Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2257/17.9T8LSB.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -À providência a que se refere o artigo 989º nº3 do CPC não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5º a 10º do Dec-Lei n.º 272/2001, de 13/10, competindo pois ao tribunal o seu processamento.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.-Relatório:


S..., divorciada, residente em Lisboa, veio, nos termos do disposto no artigo 989.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, artigo 3.º, al. d), e 45.º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 1880.º do Código Civil intentar providência cível de alimentos a filhos maiores, contra A..., maior, residente em Alfragide, relativamente ao filho de ambos, G...

Alegou em síntese que na regulação de responsabilidades parentais ficou estabelecido o pagamento mensal de uma pensão de 50,00€, que o requerido deixou de pagar a partir da maioridade do filho, sendo que este, por ser estudante, depende exclusivamente da requerente, e que esta não tem possibilidades de custear todas as despesas, devendo aliás a pensão ser fixada em 150,00€.

Concluiu peticionando a condenação do requerido no pagamento de pensão de alimentos, devida à Requerente, por forma a contribuir para o sustento do filho de ambos, G..., devida desde a entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 01/09.

Sobre a petição inicial recaiu o seguinte despacho: 

S... intentou a presente ação de alimentos a filho maior contra A..., requerendo que seja fixada uma prestação de alimentos a favor do jovem G...
Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 5º, nºs 1, a) e 2 e 6º, nº 1, do D.L. nº 272/2001 de 13/10, para apreciação do pedido de alimentos a filhos maiores ou emancipados, em que o pedido não seja cumulado com outros pedidos no âmbito da mesma ação judicial ou que não constitua incidente ou dependência de ação pendente, é competente a Conservatória do Registo Civil, podendo o processo ser instaurado em qualquer conservatória do registo civil.
Reportando-nos ao caso vertente, verificamos que a requerente não cumulou o pedido de alimentos a filhos maiores ou emancipados com qualquer outro pedido e que este pedido não constitui incidente ou dependência de qualquer ação pendente, pelo que este Tribunal não é competente para a apreciação da presente ação, cabendo tal competência às Conservatórias do Registo Civil.
Nestes termos, declaro este tribunal incompetente para a apreciação da presente ação e competentes as Conservatórias do Registo Civil.
Custas pela requerente”.

Inconformada, interpôs a requerente o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
I.-Conforme ficou demonstrado, a Recorrente não se conforma com a sentença proferida e na qual o Tribunal a quo se determinou incompetente para julgar a causa, por entender que a mesma é da competência das Conservatórias do Registo Civil.
II.-Ora, decorre do disposto no artigo 989.º, nºs 1 e 3, do CPC, que a competência para julgar as acções destinadas ao pagamento de uma pensão por banda de um dos progenitores ao outro que suporta todos os encargos com o filho maior, é da competência dos tribunais judiciais e não das conservatórias do registo civil.
III.-Sendo que, o objectivo de atribuir tal competências aos tribunais judiciais ficou desde logo claro quando o legislador no Projecto de Lei n.º 975/XII/4 refere claramente o intuito de permitir ao progenitor que tem o filho maior a seu cargo agir judicialmente contra o outro progenitor.

IV.-Neste sentido também já se pronunciou esse Venerando Tribunal, no âmbito do processo n.º 552/03.3TMLSB-A, datado de 27.10.2016, determinando que:
“Por sua vez, a ação prevista no n.° 3 do art. 989.° do nCPC é uma providência tutelar cível (cf. art. 45.° a 47.° do RGPTC), não é uma ação executiva; e é uma providência que corre por apenso ao processo de regulação, se este existir, ou é distribuída autonomamente, se aquele processo não existir (é o que resulta da parte final do n.° 3 do art. 989.° do nCPC)”.

V.-Sendo que, também a doutrina acompanha a opinião vertida no aresto acima referido, defendendo J. H. Carvalho, em “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9” “Forma de processo aplicável à ação para a contribuição nas despesas com filhos maiores ou emancipados. – Por força da parte final do n.º 3 aditado ao art. 989.º do NCPC, esta ação tem natureza especial e segue a forma de processo prevista e regulada nos arts. 186.º a 188.º da OTM [correspondentes aos arts. 45.º a 47.º do RGPTC (providência tutelar cível para a fixação de alimentos devidos a criança)]. O pedido para a contribuição nas despesas de filho maior que não pode sustentar-se a si mesmo está, pois, excluído do procedimento especial previsto e regulado nos arts. 5.º a 10.º do Dec.-Lei n.º 272/2001, de 13/10. A parte final do n.º 3 aditado ao art. 989.º do NCPC, devido à formulação utilizada (“nos termos dos números anteriores”), é explícita em mandar aplicar os termos do Código de Processo Civil; por sua vez, o n.º 1 do art. 989.º do NCPC torna aplicável, mutatis mutandis, o regime previsto para os alimentos a menores, ou seja, o regime previsto na OTM, nomeadamente nos seus arts. 157.º e 186.º a 188”

VI.-Acrescendo ainda ao exposto que, de acordo com o parecer do Conselho Consultivo do IRN, I.P., as conservatórias não são competentes para aceitar o processo previsto no artigo 989.º, n.º 3, do CPC, por o mesmo ser da competência dos tribunais judiciais, conforme é explicado “O n.º 3 aditado ao artigo 989º do CPC, pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, conferiu legitimidade ao progenitor sobrecarregado com a totalidade das despesas alimentícias relativas ao filho maior para, por si e no seu interesse, exigir que o outro progenitor partilhe nas despesas.
Esta acção é alternativa ao procedimento de alimentos a filho maior previsto no referido Decreto-Lei 272/2001, no qual é parte legitima o filho.
Em suma, trata-se de uma ação especial com vista à partilha das despesas com filhos maiores ou emancipado, que segue os trâmites processuais previstos nos artigos 45.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro (Regime Geral do Processo Tutelar Cível), com as devidas adaptações, não configurando um pedido de alimentos a filho maior previsto no Decreto-Lei 272/2001”- negrito e sublinhado nosso.

