Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO VALENTE | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO RENÚNCIA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/17/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Sumário: | I – A renúncia tácita à prescrição prevista no artº 302º nºs 1 e 2 do CC, reporta-se a um comportamento do devedor que denote o seu reconhecimento do direito, após o decurso do prazo de prescrição. II – Assim, a declaração de pretender cumprir a obrigação, quando ainda decorre o prazo de prescrição, não pode integrar a renúncia, mais a mais quando, findo tal prazo, o devedor invoca a prescrição da obrigação. III – Tal invocação não constitui, só por si, abuso de direito. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa Por apenso à execução de alimentos que W lhe move, veio J deduzir embargos de executado, excepcionando a prescrição da quantia de € 30.698,36 além de invocar a modificação da sua situação económica e profissional pedindo que se reduza a penhora para 1/6 do vencimento. A embargada respondeu, alegando que a confissão da dívida constitui renúncia da prescrição. Veio a ser proferida decisão julgando procedente a prescrição dos créditos alimentícios vencidos até Setembro de 1997. Inconformada, recorre a embargada, concluindo que: - Deveria ter sido dado como provada a matéria dos arts. 14º e 31º dos embargos, nos quais o embargante admite que era seu desejo retomar o pagamento das prestações de alimentos e que a falta desse pagamento se deveu a circunstâncias alheias à sua vontade. - Tais factos, integram renúncia da prescrição nos termos do artº 302º do CC. - E, de resto, sempre levariam a que se considerasse a invocação da prescrição como ilegítima, por abuso de direito. O apelado defende a bondade da decisão recorrida. * Com interesse para a apreciação do recurso, foi dado como provado: 1. Por acordo, homologado por sentença de 20/2/87, o embargante obrigou-se a pagar à embargada, a título de alimentos, a prestação mensal de € 84,72 (em Julho e Dezembro de cada ano o montante seria o dobro). 2. A última prestação de alimentos que o embargante pagou, data de Agosto de 1990. 3. A execução deu entrada em juízo em 5/9/2002. Para lá desta factualidade, pretende a recorrente que se dê como provada a matéria dos arts. 14º e 31º da petição de embargos. Tal matéria fora levada à base instrutória, integrando os quesitos nºs 4º e 19º. Tais quesitos, após a audiência de discussão e julgamento, receberam a resposta de “não provados”. Contudo, na contestação aos embargos, a ora apelante já havia salientado que a matéria do artº 14º da petição integrava uma confissão que conduzia à renúncia da prescrição. Nesse artº 14º, o embargante afirma: “A liquidação de tais empréstimos veio a reflectir-se durante bastante tempo nas economias do embargante, não lhe permitindo, por isso, retomar o pagamento das prestações de alimentos, como era seu desejo”. Tendo a parte final deste artigo sido aceite pela embargada, não vislumbramos razões para a levar à base instrutória. É matéria provada e como tal deverá ser considerada. Note-se que o que está provado é o acto declarativo do embargante, ou seja, a sua afirmação de que era seu desejo pagar as prestações. Assim e nos termos do artº 712º nº 1 b) do CPC, adita-se à decisão de facto a seguinte matéria: 4. A partir de Agosto de 1990 o executado não retomou, como era seu desejo, o pagamento das prestações alimentícias. * Cumpre agora apreciar. O reconhecimento da existência da dívida e o desejo de a ter podido liquidar, impedem o efeito prescritivo invocado pelo embargante e acolhido pelo Mº juiz a quo? Nos termos do nº 1 do artº 302º do CC, a renúncia da prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional. Ou seja, a renúncia opera relativamente ao prazo decorrido até ao acto que consubstancia tal renúncia. No caso dos autos, a haver renúncia, ela decorre da própria petição de embargos do apelado, logo, muito posterior ao período afectado pela prescrição. Por outro lado, o recorrido é o beneficiário dos efeitos da eventual prescrição, pelo que lhe assiste legitimidade para a respectiva renúncia (nº 3 do mesmo preceito). Resta apurar se o mencionado artº 14º da petição de embargos integra a focada renúncia. Como se salienta no Acórdão desta Relação de 19/5/94 – CJ 1994, III, p. 98/9 – “há renúncia tácita, quando a pessoa a favor de quem correu o prazo prescricional pratica um facto incompatível com a vontade de se socorrer da prescrição”. E a título de exemplo, seguindo Vaz Serra, o referido acórdão menciona “o pagamento da dívida prescrita, o pedido de moratória do pagamento, a promessa de pagar tão depressa quanto possível (...) e o reconhecimento da dívida”. Ora, no artº 14º dos embargos, diz o embargante: “A liquidação de tais empréstimos veio a reflectir-se durante bastante tempo nas economias do embargante, não lhe permitindo, por isso, retomar o pagamento das prestações de alimentos à embargada, como era seu desejo”. E no artº 31º do mesmo articulado, pode ler-se: “Por outro lado, nunca a falta de pagamento das pensões a que se obrigara, falta essa, como se disse, por circunstâncias alheias à vontade do embargante, pôs em causa a subsistência ou o bem estar da embargada”. Como se vê, o embargante reconhece que se obrigara a prestar a pensão de alimentos e que era seu desejo, desde 1990, satisfazer tal obrigação. Como assinala Manuel Andrade, “a prescrição consumada não extingue pura e simplesmente a obrigação, mas apenas confere ao devedor o poder (direito potestativo) de a invocar como causa extintiva da mesma obrigação” – “Teoria Geral da Relação Jurídica” II, p. 455. Assim, quando o embargante afirma que se obrigou a efectuar determinada prestação, e que era sua vontade liquidar tal dívida, e isto desde Agosto de 1990 – como decorre do citado artº 14º da petição inicial, mas também dos arts. 10º e 31º - está a assumir a um comportamento pretérito relativamente à existência de tal obrigação e à sua vontade de a satisfazer. O embargante não diz que está obrigado ao pagamento das prestações ou que é seu desejo efectuá-lo. No contexto dos factos que, em seu entender, o impediram de pagar, reconhece que era seu desejo pagar. É isto e só isto que resulta do artº14º. Ora, a renúncia tácita à prescrição prevista no artº 302º nºs 1 e 2 do CC reporta-se a um comportamento do devedor que denote o seu reconhecimento do direito após ter decorrido o prazo de prescrição. No caso, tal comportamento corresponderia a uma afirmação do embargante de que está obrigado a pagar todas as prestações vencidas desde 1990 ou que é seu desejo fazê-lo. Mas não é isso que é dito nos focados artigos da petição de embargos que se reportam a 1990. Aliás, que é assim, mostra-o o artº 16º quando o embargante alega que lhe constou em 1991, que a embargada teria refeito a sua vida familiar com outra pessoa, o que “o desobrigaria do pagamento da pensão em causa”. Assim, pouco importa que a partir de Agosto de 1990 o embargante reconhecesse a existência da obrigação e tivesse mesmo o desejo de a cumprir. Como o embargante afirma nas suas contra-alegações isso já não ocorre agora, uma vez que se pode socorrer da prescrição para recusar o cumprimento. E é agora, quando a prescrição já ocorreu, que se exige o reconhecimento da existência da obrigação para que se possa falar em renúncia tácita da prescrição. A renúncia à prescrição pressupõe pois o reconhecimento da obrigação, depois de decorrido o prazo de prescrição. Trata-se de um comportamento incompatível com a recusa do cumprimento do direito prescrito ou com a oposição ao exercício de tal direito – ver artº 304º nº 1 do CC. O mesmo se dirá do abuso de direito. Invocar a prescrição, que até ocorreu, não é mais do que lançar mão de uma faculdade concedida legalmente ao devedor para fazer operar a extinção da dívida. Note-se que, a haver algo de insólito, será o facto de a apelante ter estado cerca de dez anos, desde que deixou de receber as prestações de alimentos, sem tomar qualquer atitude. Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação. Custas pela apelante. LISBOA, 17/3/2005 António Valente Teresa Pais Pires do Rio . |