguramente não usufruía na Av. AA. Quer em si mesmas, quer por confronto com as antigas, é seguro concluir que as instalações são mais modernas e adequadas ao objecto comercial da R.
Mesmo o uso descrito pelas testemunhas NC, MCe FC é meramente episódico. Poderia ter lugar num qualquer outro espaço. Reconduz-se à circunstância de a R. não ter cuidado de remover os equipamentos, mais ou menos vetustos, que aí se encontravam à data da mudança de instalações.
MCreferiu que há no local material novo de uma representada da R. O mesmo equipamento é exibido nas fotografias juntas com o relatório pericial, conforme fls. 160. Essa presença, como emergiu dos esclarecimentos do perito e do aspecto das embalagens, era, à data da deslocação ao local no âmbito da perícia, extremamente recente, não existindo outros indícios de que materiais novos aí sejam colocados consistentemente - nem se compreenderia tal depósito em face da localização efectiva da R..

Podemos, pois, concluir que foi acertada a resposta ao facto provado nº 20.

Facto não provado B)
A sentença deu como não provado:
“Que a R. tenha adaptado o andar para armazenamento de material mais resistente e serviços técnicos, mas apenas que aí foram deixados alguns materiais, que técnicos vão buscar quando deles necessitam para proceder a reparações de equipamentos mais antigos”.

Entende a ré que tal facto deve ser considerado como provado.

A testemunha CA referiu que a última vez que foi ao local, que situa no ano de 2012, foi à Almirante Reis entregar equipamentos ao Mário para reparar.
A testemunha MC afirmou que vai com frequência à Almirante Reis fazer reparações com componentes que extrai dos equipamentos aí existentes e que no locado encontram-se armazenados componentes e Speeds necessários às reparações, bem como equipamento novo ainda embalado da empresa representada EBS.

A testemunha FC, que prestou serviços de técnico de bancada à Ré, até ao ano de 2016, explicou como se processou a mudança dos serviços para as novas instalações e os serviços de técnica que continuaram a laborar na Almirante Reis, serviços de técnica que era prestado pelo próprio e pela testemunha MC.

Confrontando a pretensão da apelante com o relatório pericial de fls 133 a 140, há que concluir que a resposta negativa ao facto em análise foi correctamente elaborada.
Assim, a resposta ao quesito 3º é a seguinte:
Verifica-se em parte do espaço de maiores dimensões que confronta com a Avenida Almirante Reis, a existência de algum material embalado com aspecto recente e a existência de iluminação eléctrica.
Todos os restantes espaços e parte deste encontram-se vazios ou servem como arrecadação, apresentando-se degradados e sujos, com material amontoado, recoberto de pó, sem qualquer indício de ocupação ou de utilização efectiva”
Resposta ao quesito 4º:
Verifica-se em grande parte dos espaços a tinta e estuques sem pintura e muito degradados, encontrando-se em alguns deles buracos em paredes e tectos”.
Resposta ao quesito 7º:
(…) Constata-se que o interior se encontra muito degradado, sem manutenção nos pavimentos, paredes, tectos e vãos interiores e exteriores, verificando-se a existência de infiltrações em paredes e tectos, resultando por vezes na queda parcial dos mesmos”.
Resposta ao quesito 8º:
“Verifica-se a existência de dois espaços com infiltrações graves em tectos que provocaram a podridão e degradação profunda da estrutura e a queda de estuque, considerando-se razoável afirmar que estas áreas se encontram presentemente em risco de ruir”.
Resposta ao quesito 10º:
Verifica-se a existência de fissuras nos estuques das paredes e tectos de vários espaços, apresentando-se alguns deles muito degradados”.
Resposta ao quesito 11º:
“ O estado do imóvel não é consentâneo com a sua utilização como escritório nem como armazém, encontrando-se sujo e degradado, sem qualquer vestígio de manutenção, limpeza e utilização contínua ou diária”
Resposta ao quesito 12º:
Com excepção da zona da entrada e escritório do lado direito e do espaço sobre a Av. Almirante Reis, onde se constata ter existido uma intervenção nos anos 80/90, considera-se razoável afirmar que nenhum outro espaço parece ter tido qualquer manutenção nos últimos quinze a vinte anos, (sublinhado nosso) resultando daí a sua degradação.
Resposta ao quesito 14º:
De forma geral a degradação que se verifica nos locais mencionados indicia não haver utilização dos espaços (sublinhado nosso).
Resposta ao quesito 15º:
Constata-se não existir qualquer tipo de manutenção no interior das fracções, resultando esta ausência no estado de degradação encontrada. Verifica-se parcialmente existirem vestígios de obras e infiltrações provenientes dos pisos superiores que provocaram a degradação profunda dos tectos e paredes, mas verifica-se que estas ocorrências não tiveram também qualquer tipo de reparação ou tratamento.

