Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16681/18.6T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
RECONHECIMENTO DO DIREITO
PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Sumário: 1. O prazo de prescrição de três anos a que alude o art. 498.º, n.º 1, do C.C., conta-se a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que o mesmo, uma vez conhecedor da verificação dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
2. Toda e qualquer ocorrência situada a jusante daquele momento pode assumir relevo, sobretudo para efeitos de interrupção ou suspensão da prescrição, mas não para a determinação do início da contagem do prazo da mesma.
3. O que releva para efeitos de início da contagem do prazo prescricional não é o conhecimento jurídico, pelo lesado, do respetivo direito, mas, simplesmente o conhecimento dos factos constitutivos desse direito, como por exemplo saber que o ato foi praticado e que daí resultaram danos que se repercutiram na sua esfera jurídica.
4. O reconhecimento do direito efetuado pelo devedor perante o respetivo titular para efeitos de interrupção da prescrição corresponde a uma declaração de ciência e não a uma declaração de vontade.
5. Trata-se de um ato que não é necessariamente formal, podendo ser um reconhecimento expresso ou tácito, ainda que neste último caso seja necessário que resulte de factos que inequivocamente o exprimam, o que é mais exigente do que a regra geral sobre declarações tácitas.
6. O pagamento, mas também atos como o pedido de uma dilação, a constituição de uma garantia ou a promessa de cumprir terão esta eficácia interruptiva, se contiverem um reconhecimento inequívoco, mesmo que tácito, da continuada existência da obrigação.
7. A interrupção da prescrição deve ser provada por quem a alega.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
ST, Lda., intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Cível de Lisboa, tendo sido distribuído pelo Juiz 1, a presente ação declarativa contra L Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 15.896,66, acrescida de juros de mora contados desde a citação.
Alega para o efeito, em suma, que no dia 11 de Abril de 2015, pelas 00h:30m, na Rua ____, em Lisboa, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes:
- o seu veículo automóvel de passageiros, de marca ____, modelo ____, com a matrícula NQ, conduzido na altura por AF, na qualidade de motorista;
- o veículo automóvel de marca ____, com a matrícula SM, pertença de AJN à data do acidente, e pelo mesmo conduzido.
O condutor do SM foi o único responsável pela produção do acidente, em consequência do qual a autora sofreu danos patrimoniais naquele montante, pelos quais pretende ser indemnizada pela ré.
Apenas em 12 de julho de 2018 instaurou a presente ação contra a L, S.A., por estar convencida que a seguradora responsável para proceder à sua indemnização pelos danos sofridos em consequência do acidente, era a M PORTUGAL - Companhia de Seguros, SA., contra a qual instaurou a respetiva ação indemnizatória.
No entanto, por sentença de 9 de março de 2017 e por acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa datado de 21 de junho de 2018, foi entendido que a autora não ilidiu a presunção de culpa do condutor do NQ na produção do acidente, decorrente do disposto no art. 503.º, n.º 3, do C.C., equiparada que foi a culpa efetiva, concluindo-se no sentido de não ser possível responsabilizar a seguradora do SM pelo pagamento da indemnização reclamada pela autora, em consequência dos danos ocorridos na sua viatura.
Face ao teor da sentença de 9 de março de 2017, em 20 de Março de 2017, a autora contatou a L, S.A., ora ré, seguradora com a qual havia celebrado um contrato de seguro titulado pela apólice ____, que cobria os danos próprios do NQ, participando o acidente e reclamando o pagamento dos danos sofridos por esta viatura.
A ré, após solicitação de vários documentos, declinou a responsabilidade pelo pagamento de qualquer indemnização à autora, decorrente do referido acidente.
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A ré contestou, começando por arguir a exceção perentória consistente na prescrição do direito que a autora pretende fazer valer através da presente ação, defendendo-se, no mais, por via de impugnação.
