Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
134/10.3TBHRT.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
POSSE
TRADIÇÃO
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.– Ainda que em princípio o contrato-promessa não seja susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente-comprador, existem situações excepcionais em que assim não é, merecendo a posição do promitente-comprador com tradição do imóvel a qualificação originária de verdadeiro possuidor, como sucede nos casos em que já se encontra paga a totalidade do preço e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já.
2.–  No caso de aquisição da posse por tradição, nos termos do art. 1263º, al. b) do CC., não se exige a prática reiterada de actos materiais, correspondentes ao exercício do direito. A intervenção do antigo possuidor dispensa essa prática.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I.– Maria de ... de ..., Manuel ... de ..., Alberto Manuel ... ..., ... Maria ... e ... ... ..., propuseram a presente acção declarativa de condenação contra Manuel da ... ..., José ... ..., João Avelino ... e João ... ..., pedindo que se declarasse como impugnada e de nenhum efeito a escritura de justificação notarial outorgada pelo 1.ºs RR. e em que são declarantes os 2.ºs RR., por serem falsas as declarações prestadas na mesma e, em consequência, que se declare inexistente o direito de propriedade do 1.º R. sobre os prédios justificados.

Alegaram para tanto e em suma, que a escritura de justificação de 28-10-2009, que versou sobre a aquisição de 38 prédios, que identifica, não pode ser considerada válida porquanto a compra aludida nessa escritura não foi feita junto de todos os proprietários do prédio mas tão só e quanto muito, a um dos comproprietários; que 5/8 desses bens pertencem à herança aberta por óbito de Maria ... de ..., de quem os autores são herdeiros; e que não se verificam quaisquer dos requisitos para aquisição dos prédios por usucapião, sendo falsas as declarações aí prestadas, uma vez que o 1.º R. nunca ocupou nenhum dos prédios nem os gozou por qualquer forma e a quase totalidade esses imóveis não são gozados por ninguém a partir da crise surgida com o vulcão em 1959, tendo sido usados somente uns três ou quatro alqueires por António ... de ..., para pôr gado mas sempre em nome dos herdeiros.

Citados os RR., veio o 1.º R. contestar, alegando a excepção de ilegitimidade singular activa dos AA., por existirem outros herdeiros de Maria ... de ....

Alegou ainda que adquiriu os mencionados prédios em 06/08/1988, por contrato-promessa de compra e venda celebrado dia 6 de Agosto de 1988, tendo pago o preço de 6000USD, não tendo sido realizada escritura pública porquanto o negócio, embora realizado entre portugueses, foi concretizado nos EUA, onde todos residiam; que daí para cá o 1.º RR. deslocava-se ao prédio sempre que ia à Ilha do Faial, nos meses de verão e cedia o gozo do mesmo a pessoas das suas relações para que deles tirassem o proveito possível, passando a agir como dono dos prédios, assim sendo reputado pela maioria das pessoas da freguesia.

O réu deduziu reconvenção, pedindo que seja reconhecido como proprietário dos prédios objecto de justificação, por os ter adquirido por usucapião, sustentando que pagou o preço de aquisição dos prédios com a outorga do contrato-promessa, e manteve a posse sobre os ditos prédios identificados na escritura de justificação desde a outorga do contrato-promessa, à vista de todos, sem oposição e na convicção que exercia um direito próprio.
Pediu ainda a condenação dos autores no cumprimento do contrato-promessa.

Houve lugar a resposta onde se concluiu pela improcedência do pedido reconvencional e foi deduzido incidente de intervenção principal dos demais herdeiros de Maria ... de ...: ...nor de ..., ... ... de ... e Palmira ... de ....

Pelo despacho de fls. 139 foi admitida a requerida intervenção principal provocada e ordenada a citação dos intervenientes.

A interveniente ... ... foi citada editalmente, tendo após sido citado o M.P., nos termos do art. 15º do CPC.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar, admitida a reconvenção, fixada a matéria assente e organizada a base instrutória.

Posteriormente, foi anulado o processado posterior ao despacho que ordenou a citação das intervenientes ...nor de ... e ... ... de ....
Citadas estas, as mesmas silenciaram.

Em sede de julgamento, após a notícia do óbito de ... ..., os autores desistiram do chamamento deduzido na réplica, tendo os réus aceite essa desistência.

