Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
76/21.7T8ABF.L1-6
Relator: MANUEL RODRIDUES
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
DIREITO À REMUNERAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Na vigência do contrato de mediação imobiliária celebrado em regime de exclusividade o cliente pode rescindir unilateralmente o contrato e desistir da venda almejada em qualquer altura.
II -  Nessa eventualidade, a remuneração acordada só será devida, caso o mediador faça prova dos seguintes factos constitutivos do seu direito [art.ºs 342.º, n.º 1, do Cód. Civil e 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, de 8/2]: (i) que angariou e apresentou ao cliente um interessado real e genuíno na compra do imóvel; e (ii) que o negócio visado não se concretizou por causa imputável ao cliente, proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
III - Não existe “causa imputável” ao cliente geradora do dever de remunerar o mediador imobiliário e do direito deste receber quando o cliente rescinde unilateralmente o contrato de mediação e desiste do negócio visado por motivo de força maior estranho à sua vontade e excludente da culpa, designadamente doença grave, potencialmente letal, inesperada e superveniente à celebração do contrato de mediação, pelas preocupações e incertezas que gera quanto ao futuro.
IV - No caso dos autos, a resolução do contrato pela ré sempre seria de admitir à luz do n.º 2 do artigo 437.º do Código Civil, considerando a doença oncológica que lhe sobreveio na sua execução, a qual afecta de maneira anómala e imprevista a base negocial e torna intolerável a manutenção do vínculo contratual, por ser patente o desequilíbrio das prestações e a excessiva onerosidade que a manutenção do contrato, como se nada tivesse ocorrido, implicaria para a ré.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
1.1. AA… intentou a presente acção declarativa com processo comum contra BB…, ambas melhor identificadas nos autos, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €6.888,00, com IVA incluído, acrescida de juros, calculados à taxa legal comercial em vigor, a contar da citação até integral pagamento.
Alega para tanto e em síntese que: no âmbito da sua actividade comercial, a Autora celebrou com a Ré um contrato de mediação imobiliária, em 04/02/2020, pelo qual foi fixada quantia devida pelos serviços objecto do referido contrato; a Autora prestou os serviços contratados e a Ré não pagou a quantia acordada como contrapartida a título de comissão; a Autora arranjou comprador para o imóvel da Ré, o que deu a conhecer à Ré antes que esta rescindisse o contrato, como veio a fazer; a Autora não aceitou a rescisão, porquanto o contrato se havia renovado por não ter sido denunciado no prazo nele estipulado.
1.2. A Ré foi citada e apresentou contestação a defender a improcedência da acção. Alegou, para tanto, em resumo, que teve de desistir do contrato e de dar seguimento à venda do imóvel por motivo de força maior relacionado com a sua saúde (cancro severo do pulmão esquerdo), extinguindo-se, por conseguinte, a obrigação por parte da Ré, e que, em qualquer caso, o requisito contratual para ser devida a remuneração pretendida pela Autora não foi cumprido, qual seja, a celebração do contrato-promessa.
1.3. Foi dispensada a realização de audiência prévia, bem como a enunciação de temas de prova e proferido despacho saneador tabelar.   
1.4. Oportunamente foi realizada audiência final, numa única sessão, com registo da prova oral nela produzida (cfr. acta com a ref.ª Citius 137176697, de 28-04-2022) e proferida sentença, datada de 26-06-2022, que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido (cfr. ref.ª Citius 137186678).
1.5. Inconformada com o assim decidido, a interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença recorrida e a condenação da Autora nos termos peticionados.
Para o efeito, apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«A - O tribunal a quo errou quando sufraga a tese de uma alegada NÃO imputabilidade por parte da Apelada, aquando da concretização do contrato, apenas e tão somente com base no depoimento prestado pela Apelada, o qual não é conducente a uma situação de uma pessoa que se encontra afectada na sua vontade de entender e querer, não podendo o seu estado de saúde justificar a revogação unilateral do contrato e a não concretização da venda do imóvel.