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A juíza a quo, por despacho de fls. 95 dos autos, datado de 30 de outubro de 2019, com a Ref.ª 380912437, invocando o princípio da adequação formal, ordenou a notificação da autora para se pronunciar sobre a exceção perentória de prescrição deduzida pela ré, com o argumento, além do mais, de que tal procedimento se lhe afigurava de «toda a conveniência, para o normal desenvolvimento da lide, bem como para uma menor complexidade da audiência prévia, que tal exercício seja apresentado em momento anterior à sua realização, uma vez que desta forma se evitam os previsíveis problemas que surgirão no início da audiência com o exercício desse tipo de resposta à contestação, em virtude da necessidade de fazer funcionar o princípio do contraditório».
 Tal despacho, a ordenar a notificação da autora para se pronunciar sobre a exceção perentória deduzida pela ré, foi, assim, proferido com o objetivo de facilitar os trabalhos da audiência prévia, o que se aceita.
Notificada desse despacho, a autora, conforme já referido, apresentou articulado no qual respondeu à exceção perentória, pugnando pela sua improcedência.
Sucede, no entanto, que apresentado tal articulado, com fundamento na desnecessidade de «assegurar o contraditório em relação à excepção de prescrição, e considerando as posições adoptadas pelas partes, que já se encontram suficientemente debatidos nos articulados e os termos do litígio em apreço», afigurou-se à juíza a quo, «atento o princípio da celeridade e economia processual, conhecer da excepção invocada», «proferir, de imediato, a respectiva decisão» nos termos dos arts. 6º, 7º e 547º do CPC.
Consequentemente, sem sequer:
- ter consultado as partes, nos termos do art. 3.º, n.º 3, do C.P.C., no sentido de indagar se se opunham à dispensa da audiência prévia, de forma a garantir, além do mais, o contraditório quanto à gestão processual;
- ter prevenido as partes, de forma fundamentada, sobre a solução do litígio, o que implicaria a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes,
sendo certo que caso de alguma das partes não concordasse com a dispensa de realização da audiência prévia, esta deveria obrigatoriamente realizar-se, a juíza proferiu saneador-sentença que julgou procedente a exceção perentória invocada pela ré, consistente na prescrição do direito alegado pela autora, em consequência do que a absolveu do pedido.
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Inconformada com tal decisão, a autora interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
1ª – Como resulta dos autos a recorrente, inicialmente, intentou uma ação contra a Caravela – Companhia de Seguros, SA, cujo processo seguiu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível, Juiz 20.
2ª – A recorrente estava convencida que o segurado da Caravela era o responsável pelo acidente, coisa que não se logrou provar e o AC do Tribunal da Relação de Lisboa junto aos autos em 18/12/2018, veio confirmar essa improcedência.
3ª – Despois deste acórdão, em tempo, a recorrente contactou a recorrida no sentido de acionar os danos próprios por os ter e ser a sua companhia seguradora.
4ª – O acidente ocorreu no dia 11 de abril de 2015, às 00h30m, tendo a sentença no processo acima identificado ocorrido em 10/03/2017, tendo considerado a ação improcedente.
5ª – Em 20 de março de 2017 o mandatário da recorrente contactou a recorrida que o seu veículo tinha sofrido um acidente, não tinha participado danos próprios, porque pensava que o terceiro era o responsável, vide artigo 3.º da P.I., doc. 3, o qual se transcreve, na parte final: “Dado que a nossa cliente tem seguro contra todos os riscos na vossa companhia, venho pela presente, participar este acidente, reclamando os valores que ao caso couber e referidos na Petição Inicial, que junto.”
6ª – Esta comunicação foi feita em 20 de março de 2017, às 15h35m.
7ª – A recorrida respondeu em 05 de abril de 2017, às 11h19m, tendo no essencial dito o seguinte: “Em resposta à mesma, temos a informar que o presente processo de sinistro foi reaberto para regularização, através da cobertura facultativa de Choque, Colisão ou Capotamento, dos danos reclamados.”.
8ª – Ora no nosso entender a prescrição foi interrompida com a aceitação por parte da recorrida da reabertura do processo, pelo que, no presente caso, não tem aplicação o disposto no artigo 576.º, n.º 3 do CPC.
9ª – Antes pelo contrário, como a recorrida aceitou a reabertura do processo, tendo a prescrição sido interrompida nos termos do artigo 325.º, n.º 1 do CC, pelo que, a ação tinha necessariamente de prosseguir.
10ª – No presente caso, o M. Juiz “a quo” deveria ter considerado que a prescrição tinha sido interrompida com a negociação que a recorrida aceitou desenvolver com a recorrente e deixado prosseguir a instância.
11ª – Não o tendo feito violou, por errada aplicação e interpretação o disposto nos artigos 576.º, n.º 3 do CPC e 325.º, n.º 1 do CC.
Devendo pois a presente sentença ser revogada e substituída por outra que deixe prosseguir a demanda, nos seus termos até final, considerado que a prescrição se encontra suspensa.
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A apelada não apresentou contra-alegações.
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, neste recurso importa decidir:
- se à data da instauração desta ação se encontrava prescrito o direito que através dela a autora pretende fazer valer; ou,
- se a prescrição se interrompeu face ao teor da missiva enviada pela ré à autora no dia 5 de abril de 2017.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A juíza a quo decidiu a exceção perentória de prescrição do direito que a autora pretendia fazer valer através desta ação, sem que tivesse discriminadamente enunciado os factos licitamente admitidos por acordo, provados por documentos e por confissão.
Limitou-se, no que respeita à enunciação de factos, em sede de enquadramento jurídico, a afirmar o seguinte:
«O acidente em causa nos autos ocorreu no dia 11 de Abril de 2015, e a acção deu entrada em Tribunal no dia 12 de Julho de 2018, ou seja, muito para além do prazo de três anos previsto no citado artigo 498º, nº1.
Importa, no entanto, saber se ocorreu alguma causa de interrupção da prescrição, nos termos constantes dos artigos 323º e sgs. do Código Civil.
No caso em análise, a autora alega que contactou a ré em 20 de Março de 2017 para accionar a apólice de danos próprios e esta ultima, por sua vez, na sequência disso, solicitou-lhe documentos mas esta declinou a responsabilidade – cf. correspondência trocada pelas partes junta aos autos».
Nada mais, quer em termos de enunciação factológica, quer em termos de motivação da decisão de facto.
Seja como for, este tribunal ad quem está em condições de decidir o objeto do recurso, passando, ele próprio, a enunciar os factos assentes para o efeito relevantes:
1. No dia 11 de abril de 2015, pelas 00h:30m, na Rua ____, junto ao ____, Lisboa, ocorreu um acidente de viação;
2. O veículo de marca _____, com a matrícula SM, pertença de AJN e pelo mesmo conduzido, foi interveniente nesse acidente;
3. O veículo de marca ____, modelo ____, com a matrícula NQ, pertença da autora, e então conduzido por ACF, motorista daquela, foi igualmente interveniente nesse acidente;
4. Na sequência desse acidente o NQ sofreu estragos;
5. A autora instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Local Cível, tendo sido distribuída pelo Juiz 20, ação declarativa de condenação, à qual foi atribuído o n.º ____/__, contra M PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A., para qual, à data referida em 1., se encontrava transferida a responsabilidade civil decorrente da circulação do SM, pedindo a condenação desta a pagar-lhe os prejuízos para si decorrentes daquele acidente;
6. No dia 9 de março de 2017 foi proferida sentença no processo identificado 5., que absolveu a M PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A., do pedido contra si formulado pela autora;
7. Essa sentença foi confirmada por acórdão desta Relação, datado de 21 de junho de 2018;
8. No dia 20 de março de 2017, o Dr. CR enviou à aqui ré L, S.A., e-mail com o seguinte teor:
«(...)