Após o Sr. Juiz foi proferida decisão a julgar partes ilegítimas José ... ..., João Avelino ... e João ... ..., absolvendo-os da instância, por serem justificantes declarantes e não outorgantes na escritura de justificação, e a considerar os autores partes legitimas, julgando improcedente a excepção da ilegitimidade activa.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu:
Face às razões de facto e de direito indicadas, decide-se julgar improcedentes os pedidos dos AA. e procedente o pedido do R e, em consequência:
Quanto aos pedidos dos Autores:
A)Absolvo o Réu do pedido de declaração como impugnada e de nenhum efeito a escritura de justificação objecto do litígio;
Quanto ao pedido Reconvencional do Réu:
B)Condeno nos AA. a reconhecerem perante o Réu o direito de propriedade deste sobre os prédios objecto do litígio e constantes da escritura de justificação impugnada.
C)Prejudicado fica o pedido de condenação dos AA. no cumprimento do contrato­ prometido.
Custas a cargos dos AA., por terem dado causa aos autos (art.º 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Inconformados, vieram os autores interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões:
1. É entendido na sentença recorrida que em 06-08-1988 o R. celebrou com a falecida Maria  ...  de  ...  um  contrato-promessa  de  compra  e  venda  dos  prédios em causa.
2.– O  que  não  tem  qualquer  base  dada  a  nulidade  do  mesmo  por inexistência das respectivas assinaturas,nulidade essa invocada na P. Inicial.
3. Em qualquer caso, nesse documento invoca-se os prédios como sendo da contratante, o que não corresponde à realidade dos  factos  porquanto  ela  só  tinha o direito  a 5/8 sobre esses imóveis que tinha adquirido no inventário por óbito do marido.
4.– Existe também o entendimento de que na referida data do acordo ocorreu uma venda verbal dos prédios ao réu por todos os respectivos titulares, a mãe e as filhas, posição essa que subjaz aos factos 8) e 9) dados por provados na sentença.
5.– Fundando-se esse entendimento nas declarações de parte feitas pelo R. e no documento denominado “Affidavit” que foi apresentado na audiência.
6.– Documento esse que não tem tal virtualidade pois que se limita a comprovar a prestação da declaração nele inserta e nada prova quanto aos factos a que respeita – art. 371.º n.º 1 do CC.
7.– Quanto às declarações de parte, verifica-se que foi o único meio de prova em que se fundou o apuramento daqueles factos 8) e 9).
8.– Sendo que o mesmo se encontra previsto no artigo 466.º do CC e deve ser entendido que tem uma função complementar de outros meios de prova, não sendo aceitável a sua aceitação exclusiva - Carolina Braga da Costa Henriques ..., dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e disponível em  http://hdl.handle.net/10316/28630, pgs. 48; Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum”, 3.ª ed., pgs. 278; João Correia – Paulo Pimenta – Sérgio Castanheira: “ Introdução ao Estudo e à Aplicação do CPC de 2013”, ed. 2013, pg. 57; Paulo Ramos de Faria – Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, vol. I, ed. 2013, pg.364, anotação prévia ao art. 466.º do CPC; Ac. do TRP de 15/9/2014 (“entendemos que as declarações de parte – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado (...). As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos. Por estas razões, (...) e inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, o mesmo não deve ser valorado, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório e que as acções se decidam apenas com as declarações das próprias partes”).
9.– Verifica-se  assim  uma  errada  aplicação  do  referido artigo  466.º, não devendo ser considerados como provados os ditos factos 8) e 9).
10.– Entende-se ainda que o R. terá iniciado o gozo dos prédios na data indicada no invocado contrato-promessa com base no facto 10), conforme consta da fundamentação de direito da sentença.
11.– O que não tem base na medida em que não foi dada por provada qualquer tradição dos  imóveis  ao  R.  e  naquele  facto  apenas  se  refere que  aquando  das  respectivas deslocações ao Faial ia aos prédios (não se precisando as datas dessas deslocações processadas desde a celebração do acordo). 
12.– No facto 12) é dito que «o réu era reputado como dono dos referidos prédios por pessoas da freguesia do Capelo».
13.– O que restringe essa afirmação por forma que não permite considerar como se tendo verificado a publicidade da pretendida posse do réu.
14.– O facto 13) é contraditório como o facto 12) na medida em que se afirma sem restrição que a «compra em causa foi comentada no Capelo por causa do preço», afirmação que implica um conhecimento generalizado nessa freguesia o que é afastado na MOTIVAÇÃO quanto aos factos 12) e 13), dizendo-se que «pelo menos algumas pessoas» sabiam da compra a inexistência de oposição à posse do réu exercida através de pessoas amigas.
15.– No facto 14) é dito que o réu agiu sempre no que respeita aos prédios, por si e através de pessoas amigas a quem cedeu o gozo, à vista de todas as pessoas da localidade.
16.– O que também está em contradição na parte final com o facto 12) em que é feita a referida restrição.
17.– E não tem  qualquer base  a  referência  à  cedência  do gozo  através  de  pessoas  amigas, uma vez que não é invocada nem foi feita qualquer prova nesse sentido e esse gozo  foi detido  sempre  somente  por uma pessoa, a testemunha Laureano  deteve  a posse sobre parte do prédio mediante autorização dada por aquele e já antes era ele que detinha a mesma.
18.– Afirma-se na fundamentação de direito da sentença que a posse do réu foi de boa-fé, o que  não  tem  qualquer base  factual,  na  medida em  que de nenhum  facto  consta que, ao adquirir a sua posse, ignorava que lesasse qualquer direito de outrem, requisito indispensável para que a posse fosse considera da de boa-fé – art. 1260.º do CC.
19.– Acresce que sobre ele impendia o ónus de fazer essa prova porquanto se tratou de uma posse não titulada que se presume ser de má-fé – arts. 1259.º e 1260.º, n.º 2, do CC.
20.– Há igualmente que referir que, nos termos da MOTIVAÇÃO, o réu tomou conhecimento sensivelmente em 1991 da oposição ao negócio l...ntada pelos netos da contratante falecida, os ora autores, tendo-se deslocado inclusive aos Estados Unidos para os contactar a esse respeito.
21.– Conhecimento esse que poderá ter sido obtido antes do início da sua posse que, nos termos da mesma MOTIVAÇÃO, poderá ter ocorrido nessa ano de 1991.
22.– Tendo  no  entanto continuado subsequentemente  a  exercer  a  sua  posse,  a  despeito desse conhecimento.
23.– Verificando-se assim que a posse em causa foi sempre de má-fé.
24.– Sendo que, ao contrário do que se afirma no facto 15), não foi exercida sem oposição de ninguém.
25.– O facto 16) assentou somente nas declarações de parte do réu, com a não produção do efeito de prova nos termos já explanados, e, em qualquer caso, a existência da referida oposição é impeditiva da convicção de exercício de um direito próprio afirmada nesse facto.
26.– Do que fica dito conclui-se que a prova dos factos 8) a 16), excepção feita às assinatura das filhas da contratante indicadas no facto 8), assentou exclusivamente nas declarações de parte produzidas pelo réu que se limitou a confirmar o que já tinha alegado na contestação por forma literal ou quase literal.
27.– Não se tendo feito a aplicação do artigo 466.º do CPC que se impõe e não devendo ser assim considerados como provados esses factos pelas razões acima explanadas quanto a esse meio de prova.
28.– Não se verificaram em qualquer caso os requisitos da  boa-fé  e da publicidade da posse indispensáveis à aquisição por usucapião.
29.– E, sendo a posse não titulada, presume-se que foi de má-fé e não foi provado o prazo de 20 anos exigível nesse caso para a concretização da usucapião, com ofensa dos arts. 1259.º, 1260.º, n.º 2, e 1296.º do CC.
30.– Razões por que há que concluir que não se verificou a aquisição por usucapião dos imóveis em questão, sendo  consequentemente  de  condenar o  réu  nos pedidos formulados na PI.
Termos  em que  deve  ser  concedido  provimento  ao presente  recurso, revogando-se  a sentença e condenando-se o réu no pedido formulado na Petição Inicial e absolvendo-se os autores do pedido reconvencional apresentado na Contestação.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*

II.– Factos considerados provados em 1ª instância:
1)– Existe um escrito, denominado justificação, elaborado no dia 28 de Outubro de 2009 no Cartório Notarial de V... F... e perante esta, que se mostra subscrito pelos respectivos outorgantes, do qual consta designadamente que compareceram como outorgantes Primeiro – Manuel H...L...S...J... (…) que outorga na qualidade de Manuel da ... ... (…) Segundo – José ... ... (…).
Pelo primeiro outorgante foi dito: que o seu representado é actualmente e com exclusão de outrem, dono e legítimo possuidor dos seguintes prédios situados na freguesia do Capelo,
concelho da H...: primeiro: urbano (…) inscrito na matriz no artigo 304 (…). Segundo: urbano (…) inscrito na matriz no artigo 305 (…). Terceiro: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6202 (…). Quarto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6730 (…). Quinto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6732 (…). Sexto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6734 (…). Sétimo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6736 (…). Oitavo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6771 (…). Nono: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6779 (…). Décimo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6784 (…). Décimo Primeiro: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6793 (…). Décimo Segundo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6873 (…). Décimo Terceiro: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6874 (…). Décimo Quarto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6878 (…). Décimo Quinto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6885 (…). Décimo Sexto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6915 (…). Décimo Sétimo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6098 (…). Décimo Oitavo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6201 (…). Décimo Nono: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6203 (…). Vigésimo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6537 (…).Vigésimo Primeiro: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6602 (…). Vigésimo Segundo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6604 (…). Vigésimo Terceiro: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6635 (…). Vigésimo Quarto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6642 (…). Vigésimo Quinto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6680 (…). Vigésimo Sexto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6719 (…). Vigésimo Sétimo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6726 (…). Vigésimo Oitavo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6731 (…).Vigésimo Nono: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6733 (…). Trigésimo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6770 (…). Trigésimo Primeiro: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6775 (…). Trigésimo Segundo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6788 (…). Trigésimo Terceiro: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6872 (…). Trigésimo Quarto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6875 (…). Trigésimo Quinto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6877 (…). Trigésimo Sexto: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6880 (…). Trigésimo Sétimo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6883 (…). Trigésimo Oitavo: rústico (…) inscrito na matriz no artigo 6895 (…).
Que os prédios identificados em primeiro e segundo estão inscrito na matriz em nome de José M... da ... T... de B... e os restantes em nome de António ... de .... Que o seu representado adquiriu estes prédios há mais de vinte anos por compra feita a Maria ... de ..., viúva, residente nos Estados Unidos da América sem terem, no entanto, outorgado a respectiva escritura de compra e venda. Que desde essa altura até hoje está na posse dos prédios indicados sem a menor oposição de ninguém; posse que sempre exerceu sem interrupção e ostensivamente, com conhecimento de toda a gente e a prática reiterada dos actos habituais de um proprietário, tendo ocupado os prédios, feito sementeiras e colheitas, tendo retirado sempre deles todas as unidades normais, om ânimo
de quem exercita direito próprio, sendo por isso uma posse pacífica, contínua e pública.
O seu representado adquiriu assim os mencionados prédios por usucapião e, dado o modo de aquisição, não possui título, estando impossibilitado de comprovar esta aquisição pelos meios normais. Disseram os Segundos Outorgantes: que, por serem inteiramente verdadeiras, confirmam as declarações que antecedem.

2)– Neste Tribunal correu termos o processo de inventário obrigatório n.° 12/1978 em que foi inventariado António ... de ... e inventariante Manuel R... de F... e no âmbito do qual foram tidos como herdeiros a viúva Maria ... ..., os filhos vivos ...nor de ..., ... ... de ... e Palmira ... de ... e os netos, ora autores, Maria de Lurdes, Manuel ..., Alberto ..., ... ... e ... ....
3)– Dos bens a partilhar no inventário 2) faziam parte os que são objecto da escritura 1) e que foram então adjudicados à viúva na proporção de 5/8 e aos indicados filhos vivos na proporção de 3/24 avos a cada um.
4)– A viúva Maria ... de ... faleceu no dia 10.10.1988 e na relação de bens apresentada consta o direito a 5/8 dos prédios em causa.
5)– Não foi efectuada partilha na sequência do óbito de Maria ... de ....
6)– Existe um escrito denominado "Promessa de Compra e Venda" do qual consta que:
Maria ... de ..., também conhecida por Maria ... de ..., viúva, natural da freguesia do Capelo, concelho da H..., A..., residente em 102 Woodward, East Providence, R.1. USA e Manuel da ... ..., casado, natural da freguesia dos Cedros (...)
O primeiro contratante vende ao segundo, pela importância de 6000 dólares (seis mil dólares) as quais já foram entregues, todo os seus prédios rústicos e urbanos situados no lugar do Canto freguesia do Capelo, concelho da H.... Se qualquer um dos referidos contratantes não cumprir com o referido contrato é obrigado a restituir a importância do sinal em dobro.
A rogo do primeiro contraente, por este não poder escrever, assinam os filhos presentes. Este contrato está isento de selo nos termos da lei geral de Portugal.
East Providence 88-08-06
Aqui assinam todos os fïlhos: ...nor de ... ou ...nor ... de ... casada com António da R... F... ... ... de ... casada com António N... de F... ...,Palmira ... de ... casada com António F... P....
    
O escrito tem aposto um selo de Notário Público e anexa uma apostilha que certifica que foi assinado por Augusto S... B... notário público em Providence.

7)– Em cumprimento do acordo aludido em 6), o réu pagou a quantia de 6000 dólares americanos.
8)– O acordo aludido em 6) foi assinado pelas três filhas (...nor, ... e Palmira), com o conhecimento de Maria ... de ....
9)– As filhas e genros, tal como Maria ... de ..., pretenderam vender os prédios nas proporções detidas.
10)– Desde a celebração do mencionado acordo, aquando das suas deslocações ao F... nos meses de Verão, o réu deslocava-se aos prédios em causa
11)– E cedeu o gozo a pessoas das suas relações para que tirassem deles o proveito possível, como pastagem, para alimentação de bovinos (facto alterado infra, o qual passou a ter a seguinte redacção: E cedeu o gozo dos terrenos ao Sr. Laurénio D... M..., para que tirasse deles o proveito possível, como pastagem, para alimentação de bovinos).
12)– O réu era reputado como dono dos referidos prédios por pessoas da freguesia do Capelo.
13)– Ao tempo a compra em causa foi comentada no Capelo por causa do preço pago pelo réu que era considerado muito el...do.
14)– O réu agiu sempre no que respeita aos prédios, por si e através das pessoas amigas a quem cedeu o gozo, à vista de toda as pessoas da localidade (facto alterado infra, o qual passou a ter a seguinte redacção: O réu agiu sempre no que respeita aos prédios, por si e através de Laurénio D... M..., a quem cedeu o gozo dos terrenos, à vista de todos).
15)– Sem a oposição de ninguém, incluindo os autores.
16)– Na convicção de que exercia um direito próprio, em virtude de ter pago o respectivo preço e de os mesmos lhe terem sido entregues em definitivo.
*

Factos considerados não provados na sentença:
i)– Os prédios descritos em 1) foram cedidos pelo R. a terceiros para corte de lenha e de incensos.
ii)– Maria ... de ... não pôde assinar o acordo aludido em 6).
*

III.– As questões a decidir resumem-se a saber:
- se é caso de alterar a decisão sobre a matéria de facto;
- se o réu tem a posse pública e pacífica dos prédios e se adquiriu os mesmos por usucapião.
*

 IV.– Do mérito da apelação:

Da impugnação da matéria de facto:

Os autores apelantes impugnam a decisão que considerou provados os factos 8 a 16, propugnado que sejam julgados não provados.
Sustentam, fundamentalmente, que, excepção feita às assinatura das filhas da contratante indicadas no facto 8), assentou exclusivamente nas declarações de parte produzidas pelo réu que se limitou a confirmar o que já tinha alegado na contestação por forma literal ou quase literal, tendo assim sido feita uma incorrecta aplicação do disposto no art. 466º do CPC.
Ouvida toda aprova gravada, cumpre conhecer da impugnação deduzida.

