Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3835/12.8TACSC.L1-5
Relator: MARIA JOSÉ MACHADO
Descritores: MEDIDA DE SEGURANÇA
INIMPUTABILIDADE
INTERNAMENTO DE INIMPUTÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - O tribunal considerou que o arguido estava incapaz de, no momento da prática dos factos, avaliar a ilicitude dos mesmos ou de se determinar de acordo com essa avaliação e por essa razão declarou-o inimputável, nos termos do art.º 20.º, n.º1 do Código Penal, por se ter provado a prática pelo arguido de factos ilícitos que, objectivamente, integram a prática de um crime de ameaça p. e p. pelos art.ºs 153.º, nº1 e 155º, n.º1, al. a) do C. Penal e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei n.º5/2006 de 23/02), com referência aos artigos 2.º, n.º1, alínea aad) e 3.º, n.º 4, alínea b) do mesmo diploma legal e que o arguido padece de uma «psicose esquizofrénica tipo e que a «anomalia psíquica de que padece o arguido, em relação aos efeitos que produz sobre o seu intelecto e a sua vontade, foi causal do comportamento que lhe é imputado e produziu, no momento da prática dos factos, um efeito psicológico susceptível de o incapacitar para avaliar a ilicitude do mesmo e de se determinar de acordo com essa avaliação.
- Não existe por isso qualquer fundamento para não ter lugar o julgamento, que sempre teria lugar, e para não ter lugar a condenação do arguido numa medida de segurança, visto o arguido ter sido declarado perigoso, nos termos dos preceitos legais já referidos, pelo que, nesse contexto, foi aplicada ao arguido a medida de segurança de internamento, dentro dos parâmetros estabelecidos na lei, designadamente no art.º 91.º do C. Penal.
- Tendo presente as finalidades da medida de segurança aplicada, quer na vertente da prevenção especial do agente, quer na vertente da prevenção geral da sociedade, não interessa tanto fixar o limite mínimo da medida de internamento, mas antes o limite máximo que o mesmo não pode ultrapassar, sendo certo que dentro desses limites sempre pode cessar o internamento, por existir causa justificativa da sua cessação.
- Tendo o tribunal aplicado a medida de internamento pelo prazo máximo de cinco anos, nada impede que o tribunal, decorridos dois anos sobre a decisão, declare finda medida, caso verifique que cessou o estado de perigosidade do arguido. No mesmo período dos cinco anos sempre o tribunal pode, a todo o tempo, apreciar a existência de causa justificativa da cessação do internamento, se esta for invocada e o mesmo pode ocorrer no período da suspensão do internamento, que foi aplicada pelo tribunal recorrido, declarando-se esta, então, cessada.
- Não se vislumbra, assim, a possibilidade legal, nem a utilidade da redução do período máximo do internamento para 2 anos, posto que não só esse limite é, no caso, inferior ao legal como, em qualquer dos casos, a medida de internamento ou da sua suspensão, finda quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, o que pode acontecer decorridos esses dois anos, ou mesmo antes, se for invocada causa justificativa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES NA 5ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – Relatório

1. No processo supra identificado em que é arguido B. foi proferida sentença, após julgamento em processo comum com intervenção de tribunal singular, na qual o tribunal decidiu: (transcrição)

a) Julgar provada a prática, pelo arguido B., de actos objectivamente integradores de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, nº 1 e 155.º, nº 1, alínea a), do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, com referência aos artigos 2.º, nº 1, alínea aad) e 3.º, nº 4, alínea b), do mesmo diploma legal;
b) Declarar o arguido B. inimputável perigoso, por força de anomalia psíquica, nos termos do artigo 20.º, nº 1, do Código Penal;
c) Absolver, por isso, o arguido B. da prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, nº 1 e 155.º, nº 1, alínea a), do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, com referência aos artigos 2.º, nº 1, alínea aad) e 3.º, nº 4, alínea b), do mesmo diploma legal;
d) Determinar o internamento e tratamento do arguido B. em estabelecimento adequado pelo período máximo de 5 (cinco) anos, o qual se suspende na sua execução pelo mesmo período, com supervisão por parte da DGRSP e mediante a sujeição a regras de conduta necessárias à prevenção da sua perigosidade, designadamente ao dever de se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados, sem prejuízo da cessação da medida caso o arguido deixe de ser socialmente perigoso e cuja execução será avaliada nos termos legais (artigos 92.º, 93.º e 95.º do Código Penal).
e) Declarar perdidas a favor do Estado a arma e munições apreendidas ao arguido e ordenar a sua entrega ao Comando Geral da PSP.