Análise crítica da prova
As conclusões da prova pericial são totalmente incompatíveis à pretensão da recorrente em querer ver provado que o locado foi adaptado para armazenamento de material mais resistente e serviços técnicos.
Assim, mantém-se a resposta negativa ao facto em questão.

Facto não provado C)
A sentença deu como não provado:
“Que por não ter podido usar o 1º andar a R. tenha perdido clientes e sofrido diminuição de lucros de pelo menos €45.000.00.

Argumenta a ré, ora apelante, que tal facto merece resposta positiva.
Testemunha NC
Refere que “prejudicou e de que maneira, a vários níveis, para já uma empresa que está no mercado gosta de se mostrar da maneira mais digna possível e realmente em determinado momento perdemos essa dignidade porque bastava o espaço e o estado decorrente que tínhamos nos sanitários parecia caso caricato que quem estava a usar o sanitário tinha que estar com atenção se ia cair água se ia cair alguma coisa do tecto, porque realmente havia ali alguns problemas, ao nível de receber clientes, de receber parceiros de negócios, fornecedores estrangeiros, banca, todo o nosso envolvimento ficava algo prejudicado a esse nível”; “ao nível mais crítico que foi o ponto das vendas notou-se quando a degradação se tornou absolutamente incontornável e agravou-se penso que aconteceu durante o ano de 2007, foi um ano muito problemático, notou-se ao nível desde logo das vendas e essencialmente dos serviços técnicos que tivemos que andar a mudar de sala para sala e portanto ficamos com as nossas receitas comprometidas porque tivemos que começar a preparar outro espaço para mudar pessoas;” ”Pelos problemas que existiam e existem naquele espaço ficamos com a qualidade da nossa actividade comprometida, isso teve reflexo nas vendas e essencialmente nos serviços prestados e depois há aqui uma questão que temos que recuar há 10 anos, há 10 anos o mercado era diferente do que hoje é, hoje temos as redes sociais, o marketing, tem outra eficácia que há 10 anos não tinha, ou seja por muito que nós tivéssemos tentado no nosso universo de clientes e na nossa abordagem ao mercado, via site, para dar a conhecer a nova morada, ou seja o custo de aquisição dos clientes. Ou seja, fazer de alguma forma uns bypass da área comercial para outro local foi catastrófico porque não surtiu resultados imediatos e foram bastantes demorados”. Conseguimos de alguma forma quantificar por exemplo o ano de 2007, foi o momento crítico, foi já aquele ano seriamente condicionado por esses motivos e que no final de 2007 iniciamos a deslocação dos serviços comerciais para Marvila foi o ano que seguramente entre vendas e serviços prestados perdemos 25% da nossa facturação.” “Em 2006 tivemos receitas de cerca de um milhão e trezentos e no ano de 2007 não chegamos sequer a um milhão.”

Argumenta ainda a ré que, com a contestação foram juntos documentos donde resulta notoriamente a diferença entre as vendas ocorridas entre o ano de 2006 e 2007, designadamente a perda de receita na ordem dos 25%. Da valoração destes documentos, conjugado com o depoimento da testemunha NC, deveria ter resultado como provado que por não ter podido usar o 1º andar a ré tenha perdido clientes e sofrido diminuição de lucros de pelo menos 25% na sua receita.