Quanto aos factos 8º e 9º:
Na motivação da decisão de facto, o Sr. Juiz exarou que “(…) o Tribunal apreciou as declarações do R., que circunstanciou o evento da assinatura do documento, bem como atestou a presença não só da vendedora (e declarações que esta prestou), como se considerou o documento de fls. 266-268, denominado “Affadavit”, elaborado nos Estados Unidos da América.
Como é sabido da comunidade jurídica, o denominado “Affadavit”, sendo invulgar nos sistemas de direito Romano-Germânico (como o nosso), é perfeitamente comum em textos jurídicos do Common Law (como é o Norte Americano) e, em formulação genérica, trata-se de um documento que transmite uma declaração voluntária feita sob juramento e por escrito acerca de um determinado facto, na presença de uma pessoa legalmente autorizada para receber tal declaração (em geral, um notário).
No caso concreto, está bom de ver que nesse documento, reconhecido e elaborado perante notário já na distante data de 14/07/1989, é atestado (pelas filhas) que Maria ... de ..., em vida, pretendeu vender e vendeu os prédios ao aqui R.
Este não é um documento como os de fls. 270-274 (que corresponde a meras declarações prestadas pelas partes, não aproveitáveis visto que os AA. não deram o seu assentimento para o disposto no art.º 518.º do CPC), porque é um documento autêntico que faz prova plena da declaração efectuada perante o oficial público, não a faz, porém, da verdade dessa declaração – arts. 371.º, n.º 1, e 372.º, n.º 1, do Código Civil. Mas, é um documento que só cede mediante a prova do seu contrário (art.º 347.º do Código Civil), não tendo ao caso sido feita qualquer prova em contrário.
De qualquer dos modos, ainda que sujeito à livre apreciação, é bom de ver que a ocorrência do mesmo em 1989, onde se declara que vendeu ao R., é demonstrativo que existiu uma clara intenção translativa da propriedade (ainda que ineficaz formalmente).
Este documento não é de somenos importância porquanto, também a testemunha Laureano M... explicou de forma assertiva (e sem contradições), que sempre trabalhou naqueles prédios já nos idos tempos do titular dos prédios António ... ... entretanto falecido e narrou que entre 1988 e 1990, não só o aqui R. se apresentou diante dele como o “novo” proprietário dos prédios, exibindo para o efeito documentos dos pretéritos donos declarando vender, como recebeu dos Estados Unidos uma carta, dos antigos proprietários, declarando que o R. era o actual dono dos prédios.
Nesta contingência, o tribunal não teve dúvidas em considerar como provados factos nos termos expostos (…).
Concorda-se, em essência, com a valoração da prova assim efectuada.
No documento de promessa de venda que constitui fls. 123 dos autos (facto provado sob o n.º 6) - datado de 6/08/1988 e assinado pelas filhas de Maria ... de ..., assim como pelos respectivos maridos – e no documento de fls. 266-268 (denominado “Affadavit”), datado de 14 de Julho de 1989, igualmente subscrito por estes, deriva que aquelas filhas de Maria ... de ... pretenderam transferir para o ora réu Manuel ... o direito de propriedade de que eram titulares sobre os prédios em causa nos autos (direito a 3/8).
Nos referidos documentos as filhas de Maria ... de ... exararam ainda que a sua mãe pretendeu igualmente transferir o direito de propriedade da mesma sobre os imóveis (direito a 5/8) para aquele, mas que à data não podia assinar quaisquer documentos de venda por causa da sua doença.
Declararam também que o preço acordado (6.000 dólares) foi pago às mesmas e à sua mãe.
Como se refere na motivação exarada em 1ª instância, o “affidavit” prova que as declarações nele exaradas foram prestadas pelas filhas da Maria ... de .... Trata-se de um documento que transmite uma declaração voluntária feita sob juramento e por escrito acerca de um determinado facto, na presença de uma pessoa legalmente autorizada para receber tal declaração (um notário), fazendo prova plena de ter sido feita a declaração, mas não da veracidade das declarações emitidas ou seja da realidade do seu conteúdo - arts. 365º e 371.º, n.º 1, do Código Civil.
Tratando-se de uma prova pré-constituída e não de um mero depoimento escrito produzido para valer em julgamento, é a mesma admissível.
Assim, o declarado no documento de fls. 266-268 será livremente apreciado pelo tribunal, sendo de registar que o mesmo data de 14/07/89, ou seja, mais de 10 anos antes da propositura da presente acção.
Por outro lado, deriva do depoimento claro e objectivo da testemunha Laurénio D... M... (este explorava os terrenos em causa nos autos desde o tempo em que eram propriedade de António ... de ..., com autorização deste), ainda que não muito preciso quanto ao ano, que após a morte da Maria ... de ..., talvez um ano e pouco depois, recebeu dos Estados Unidos uma carta das filhas desta, declarando que o réu era o actual dono dos prédios; e que depois do óbito daquela, na qualidade de procurador, fez no serviço de Finanças a declaração para efeitos de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações, tendo apresentado a relação de bens, onde relacionou o direito da falecida a 5/8 dos prédios em causa nos autos (deriva de fls. 61 a 77 que a 1ª declaração ocorreu dia 19/04/89 e que a declaração para liquidação adicional foi apresentada dia 14/12/89); que após a morte da Maria ... o réu deslocou-se ao Faial, tendo falado com este, o qual se apresentou como novo dono dos prédios, mas autorizou-o a continuar a trabalhar as terras, o que fez, tendo lá vacas a pastar; e que - se bem que não tivesse sido muito preciso quanto a esta matéria -, quando foi às Finanças ainda não tinha falado com o réu, não se recordando, porém, de ter voltado a esse serviço para efectuar a declaração adicional; e que falou com o réu após este ter estado doente, segundo o mesmo lhe referiu.
No seu depoimento de parte o réu declarou, além do mais, que antes da celebração por escrito da promessa de venda, na casa da Palmira ... ..., sita nos Estados Unidos da América, onde eram emigrantes, as filhas da Maria ... ..., na sua presença, perguntaram a esta, que aí se encontrava acamada, se queria vender os prédios e ela disse que sim; que menos de um mês depois de ter celebrado a promessa de compra e venda deslocou-se ao Faial para ver os terrenos e levou uma carta da Sra. Palmira para o Sr. Laurénio M... para ele saber que tinha comprado os mesmos; que voltou a falar com este em 1991; que em 1989 obteve uma declaração de que lhe tinham vendido os prédios; que o ora autor Manuel ..., neto da falecida Maria ..., começou a discutir com as tias por causa do negócio da venda; que por volta do ano de 1991 deslocou-se à Califórnia para falar com este, o qual não se encontrava em casa, tendo exibido o aludido papel à mãe daquele; que após a aquisição dos prédios perdeu um pulmão e esteve muito tempo doente; que passava seis meses no Faial e seis meses nos Estados Unidos; e que muita gente sabe que os prédios são seus, mas nunca pode fazer as casas.
Da conjugação destes meios de prova, é manifesto ter sido feita prova suficiente da factualidade vertida sob os n.ºs 8 e 9, não se resumindo essa prova unicamente às declarações de parte, mas sim à conjugação dos apontados meios de prova.
Desatende-se, pois a impugnação deduzida quanto a estes pontos.