VII.-Perante o exposto, dúvidas não restam que a acção proposta é da competência dos tribunais judiciais, tendo o Tribunal a quo incorrido numa errónea interpretação da lei, motivo pelo qual proferiu decisão declarando-se incompetente para julgar a causa, decisão esta que deverá ser revogada e os autos tramitados, tudo com as demais consequências legais.
Nestes termos (…) desde já se requer que o presente recurso seja admitido e em consequência seja revogada a decisão proferida e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos junto do Tribunal a quo, (…)”.

Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir:

II.-Direito.
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a questão a decidir é a de saber se o tribunal é competente para o conhecimento da acção, ou se, pelo contrário, a competência pertence às Conservatórias de Registo Civil.

III.-Matéria de facto.
A constante do relatório que antecede.
Resulta ainda dos autos que G... nasceu em 30 de Junho de 1995, e que a presente acção foi intentada em 25.1.2017.

IV.-Apreciação.
Antes de mais e com o maior respeito, a decisão recorrida afirma que pela petição inicial se requereu a fixação de pensão de alimentos a favor de filho maior, quando, na realidade, o que se pediu foi a condenação do requerido a pagar à requerente uma contribuição para as despesas que esta suporta com o filho maior.

O caso muda pois de figura: - sendo corrente que a competência para a apreciação do pedido de alimentos a filhos maiores ou emancipados, em que o pedido não seja cumulado com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial ou que não constitua incidente ou dependência de acção pendente, compete à Conservatória do Registo Civil, nos termos dos artigos 5º, nºs 1, a) e 2 e 6º, nº 1, do D.L. nº 272/2001 de 13/10, o que se passa quando não é o filho maior a requerer a seu favor, mas sim o progenitor convivente a requerer contribuição para as despesas de sustento do filho maior?
Consabido que relativamente ao filho maior que não houver completado a sua formação profissional, se manterá a obrigação alimentar na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete – artigo 1880º do Código Civil – a Lei 122/2015 de 1 de Setembro veio alterar entre outros normativos o artigo 989º do Código de Processo Civil, acrescentando que: “3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores. 4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.”.

A referência aos números anteriores indica pois que “1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.”.

Este regime é, actualmente, e com aplicação aos autos, o previsto na Lei 141/2015 de 8 de Setembro, como resulta expressamente do respectivo artigo 3º nº 1 al. d) e dos artigos 45º a 47º da referida lei. 

Por outro lado, o legislador não ignorava, quando legislou, que nos termos do artigo 5º nº 1 al. a) e 6º do DL 272/2001, a competência para o procedimento tendente à formação de acordo relativo a alimentos a filhos maiores ou emancipados, pertencia às Conservatórias de Registo Civil, sendo que podia ter aditado ao artigo 5º a situação nova de contribuição para as despesas suportadas pelo progenitor convivente com o filho maior, o que porém não fez.

Acresce a atribuição ao juiz, nos termos do nº 4 do artigo 989º do Código de Processo Civil, do poder de decidir se, no todo ou em parte, a contribuição é entregue aos filhos.

Porventura porque a nova situação foi prevista como uma promoção judicial de partilha de despesas, conforme consta do Projecto de Lei 975/XII/4ª, do qual citamos:
“Tem vindo a verificar-se, com especial incidência, que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade e que cabe a estes, para obviar a tal, intentar contra o pai uma ação especial.
Esse procedimento especial deve provar que não foi ainda completada a educação e formação profissional e que é razoável exigir o cumprimento daquela obrigação pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete.
Como os filhos residem com as mães, de facto são elas que assumem os encargos do sustento e da formação requerida.
A experiência demonstra uma realidade à qual não podemos virar as costas: o temor fundado dos filhos maiores, sobretudo quando ocorreu ou ocorre violência doméstica, leva a que estes não intentem a ação de alimentos. Mesmo quando o fazem, a decretação dos processos implica, por força da demora da justiça, a privação do direito à educação e à formação profissional.
Há, também, por consequência do descrito, uma desigualdade evidente entre filhos de pais casados ou unidos de facto e os filhos de casais divorciados ou separados.
A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor”. (fim de citação).
No mesmo sentido de que “a ação prevista no n.º 3 do art. 989.° do nCPC é uma providência tutelar cível (cf. art. 45.° a 47.° do RGPTC), não é uma ação executiva; e é uma providência que corre por apenso ao processo de regulação, se este existir, ou é distribuída autonomamente, se aquele processo não existir (é o que resulta da parte final do n.º 3 do art. 989.° do nCPC” se pronunciou o Ac. desta Relação de 30.6.2016, in www.dgsi.pt.
E tal como adverte a recorrente, a doutrina também o defende, mencionando expressamente J. H. Carvalho, em “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9” que não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5º a 10º do Dec-Lei n.º 272/2001, de 13/10.

Entende-se pois que assiste razão à recorrente ao defender que a competência para o conhecimento desta acção pertence ao tribunal e não à Conservatória do Registo Civil, revogando-se em consequência a decisão recorrida e ordenando-se o normal prosseguimento dos autos no tribunal recorrido.

Originando-se o recurso na iniciativa oficiosa do tribunal, não são devidas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V.-Decisão.
Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a decisão recorrida, ordenando o normal prosseguimento dos autos no tribunal recorrido.
Sem custas.
Registe e notifique.



Lisboa, 23 de Março de 2017



Eduardo Petersen Silva
Maria Manuela Gomes
Fátima Galante
Decisão Texto Integral: