Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9778/11.5TBOER-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: AVAL
LIVRANÇA
RESPONSABILIDADE DO AVALISTA
PROTESTO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: I. A declaração de insolvência do subscritor da livrança não implica a suspensão da execução contra o avalista do subscritor.
II. A livrança não tem de ser apresentada a pagamento ao avalista.
III. Quanto às letras pagáveis num dia fixado, como é o caso dos autos, não está prevista a caducidade dos direitos de acção pelo decurso do prazo fixado para a apresentação da letra a pagamento.
IV. “O STJ tem entendido que, da conjugação do art. 53 com o art. 32/I, ambos da LULL, segundo o qual o avalista do subscritor da livrança responde ‘da mesma maneira’ que ele, decorre a desnecessidade de protesto para o accionar, tal como seria desnecessário para accionar o subscritor.”
(da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Banco “A” (Portugal), SA, instaurou em 14/11/2011, uma execução contra “B” – Engenharia, SA, e “C”, tendo como títulos duas livranças sobrescritas pela executada e avalizadas pelo executado, para garantia das obrigações decorrentes de dois contratos de mútuo celebrados a 15/12/2008 e 23/09/2010, que não tinham sido pagas nem na data de vencimento (31/10/2011) nem posteriormente apesar das sucessivas interpelações. O local de pagamento constava como “A”/Lisboa.
O 2º executado, sem impugnar ou pôr em causa nenhum dos factos que constam acima, veio apresentar a presente oposição com base em 3 fundamentos:
(i) a execução devia ser suspensa, tendo em consideração o disposto nos arts. 85/1 e 88/1 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (= CIRE), o facto de a 1ª executada ter sido declarada insolvente por sentença de 05/12/2011, e o facto de ele, 2º executado, ser avalista daquela; pois que se ele vier a pagar a quantia exequenda, adquirirá, por força do art. 32/3, aplicável por força do art. 77, ambos da Lei Uniforme Relativa às Letra e Livranças (= LULL) um direito de regresso contra a 1º executada; assim, a decisão do tribunal no sentido de ele estar obrigado ao pagamento das livranças tem, necessariamente, repercussões no valor da massa insolvente da 1ª executada;
(ii) depois de referir que o exequente tinha cumprido o art. 38 da LULL (obrigação de apresentação a pagamento) em relação à subscritora das livranças, diz que as livranças não foram apresentadas a pagamento a ele, avalista/executado – a epígrafe da II da oposição é, significativamente: “da não apresentação das livranças a pagamento em relação ao avalista (2.ª executado) -, ao contrário do que impõe o art. 38, aplicável por força do art. 77, ambos da LULL, pelo que, por força agora do art. 53 da LULL, o exequente não tem qualquer direito de o accionar judicialmente para o pagamento das mesmas;
(iii) as livranças não foram apresentadas a protesto por falta de pagamento, ao contrário do que impõe o art. 44 da LULL, pelo que, por força do art. 53 da LULL, o exequente não adquiriu o direito de regresso contra ele, avalista (invoca neste sentido as obras de Paulo Sendin e Evaristo Mendes, A natureza do aval e a questão da necessidade ou não do protesto para accionar o avalista do aceitante, Almedina, 1991, e de Nuno Madeira Rodrigues, Das letras: aval e protesto, Almedina, 2002, e o voto de vencido anexo ao ac. do STJ de 17/03/1988).
A oposição do executado foi liminarmente indeferida, com a fundamentação que irá sendo transcrita abaixo.
O executado recorre deste despacho, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A sociedade subscritora das livranças foi declarada insolvente conforme resulta dos autos.
2. A obrigação exequenda não é exigível porquanto a mesma foi reclamada no âmbito daquele processo de insolvência, tendo sido alterado o prazo de cumprimento da mesma, pelo que a dívida avalizada só será exigível com o decorrer daquele prazo.
3. Do acordo com o TRG (in www.dgsi.pt, acórdão de 24/04/2012 - 1248/10.5TBBCL-A.G2) “a aprovação do plano da insolvência, no qual esse crédito foi aprovado e qualificado como crédito privilegiado, devendo ser pago na íntegra no prazo de 8 anos, alterando o prazo do cumprimento da obrigação, do que beneficia o avalista, torna inexigível a obrigação exequenda, por causa superveniente, devendo ser julgada extinta a instância executiva”.
4. Não poderá a exequente ver reconhecido o seu crédito no âmbito do plano de insolvência e obter o pagamento do seu valor mediante o presente processo executivo, violando o tribunal a quo o art. 519 do CC. Sem prescindir sempre se dirá que,
5. Dispõe art. 32 da LULL que “Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergente da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra” (aplicável por remissão do art. 77.º da LULL)
6. Conforme declarou o STJ (in www.dgsi.pt, acórdão de 24/04/2004 - 04B404) “a sub-rogação, como forma de transmissão das obrigações, atribui ao sub-rogado solvens o mesmo direito do credor”.