Quanto aos factos 10º e 11º:
Na respectiva fundamentação, o Sr. Juiz a quo exarou que:
“Os factos 10) e 11) foram considerados como demonstrado na medida em que dentro da prova produzida sobre o assunto, o R., em declarações de parte, explicou e garantiu repetidamente que embora residisse nos E.U.A., vinha frequentemente ao Faial – sua terra natal, pelo menos 2/3 vezes por ano – e frequentava os prédios (a primeira vez, sensivelmente 1 mês depois de os comprar), indagando da sua situação e acalentando a expectativa de os distribuir pelos seus filhos.
Asseverou ainda que foi ele quem, por ser o proprietário dos prédios, concedeu à testemunha Laureano, em 1990/1991 (ulteriormente confirmado por esta), que apascentasse o seu gado nos mencionados prédios, deles tirando o proveito que lhe aprouvesse, tendo o mencionado Laureano continuado a fazer uso do prédio publicamente, até aos dias de hoje, com a sua autorização e sem a oposição de ninguém.
As testemunhas Alfredo ... e Manuel ..., embora afirmassem nunca ter visto o R. nos prédios, confirmaram que quem deles sempre fez uso foi a testemunha Laureano, tendo o mencionado Laureano corroborado perante o tribunal as declarações do R. Manuel ..., nomeadamente, que aquele ali se deslocava e que desde sensivelmente 1988/1990 que trabalhava as terras por consentimento do referido Manuel, aqui R. reconvinte, sem que alguma vez houvesse oposição por parte de quem quer que fosse. Explicou ainda que vê o R. como dono dos prédios porquanto em 1988/1990 foi confrontado com os documentos do R. atestando a compra e recebeu uma carta, dos E.U.A. provindo das herdeiras da anterior proprietária do prédio, sensivelmente na mesma altura, atestando e confirmando a celebração do negócio com o R. Manuel, tudo sem prejuízo de ter sido ele mesmo quem diligenciou pela regularização da situação dos prédios, junto das finanças, sensivelmente no ano de 1989, em conformidade com os documentos de fls. 61-77 (ai reconhecendo a sua assinatura, embora não se recordando desses actos).
Por último, a testemunha António M... corroborou genericamente o discurso do R. Manuel, que aquando da compra, há cerca de 25 anos e que não só o R. lhe mostrou os prédios que tinha comprado como à data chegou a ver os documentos assinados de declaração de venda”.
Subscreve-se, em essência, a valoração da prova assim efectuada, pois que derivou dos depoimentos das testemunhas Laurénio M..., Alfredo R... ... (conhece o réu, a quem em tempos vendeu blocos para a construção de uma casa) e António A... M... (amigo do réu desde há cerca de 30 anos; foi cantoneiro, posteriormente pescador e actualmente encontra-se reformado) que o réu, à data residente nos Estados Unidos, se deslocava várias vezes ao Faial, tendo a primeira e a última das referidas testemunhas confirmado que por ocasião dessas deslocações o réu por vezes se deslocava até aos prédios em causa nos autos.
E decorreu do testemunho do Laurénio M... que o mesmo o autorizou a continuar a trabalhar as terras, o que fez, tendo lá vacas a pastar. Esta factualidade foi confirmada pela testemunha Manuel ... ... (trabalhador rural), que revelou conhecimento pessoal e directo da mesma.
Em face dos apontados meios de prova, concorda-se com a valoração da prova efectuada em 1ª instância quanto ao ponto 10º e relativamente ao ponto 11º altera-se a sua redacção, que passará a ser a seguinte:
E cedeu o gozo dos terrenos ao Sr. Laurénio D... M..., para que tirasse deles o proveito possível, como pastagem, para alimentação de bovinos.

Quanto aos factos 12º e 13º:
Na respectiva motivação o Sr. Juiz exarou que:
Neste tema, as testemunhas Alfredo ... e Manuel ..., habitantes do Capelo, explicaram que só há pouco tempo é que souberam que Manuel ... se arrogava proprietário do prédio.
Contudo, em contrário, em relação aos factos 12)-13), António M..., também do Capelo, explicou que à altura toda a gente falou naquilo porque foi pago muito dinheiro pelos prédios. Laureano M..., com o enfoque já dado, explicou que ele e as pessoas das suas relações sabiam que o proprietário passou a ser o aqui R., tendo este R. explicado em declarações, que disse a várias pessoas do Capelo que tinha concretizado a compra e o preço que tinha pago, tendo sido comentado que era muito dinheiro por “areias”.
Aqui chegados, o Tribunal conclui que se à data nem toda a gente sabia daquela compra (nem tinham a obrigação de saber), pelo menos algumas pessoas sabiam da mesma e dentro das que sabiam, Laureano M... era quem mais o devia saber, pois era quem tirava proveito do prédio, tendo assim mesmo atestado. Dúvidas houvesse por quem quer que fosse, e Laureano daria conta de quem era o proprietário do prédio”.
Nesta matéria apenas as testemunhas António A... M... e Laurénio D... M... revelaram algum conhecimento dos factos.
Assim, a 1ª das referidas testemunhas declarou que o réu lhe mostrou papéis relativos à “venda” e que à data era cantoneiro, tendo ouvido várias pessoas, que todavia não identificou, a falar na compra das terras pelo réu e relativamente ao preço diziam que era muito dinheiro. Acrescentou que na ocasião o réu lhe disse que comprara por ter então dinheiro para investir.
A testemunha Laurénio denotou conhecimento da “venda”, mas desconhecimento do preço, dizendo ainda que não é pessoa para andar em cafés, nunca ninguém lhe tendo dito nada sobre isso; e que desde o óbito da Maria ... de ... ninguém lhe deu ordens sobre o uso dos terrenos, sem ser o réu.
Destes elementos de prova decorre que algumas pessoas tiveram conhecimento da “venda”, nomeadamente as testemunhas acima referidas e, naturalmente, algumas pessoas das relações destes, pois que, como a experiência nos ensina, em meios pequenos factos como este são comentados pelas pessoas.
Deste modo, é natural que para essas pessoas o réu fosse considerado o proprietário dos prédios e que algumas pessoas comentassem o valor pago pelos mesmos.
Concorda-se, por isso, com a valoração da prova efectuada em 1ª instância quanto a aos factos n,ºs 12 e 13, inexistindo qualquer contradição entre eles, pois que a circunstância de algumas pessoas comentarem o valor do preço não significa necessariamente que a generalidade das pessoas da freguesia do Capelo tivessem efectuado esses comentários.

Quanto aos factos 14º, 15º e 16º:
Na motivação da decisão, o Sr. Juiz exarou que:
“Por último, os factos 14), 15) e 16) derivaram das explicações sérias, coerentes e concordantes entre si de Laureano M... (que explicou fazer uso dos prédios até antes da aquisição pelo R.) e que o fez sempre à vista de toda as pessoas da localidade (de resto, como todas as testemunhas expuseram), com o consentimento do R. reconvinte e sem a oposição de ninguém, incluindo dos autores, o que sempre fez na convicção de que tinha o gozo por tolerância/cedência do proprietário do prédio e com as explicações do R. reconvinte, que ficou esclarecido ser verdadeiro proprietário com a celebração do contrato-promessa, porquanto pagou integralmente o preço e só não foi realizada a escritura pública porque todos os intervenientes se encontravam à data, a residir nos E.U.A., tendo a vendedora falecido poucos meses após a celebração do negócio.
O R. reconvinte, explicou ainda que com a venda, chegou ao seu conhecimento que um neto da vendedora (residente na Califórnia), não se conformou com esse negócio e, por isso, deslocou-se a esse Estado, a casa deste, sensivelmente em 1991, para o confrontar com os documentos que em seu crer titulavam a conformação da aquisição da propriedade.
Na sequência disso, afirmou não ter conhecimento de qualquer outro acto mínimo de oposição de ninguém à aquisição da propriedade, ficando seguro e convicto que exercia um direito próprio, em virtude de ter pago o respectivo preço e de os prédios lhe terem sido entregues em definitivo”.
Mais uma vez, concorda-se em essência com a valoração da prova efectuada em 1ª instância.
Com efeito, em face dos meios de prova acima referenciados, infere-se que ninguém pôs em causa o facto do réu ter cedido o gozo dos terrenos a Laurénio M... e de se deslocar aos mesmos.
Da circunstância de um dos autores questionar as tias sobre a realização do negócio da “venda” dos prédios não se infere uma oposição à posse dos terrenos por parte do réu.
Também o facto da testemunha Laurénio M... ter, na qualidade de procurador, feito no serviço de Finanças a declaração para efeitos de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações e relacionado o direito da falecida Maria ... a 5/8 dos prédios em causa nos autos (deriva de fls. 61 a 77 que a 1ª declaração ocorreu dia 19/04/89 e que a declaração para liquidação adicional foi apresentada dia 14/12/89) não consubstancia uma qualquer oposição àquela posse, mas tão só o cumprimento de uma obrigação legal, porquanto o direito a 5/8 sobre os prédios em causas não tinha sido transferido para o réu de uma forma juridicamente válida.
Deste modo, concorda-se com a valoração da prova relativamente aos factos 15º e 16º, alterando-se o facto n.º 14, que passará a ter a seguinte redacção:
O réu agiu sempre no que respeita aos prédios, por si e através de Laurénio D... M..., a quem cedeu o gozo dos terrenos, à vista de todos.

Da questão de direito:

Na sentença recorrida entendeu-se, além do mais, que:

“(…) estamos no âmbito de uma acção de simples apreciação negativa – art.º 10.º, n.ºs 2 e 3, al. a), do CPC –, devendo salientar-se a regra probatória vertida no n.º 1 do art.º 343.º do CCiv., segundo a qual: “Nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga”.
Assim, estamos no domínio de uma acção de impugnação de justificação notarial, sendo-lhe perfeitamente aplicável o decidido na uniformização fixada pelo Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça n.º 1/2008 (D.R. n.º 63, Série I de 2008-03-31), segundo o qual, “Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116.º, n.º 1, do Código do Registo Predial e 89.º e 101.º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial”.
Numa outra formulação: incumbindo ao R. a prova das características da posse imprescindíveis à verificação da usucapião (com vista a obter provimento no pedido reconvencional), a sua insuficiência determina que a acção d... proceder, tomando em atenção que fazendo a escritura de justificação notarial prova plena da declaração efectuada perante o oficial público, não a faz, porém, da verdade dessa declaração – arts. 371.º, n.º 1, e 372.º, n.º 1, do Código Civil.
Dito isto, podemos agora afirmar que casos como os relatados na matéria fixada são comuns no âmbito de contrato-promessa de compra e venda em que tenha sido paga a totalidade do preço, com entrega da fruição da coisa ao promitente-comprador. “Efectivamente, em muitas situações as partes iniciam negociações para a conclusão de um contrato e chegam a acordo relativamente a essa celebração, mas não querem ou não podem por algum motivo realizá-la naquele momento (pode, por exemplo, o contrato definitivo exigir escritura pública e não haver possibilidade de a efectuar imediatamente).”
Como vem sendo defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça (cujo entendimento subscrevemos), “em princípio, o contrato-promessa, ainda que com tradição da coisa, não constitui meio próprio para conferir ou transmitir a posse, correspondendo aquela tradição, em regra, à mera concessão de um direito pessoal de gozo a favor do promitente-comprador, sem afectar nem a titularidade do bem, nem a sua posse que permanecem na pessoa do promitente-vendedor.
Mas as circunstâncias que rodeiam os contratos-promessa de compra e venda não se inscrevem necessariamente nesses estritos quadros lógico-formais, podendo deles emergir por vezes uma verdadeira situação de posse susceptível de determinar a aquisição do direito de propriedade por usucapião. Tal ocorre, designadamente nas situações em que o promitente-vendedor, depois de ter recebido a totalidade ou uma parte substancial do preço, se demite dos poderes inerentes ao seu formal direito de propriedade, transferindo-os para o promitente-comprador, ficando a faltar apenas a formalização da compra e venda que por vezes é dificultada por obstáculos legais.”
Nestas ou noutras situações em que o promitente-comprador passa a assumir a qualidade de verdadeiro possuidor e não de mero detentor titular de um direito de natureza pessoal, o facto concomitante de com a outorga do contrato-promessa o promitente adquirente passar a deslocar-se aos prédios objecto da promessa de compra e actuar neles dentro do conteúdo do direito de propriedade (art.º 1305.º do CCiv.), cedendo o gozo do prédio a terceiros para que dele tirassem o proveito possível, à vista de todos, é um acto manifestamente hábil à manifestação, já que esse gozo não é feito em nome de outrem (art.º 1253.º al. c) do CCiv.), mas sim em nome próprio ou, numa formulação jurídica, actuando com     animus res sibi habendi (com intenção de ter a coisa para si ou de sobre ela exercer um poder no interesse próprio).
Vejamos então as características que necessariamente se terão de preencher para se poder falar numa posse boa para usucapir.
A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real – art.º 1251.º do CCiv.
A nossa lei distingue a posse da mera detenção (art.º 1253.º do CCiv), exigindo aquela exige o «corpus» e o «animus», traduzindo-se o primeiro na actuação de facto correspondente ao exercício do direito e o segundo na intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela.
Contudo, sendo embora necessários o «corpus» e o «animus», face ao disposto no nº 2 do art.º 1252 do CCiv., o exercício daquele fará presumir a existência deste, como desde há muito vem sendo sustentado pela jurisprudência portuguesa.
(…)
Adquire-se a posse pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes o exercício do direito, pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor, por constituto possessório, por inversão do título de posse (cfr. art. 1263º do CCiv.). Mantida a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, por certo lapso de tempo, é facultada ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação. Trata- se da usucapião – art.º 1287.º do CCiv.
Para conduzir à usucapião, a posse tem de revestir sempre duas características: ser pública e pacífica – a boa ou má-fé e a existência ou não de título influem apenas no prazo para a aquisição do direito de propriedade.
Aqui chegados, constata-se que os Réu celebrou um contrato-promessa de compra e venda sobre os mencionados prédios e deles se considerou proprietário, sobre eles actuando nessa medida, tendo pago o respectivo preço. Contudo, como é sabido, o contrato-promessa não é um contrato translativo de direitos reais (como seja o direito de propriedade) mas é antes um contrato com eficácia obrigacional, nos termos do qual as partes se obrigam a celebrar um outro contrato: o contrato-prometido (art.º 410.º n.º 1 do CCiv.). Sem embrago, não afasta que com ele possam vir a ser acompanhados actos próprios de posse, se o promitente-adquirente sobre os bens passa a agir como proprietário (situação já focada supra).
Sucede que o contrato-prometido, quando diga respeito a bens imóveis, tem de obedecer a formalidades especiais, como seja a escritura pública, sob pena de nulidade (art.º 219.º, 220.º e 875.º, todos do CCiv.).
Houvesse a escritura pública e nenhuma necessidade existira de se ter de outorgar a escritura de justificação notarial a 28 de Outubro de 2009, situação aliás recorrente com vendas “verbais” de prédios, que com frequência, pelo menos até à década de 90, ocorriam especialmente em meios mais rurais.
No caso dos autos, o R. demonstrou que após a celebração do aludido documento de contrato-promessa a que se reporta a matéria provada, passou a utilizar os prédios mencionados na escritura de justificação, cedendo-os a terceiro, para que em nome do primeiro, aquele dele fizesse uso, apascentado o seu gado, o que este veio fazendo ao longo dos anos, publicamente, à vista de todos e sem a oposição de ninguém.
Temos, pois, que o R., cedendo o gozo a terceiros, veio actuando de facto por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, exercendo o poder de facto, usando e fruindo o imóvel desde que por contrato-promessa foi celebrada a compra e venda dos prédios.
O exercício do “corpus” da posse fará presumir a existência do respectivo “animus” que, aliás, se compagina com a circunstância do R. figurar como comprador naqueles na promessa de compra e venda, tendo aquele assim se arrogado desde então, adquirindo a posse pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito (art.º 1263.º al. a) do CCiv.).
Por outro lado, provou-se que a actuação do R. ocorria à vista de todas as pessoas e sem oposição de ninguém.
Como resulta do art.º 1287.º do CCiv, a verificação da usucapião depende de dois elementos: a posse e o decurso de certo período de tempo.
(…)
No caso dos autos, temos que a posse do R. era pública e pacífica, ocorrendo à vista de todas as pessoas e sem oposição de ninguém e derivou do contrato promessa de compra e venda que acima referimos, pelo que, ainda que não titulada (art.º 1259.º do CCiv), é pública, pacifica e de boa-fé (nº 1 do art.º 1260.º, n.º 1 do art.º 1261.º e art.º 1262.º, todos do CCiv).
Se assim é, o prazo da usucapião é de quinze (15) anos, consoante determina o art.º 1296.º do CCiv, não se podendo colocar em dúvida que quando da outorga da escritura de justificação notarial em 28 de Outubro de 2009, o R. era, de facto, o proprietário dos prédios, com os inerentes poderes sobre o mesmo, podendo exigir o reconhecimento do seu direito (art.º 1311.º do CCiv).
Mal se compreende ainda a asserção dos AA. sustentando que o R., a adquirir, só o poderia ter feito quanto a uma quota de 5/8 pertencentes à decessa Maria ... de ..., pois que os próprios AA. sustentaram, como demonstrado, que os demais filhos sobrevivos (...nor ... de ..., ... ... de ... e Palmira ... de ...), eram titulares dos bens a partilhar (onde se incluem os prédios em apreço) na proporção de 3/24 avos a cada um.
Ora, dizer 3/24 é o mesmo que dizer 1/8. Sendo três os filhos, falamos então de 3/8. Por isso, se o acordo foi tomado por quem era titular de 5/8 e dos três titulares do correspondente a 1/8, então o R. celebrou o contrato (ainda que formalmente inválido), por quem era titular dos 8/8, já que o acordo aludido em 6) foi assinado pelas três filhas (...nor, ... e Palmira), com o conhecimento de Maria ... de .... Não se pode, por isso, falar aqui de qualquer aquisição a non domino, demonstrando-se que as filhas e genros, tal como Maria ... de ..., pretenderam vender os prédios nas proporções detidas.
Consequentemente, a usucapião tendo sido invocada, é um acto voluntário (art.º 303.º, ex vi art.º1292.º, ambos do CCiv.) que tendo a natureza de forma de aquisição originária do direito, suplanta todos os registos existentes sobre os bens e sana os eventuais vícios que possam ter existido na formação de um contrato que houvesse dado substrato à posse: fala-se a este propósito da usucapio contra tabulas, razão pela qual o registo da usucapião é meramente enunciativo (art.º 5.º n.º 2 al. a) do CRPre.)”.
Dissentindo, os apelantes fundam a sua discordância, desde logo, na alteração da decisão sobre os factos considerados provados – que, como vimos, improcede na sua quase totalidade – sustentando ainda que não se verificam em qualquer caso os requisitos da boa-fé e da publicidade da posse indispensáveis à aquisição por usucapião.