2. O arguido interpôs recurso da decisão tendo extraído da sua motivação as seguintes conclusões: (transcrição)

1. O recorrente foi condenado e descondenado por crime de ameaça agravada

2. Para além disso o recorrente foi condenado inimputável e como tal a internamento por 5 anos mediante acompanhamento da DGRSP

3. Ora salvo melhor opinião face a inimputabilidade do arguido, não deveria ter sido este sequer julgado

4. A qual foi demonstrada em todas as fases do inquérito, instrução e julgamento e foi dado como provado em julgamento

5. O arguido sempre de forma voluntária se tratou acompanhado esse tratamento pelos seus familiares mais diretos mãe, avó e tia

6. No caso vertente resulta provado que o recorrente quando existiram os factos não tinha consciência dos mesmos

7. E tais factos ocorreram porque o estado, ele próprio fechou a unidade de saúde mental que o arguido deveria frequentar por falta de meios e pôs o recorrente na "rua".

8. Os factos dados como provados e as conclusões permitem efectuar um juízo de prognose favorável quanto ao recorrente.

9. Um tal quadro, na sua globalidade, aponta decididamente para uma tal situação de inimputabilidade já declarada

10. E que faz como que fique irremediavelmente demonstrado que o arguido não poderia ter sido condenado

11. E a sê-lo, quanto ao internamento é desproporcionado e desconforme com a jurisprudência.

12. Tanto mais que desde a data da prática dos factos ate hoje não existiu qualquer registo de ocorrências em relação ao arguido

13. A "pena" poderia ter sido fixada no limite mínimo legalmente previsto de dois anos, e porventura nos termos legais, suspensa na sua execução mediante aval de médicos do foro

14. A fixar-se um juízo de censura jurídico - legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspectiva de contribuição para a sua recuperação como indivíduo dentro dos cânones da sociedade.

15. Atento os factos provados, o recorrente considera que lhe deveria ter sido aplicada um internamento próximo do limite mínimo legalmente considerado, e porventura suspensa na sua execução através de parecer medico não da DGRSP.

16. A escolha e determinação da pena no sentido referido, estariam alcançadas as finalidades da pena ao caso em apreço, bem como a prevenção geral e especial aqui exigida. Normas violadas:
Artigo 127.° do CPP e 70°, 71o!40o,50o,51o)53o,54°, e o DL n.º 15/93 no seu artigo 21° porquanto ao contrário do que sucedeu, o tribunal deveria ter condenado a recorrente em pena de prisão próxima do limite mínimo e eventualmente suspensa na sua execução.

3. O Mº Público, junto da 1ª instância, respondeu ao recurso pedindo a sua improcedência, tendo finalizado a sua resposta com as seguintes conclusões (transcrição):

1. Na sentença recorrida, foi julgada provada a prática pelo recorrente de actos objectivamente integradores de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.º, alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições, com referência aos artigos 2.º, n.º1, alínea aad) e 3.º, n.º 4, alínea b) do mesmo diploma legal.

2. A sentença recorrida declarou o recorrente inimputável perigoso, por força de anomalia psíquica, nos termos do art. 20.º, n.º1 do Código Penal e determinou o internamento e tratamento do mesmo em estabelecimento adequado pelo período máximo de cinco anos, suspenso na sua execução pelo mesmo período, com supervisão da DGRSP, e mediante sujeição a regras de conduta necessárias à prevenção da sua perigosidade, sem prejuízo da cessação da medida, caso o mesmo deixe de ser socialmente perigoso.

3. Tendo sido feita prova, em sede de julgamento, da prática pelo recorrente, inimputável perigoso, dos factos que lhe eram imputados, e concluindo-se pela necessidade de lhe ser aplicada uma medida de segurança, o mesmo teria que ser sujeito a uma medida de segurança de internamento, como veio a ser.

4. No caso dos autos, não existem quaisquer dúvidas da necessidade de ser aplicada ao recorrente uma medida de segurança.

5. Provou-se que o recorrente praticou factos ilícitos típicos, é inimputável e praticou os factos em virtude da sua anomalia psíquica, pois ficou provado que essa anomalia foi causal dos comportamentos que lhe são imputados. Mais se demonstrou que a anomalia psíquica que padece o recorrente pode causar perturbações transitórias sobre o intelecto e a vontade deste, e as mesmas podem ser agravadas pela omissão da medicação, sendo muito menor a probabilidade de vir a praticar actos da mesma natureza se cumprir a terapêutica.

6. Na determinação da medida concreta do internamento, há que atender à perigosidade do agente e às exigências de recuperação do mesmo, de modo a obter a sua reinserção na comunidade.

7. As condutas praticadas pelo recorrente assumem, objectivamente, gravidade, na justa medida em que põem em causa o sentimento de segurança do ofendido e da própria comunidade em geral, sendo certo que o uso e a detenção de armas de fogo são geradores de grande alarme social e intranquilidade pública, não só pela perigosidade que lhes é inerente, mas também por estarem associados à prática de outros crimes, graves, como o homicídio.

8. É adequada e proporcional a medida de segurança de internamento e de tratamento em estabelecimento adequado pelo período máximo de cinco anos, suspenso na sua execução pelo mesmo período mediante sujeição a regras de conduta.

9. Nesta conformidade, deverá ser mantida a sentença recorrida.

4. Neste Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer nos termos constantes de fls. 495, pedindo a improcedência do recurso por concordar com os fundamentos contidos na resposta do M.º Público e da decisão recorrida.

5. Após exame preliminar determinou-se a remessa dos autos à conferência, após vistos legais, para o recurso aí ser julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, al. c) do CPP, o que cumpre agora fazer.

II – Questões a decidir

É pacífico o entendimento de que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou das nulidades que não devam considerar-se sanadas, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.
Das conclusões apresentadas pelo recorrente, que condensam as razões da sua impugnação, resulta que o mesmo se insurge contra o facto de ter sido julgado e condenado e contra o quantum da medida de segurança aplicada.

III – Fundamentação

1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos que, por não terem sido impugnados, se têm como definitivamente assentes (transcrição):