7. Pelo que é indiscutível que a presente acção executiva diz respeito a bens da massa insolvente e que é susceptível de influenciar o seu valor.
8. Face ao exposto a presente acção executiva deveria ter sido suspensa relativamente ao recorrente em virtude da aplicação conjunta do n.º 1 do art. 85 e do n.º 1 do art. 88, ambos do CIRE, não o tendo feito violou o tribunal a quo estas normas legais bem como a decisão do tribunal que decretou a insolvência da sociedade subscritora das livranças; sem prescindir
9. O tribunal a quo violou o art. 53 da LULL porquanto conforme declarou o TRL (in www.dgsi.pt, acórdão de 07/02/2008 - 10143/2007-2) “Retirar da considerada natureza da responsabilidade do avalista, a irrelevância da falta de apresentação a pagamento da livrança ao subscritor da mesma afigura-se-nos, porém, e salvo o devido respeito, ir longe de mais. É que a apresentação a pagamento constitui requisito deste, integrando “um ónus do portador” do título”.
10. Não tendo a recorrida apresentado as livranças a pagamento ao recorrente, por força do disposto no art. 53 da LULL (que deliberadamente não exclui os avalistas como faz em relação ao aceitante), aplicável por remissão do art. 77 da LULL, perdeu o direito de acção relativamente a este.
11. A mera remissão para acórdãos que determinam que não é necessário o protesto para que o portador de uma letra accione o avalista, sem qualquer fundamentação por parte do tribunal sobre o seu entendimento, e concretização face ao caso concreto, determina a nulidade da sentença nos termos do art. 668/1b) do CPC.
12. O legislador determinou especificamente que não é necessário protesto relativamente ao sacador, o mesmo não faz, deliberadamente, relativamente ao avalista.
13. Decorre assim do art. 53/1 daquela Lei - aplicável à livrança não protestada por força do art. 77 - que o portador da livrança não protestada apenas tem direito de acção contra o subscritor da livrança, que é quem prometera e por isso estava incumbido de pagar, mas não contra os garantes do seu pagamento, contra quem não tem, legalmente, meio de provar que a recusa se deu.
14. Como referem Paulo Sendin e Evaristo Mendes, na sua obra citada: “O aval como garantia do pagamento pontual da letra por quem está indicado no título para o fazer. O portador da letra aceite e não protestada (não tendo sido o protesto dispensado) não é titular de qualquer direito contra o avalista do aceitante porque a responsabilidade deste não se constituiu” [= epígrafe do nº. 29 da obra citada – parênteses da responsabilidade deste acórdão].
15. Como qualquer outro garante das livranças, o recorrente/avalista apenas poderia ser accionado para o pagamento das mesmas, caso o pagamento tivesse sido comprovadamente recusado pela executada subscritora das livranças.
16. Não tendo a exequente apresentado as livranças a protesto, no prazo referido na LULL, ou seja “num dos dois dias úteis seguintes aquele em que a letra é pagável” (cfr. parágrafo 3.º do art. 44 da LUL), perdeu o seu direito de acção contra o executado avalista, e portanto co-obrigado, no sentido do 5.º parágrafo do art. 53 da LULL.
17. Tendo violado o tribunal a quo os arts. 44, 45, 53 e 77 da LULL.
A exequente contra-alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida.
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Quanto à arguição de nulidade de sentença, o tribunal recorrido disse: “A fundamentação da questão encontra-se a fls. 36 a 38, afigurando-se a este tribunal como suficientemente explícita quer quanto ao seu entendimento sobre a questão, quer quanto à razão de ser da decisão. Entendo assim, que não foi cometida nulidade que possa ou deva ser suprida.”
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Questões que cumpre solucionar: da nulidade; da necessidade de apresentação da letra a pagamento ao avalista; da necessidade de protesto por falta de pagamento para o portador poder accionar o avalista.
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Da nulidade – ponto 11 das conclusões do recurso
É evidente a falta de razão do executado. A decisão recorrida tem completa fundamentação do decidido e a jurisprudência que invoca nem sequer diz respeito à questão à necessidade de apresentação da livrança a pagamento.
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Os pontos 2 a 4 das conclusões do recurso
Estes pontos dizem respeito a uma questão que o executado não tinha deduzido perante o tribunal recorrido. Trata-se assim de uma questão nova. Ora, os tribunais de recurso não se ocupam de questões novas. Ocupam-se apenas de questões que tenham sido decididas pelo tribunal recorrido, com o fim de apurar se essas decisões estão certas ou erradas. Como diz Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, Abril de 2009, págs. 50 e 81: em Portugal, os recursos ordinários são de revisão ou de reponderação da decisão recorrida, não de reexame; o objecto do recurso é constituído por um pedido que tem por objecto a decisão recorrida.