A nossa cliente ST, Lda., teve um veículo seu, matrícula NQ, envolvido num acidente ocorrido em 11 de abril de 2015, pelas 00:30 na Rua ____, em Lisboa, não tendo na altura participado à sua seguradora, danos próprios, uma vez que lhe pareceu que era um terceiro o responsável pelo acidente.
Dado que a nossa cliente tem seguro contra todos os riscos na vossa companhia, venho pela presente, participar este acidente, reclamando os valores que ao caso couber e referidos na Petição Inicial que junto».
9. A aqui ré L, S.A., respondeu através de e-mail datado de 5 de abril de 2017, com o seguinte teor:
«(...)
Acusamos a receção da missiva enviada por V. Exa., a data de 20 de março de 2017, a qual mereceu a nossa melhor atenção.
Em resposta à mesma, temos a informar que o presente processo de sinistro foi reaberto para regularização, através da cobertura facultativa de Choque, Colisão ou Capotamento, dos danos reclamados.
Verificámos que na documentação rececionada consta a peritagem efetuada ao veículo seguro, no entanto, não estão anexadas as fotografias dos danos. Informamos que essa documentação é essencial para que o nosso departamento técnico analise/valide o relatório de peritagem apresentado.
Assim sendo, ficamos a aguardar a receção das fotografias dos danos».
10. No dia 26 de maio de 2017, a ré enviou ao Dr. CR, um e-mail com o seguinte teor:
 «(...)
Informamos que após análise dos elementos que compõem a nossa instrução, verificámos que:
1. o sinistro ocorreu a 11 de abril de 2015;
2. o sinistro nos foi reclamado pelo terceiro “SM” em 14 de abril de 2015;
3. após o 1º contacto para o segurado, ocorrido a 15 de abril de 2015, o Sr. LS informou-nos que o segurado não pretendia acionar a cobertura facultativa de Choque, Colisão ou Capotamento, uma vez que não se considerava responsável pelo sinistro, tendo reclamado o mesmo junto da M, S.A.;
4. solicitámos ao segurado e mediação, em 15 de abril de 2015, o envio de Participação de Acidente;
5. o quadro de responsabilidades no sinistro foi definido em 05 de maio de 2015;
6. o sinistro nos foi participado, pelo representante do segurado em 20 de maio de 2017, após sentença em ação judicial solicitando nesta data o acionamento da cobertura facultativa de Choque, Colisão ou Capotamento;
7. após análise da documentação enviada, nomeadamente o relatório de peritagem, verificámos que o mesmo não foi efetuado pela companhia M, S.A., contrariando assim a informação prestada aquando do primeiro contacto.
Face ao exposto, e tendo em atenção que nunca nos foi disponibilizada a viatura segura para que fosse realizada a vistoria aos danos existentes, lamentamos, mas não nos será possível responder pelos danos reclamados e consequentes despesas contraídas (...)»;
11. A autora ST, Lda., intentou a presente ação contra a ré L Companhia de Seguros, S.A., no dia 12 de julho de 2018.
Motivação:
A factualidade descrita em 1 a 11 está assente por acordo das partes, sendo que os enunciados descritos em:
- 1. a 7. sempre resultariam provados pelo teor dos documentos cujas cópias constam de fls. 11 vº (cópia da declaração amigável de sinistro), 12-13 (cópia do título de registo do NQ), 14-17 (cópia do auto de participação do acidente viação elaborado pela PSP), 23-35 (cópia do relatório de peritagem do NQ na sequência do acidente) e 103-116 (certidão da sentença proferida no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local de Lisboa –  Juiz 20, datada de 9 de março de 2017 e do Ac. da R.L. de 21 de junho de 2018)
- 8. a 10., sempre resultariam provados pelo teor dos e-mails, cujas cópias constituem os documentos de fls. 9vº, 10 e 11;
- 11. sempre resultaria provado pelo teor de fls. 39 dos autos, donde consta a data da entrada em juízo da ação.