B - A Apelante por diversas vezes mostrou o imóvel a vários interessados, tendo sempre a Apelada recusado a concretização do negócio.
C - A Apelada, apesar de todo o esforço que a Apelante prestou para que o imóvel fosse vendido, nunca se concretizou por facto imputável à Apelada.
D - O tribunal a quo, errou quando deu como não provado a alínea a) dos factos assentes, onde se pode ler “a A. comunicou à R. que Telmo Alexandre da Silva Rodrigues estava interessado na aquisição do imóvel.”, devendo tal quesito ser dado como provado.
E - Não constitui obrigação fundamental do mediador concluir o contrato; a sua obrigação essencial é a de conseguir interessado para certo negócio, o que ficou demonstrado a Apelante logrou conseguir.
F - A revogação unilateral e o NÃO querer vender a casa, após ter aceitado a proposta que lhe foi dirigida por um comprador que a Apelante obteve, revela cumprimento por parte desta do contrato que unia as aqui partes, o que apenas foi interrompida pela própria Apelada que intencionalmente o inviável, por ter mudado de ideia.
G - Labora manifestamente em erro o tribunal a quo, quando, cita que o contrato não se realizou por facto não imputável à Apelada. Tendo esta recusado a venda nos termos previamente acordados implica o pagamento da correspondente comissão contratualmente estipulada à Apelante, pelo que deveria ser considerado como provado que “a A. tivesse comunicado à R. que Telmo … estava interessado na aquisição do imóvel”.
H - Deveriam ter sido julgados como não provados, os factos constantes dos Pontos 13., 14., 15., 16. e 17. da matéria (erradamente) dada como provada e ter sido dado como provados os factos constantes da aliena d) da matéria dada como não provada, diga-se, que a A. tivesse comunicado à R. que Telmo …. estava interessado na aquisição do imóvel.
I - A Apelante cumpriu a sua prestação contratual, pelo que in casu tem direito à remuneração acordada, uma vez que arranjou um potencial comprador para o imóvel da Apelada pelo valor constante do contrato de mediação celebrado, tendo encetado as diligências com vista à celebração do contrato definitivo, que só não veio a ocorrer porque a Apelada se arrependeu e não quis de vender a casa.
J - Razão pela qual, deve o Douto Tribunal ad quem interferir de forma a repor a legalidade e justiça do caso concreto, revogando a decisão proferida, concedendo dessa forma à autora o valor respeitante à sua comissão, por força do contrato de mediação celebrado.
L - Mostra-se violado o Princípio da Igualdade das Partes, pois que o Tribunal a quo apenas considera a matéria alegada pela Apelada como provada, apenas e tão somente, com base nas suas declarações, o que já não sucede quanto às declarações prestadas pela Legal Representante da Apelante, que não são de igual modo valoradas.
K - Mostra-se violado o art.º 19º da Lei n.º 15/2013 de 08.02, pois a Apelante tem direito à sua remuneração acordada.
M - Mostra-se violado o disposto no nº 2 do art.º 1170º do Código Civil, pois deve a parte que revogar o contrato indemnizar a outra parte pelo prejuízo que esta sofrer (al. c) e d) do art.º 1172º, do CC)”, o que a Apelada não logrou fazer.»
1.6. A Autora não apresentou contra-alegações.
1.7. Foram colhidos os vistos.
II) Objecto do recurso - Questões a decidir:
De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este Tribunal da Relação adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Tal limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[[1]]
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a apreciação das seguintes questões:
1.ª - Se o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento na apreciação e valoração dos meios de prova, que imponha a alteração da decisão da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados e não provados objecto da impugnação;
2.ª - Se não estão demonstrados os requisitos do direito do mediador à remuneração, previstos no n.º 2 do artigo 19.º do Dec.-Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.
III) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto (primeira questão)
Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não apreciou devidamente a prova produzida (…)
Por tudo o exposto, decide-se:
a) julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e, em consequência, dar como não provada a factualidade constante dos pontos 16 e 17 dos factos considerados provados pela 1.ª instância;
b) alterar a redacção do ponto 9 dos factos provados nos seguintes termos:
- Onde se lê:
«9. Telmo … assinou a proposta de reserva n.º 27 junta como doc. 4, na qual consta no ponto 4. das OBSERVAÇÕES que “estou muito interessado na compra deste imóvel. Aceito fazer a compra por 120.000€”, constando da proposta de reserva a data de 19/10/2020. (cfr. Doc. 4 junto com a PI)»;
- Deve ler-se:
«9. Telmo …assinou a proposta de reserva n.º 27 junta como doc. 4, na qual consta no ponto 4. das OBSERVAÇÕES que “estou muito interessado na compra deste imóvel. Aceito fazer a compra por 112.000€”, constando da proposta de reserva a data de 19/10/2020. (cfr. Doc. 4 junto com a PI).»
*
IV) Os factos:
Estão, assim, julgados provados e não provados os seguintes factos[[2]]:
- Factos provados:
1. A autora é uma sociedade comercial unipessoal por quotas que se dedica, entre outros, à consultoria imobiliária e compra e venda de imóveis (cfr. Doc. 1 junto com a PI).
2. Na prossecução do seu objecto, a A. celebrou com a R., no dia 04.02.2020, um contrato denominado contrato de mediação imobiliária (cfr. Doc. 2 junto com a PI).
3. pelo qual a R. se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel propriedade da R., designadamente a fracção autónoma identificada pelas letras “AAE” destinada à habitação, constituída por uma divisão assoalhada, com área total de 63m2 sito …., pelo preço de €125.000,00, sendo que qualquer alteração ao preço fixado deverá ser comunicada de imediato e por escrito à mediadora (cláusulas 1.º e 2.º do contrato de mediação) (cfr. Doc. 2 junto com a PI).
4. Desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis (clausula 2.ª) (cfr. Doc. 2 junto com a PI).
5. Consta da clausula 4.ª que “1- O segundo contratante contrata a mediadora em regime de: exclusividade.
2. No que respeita ao pagamento da remuneração, caso o negócio visado tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário (…) é devida à empresa a remuneração acordada” (cfr. Doc. 2 junto com a PI).
6. Decorre da clausula 5.ª que “1. A remuneração é devida se a mediadora conseguir destinatário que celebre com o segundo contraente o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no n.º 1 e 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013 de 08 de Fevereiro.
2. O segundo contraente obriga-se a pagar à mediadora a título de remuneração: A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescido de IVA à taxa legal de 23%.
3-O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições: O total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.” (cfr. Doc. 2 junto com a PI).
7. Estipula a clausula 8.ª que “o presente contrato tem uma validade de seis meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo”. (cfr. Doc. 2 junto com a PI).
8. No dia 12/08/2020 o preço de €125.000,00 estipulado na clausula 2.ª foi alterado pela R. para o montante de €112.000,00 (cfr. Doc. 3 junto com a PI).
9. Telmo … assinou a proposta de reserva n.º 27 junta como doc. 4, na qual consta no ponto 4. das OBSERVAÇÕES que “estou muito interessado na compra deste imóvel. Aceito fazer a compra por 112.000€”, constando da proposta de reserva a data de 19/10/2020. (cfr. Doc. 4 junto com a PI).
10. O documento designado de Proposta de Reserva n.º 27 não se mostra assinado pelo proprietário.
11. Em 9/11/2020 a R. enviou à A. uma carta junta como doc. 5 pela qual comunica que “(…) por motivos de saúde não pretendo neste momento prosseguir com a venda do imóvel e por este motivo venho por este meio rescindir o contrato ao abrigo da cláusula 8.ª “prazo e Duração do Contrato”, denunciando-o com antecedência mínima de 10 (dez dias) em relação ao seu termo, com efeitos imediatos a partir de 19/11/2020.
No início do mês de agosto deste ano foi-me diagnosticado uma doença oncológica (cancro do pulmão) por este motivo, fui forçada a deslocar-me para Lisboa onde estou a ser observada e submetida aos tratamentos de quimioterapia.
Por neste momento me encontrar em condições de saúde frágeis devido aos efeitos dos tratamentos não pretendo neste momento proceder à venda do imóvel (…) não sabendo eu de antemão se não irei dele necessitar para a minha residência e reabilitação (…)
Assim, na medida em que me encontro a agir de boa fé e por motivos que me são completamente alheios e imprevisíveis, venho apelar à vossa compreensão para os motivos que me levem a rescindir o contrato de mediação para venda do imóvel (…)”.
12. Em resposta enviou a A. a carta junta como doc. 7 à R. onde, além do mais, comunica que “(…) o contrato celebrado entre nós mantém-se válido (independentemente da v/ vontade) pelo menos até 04.02.2021.(…) temos um comprador para o apartamento pelo preço com V. Exª acordado em 12.08.2020, o qual se encontra a aguardar a v/resposta para agendamento da escritura, (…) vimos na ultima e derradeira tentativa de diligenciar junto de V.ª Ex.ª no sentido de nos informar para que data pretende seja agendada a outorga do contrato promessa e/ou escritura de compra e venda (…)”.
13. No dia 4 do mês de agosto de 2020, após ser submetida a uma série de consultas médicas e exames foi diagnosticada à R. doença oncológica de neoplasia do pulmão esquerdo.
14. A ré desistiu de vender o imóvel e quis fazer cessar o contrato de mediação quando se apercebeu da gravidade da doença e por causa da mesma ter que passar a residir em Lisboa a fim fazer o acompanhamento médico e realizar tratamentos de quimioterapia.
15. Os tratamentos ocorreram de 25/01/2021 a 25/03/2021 na clínica ….
- Factos não provados:
Nada mais se provou, não se provando que:
a) a A. comunicou à R. que Telmo … estava interessado na aquisição do imóvel;
b) a Ré é reformada.
c) a Ré até à data não procedeu à venda do imóvel.
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V) Matéria de direito - Segunda questão
A presente acção tem como causa de pedir o direito do mediador à remuneração prevista num contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Autora e a Ré. A qualificação da relação contratual donde se alega emergir aquele direito como contrato de mediação imobiliária não suscitou nos autos qualquer divergência, sendo acolhida por ambas as partes e na decisão recorrida.
Como é sabido, o contrato de mediação é aquele em que alguém (o mediador) se obriga perante outrem (o comitente ou solicitador) a promover, mediante remuneração, a aproximação de duas ou mais pessoas (o comitente e terceiros), com vista à conclusão entre elas de determinado negócio, ou seja, a preparar e estabelecer uma relação de negociação entre o interessado na celebração do negócio e os terceiros.
Para Vaz Serra, na Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 1967, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, n.º 3355, pág. pág. 343, o contrato de mediação é o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte».
Segundo Lacerda Barata, in Contrato de Mediação, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, pág. 192, «o contrato de mediação pode definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição».
Para Maria de Fátima Ribeiro, in Contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, Revista de direito comercial[[3]], 2017, pág. 227, «o mediador apenas adquire o direito a ser remunerado se exercer a sua actividade; mas, a menos que tal resulte expressamente do contrato de mediação, dificilmente se pode determinar, em termos muito exactos, em que actos deve ela consistir, sendo apenas relevante que essa actividade (material) tenha sido causal do negócio que o comitente veio a celebrar com terceiro(..). Por outras palavras, não se exige nenhum grau de esforço específico, nem é necessário que o mediador intervenha em todas as fases do negócio. Porém, deve ter agido de modo a proporcionar a aproximação entre o comitente e o terceiro especificamente interessado no negócio que o comitente quer celebrar
No caso sub judice está demonstrado que no contrato de mediação celebrado a Autora se obrigou perante a Ré a angariar um interessado na compra de um imóvel pertencente a esta, pelo preço de €125.000,00, mais tarde alterado para €112.000,00, e que a Ré se obrigou a pagar à Autora, a título de remuneração, a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse concretizado, acrescida de IVA à taxa legal de 23%.
Estamos, pois, perante um contrato de mediação imobiliária regido pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, conforme aliás consta do texto do próprio contrato, o que é consentâneo com o facto de a Autora ser, segundo o contrato, detentora de uma licença AMI 17142, emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P. (IMPIC, I.P.), o qual tem competência legal para atribuir as licenças para o exercício dessa actividade e para a validação dos contratos de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais.
Como refere Fernando Baptista Oliveira[[4]]  os elementos caracterizadores do contrato de mediação imobiliária são: «obrigação de aproximação de sujeitos; actividade tendente à celebração do negócio; imparcialidade; ocasionalidade; retribuição».
No caso vertente, não vem questionado que a Autora diligenciou para encontrar um interessado em comprar o imóvel para cuja venda a Ré celebrou o contrato de mediação imobiliária. Não se questiona que a Autora realizou a actividade de mediação imobiliária, antes sendo controvertido se, em resultado dessa sua actividade, obteve um interessado disposto a pagar o preço pretendido pela Ré para vender o imóvel.
O que de essencial se discute nos autos, ab initio, é apenas se a Autora pode exigir da Ré o pagamento da remuneração prevista no contrato, muito embora não tenha sido celebrado o contrato de compra e venda visado pela mediação por a cliente ter, entretanto, decidido não vender o imóvel, rectius, por ter desistido da venda.
Sobre a matéria da remuneração do mediador rege o artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, normativo que dispõe, na parte que aqui interessa, o seguinte:
1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
Tendo sido estipulada cláusula de exclusividade (cf. cláusula 6ª a fls. 5), a questão que se coloca é a de saber se a Ré podia desistir do mesmo, sendo esse o sentido da argumentação da Ré tendo por ponto de partida os factos provados sob os n.ºs 11, 12, 13, 14 e 15.
Como se refere com proficiência no Acórdão da Relação de Lisboa, de 05-06-2018, proferido no proc. n.º 85/17.0T8VFX.L1-7 (Desembargador Luís Filipe de Sousa), disponível em www.dgsi.pt., «Esta questão tem vindo a ser analisada sob a nomenclatura de possibilidade da rescisão unilateral antecipada do contrato de mediação imobiliária, existindo duas correntes, uma no sentido da sua admissibilidade e outra que a rejeita.
Dentro da primeira orientação, argumenta-se que, ainda que não resulte diretamente da lei ou não prevista no contrato, “é de admitir a revogação do contrato de mediação imobiliária por ato unilateral como consequência da natureza do próprio negócio, por ser de presumir que o cliente não quer privar-se, além do mais, do direito de desistir do propósito de concluir o negócio promovido” (Acórdão da Relação do Porto de 8.7.2010, Filipe Caroço, 156880/09).
Invoca-se, ainda, o ensinamento de Vaz Serra, RLJ, Ano 100º, p. 340, quando afirmava a este propósito que «salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação deve considerar-se revogável. Não se trata de uma aplicação analógica das regras do mandato e da comissão, mas de uma consequência da própria natureza do contrato, tal como ela é de presumir ser querida pelos contraentes (…)». Em sentido confluente, Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, in Scientia Jurídica, 2013, p.102.
Dentro desta orientação, ocorrendo a revogação unilateral por parte dos Réus, a autora/mediadora só poderá ter direito a eventual indemnização pelos danos sofridos pela revogação ou denúncia antecipada do contrato mas nunca à remuneração pretendida (cf. Acórdãos da Relação de Coimbra de 25.6.2013, Jacinto Meca, 400/12 e de 3.11.2015, Jorge Arcanjo, 115257/04, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2.6.2016, Ondina Alves, 266/14). Os concretos prejuízos decorrentes da rescisão antecipada têm de ser alegados pela mediadora e formulado o correspondente pedido indemnizatório (Acórdão da Relação do Porto de 9.7.2014, Maria João Areias, 387/12).
Desde já se adianta que a invocação do ensinamento de Vaz Serra é improfícua porquanto o mesmo escreveu numa altura em que não havia lei específica sobre o contrato de mediação imobiliária, tratando-se então de um contrato sem prazo, realidade totalmente distinta da atual.
Em sentido oposto, afirma-se desde logo que: «(…) a norma do art.º 19, n.º 2, do RJAMI obriga o cliente a pagar a remuneração desde que, durante a vigência do contrato, o mediador lhe apresente um real interessado e o contrato não se concretize apenas por causa imputável ao cliente. Tanto significa que esta norma acopla às estipulações de exclusividade o efeito próprio de uma cláusula de irrevogabilidade. As cláusulas, embora conceitualmente divergentes, perante o regime jurídico português do contrato de mediação imobiliária convergem necessariamente» (Higina Castelo, Contrato de Mediação, Estudo das Prestações Principais, FDUNL, 2013, p. 389).
Conforme afirma Higina Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, 2015, pp. 132-133:
«Provando a mediadora que efetuou com sucesso a sua prestação, poderá o cliente eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio).
A estipulação de exclusividade significa, como já dito, que, durante o período de vigência do contrato, o cliente não pode socorrer-se de outros mediadores nem, eventualmente, celebrar o contrato visado diretamente. O contrato de mediação com uma tal cláusula tem de ser respeitado durante todo o seu prazo, sendo inadmissível a sua cessação por decisão unilateral do cliente, sob pena de total ineficácia da cláusula. Sempre que quisesse celebrar o contrato com interessado angariado por outro mediador (ou por si, no caso de exclusividade absoluta), bastaria ao cliente revogar o encargo do mediador exclusivo. Ao contrato de mediação exclusivo não pode, portanto, ser posto termo unilateralmente e sem causa justificativa.
Questão diferente é a de saber se, durante a vigência do contrato, o cliente está vinculado à celebração do contrato fixado com o interessado que o mediador exclusivo lhe encontre, ou se pode desistir do contrato inicialmente desejado. Sem prejuízo da eventual responsabilidade pré-contratual em que incorra, o cliente pode desistir de celebrar o contrato desejado, mas não pode deixar de remunerar o mediador, caso se verifiquem as circunstâncias descritas na previsão do art.º 19º, nº2» (bold nosso).
Confluindo neste sentido, afirmou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.5.2016, Rosário Morgado, 2119/13, que o cliente pode livremente desistir da celebração do contrato visado, o que não pode, sem pagar a remuneração do mediador, é pôr fim ao contrato de mediação antes do seu aprazado termo, por declaração unilateral e imotivada.
Todavia, não basta à mediadora – na vigência do contrato – angariar um interessado nominal na celebração do contrato com as condições constantes do contrato de mediação para ter direito à remuneração nos termos do n. º 2 do artigo 19º. Conforme refere Higina Castelo, Contrato de Mediação, Estudo das Prestações Principais, FDUNL, 2013, pp. 387-388, «De enfatizar que a aplicação da norma contida no art.º 19, n.º 2, do RJAMI implica, mais que a prova do cumprimento da obrigação do mediador – diligências no sentido da obtenção de um interessado –, a prova do sucesso desse cumprimento que satisfaz o interesse do credor – efetiva obtenção de um interessado, genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação» (bold nosso). E, mais adiante, p. 389, «Ora, a norma do art.º 19, n.º 2, do RJAMI obriga o cliente a pagar a remuneração desde que, durante a vigência do contrato, o mediador lhe apresente um real interessado e o contrato não se concretize apenas por causa imputável ao cliente.» Esta ideia é reiterada em Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, p. 131, quando aí se afirma que a prova do sucesso do cumprimento por parte da mediadora exige a «efetiva obtenção de um interessado, genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação.» [Fim de citação]
*
Ora, no caso em apreço, a Autora alegou, mas não provou, que obteve e apresentou à Ré um real interessado na aquisição do imóvel (facto não provado sob a alínea a), pelo que também não logrou demonstrar que o negócio só não se concretizou por causa imputável à Ré.