Ou, como diz Rui Pinto, Elementos de processo recursal, 2010, págs. 57/58, http://forumprocessual.weebly.com/uploads/2/8/8/7/2887461/elementos_de_processo_recursal_110211.pdf: “[o]s recursos não têm por função criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Para a formação desta decisão concorreu, por sua vez, apenas a matéria oportunamente alegada nos articulados da acção. Há aqui, pois, uma preclusão temporal.” [em nota, 49, faz uma resenha de inúmera jurisprudência sobre a questão].
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Da suspensão da execução
Questão levantada nos pontos 1 e 5 a 8 das conclusões do recurso
Quanto a esta questão o despacho recorrido disse o seguinte:
“Está em causa execução fundada em livranças avalizadas pelo oponente. Nos termos do art. 32 da LULL o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, mantendo-se a sua obrigação, mesmo no caso em que a obrigação que ele garantiu seja nula por qualquer razão que não seja vício de forma.
Nos termos do art. 47 da mesma lei, a acção intentada contra um dos co-obrigados não impede de accionar os outros, mesmo os posteriores àquele que foi accionado em primeiro lugar.
O avalista, diversamente do fiador, responde solidariamente com o avalizado, não beneficiando de excussão prévia nem assumindo a posição de devedor subsidiário. Para exigir o cumprimento da obrigação ao avalista o credor que seja portador de um título de acção cambiária não carece de comprovar a insolvência da beneficiária do aval, a reclamação e/ou reconhecimento do seu crédito no processo de insolvência ou a excussão prévia dos bens.
Por outro lado, dispõe o art. 88 do CIRE que: “1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes. 2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.º 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente.”
Resulta das disposições legais citadas que o credor que disponha de título de acção cambiária pode exigir o cumprimento da obrigação de qualquer dos obrigados cambiários.
A circunstância de pender processo de insolvência, ou mesmo de ter reclamado créditos relativamente a um dos obrigados não o inibe de demandar os demais. E, conforme se retira do disposto no art. 88/2 do CIRE, não tem qualquer efeito suspensivo da execução instaurada contra os demais.
É assim manifesta a improcedência, nesta parte, da oposição.
Acresce que a insolvência do co-devedor solidariamente obrigado, não constituindo facto impeditivo, modificativo ou extintivo da obrigação, nem a outro título determinando a falta de requisitos da obrigação, também não constitui fundamento que se enquadre na previsão dos arts 814.º a 816.º, do CPC.”
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Apreciação
Tudo isto é assim – a acção intentada contra um dos co-obrigados não impede o portador de accionar os outros (art. 47 da LULL) e a norma do art. 88 do CIRE é clara, a contrario sensu, no sentido de que a declaração de insolvência não tem reflexos nas execuções contra os outros executados -, sendo manifesta a falta de razão do executado.
Acrescente-se apenas o seguinte: se o executado pagar a quantia exequenda, ou seja, se cumprir a sua obrigação cambiária, sub-roga-se no direito de crédito do exequente contra a insolvente. Esta não passa a ser duplamente devedora, não passa a ter duas dívidas. Passa a dever o mesmo a um outro credor. Trata-se de uma transmissão de crédito, que transitada de armas e bagagens para o terceiro (parafraseou-se Antunes Varela, Das obrigações em geral, 4ª edição, Almedina, 1990, vol. II, pág. 341). Pelo que o pagamento que o executado faça não tem reflexo na massa insolvente. Há uma simples modificação subjectiva no lado activo de uma das relações que integram a massa insolvente. Pelo que nem sequer se encontra preenchida a previsão do art. 85 do CIRE. Mas mesmo que o estivesse, a norma do art. 88 do CIRE, como norma especial, naturalmente que prevaleceria sobre a do art. 85.
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Da desnecessidade da apresentação a pagamento das livranças ao avalista - pontos 9 e 10 das conclusões do recurso
Quanto a isto e também quanto à próxima questão, o despacho recorrido disse o seguinte:
« Nos termos do art. 28 da LULL “O sacado obriga-se pelo aceite a pagar a letra à data do vencimento.”
O art. 32 da LULL preceitua que “o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada” e ainda, que “a sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma”.
Dispõe o art. 53 da LULL, além do mais, que depois de expirados os prazos fixados para se fazer o protesto por falta de pagamento, ou para apresentação a pagamento no caso da cláusula “sem despesas”, o portador perdeu os seus direitos de acção contra os endossantes, o sacador e os outros co-obrigados, com excepção do aceitante.
As obrigações a que o oponente está adstrito são obrigações de aval. O aval integra uma obrigação de garantia, dada por uma pessoa a favor de outra que já é obrigada numa letra. É, por um lado, uma obrigação acessória, já que se destina a garantir o cumprimento da obrigação principal, e, por outro, uma obrigação autónoma, pois que se mantém ainda que a obrigação garantida seja nula.
No caso do aval ao subscritor o avalista obriga-se a responder no lugar do subscritor. A sua posição não é equivalente ao sacador, endossantes e co-obrigados a que alude o art. 53 da LULL, pois que estes são meros obrigados de regresso, responsáveis entre si nos termos do art. 516 do CC, enquanto aquele é um obrigado directo, que fica sub-rogado nos direitos do subscritor (art. 32 e 77 da LULL).
Daí que se entenda que o art. 32 da LULL limite o âmbito de aplicação do art. 53 e, por consequência, se o avalista aceitante é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, não se pode exigir ao portador da letra, ou livrança, a prática de actos que a lei dispensa, no caso o protesto ou a apresentação a pagamento.»
Posto isto:
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Da falta de apresentação a pagamento… ao avalista
Questão nova
O executado, no recurso, vai muito para além da questão que levantava na oposição. Na oposição, o executado dizia que o art. 38 da LULL (obrigação de apresentação das livranças a pagamento) tinha sido cumprido em relação à subscritora das livranças, mas não em relação a si.
Agora, no recurso, fala genericamente na falta de apresentação das livranças a pagamento (embora a epígrafe do corpo das alegações relativa a estas conclusões continue a ser “de não apresentação das livranças a pagamento em relação ao avalista”) e invoca o ac. do TRL de 07/02/2008 (10143/2007-2), que refere que "a apresentação a pagamento [ao subscritor da livrança] constitui requisito deste [do pagamento], integrando ‘um ónus do portador’ do título’.”
Ora, esta questão não foi levantada na oposição – em que expressamente o executado dizia que o art. 38 da LULL tinha sido cumprido em relação à subscritora das livranças - e não foi objecto da decisão recorrida, sendo pois uma questão nova e que, por isso, não pode ser objecto deste recurso.
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Outras questões novas
O executado invoca ainda o ac. do TRL de 20/01/2011 (1847/08.5TBBRR-A.L1-6), na parte do sumário deste que diz que “É, porém, necessária interpelação prévia do avalista quando, sendo o título entregue em branco ao credor (para este lhe apor a data de pagamento e a quantia prometida pagar, em termos deixados ao seu critério), pois só assim o avalista tem conhecimento do montante exacto e da data em que se vence a garantia prestada.”.
Só que o executado – que nem sequer levantou a questão de as livranças dos autos serem em branco - esquece o primeiro ponto de tal sumário, em que se diz: “Não retira a exequibilidade de uma livrança a sua não apresentação a pagamento ao avalista, uma vez que se trata de título pagável à vista, bastando que não tenha sido paga pelo subscritor, na data nela aposta.”.
Ou seja, no caso, este acórdão – independentemente de se aceitar ou não a respectiva fundamentação - faz a distinção entre a necessidade de apresentação a pagamento ao avalista e a necessidade de interpelação prévia do avalista. Quanto àquela decide-a contra a posição do executado destes autos, com tanta mais razão quanto, no caso dos autos, as livranças são pagáveis em dia fixo. Ora, era só aquela que o executado levantava nestes autos. Quanto à necessidade de interpelação, o executado também não tinha levantado tal questão na oposição, ou seja, nunca disse não ter sido interpelado previamente. Ou seja, trata-se de mais uma questão nova que não deve ser objecto de recurso.
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Fica por isso a questão antiga (decidida pelo despacho recorrido) de saber:
Se as livranças têm de ser apresentadas a pagamento ao avalista do subscritor?
Quanto a isto o executado nada acrescenta ao que já tinha sido na oposição, não invocando nem doutrina, nem jurisprudência a seu favor.
Ora, o próprio estudo dos dois autores que o executado invoca para a outra questão esclarece que a apresentação a pagamento é ao sacado, não aos outros obrigados, entre eles o avalista do aceitante (sendo que o art. 78 da LULL dispõe que o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra): “Razões de segurança justificam a exigência desta formalidade face a quem não tem, pela natureza das coisas, um conhecimento rápido e seguro de que a letra não foi paga – isto é, face a quem não está nela indicado para a pagar e a quem ela não deve, portanto, ser apresentada para o efeito. E estão neste caso todos os garantes, incluindo o avalista do aceitante.” (Paulo Sendin e Evaristo Mendes, obra citada, pág. 101).
Ou seja, a livrança não tem de ser apresentada a pagamento ao avalista e foi só esta a questão que foi levantada pelo executado na oposição indeferida liminarmente e foi, portanto, só esta a questão apreciada pelo despacho recorrido (embora, a partir daqui, muitas outras questões pudessem ter sido levantadas).
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Neste sentido, vai também a jurisprudência ao que se crê unânime, embora com outra fundamentação que está dependente da outra questão que será apreciada à frente.
Assim, e apenas por exemplo, o ac. do STJ de 30/09/2003 (03A2113):
[…] Como está demonstrado o embargante deu o seu aval à subscritora da livrança ora em execução, respondendo por isso, da mesma forma que a pessoa afiançada (art. 77 e 32 da LU).
Por sua vez, o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (art. 78 da LU) o que significa que é o devedor principal e não uma obrigação de regresso.
Portanto, o avalista, respondendo nos mesmos termos que o subscritor, também não é um obrigado de regresso.
Assim, embora a lei imponha ao portador o dever de apresentar o título a pagamento e ao protesto por falta de pagamento, sob pena de caducidade dos seus direitos contra as garantes, essa caducidade não se aplica ao aceitante (devedor principal, em relação ao qual o portador tem, não acção de regresso, mas acção directa), como expressamente declara o art. 53 da LU.
E assim, se é dispensada a apresentação a pagamento e o protesto quanto ao subscritor de uma livrança, equiparado ao aceitante, da mesma forma é dispensada aquela apresentação e protesto em relação ao avalista do subscritor, visto que responde nos mesmos termos que ele.
É, pois, irrelevante a falta de apresentação a pagamento ou a protesto, no caso concreto.”
O ac. do STJ de 14/01/2010 (960/07.0TBMTA-A.L1.S1 – só sumário):
“I - O portador de um letra pagável em dia fixo deve apresentá-la a pagamento no dia em que ela é pagável ou num dos dois dias úteis seguintes (art. 38.º da LULL), sendo que se não a apresentar, tratando-se duma letra com a cláusula «sem despesas», perde o direito de regresso contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante.
II - Assim, uma letra ou tem a cláusula «sem despesas» ou não tem: se não tem, impõe-se o protesto; se tem, releva a apresentação a pagamento.
III - A este regime escapa a acção contra o aceitante ou contra o subscritor, na medida em que este último é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (art. 78.º da LULL).
IV - Uma vez que, nos termos do art. 32.º da LULL, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, a falta de apresentação a pagamento ou a falta de protesto não beliscam a relação cambiária entre o portador e o avalista, quer do aceitante –nas letras –, quer do subscritor – nas livranças.”
Ac. do STJ de 01/10/2009 (381/09.0YFLSB)
“Mas há ainda outro argumento, e decisivo, no sentido de que a falta de apresentação a pagamento de uma letra ou livrança não acarreta para o portador a perda do seu direito de acção contra o aceitante, que é o facto de o art. 53 da LULL exceptuar do regime de perda dos direitos de acção do portador do título, mesmo tratando-se de letras à vista ou no caso da cláusula «sem despesas», os direitos contra o aceitante, como salientava o insigne Prof. Gabriel Pinto Coelho (7).
Neste sentido, pode ver-se, v. g., o Acórdão da Relação do Porto de 9 de Dezembro de 2004, onde se sentenciou no sentido de que «a falta de apresentação a pagamento da livrança não implica a perda dos direitos do portador em relação ao aceitante e, nessa medida, também em relação ao avalista deste» ( Col. Jur. 2004, V, pg. 193) e outro, da mesma Relação, de 2 de Julho de 1992 ( Col. Jur. 1992, III, 300).”
Ac. do STJ de 29/10/2009 (2366/07.2TBBRR-A.S1)
“1. A falta de apresentação a pagamento de uma livrança apenas tem como consequência inutilizar o direito de regresso, mas não determina a decadência («decadenza») dos direitos contra o devedor principal – o emitente – ou o seu avalista.
2. A livrança, mesmo que não apresentada a pagamento na data respectiva, não perde a qualidade de título cambiário exequível contra o emitente e seus avalistas.”
O ac. do STJ de 23/04/2009 (08B3905) julga mesma que a questão d’“a alegação de falta de apresentação a pagamento, neste contexto, não tem relevância autónoma, porque a citação na acção executiva sempre valeria como interpelação.” [mas aqui talvez houvesse que ter em conta a questão dos juros vencidos até à citação…]
Não se encontrou, nos anos mais recentes, qualquer acórdão em sentido contrário, de qualquer das Relações, embora, reconheça-se, o ac. do TRL invocado pelo executado (tal como em muitos outros recursos, como se vê nos acórdãos que irão sendo referenciados) assuma uma posição (quanto ao aceitante) que conduziria em sentido contrário, resultado a que o acórdão não teve que chegar por ter considerado existente uma outra causa de dispensa de apresentação a pagamento (insolvência). Ou seja, aquele acórdão do TRL considera que, para o portador poder accionar o aceitante, é necessário que tenha apresentado a livrança a pagamento, o que é expressamente contrariado por toda esta jurisprudência.
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Livranças pagáveis em dia fixo
Não deixe de se acrescentar que quanto às letras pagáveis num dia fixado, como é o caso dos autos (31/10/2011…), não está prevista a caducidade dos direitos de acção pelo decurso do prazo fixado para a apresentação da letra a pagamento, como decorre da simples leitura do art. 53/§1 da LULL, pelo que esta concreta questão nem sequer se colocava no caso dos autos.
O que é lembrado pelo ac. do STJ de 01/10/2009 (381/09.0YFLSB): “[…] sempre se dirá que a falta de apresentação a pagamento depois de expirados os prazos respectivos, importa para o portador a perda dos direitos emergentes contra o sacador, endossantes e demais obrigados, apenas no caso das letras à vista ou a certo termo de vista, de harmonia com o disposto no art.º 53º da LULL, também aplicável às livranças. Não assim, tratando-se de títulos pagáveis em data certa, como é o que ocorre no caso sub judicio, exactamente porque neste caso, como se afirmou, dies interpellat pro homine!”
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Da desnecessidade de protesto por falta de pagamento para accionar o avalista - pontos 12 a 15 das conclusões do recurso
Quanto a esta questão, e já depois da fundamentação em globo que consta do ponto anterior, o despacho recorrido ainda acrescenta o seguinte:
“Nomeadamente a questão da necessidade de protesto para accionar o avalista tem sido amplamente discutida na doutrina e na jurisprudência, sendo dominante o entendimento de que não é necessário o protesto para que o portador de uma letra de câmbio accione o avalista do aceitante.
Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do STJ de 17/03/1988 e de 14/05/1996 (BMJ 375, pág. 399 e 457, pág. 387), ou os acórdãos do TRP de 17/12/2001 e 04/07/2002 (disponíveis em www.dgsi.pt, acórdãos TRP, processos: 0151661 e 0230592), onde é feita referência a diversa jurisprudência e doutrina.”
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O executado não aduz nova argumentação àquela que já fazia na oposição.
E a posição seguida pelo despacho recorrido corresponde à jurisprudência tanto quando se sabe unânime a nível dos tribunais da Relação e do STJ (tanto que o executado não invoca qualquer acórdão em sentido contrário), acompanhando doutrina francamente maioritária (quer em Portugal, quer noutros países, segundo é referido nos estudos que são referidos abaixo), no sentido da desnecessidade do protesto por falta de pagamento para se poder accionar o avalista.
Assim, para além da citada pelo despacho recorrido, vejam-se ainda, entre muitos outros:
Ac. do STJ de 09/09/2008 (08A1999):
“O citado art. 53 exceptua o aceitante, expressamente, da necessidade de protesto, mas na excepção está abrangido o avalista do aceitante (Oliveira Ascensão, obra citada, pág. 202; Abel Pereira Delgado, Obra citada, 7ª ed., pág. 286 ; R.L.J. Ano 71- 324; Ac. S.T.J. de 01/10/1998, Bol. 480-482).”
Ac. do STJ de 23/04/2009 (08B3905):
De acordo com o disposto no art. 53 da LULL, aplicável às livranças nos termos prescritos pelo art. 77 da mesma Lei, o portador de uma letra perde “os seus direitos de acção contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante” se deixar passar o prazo “para (…) fazer o protesto (…) por falta de pagamento”.
Este STJ tem entendido que, da conjugação daquele artigo 53 com o art. 32, I, sempre da LULL, segundo o qual o avalista do subscritor responde “da mesma maneira” que ele, decorre a desnecessidade de protesto para o accionar, tal como seria desnecessário para accionar o subscritor. Vejam-se, por exemplo, os acórdãos de 20/11/2002, 11/04/2004 ou 09/09/2008, disponíveis em www.dgsi.pt como procs. nºs 03A3412, 04B3453 e 08A1999, e a jurisprudência neles citada.
É esta jurisprudência que aqui se reitera. Apesar das diferenças que separam o aval da fiança, decorrentes em particular da sua autonomia quanto à relação garantida (cfr. artigo 32, II, da LULL), certo é que a responsabilidade do avalista do aceitante se define, nas diversas dimensões relevantes, por aquela que incide sobre o aceitante.”
Ac. do STJ de 10/09/2009 (380/09.2YFLSB):
“3. Não é condição do exercício dos direitos do portador de livrança contra o avalista do subscritor o protesto prévio. (vejam-se, […], os recentes acs. deste Supremo de 09/09/2008 in CJIII/08, pag.30 e de 23/04/2009, já atrás citado).”
E o próprio ac. do TRL citado pelo executado que diz:
“[…]
Questão diversa da, também, contemplada no art. 53 da LULL, a saber, a da apresentação a pagamento, ou a protesto, “depois de expirados os prazos fixados…” para o efeito.
E que implica para o portador a perda “dos seus direitos de acção contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante”.
Excepção que, na sequência do que se veio de expender quanto à medida e natureza da obrigação do avalista, abrange o avalista do aceitante/subscritor.
[…]
Correspondendo aquele ao que será a orientação dominante na doutrina e na jurisprudência. (Assim, na doutrina, Oliveira Ascensão, in “Direito Comercial”, Vol. III, Títulos de Crédito, FDL, 1992, pág. 201-204; Pereira Coelho, in “Lições de Direito Comercial”, vol. 2º, fas. 5º, págs. 19 e seguintes; Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, Vol. III – Letra de Câmbio – U. C., 1975, págs. 211-212, e Abel Pereira Delgado, in “Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças”, Livraria Petrony, 1980, págs. 161-162 e 229. Na jurisprudência, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11-11-2004, proc. 04B3453, desta Relação, de 15-05-2007, proc. 3860/2007-7, e da Relação do Porto, de 27-02-2007, proc. 0720506, todos em www.dgsi.pt. Podendo citar-se, em sentido diverso, Paulo Sendin e Evaristo Mendes, In “A Natureza do Aval e a Questão da Necessidade ou Não de Protesto Para Accionar o Avalista do Aceitante”, Almedina, 1991; e Nuno Madeira Rodrigues, In “Das Letras: Aval e Protesto”, Almedina, 2002.)
Como efeito, nos termos do já citado art. 32, §1º da LULL, “O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.”
E “o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra” – vd. art. 78 da LULL – ou seja, está obrigada a pagá-la na data do seu vencimento, cfr. art. 28 do mesmo diploma.
Sendo que “A recusa de aceite ou de pagamento deve ser comprovada por um acto formal (protesto por falta de aceite ou falta de pagamento)”, vd art. 44, § 1º, da LULL.
Ora, nos termos do art. 53, da LULL., “Depois de expirados os prazos fixados: (…) para se fazer o protesto por falta de aceite ou por falta de pagamento; o portador perdeu os seus direitos de acção contra os endossantes, contra o sacador e contra outros co-obrigados, à excepção do aceitante”.
Sem qualquer menção ao avalista.
No domínio do Código Comercial de 1888, e como dão nota Paulo Sendin e Evaristo Mendes, (op. cit. pág. 47) a doutrina e a jurisprudência estavam de acordo quanto à desnecessidade do protesto para o portador ter direito de acção contra o avalista do aceitante.
E, como ensina Oliveira Ascensão, (op. cit. 202) “Não se pode ver na LU a intenção de alterar este estado de coisas, como resulta da observação das doutrinas estrangeiras, sendo que a desnecessidade de protesto é aceite na Alemanha (Hueck/Canaris, Wertpapieret, §13, I, 1º,; Jaggi/Druey/von Greyerz, Wertpapierer recht, § 28, I, 2 e 3.) e também, dominantemente, em Itália.”.
O avalista responde na medida objectiva da obrigação do avalizado, nos termos e quantidade em que este seria responsável.
Pois que “sendo responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada“, como visto já, “A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.” (art. 32, § 2º, da LULL).
Assim, como prossegue aquele autor, “Se mesmo que a obrigação não subsistisse contra o avalizado a obrigação do avalista se mantém, por maioria de razão se mantém quando não subsiste contra terceiros, em consequência de não ter havido protesto, mas subsiste contra o aceitante”.
O avalista assume uma responsabilidade directa. Não sendo aceitante/subscritor responde no lugar destes. Não tem uma expectativa de que o protesto seja realizado, porque a sua obrigação envolve já tudo aquilo porque o aceitante/subscritor podia responder.
A declaração formal de que não houve pagamento resulta, nesta caso, irrelevante.”
E ainda, apenas por últimos, o ac. do TRL de 06/12/2012 (7771/04.3YYLSB-A.L1-2), do TRP de 17/05/2012 (4622/11.6YYPRT-A.P1), do TRP de 09/01/2012 (2492/11.3YYPRT-A.P1 - que lembra a existência de acórdãos do TC a aceitar a constitucionalidade desta interpretação), do TRP de 22/11/2011 (3354/11.0YYPRT-A.P1), do TRC de 23/02/2010 (254/09.7TBTMR-A.C1) e do TRG de 27/02/2012 (5345/06.3TBBRG-B.G1)
Não se encontrou, nos anos mais recentes, qualquer acórdão em sentido contrário, de qualquer das Relações.
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A favor da posição defendida pelo executado, existiam (para além de outros mais antigos, referidos por estes) os dois estudos, dos três autores citados pelo executado, um de 1991 e outro de 2002, cujas razões têm sido ponderadas pela doutrina maioritária e pela jurisprudência, mas que apesar disso não os tem seguido (reconhecendo geralmente que a questão é duvidosa). Agora, para além deles, também Carolina Cunha, Letras e Livranças, paradigmas actuais e recompreensão de um regime, Almedina, 2012, págs. 110/111, vem considerar muito duvidosa a posição seguida pela tese dominante, mas sem aduzir argumentos que já não tenham sido considerados por aquela tese. Acrescente-se que Pinto Furtado, Títulos de crédito, Almedina, 2000, pág. 183, sugere que esta é a melhor solução, embora aponte a outra como a opinião dominante. E Engrácia Antunes, Os títulos de crédito, uma introdução, Coimbra Editora, 2009, pág. 92, nota 178, não toma posição, o que assume expressamente.
Assim, sendo evidente que os argumentos da posição contrária (sintetizados em parte nas conclusões do recurso do executado) são fortes, não se vê que isto deva levar a um afastamento da jurisprudência em sentido contrário, que, repete-se, é, ao que se crê, unânime, acompanhada da maioria da doutrina nacional e estrangeira.
Neste sentido tem-se em vista o que se diz no ac. do STJ de 15/03/2012 (772/10.4TVPRT.P1.S1 – os parênteses rectos referem-se a partes que não têm, no caso, aplicação), entre o mais:
“A quantidade de acórdãos […], com multiplicidade de relatores, dispersos pelas diversas secções cíveis, revela que foram ponderadas todos os argumentos em redor da referida questão de direito, e permite asseverar que relativamente à mesma questão, […], existe o que pode apelidar-se de jurisprudência constante ou reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça (cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito - Introdução e Teoria Geral, 13ª ed., págs. 320 e segs.).
Ora, sem embargo de outros aspectos, cumpre evidenciar as vantagens da uniformização jurisprudencial quando, como ocorre no caso presente, nos confrontamos com uma solução que, de forma persistente, vem sendo sustentada, fazendo jus ao princípio da igualdade no tratamento das questões de idêntica natureza (sobre o relevo da elaboração jurisprudencial do direito e sobre os critérios de decisão jurisdicional, cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., págs. 320 e 321).
Exige-se do legislador ordinário que trate com igualdade situações semelhantes, imposição que, sendo de natureza ontológica, é também decorrência do correspondente princípio constitucional. Uma tal imposição deve reflectir-se também no plano da aplicação judiciária das leis, mediante o máximo esforço no sentido de evitar, tanto quanto possível, que questões de idêntica natureza acabem por ser solucionadas de forma substancialmente divergente (sobre a função da jurisprudência e a tutela dos interesses da igualdade e da segurança jurídica cfr. LUCAS COELHO, Conceito e validade do direito. O direito dos juízes, BFDUC, 86º, págs. 259 e segs.).
Basta que, para o efeito, se responda ao desafio de JOHN RAWLS, para quem “a justiça consiste na equanimidade, isto é, no tratamento igual dos iguais em igualdade de circunstâncias”, ou que se pondere o que, a este respeito, refere KARL LARENZ para quem, “por detrás do critério de uniformidade da jurisprudência está o postulado da justiça que consiste em decidir o que é idêntico de modo idêntico”.
Orientação que igualmente se encontra em VAZ SERRA, quando alerta para o facto de se tornar “indispensável que o direito seja, quanto possível, certo e previsível a jurisprudência, sem o que não pode saber-se que rumo deve dar-se à vida, como deve contratar-se ou, de uma maneira geral, como devem constituir-se as relações jurídicas” (ROA, 1º, pág. 11).
Subjaz igualmente ao ideal de justiça proposto por MANUEL de ANDRADE, que afirma que “o Direito deve ser tal que se possam conhecer com bastante aproximação as suas prescrições. A certeza jurídica traduz-se praticamente na uniformidade das decisões judiciais, porque o juiz é a suprema autoridade na aplicação do Direito” (BFDUC, 68º, pág. 15).”
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(…)
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013.

Pedro Martins
Eduardo José Oliveira Azevedo
Lúcia Sousa