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3.2 – Enquadramento jurídico:
Dispõe o art. 498.º, n.º 1, do C.C., «o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso».
Afirma-se na decisão recorrida que «o acidente em causa nos autos ocorreu no dia 11 de Abril de 2015, e a acção deu entrada em Tribunal no dia 12 de Julho de 2018, ou seja, muito para além do prazo de três anos previsto no citado artigo 498º, nº1.
Importa, no entanto, saber se ocorreu alguma causa de interrupção da prescrição, nos termos constantes dos artigos 323º e sgs. do Código Civil.
No caso em análise, a autora alega que contactou a ré em 20 de Março de 2017 para accionar a apólice de danos próprios e esta ultima, por sua vez, na sequência disso, solicitou-lhe documentos mas esta declinou a responsabilidade (...).
Ou seja, a ré não coloca em causa que foi contactada pela autora, mas decorre da mencionada correspondência trocada entre as partes que a ré não aceitou indemnizar os danos reclamados por aquela.
Com efeito, a correspondência trocada entre as partes e junta aos autos não tem a virtualidade de interromper a prescrição nos termos do artigo 325º do Código Civil, pois, como é patente naquela correspondência e alegado pela própria a autora, a ré declinou a sua responsabilidade.
Em suma, não tendo havido reconhecimento do direito, a prescrição não se mostra interrompida conforme disposto no citado artigo 325º.
Impõe-se, pois, concluir, sem necessidade de mais considerações, que a excepção peremptória de prescrição deduzida pela ré deve ser declarada procedente».
Não existem dúvidas que o prazo prescricional a considerar, não estando alegado ou configurado qualquer ilícito criminal, é o prazo de três anos a que alude o citado n.º 1 do art. 498.º do C.C.
Um tal prazo conta-se a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que o mesmo, uma vez conhecedor da verificação dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
Toda e qualquer ocorrência situada a jusante daquele momento, pode assumir relevo, sobretudo para efeitos de interrupção ou suspensão da prescrição, mas não para a determinação do início da contagem do prazo da mesma.
No caso concreto, o início da contagem do prazo da prescrição situa-se na data em que se deu o sinistro, ou mais corretamente, no dia seguinte à sua ocorrência, uma vez que o próprio dia não conta, conforme resulta dos arts. 296 e 279º al. b) do C.C.
Nada há nos autos que indique, nem o autor alega tal, que não teve conhecimento do seu direito no momento do acidente, ou seja, que só teve conhecimento do seu direito em data subsequente à ocorrência do sinistro.
Pelo contrário, aquilo que os autos revelam é que teve conhecimento desse seu direito, pois que o exercitou contra uma outra seguradora, a M, relativamente à qual, por sentença de 9 de março de 2017, proferida sentença no processo identificado 5., e confirmada por acórdão desta Relação datado de 21 de junho de 2018, foi descartada qualquer responsabilidade.
É mister salientar neste momento que aquilo que releva para efeitos de início da contagem do prazo prescricional não é o conhecimento jurídico, pelo lesado, do respetivo direito, mas, simplesmente o conhecimento dos factos constitutivos desse direito, como por exemplo saber que o ato foi praticado e que daí resultaram danos que se repercutiram na sua esfera jurídica.
Ora, foi só a partir da notificação daquela sentença que a autora, cerca de dois anos depois da ocorrência do acidente, “virou agulhas” para a aqui ré, sendo irrelevante e inconsequente, para efeitos de determinação da data do início da prescrição, a alegação, na petição inicial, de que estava convencida que, relativamente a si, a responsabilidade indemnizatória decorrente do acidente, recaia sobre a M, S.A..