Análise crítica da prova
Não existe no processo qualquer prova de perda de clientes e diminuição de lucros de pelo menos de €45.000.00 em 2007 por não ter podido usar o 1º andar.
O depoimento de NC, consultor financeiro da ré, não é convincente, pois não conseguiu provar o nexo causal entre a alegada diminuição de lucros em 2007, por perda de clientes, por não ter podido usar o 1º andar. O seu depoimento foi “ manifestamente escasso, inconsistente, lacunar e genérico”, no dizer da douta fundamentação da sentença (Cfr fls 189).
A apelante apenas juntou uma folha com o título “Demonstração dos Resultados Por Naturezas (Artigo 3º do DL 410/89”, (fls 86) rubricada por um Técnico de Contas em 31.12.2007, o que é manifestamente insuficiente para considerar este facto como provado.

Desta forma, mantém-se a resposta negativa em relação ao facto em questão.

Facto não provado D)
A sentença deu como não provado:
- Que a R. tenha dado conhecimento do estado do imóvel ao senhorio e que o tenha instado a proceder a obras anteriormente à carta de 25-2-2013.

Entende a apelante que o tribunal deveria ter dado como provado este facto.
Testemunha NC
Em síntese, disse que “essa situação foi avaliada, foi prontamente comunicada não a estes senhores, mas ao solicitador Dr. JR, que foi com quem sempre tivemos contacto até Abril, Maio ou Junho de meados do ano passado. Portanto toda a comunicação e houve contactos regulares porque tanto mais, se me permite, a renda era paga nos escritórios do procurador dos senhores proprietários e eu dirigia-me à Amália Vaz de Carvalho para o efeito e frequentes vezes reuni com o Dr. JR e outras vezes não se pode chamar reuniões porque foi ocasional o nosso encontro, mas dominou e foi denominador com as minhas idas mensais a pagar a renda, o alerta, a insistência, reforçar a situação dos danos que haviam da perigosidade e da falta de condições que havia para continuarmos a laborar lá;
A testemunha confirmou que ele próprio denunciou a situação da degradação do imóvel ao Dr. JR, procurador dos proprietários, e que em resposta obtinha do mesmo “o Dr. JR indubitavelmente conheceu os problemas, porque esteve, não só falou comigo como esteve no espaço, como falou com o gerente da empresa, Sr. Filipe Canadas, como recebeu um relatório que nós promovemos e custeamos, um levantamento dos problemas que existiam na fracção ao nível de danos, estrutura e possível orçamentação e pusemos toda essa informação ao conhecimento do Dr. JR”; “relativamente às nossas insistências, alertas e reclamações havia aqui uma gestão que o Dr. JR tentava nos sensibilizar ou dava como resposta que os senhores proprietários tinham muito património mas rendimentos que tiravam desse património não permitia fazer face a grandes investimentos, ou face aquela obra que seria avultada, penso que o Dr. JR terá também encomendado orçamentação dessa reparação e revelava-se muito elevado e não podiam custear. Inclusivamente, não com os senhores proprietários, mas com o pai dos proprietários, Carlos Carmo, foi referido essa questão que era um valor que não podiam fazer face, era muito elevado a orçamentação. O Dr. JR referiu-se que estavam aí obras no valor de 50 mil euros, eu acho exagerado, não conheço de todo o que estava ali orçamentado, mas foi essa a questão, não havia disponibilidade de tesouraria não havia capacidade financeira”.
(…)“ A Alrica era utilizadora do espaço e aí fui lá ver e depois presumo que tenha deixado de utilizar o espaço porque a indicação da Alrica, que me diziam é que o espaço deixava de ter condições para utilizar, dito pela Alrica, é claro”.

JR,
Quando questionado se ouviu queixas da Alrica, responde que “possivelmente fizeram, mas que chegasse aos meus ouvidos não, isso quem tratava disso era o outro senhor que era o responsável, o senhor JR”.

Na fundamentação da douta sentença consta o seguinte:
“Não se provou que a R. tenha dado conhecimento do estado do imóvel ao senhorio e que o tenha instado a proceder a obras anteriormente à carta de 25-2-2013 por inexistir prova documental atinente. A única alusão consistente a este propósito foi a de NC, no sentido de que foi sendo dado conhecimento ao procurador dos senhorios, JR, com entendimento, alegadamente, mútuo de que as obras eram caras”.

Análise crítica da prova
A prova testemunhal é nula a este respeito e a única A única referência a obras é a prova documental existente nos autos de uma troca de correspondência em 2013, por iniciativa do então procurador dos autores, JR, em que se pretendia o aumento de rendas – carta de 24 de Janeiro de 2013 (fls 67) e resposta da ré de 25 de Fevereiro de 2013 (fls 68 e 69).
A proposta era aumentar a renda do 1º andar esquerdo da quantia de €166.00 para a quantia de €488,44,a partir de 01.03.2013 o que foi rejeitado pela R, que invocou pela primeira vez o “estado de total degradação em que o imóvel se encontra” e “em estado de ruína eminente” ( Cfr fls 69).

Assim, sem necessidade de maiores considerações, mantém-se a resposta negativa em relação ao facto em questão.

A QUESTÃO DE DIREITO

Como bem se observa na douta sentença, a questão central da acção reside em descortinar se se verifica algum ou alguns dos fundamentos invocados pelos autores para a resolução pedida, seja a alteração da configuração interna do locado, seja o não uso e a deterioração. A alternativa consiste em aferir se, ao revés, o não uso, ou uso extremamente mitigado, é justificado pelo estado do imóvel e se esta privação ou diminuição é imputável aos senhorios, devendo estes indemnizar a inquilina.

Preceitua o artigo 1083.º do Código Civil o seguinte:
1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:
a) A violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;
b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública;
c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina;
d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do art.º 1072.º;
e) A cessão total ou parcial temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida e ineficaz perante o senhorio.
3 - É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos números 3 e 4 do artigo seguinte.
4 - É fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado.
Este artigo concede ao senhorio a possibilidade de resolver o contrato com fundamento no incumprimento das obrigações do arrendatário, mas essa resolução é sujeita a certos condicionalismos. Assim, não é todo e qualquer incumprimento das obrigações do arrendatário que determina a resolução, exigindo-se que esse incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento (artº 1083º nº 2, in fine)). A lei procede à tipificação de algumas situações de resolução do contrato, havendo outras que poderão igualmente enquadrar-se na cláusula geral a que se refere o proémio do artº 1083º nº 2. Efectivamente, como bem salienta David Magalhães, A Resolução, pág. 101 “ pela primeira vez entre nós, a extinção antecipada do arrendamento urbano não se funda, relativamente ao senhorio, num elenco fechado de motivos resolutivos, oferecendo-se ao juiz margem de apreciação da relevância extintiva dos incumprimentos invocados”[6].

É obrigação do locatário não fazer da coisa uma utilização imprudente – artigo 1038º alª d) do Código Civil.
O artigo 1043º nº 1 preceitua que o arrendatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.
Se esta norma for violada, de forma grave ou com consequências gravosas, haverá que concluir que o contrato é resolúvel nos termos gerais do artº 432º e segs do Código Civil.

O fundamento resolutivo mais plausível, de acordo com a matéria de facto provada, é o que nos é apontado pelo nº 2, alínea d) do artigo 1083º, ou sejam o não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no nº 2 do artº 1072º.
Este fundamento compreende-se pelo facto de o arrendatário ter uma obrigação de utilização do local arrendado (artº 1072º), em ordem a evitar a desvalorização que está normalmente associada ao não uso. Deve, por isso, considerar-se que pode constituir fundamento de resolução do contrato não apenas a abstenção integral de utilização do locado, mas também uma redução na sua utilização de tal forma significativa que prejudique o valor do locado[7].
Quanto ao estado de conservação, ou, melhor dizendo, de degradação dos espaços arrendados, provou-se que:
- a tinta e o estuque de paredes dos tectos e de paredes caíram, com buracos à vista (12º);
- há vidros de janelas partidos (13º);
- há ratazanas (14º);
- parte dos tectos ameaçavam e ameaçam ruir (17º);
- o chão tinha e tem buracos (18º);
- as paredes tinham e mantêm frinchas (19º).
 Como bem observa a douta sentença, o imóvel foi-se deteriorando, com infiltrações e humidades. O estado de conservação do imóvel há-de ser analisado em conjugação com o uso que lhe vem sendo dado pela R..
E a este propósito está provado que:
- Usa o 1.º andar exclusivamente como armazém de materiais usados que aí podem ser encontrados para reparações, estando de resto votado ao abandono, como arrecadação de caixas e caixotes, latas, aparelhos eléctricos e aparelhagens, trapos, plásticos, fios eléctricos, pneus, velho, deteriorados, sujos e amontoado (11º).
- A partir de 2002 a R. retirou os seus funcionários e colaboradores, tendo-os deslocado para novas instalações, onde passaram a laborar em pleno os seus serviços (20º):