É certo que vem provado que Telmo … assinou a proposta de reserva junta como Doc. 4 da PI (fls. 17), que se mostra datada de 19/10/2020, na qual se declarou “muito interessado” na compra do imóvel em causa nos autos, por €112.000,00.
Acontece que a existência de uma proposta - sem qualquer referência ao proponente - só foi dada a conhecer à proprietária do imóvel, a aqui Ré, depois de esta ter declarado rescindir unilateralmente o contrato de mediação por carta datada de 9 de Novembro de 2020, assim desistindo da venda do imóvel - cfr. Docs. 5 e 7 da PI, a fls. 18 e 20).
Diga-se, a propósito, que vai ao arrepio das regras da experiência comum que uma mediadora esteja na posse de uma proposta de compra de um imóvel angariado para venda e que a retenha e dela não dê conhecimento ao cliente durante um hiato de 30 dias (entre 19/Out. e 18/Nov.).
Este contexto fáctico leva-nos a suspeitar da efectividade/seriedade da referida proposta. Com efeito, o tempo e a forma de actuação da Autora [só comunicou à Ré a existência de uma proposta de compra decorridos 30 dias sobre a sua “formalização” e só o fez depois da cliente lhe ter comunicado a desistência do contrato de mediação e da venda do imóvel], indiciam que não se trata de um interessado verdadeiro.
Na conclusão G. a Recorrente sustenta que o Tribunal a quo errou ao considerar que o contrato não se realizou por facto não imputável à Recorrida porquanto esta recusou a venda depois de a Autora lhe ter comunicado que Telmo …. estava interessado na aquisição do imóvel.
Sucede, porém, que este contexto fáctico não se provou, sendo que era sobre a Autora que recaía o ónus da respectiva prova (artigo 342.º, n.º 1, do Cód. Civil).
No corpo das alegações (pág. 9), a Recorrente, por recurso à analogia com o regime do mandato, sustenta que a resolução unilateral do contrato de mediação pelo cliente (mandante), quando conferido também no interesse do mandatário (imobiliária), como é o caso dos autos, só é legalmente possível com o acordo deste interessado, salvo ocorrência de justa causa (artigo 1170.º, n.º 2, do Cód. Civil), devendo a parte que revogar o contrato indemnizar a outra parte pelo prejuízo que esta sofrer (art.º 1172.º, do Cód. Civil).
E que o facto de a Recorrida se encontrar doente e recusar a venda depois de lhe ter sido apresentado um comprador não configura justa causa que a exima da obrigação de pagamento da remuneração devida à Autora, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro (RJAMI).
Em primeiro lugar, cabe referir que não se encontra provada a factualidade com base na qual a Recorrente estriba a sua pretensão, designadamente que a Recorrida recusou a venda do imóvel e pôs fim ao contrato depois de lhe ter sido angariado pela Recorrente um interessado na aquisição do imóvel e de ter aceitado a proposta que este lhe dirigiu.
Em segundo lugar, diga-se que consideramos o contrato se extinguiu validamente na sequência da comunicação motivada que a Ré endereçou à Autora, por carta datada de 9 de Novembro de 2020.
Vejamos,
Encontra-se provado que a Ré enviou à Autora a carta a que se reporta o facto provado 11., nos termos da qual comunica que “(…) por motivos de saúde não pretendo neste momento prosseguir com a venda do imóvel e por este motivo venho por este meio rescindir o contrato ao abrigo da cláusula 8.ª “prazo e Duração do Contrato”, denunciando-o com antecedência mínima de 10 (dez dias) em relação ao seu termo, com efeitos imediatos a partir de 19/11/2020.
No início do mês de agosto deste ano foi-me diagnosticado uma doença oncológica (cancro do pulmão) por este motivo, fui forçada a deslocar-me para Lisboa onde estou a ser observada e submetida aos tratamentos de quimioterapia.