Factos provados
1. No dia 20 de Setembro de 2012, pelas 10h30, na Rua FL, em São Domingos de Rana, o arguido trazia consigo um revólver de calibre .32 Smith & Wesson Long (equivalente a 7,65 mm no sistema métrico), de marca “Taurus”, com o número de série JH….
2. Transportava ainda dez munições de calibre .32 Smith & Wesson Long (equivalente a 7,65 mm no sistema métrico), das quais uma é de Marca “R-P” e as restantes de marca “G.F.L./Fiocchi”.
3. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido foi abordado por R., que lhe pediu que não voltasse a agredir o seu irmão, ao que o arguido retorquiu “dou-lhe um tiro”, ao mesmo tempo que abria o seu casado e exibia o revólver supra descrito.
4. O arguido não possuía nem possui licença ou autorização das autoridades competentes que lhe permitisse a detenção, uso e porte do revólver e das munições.
5. Na sequência destes acontecimentos, o arguido foi internado compulsivamente no Departamento de Psiquiatria do Hospital de São Francisco Xavier, desde 20 de Setembro de 2012 até 29 de Outubro de 2012, tendo-lhe sido diagnosticada psicose esquizofrénica tipo paranóide.
6. O arguido apresenta um quadro clínico compatível com uma psicose esquizofrénica tipo paranóide (F20.0 da ICD10), doença esta que pode produzir no mesmo a elaboração de ideias delirantes de conteúdo grandioso e persecutório que não correspondem à realidade e que podem levar a uma avaliação errada dessa mesma realidade e a condutas que derivam dessa avaliação.
7. A anomalia psíquica de que padece o arguido, em relação aos efeitos que produz sobre o seu intelecto e a sua vontade, foi causal do comportamento que lhe é imputado e produziu, no momento da prática dos factos, um efeito psicológico susceptível de o incapacitar para avaliar a ilicitude do mesmo e de se determinar de acordo com essa avaliação.
8. A anomalia psíquica de que padece o arguido pode causar perturbações transitórias sobre o intelecto e a vontade do arguido, e as mesmas podem ser agravadas pela omissão da medicação, sendo muito menor a probabilidade de vir a praticar actos da mesma natureza se cumprir a terapêutica com mediação anti-psicótica injectável.
9. O arguido é uma pessoa isolada, tendo como suporte fundamental a progenitoras e algum apoio da família alargada, tendo a morte do pai sido um acontecimento de grande relevo, precipitante de um quadro de doença mental que até então era ainda pouco disfuncional.
10. O arguido encontra-se inactivo há alguns largos anos e aparentemente terá poucas possibilidades de conseguir um emprego face à doença mental de que padece, a não ser eventualmente em ambiente protegido.
11. No plano material o arguido e a mãe vivem uma situação de pobreza, sendo a progenitora que gere a vida de ambos.
12. O arguido encontra-se deste modo completamente dependente da mãe aos diversos níveis, não revelando capacidade de iniciática ou de investimento continuado em qualquer tarefe ainda que faça alguns movimentos pontuais para reorganizar a sua vida, nomeadamente candidatando-se a empregos.
13. Relativamente ao processo judicial, o arguido tem reduzida capacidade de elaboração crítica, assumindo-se de alguma forma como vítima de uma situação de conflito.
14. Os factos de risco na actual situação do arguido colocam-se a diversos níveis, sendo o mais relevante a doença mental de que sofre, sendo certo que o mesmo é minimizado com a toma regular da medicação.
15. O arguido tem o 12º ano de escolaridade.
16. Não tem filhos.
17. É a mãe e a avó do arguido que asseguram que o mesmo toma a medicação anti-psicótica prescrita e que o levam ao Centro de Saúde de Carcavelos para a toma das injecções quinzenalmente.
18. A arma referida em 1. pertencia ao pai do arguido, já falecido.
19. O arguido não tem antecedentes criminais.
Factos Não Provados
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
- Sabia o arguido que, atentas as características, não podia deter, guardar, transportar consigo ou utilizar o revólver e as munições supra descritos, em virtude de não possuir licença ou autorização para o efeito e, ainda assim, não se absteve de o fazer, o que quis e conseguiu.
- Mais sabia o arguido que a sua conduta, dirigindo-se nos termos supra referidos a R. era apropriada a provocar-lhe medo e inquietação e a prejudicar a sua liberdade de determinação, o que quis e conseguiu.
- Em tudo agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas são punidas e proibidas por lei.


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Dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P., que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito podendo o recurso, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (n.º 1 do artigo 410.º do mesmo diploma).
O recorrente não se insurge contra os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal recorrido. Apenas alega que não deveria ter sido julgado nem punido pelo facto de ter sido demonstrada, em todas as fases do processo e ter resultado provado em julgamento, a sua inimputabilidade.
Ora, resulta dos factos provados a prática pelo arguido de factos ilícitos que, objectivamente, integram a prática de um crime de ameaça p. e p. pelos art.ºs 153.º, nº1 e 155º, n.º1, al. a) do C. Penal e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei n.º5/2006 de 23/02), com referência aos artigos 2.º, n.º1, alínea aad) e 3.º, n.º 4, alínea b) do mesmo diploma legal.
Resulta igualmente dos factos provados que o arguido padece de uma «psicose esquizofrénica tipo paranóide (F20.0 da ICD10), doença esta que pode produzir no mesmo a elaboração de ideias delirantes de conteúdo grandioso e persecutório que não correspondem à realidade e que podem levar a uma avaliação errada dessa mesma realidade e a condutas que derivam dessa avaliação» e que a «anomalia psíquica de que padece o arguido, em relação aos efeitos que produz sobre o seu intelecto e a sua vontade, foi causal do comportamento que lhe é imputado e produziu, no momento da prática dos factos, um efeito psicológico susceptível de o incapacitar para avaliar a ilicitude do mesmo e de se determinar de acordo com essa avaliação.»
Com base nesses factos o tribunal considerou que o arguido estava incapaz de, no momento da prática dos factos, avaliar a ilicitude dos mesmos ou de se determinar de acordo com essa avaliação e por essa razão declarou-o inimputável, nos termos do art.º 20.º, n.º1 do Código Penal.
A declaração de inimputabilidade exclui a culpa do agente e, portanto, a possibilidade de lhe ser aplicada uma pena. Porém, essa circunstância não afasta o julgamento do agente e, se for caso disso, a aplicação de uma medida de segurança sempre que o agente do crime declarado inimputável revele um grau de perigosidade tal que a sociedade tenha de defender-se prevenindo o risco da prática por ele de futuros factos criminosos.
Dispõe por isso o artigo 91.º, n.º1 do Código Penal que “Quem tiver praticado um facto ilícito típico e for inimputável, nos termos do artigo 20.º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie”.
A aplicação das medidas de segurança tem assim como fundamento a perigosidade social do agente declarado inimputável e obedece aos princípios da legalidade, da tipicidade e da proporcionalidade, só podendo por isso ser aplicadas em julgamento com todas as garantias do processo criminal, constitucionalmente consagradas.
O tribunal recorrido considerou, com base nos factos praticados e nos exames médicos a que o arguido foi submetido, que o mesmo é perigoso e que os factos por ele praticados se poderiam repetir, juízo que não é posto em causa pelo recorrente.
Foi, pois, nesse contexto que foi aplicada ao arguido a medida de segurança de internamento, dentro dos parâmetros estabelecidos na lei, designadamente no art.º 91.º do C. Penal.
Não existe por isso qualquer fundamento para não ter lugar o julgamento, que sempre teria lugar, e para não ter lugar a condenação do arguido numa medida de segurança, visto o arguido ter sido declarado perigoso, nos termos dos preceitos legais já referidos.
Quanto à duração da medida de segurança:
O tribunal recorrido determinou o internamento e tratamento do arguido em estabelecimento adequado pelo período máximo de 5 (cinco) anos, suspenso na sua execução pelo mesmo período, com supervisão por parte da DGRSP e mediante a sujeição a regras de conduta necessárias à prevenção da sua perigosidade, designadamente ao dever de se submeter a tratamentos e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados, sem prejuízo da cessação da medida caso o arguido deixe de ser socialmente perigoso e cuja execução será avaliada nos termos legais.
O recorrente entende que a duração do internamento e do tratamento aplicados é manifestamente desproporcionada e excessiva, que sempre frequentou voluntariamente todos os tratamentos que lhe foram ministrados, que está integrado socialmente e a sua família sempre o apoiou e continua a apoiar e que por isso a medida de segurança de internamento deveria ter sido aplicada pelo período máximo de dois anos, suspensa na sua execução com supervisão, não da DGRSP, mas sim de médicos da área de Psiquiatria.
Vejamos:
Tal como as penas, a medida de segurança está sujeita ao princípio da proporcionalidade presente não só nos artigos 40.º, nº3, 91º e 92.º do C. Penal mas também nos artigos 18.º, n.º2 e 30.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa.
Deste princípio resulta que a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”
Por outro lado, a medida de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – n.º1 do art.º 40.º do C. Penal.
De entre as várias medidas de segurança previstas na lei, a medida de internamento de inimputáveis tem em vista tratar e curar o agente e prevenir a prática de factos idênticos, de acordo com a sua perigosidade.
Não está em causa a não aplicação da medida de internamento justificada, in casu, pela objectiva gravidade dos factos e o fundado receio de que o arguido venha a cometer outros factos semelhantes, em virtude da anomalia psíquica de que padece.
A medida do internamento tem um limite mínimo explícito no nº2 do art.º 91.º do C. Penal, quando o agente tenha cometido crime contra as pessoas ou de perigo comum punível com pena de prisão superior a 5 anos, não podendo nesse caso o tribunal de julgamento fixar um limite mínimo mais elevado do que o legal.
Não estando em causa a prática de crime contra as pessoas ou de perigo punível com pena de prisão superior a 5 anos, tem-se entendido que o limite mínimo do internamento é o limite mínimo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável, isto é, o limite mínimo da moldura penal, que no caso de pluralidade de crimes será o do crime mais grave (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, p. 286 e 289).
Quanto ao limite máximo do internamento, dispõe o art.º 92.º, n.º1 do C. Penal que, sem prejuízo do n.º 2 do artigo 91.º, o internamento finda quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, não podendo, nos termos do n.º2 do mesmo artigo, exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável. Excepciona-se ainda no n.º3 a possibilidade de o internamento ser prorrogado por períodos sucessivos de dois anos quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime punível com pena superior a 8 anos de prisão e o perigo de novos factos da mesma espécie for de tal modo grave que desaconselhe a libertação.
Entre esses limites - mínimo e o máximo - o internamento pode sempre findar quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, sendo essa apreciação obrigatória decorridos dois anos sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido, se entretanto não for invocada a existência de causa justificativa da cessação do internamento– art.º 93.º, n.ºs1 e 2 do C. Penal.
Para Figueiredo Dias, no propósito que determina a medida de segurança – prevenção especial de socialização ou de segurança – “deve, em regra, prevalecer o propósito da socialização sobre o da segurança , mas sempre com o limite máximo fixado pelo princípio constitucional da proporcionalidade e o limite mínimo resultante da tutela da ordem jurídica , isto é, da prevenção geral positiva. O propósito da socialização prefere tratando-se de agentes em relação aos quais se verifique uma possibilidade de tratamento, de acordo com o estado actual da ciência médica. O propósito da segurança prefere tratando-se de agentes em relação aos quais se não verifique essa possibilidade . Cessando as necessidades de prevenção especial, deve cessar também a medida de segurança, salvo se as necessidades de prevenção geral se opuserem à libertação do inimputável” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, p. 424 e ss.).
Daí que este autor defenda que “em nenhum caso o tribunal de julgamento pode estipular um período fixo para a medida de internamento” (ob. citada, p. 475).
No caso dos autos embora estejam em causa factos correspondentes a um crime contra as pessoas (ameaça agravada) e a um crime de perigo comum (detenção de arma proibida), nenhum deles é punível com prisão superior a 5 anos. Pelo que o limite mínimo do internamento será o limite mínimo da moldura penal do crime mais grave, ou seja de um ano e o seu limite máximo será de 5 anos que é o limite máximo da pena correspondente a esse tipo de crime (art.º 86.º, al. c) da Lei 5/2006 de 23/02).
Assim, tendo presente as finalidades da medida de segurança aplicada, quer na vertente da prevenção especial do agente, quer na vertente da prevenção geral da sociedade, não interessa tanto fixar o limite mínimo da medida de internamento, mas antes o limite máximo que o mesmo não pode ultrapassar, sendo certo que dentro desses limites sempre pode cessar o internamento, por existir causa justificativa da sua cessação.
Ora, tendo o tribunal aplicado a medida de internamento pelo prazo máximo de cinco anos, nada impede que o tribunal, decorridos dois anos sobre a decisão, declare finda medida, caso verifique que cessou o estado de perigosidade do arguido. No mesmo período dos cinco anos sempre o tribunal pode, a todo o tempo, apreciar a existência de causa justificativa da cessação do internamento, se esta for invocada.
E o mesmo pode ocorrer no período da suspensão do internamento, que foi aplicada pelo tribunal recorrido, declarando-se esta, então, cessada.
Não se vislumbra, assim, a possibilidade legal, nem a sua utilidade, da redução do período máximo do internamento para 2 anos, posto que não só esse limite é, no caso, inferior ao legal como, em qualquer dos casos, a medida de internamento ou da sua suspensão, finda quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, o que pode acontecer decorridos esses dois anos, ou mesmo antes, se for invocada causa justificativa..
Termos em que o recurso do arguido não merece provimento.

IV - Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 5ª secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 3 (três) UC a taxa de justiça (artigos 513.º, n.º1 do C.P.P., 8.º, n.º9, do R.C.P. e tabela III anexa a esse Regulamento).

Lisboa, 20 de Junho de 2017
(processado e revisto pela relatora)



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(Maria José Costa Machado)



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(Carlos Manuel Espírito Santo)