Aliás, trata-se de uma questão que a autora “deixou cair” em sede de conclusões do recurso, assentando agora “baterias” no teor:
a) do e-mail que o seu advogado enviou à ré no dia 20 de março de 2017;
b) do e-mail que da ré recebeu em 5 de abril de 2017,
para defender a interrupção do prazo de prescrição do direito que pretende fazer perante a ré L, S.A.
O teor do e-mail referido em a) não tem o efeito de obstar ao decurso normal do prazo prescricional, não configurando uma situação de interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito.
A promoção da interrupção pelo titular do direito apenas releva de efetuada pelos meios jurisdicionais previstos no art. 323º.º, n.º 1, do C.C.: «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente».
O teor do e-mail do e-mail referido em b) também não configura uma situação de reconhecimento, pela ré, do direito do autor.
Dispõe o art. 325.º, do C.C.:
«1. A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
2. O reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam».
Conforme refere Júlio Gomes, «para a doutrina dominante o reconhecimento corresponde a uma declaração de ciência e não a uma declaração de vontade. Trata-se de um ato que não é necessariamente formal, podendo ser um reconhecimento expresso ou tácito, ainda que neste último caso seja necessário que “resulte de factos que inequivocamente o exprimam”, o que é mais exigente do que a regra geral sobre declarações tácitas. Assim, o pagamento, mas também atos como o pedido de uma dilação, a constituição de uma garantia, a promessa de cumprir terão esta eficácia interruptiva, se contiverem um reconhecimento inequívoco, mesmo que tácito, da continuada existência da obrigação», devendo a interrupção da prescrição ser provada por quem a alega[i].
O que se afirma no e-mail enviado pela ré ao advogado da autora no dia 5 de abril de 2017, é que aquela reabriu o (seu) processo administrativo de sinistro com vista à regularização do mesmo.
Ora, isto não configura um reconhecimento inequívoco do direito da autora perante a ré, tanto mais que no mesmo e-mail se afirma o seguinte: «Verificámos que na documentação rececionada consta a peritagem efetuada ao veículo seguro, no entanto, não estão anexadas as fotografias dos danos. Informamos que essa documentação é essencial para que o nosso departamento técnico analise/valide o relatório de peritagem apresentado.
Assim sendo, ficamos a aguardar a receção das fotografias dos danos».
O que resulta desta missiva é, apenas e só, que perante o e-mail do advogado da autora, datado de 20 de março de 2017, a ré, em resposta, o informa, não que assume quaisquer responsabilidades, não que irá proceder ao pagamento de quaisquer quantias, mas apenas que reabriu o processo de sinistro com vista à sua regularização, ou seja, à sua conclusão, ficando, no entanto, tal situação dependente do envio, pela autora, de «fotografias dos danos», documentação tida como essencial para que o seu departamento técnico procedesse à analise e validação do relatório de peritagem do NQ, relatório esse que a ré, então, supunha da seguradora M, S.A..
E tanto assim é que, cerca de cerca de um mês e meio depois, a ré informou a autora, pelas razões expostas no e-mail de 26 de maio de 2017, que não respondia «pelos danos reclamados e consequentes despesas contraídas».
Diga-se, já agora, que nesta altura, ou seja, em 26 de maio de 2017, a autora, conhecedora da não assunção voluntária, pela ré, de quaisquer obrigações decorrentes do acidente a que se reportam os presentes autos, dispunha ainda de mais de dez meses para fazer valer judicialmente os seus alegados direitos contra esta.
A verdade, porém, é que não o fez, pois apenas em 12 de julho de 2018 instaurou a presente ação, o que, salvo o devido respeito, não deixa de evidenciar uma postura manifestamente negligente da sua parte.
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IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em negar provimento à apelação, mantendo, em consequência, o saneador-sentença recorrido.
Custas pela apelante – art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

Lisboa, 18 de junho de 2019
(Acórdão assinado digitalmente)
Relator
José Capacete
Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara

[i] Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 774-775.