Por neste momento me encontrar em condições de saúde frágeis devido aos efeitos do tratamentos não pretendo neste momento proceder à venda do imóvel (…) não sabendo eu de antemão se não irei dele necessitar para a minha residência e reabilitação (…)
Assim, na medida em que me encontro a agir de boa fé e por motivos que me são completamente alheios e imprevisíveis, venho apelar à vossa compreensão para os motivos que me levem a rescindir o contrato de mediação para venda do imóvel (…)”.
Da interpretação desta declaração resulta que a Ré pretendeu desvincular-se unilateralmente do contrato de mediação imobiliária.
Assim, bem andou o Tribunal a quo em considerar que a Ré desistiu do negócio e rescindiu unilateralmente o contrato de mediação imobiliária, por razões de saúde, as quais, aliás, ficaram devidamente comprovadas nos autos (cfr. factos provados 12, 13, 14 e 15).
Já se disse que durante a vigência do contrato de mediação o cliente não está vinculado à celebração do contrato de compra e venda com o interessado que o mediador exclusivo lhe encontre, podendo desistir do negócio inicialmente almejado, sem prejuízo da eventual responsabilidade pré-contratual em que incorra e da obrigação de remunerar o mediador, caso se verifiquem as circunstâncias descritas na previsão do n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.
Revertendo ao caso dos autos e considerando que o contrato de mediação foi celebrado em regime de exclusividade, a remuneração acordada só seria devida, caso a Autora tivesse logrado demonstrar os factos constitutivos do seu direito (artigo 342.º, n.º 1, do Cód. Civil): (i) que angariou e apresentou à Ré um interessado real e genuíno na compra do imóvel; e (ii) que o negócio visado não se concretizou por causa imputável à Ré, proprietária do imóvel.
Acontece que a Autora, na qualidade de mediadora, não logrou demonstrar que, na vigência do contrato, angariou um interessado genuinamente interessado na compra do imóvel, como a factualidade provada sob 12, 13, 14 e 15 não permite a imputação à Ré um juízo ético jurídico de censura em termos de se concluir que o negócio visado não se concluiu por culpa sua.
A doença severa, grave e inesperada que sobreveio à Ré, a incapacidade que causa, os tratamentos que implica, bem como as preocupações e incertezas que gera quanto ao futuro, constituem causa de força maior excludente da culpa, assim se considerando fundamento bastante para justificar a actuação da Ré, isto é, a sua decisão de desistir do contrato de mediação e do negócio visado, tudo a afastar o direito à remuneração previsto no n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.
De outra banda, consideramos que a resolução do contrato pela ré sempre será de admitir à luz do n.º 2 do artigo 437.º do Código Civil, considerando a doença oncológica que lhe sobreveio na sua execução, a qual afecta de maneira anómala e imprevista a base negocial e torna intolerável a manutenção do vínculo contratual, por ser patente o desequilíbrio das prestações e a excessiva onerosidade que a manutenção do contrato, como se nada tivesse ocorrido, implicaria para a ré.
Por conseguinte, improcede a apelação.
*
- Responsabilidade pelas custas
Tendo decaído no recurso, é a Autora e Recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas – artigo 527.º do Código de Processo Civil

IV - Decisão:                                                      
Por tudo o exposto, acordam os Juízes da 6.ª Secção em julgar improcedente a apelação e manter a sentença recorrida.
Custas da apelação pela Autora.
Registe e notifique.
Lisboa, 12 de janeiro de 2023
Manuel Rodrigues
Nuno Lopes Ribeiro
Gabriela de Fátima Marques
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[1] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil. Almedina, 2017, 4ª edição revista, pág. 109.
[2] As alterações introduzidas por esta Relação vão a negrito e itálico
[3] Consultada no sitio www.revistadedireitocomercial.com.
[4] in Direito dos Contratos - O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial [em Linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016, disponível em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Direito_dos_Contratos_O_Contrato_de_Mediacao_Imobiliaria.pdf. ISBN: 978-989-8815-41-5.