O locatário tem a obrigação de avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado pelo locador (artigo 1038º alínea h) do Código Civil).
Como bem refere a douta sentença, decorre inequivocamente do processado que o imóvel carecia de obras de manutenção e conservação do imóvel e que dificilmente disporia de condições bastantes para ser usado enquanto escritório, loja, oficina e armazém, tudo destinos que começou por suportar às mãos da R.
Impendia, porém, sobre a inquilina o ónus de advertir a A. para as previsíveis consequências da ausência de obras, da sua intenção de retirada de bens e desocupação do locado. Como decorre das disposições legais citadas, era-lhe exigível que vigiasse adequadamente o local que ocupou e sobre o qual detinha um domínio exclusivo e os bens nele existentes. Cumpria-lhe advertir a A. para as previsíveis consequências da manutenção da situação. Concorreu, desta forma, activamente, para a situação do imóvel.
Os factos provados apontam claramente para o não uso do locado por mais de um ano, previsto no artigo 1083º nº 2, alínea d) do Código Civil, não se mostrando reunidas as condições para que a situação contratual se mantenha entre autores e ré, pelo que a resolução do arrendamento deve ser decretada.

CONCLUSÕES

- O artigo 1083º do Código Civil concede ao senhorio a possibilidade de resolver o contrato com fundamento no incumprimento das obrigações do arrendatário, mas essa resolução é sujeita a certos condicionalismos.
- Assim, não é todo e qualquer incumprimento das obrigações do arrendatário que determina a resolução, exigindo-se que esse incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento (artº 1083º nº 2, in fine)).
- O fundamento resolutivo previsto no artigo 1083º nº 2 alª d) do Código Civil compreende-se pelo facto de o arrendatário ter uma obrigação de utilização do local arrendado (artº 1072º), em ordem a evitar a desvalorização que está normalmente associada ao não uso.
- Deve, por isso, considerar-se que pode constituir fundamento de resolução do contrato não apenas a abstenção integral de utilização do locado, mas também uma redução na sua utilização de tal forma significativa que prejudique o valor do locado.
- A partir de 2002 a ré retirou do locado os seus funcionários e colaboradores, tendo-os deslocado para novas instalações, onde passaram a laborar em pleno os seus serviços, pelo que se verifica o fundamento resolutivo previsto no artigo 1083º nº 2 alª d) do Código Civil.

III - DECISÃO

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 21 de Junho de 2018

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Prazeres Pais
 
Isoleta de Almeida Costa

[1] Alberto dos Reis, in C.P.Civil Anotado, vol, V, pág 142 e A. Varela, J.M. Bezerra e S. e Nora, in Manual de Processo Civil, 1984, pág. 671.
[2] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina 1982, pág 141 e 142.
[3] Proc. nº 341/08.9TCGMR.G1.S2, in www.dgsi.pt/jstj
[4] Ac. RC de 15.4.08, Proc.1351/05.3TBCBR.C1, in www.dgsi.pt/jtrc.
[5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 235.
[6] Luís Menezes Leitão, “Arrendamento Urbano”, 2013, 6ª Edição, pág. 141/142.
[7] Ac. RG de 22.2.2011, in CJ I/2011, pág 308, citado por Luís Menezes Leitão, ob cit.