Vejamos.
           
In casu encontramo-nos em presença de uma acção de impugnação de uma escritura de justificação notarial sobre bens imóveis.

Ora, consubstanciando a impugnação de escritura de justificação uma acção de simples apreciação negativa – cf. art. 10.º, n.ºs 2 e 3, al. a), do CPC –, a prova dos factos constitutivos do direito que o réu se arroga compete a este (art. 343.º, n.º 1, do CC) – vide acórdão do STJ  uniformizador de jurisprudência n.º 1/2008 (D.R. n.º 63, Série I de 2008-03-31).
Na aludida escritura o réu diz-se dono dos prédios lá identificados, justificando a sua aquisição por usucapião.
Ademais, o réu, em via reconvencional, pediu que seja reconhecido como proprietário dos prédios objecto de justificação, por os ter adquirido por usucapião.
Cabe-lhe, pois, a prova dos respectivos factos constitutivos, ou seja, os factos dos quais resulte a prova da aquisição originária da dominialidade.
A verificação da usucapião depende de dois elementos: a posse (corpus/animus) e o decurso de certo período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, e as características da posse (cfr., nomeadamente, artº s 1251º e segs., 1256º e segs., 1287º e 1294º e segs), sendo que a posse conducente a usucapião, tem de ser pública e pacífica.

Decorre do provado que os imóveis que foram objecto da escritura de justificação foram partilhados pelos herdeiros, no processo de inventário obrigatório n.°12/1978 em que foi inventariado António ... de ..., no âmbito do qual foram tidos como herdeiros a viúva Maria ... ..., os filhos vivos ...nor de ..., ... ... de ... e Palmira ... de ... e os netos, ora autores, Maria de Lurdes, Manuel ..., Alberto ..., ... ... e ... ....
Os referidos imóveis foram então adjudicados à Maria ... ... na proporção de 5/8 e aos indicados filhos do inventariado (...nor de ..., ... ... de ... e Palmira ... de ...), na proporção de 3/24 avos a cada um.
Acontece que, com data de 6/08/88 foi elaborada a denominada “promessa de compra e venda” que constitui fls. 123 dos autos, na qual se refere que Maria ... de ..., residente nos Estados Unidos da América, declara vender ao ora réu Manuel da ... ... todos os seus prédios rústicos e urbanos sitos no lugar do Canto, freguesia do Capelo, concelho da H..., pelo preço de seis mil dólares, já entregue.
Acontece que esse documento se mostra apenas assinado pelas filhas da Maria ... e respectivos maridos, constando do mesmo que estas assinam a rogo daquela, por não poder escrever.
O escrito tem aposto um selo de Notário Público e anexa uma apostilha que certifica que foi assinado por Augusto S... B... notário público em Providence.
Desconhece-se, todavia, se a lei do local onde foi celebrada a promessa de venda (Providence, Estados Unidos), a assinatura a rogo exige ou não a presença do rogado perante o notário.
Consequentemente, não se mostra provado que a promessa de venda se encontre validamente subscrita pela referida Maria ....
Seja como for, apurou-se que as filhas e genros, tal como Maria ... de ..., pretenderam vender os prédios nas proporções detidas e que o réu pagou a quantia de 6000 dólares americanos.
Provou-se igualmente que os prédios em causa nos autos foram entregues em definitivo ao ora réu (facto n.º 16) e que desde então, aquando das suas deslocações ao Faial nos meses de Verão, o réu deslocava-se aos prédios em causa e cedeu o seu gozo a Laurénio M... (factos n.ºs 10 e 11).
Assim, ainda que fosse de valorar a conduta da Maria ... e das filhas (à data proprietárias dos imóveis) como traduzindo uma promessa de venda verbal, a qual é nula por falta de forma (arts. 410º, 411º,  875º e 220 do C. Civil), o certo é que se infere que a entrega simbólica dos imóveis ao réu por parte daquelas, ocorreu no dia 6/08/88.
Com a entrega dos imóveis ao réu nas circunstâncias apuradas este não ficou investido na situação de mero detentor.
É que, como vem entendendo o STJ, ainda que em princípio o contrato-promessa não seja susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente-comprador, existem situações excepcionais em que assim não é, merecendo a posição do promitente-comprador com tradição do imóvel a qualificação originária de verdadeiro possuidor, como sucede nos casos em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já, ou ocorrer, na pendência da fruição do prédio, uma situação de inversão do título da posse, prevista no art. 1265º do CC – cfr. Ac. STJ de 12 de Março de 2015, relatado pelo Cons. Lopes do Rego, acessível in www.dgsi.pt.
É uma destas últimas situações que se verifica, pois que o beneficiário da promessa de venda (o réu) pagou a totalidade do preço e foram-lhe entregues, em definitivo, os prédios objecto da promessa de venda.
Assim, as proprietárias e possuidoras dos imóveis transmitiram ao réu (tradição simbólica) a posse sobre os imóveis – art. 1263º, al. b) do CC.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, pags. 27 e 28, “não se exige nesta alínea como se faz na anterior, a prática reiterada de actos materiais, correspondentes ao exercício do direito. A intervenção do antigo possuidor dispensa essa prática. Para a existência do corpus bastará, na verdade, a traditio, a entrega da coisa, material ou simbólica ”.

E, segundo se apurou, o réu, após dar conhecimento a Laurénio M... deste facto, cedeu-lhe o gozo dos terrenos, como, de resto acontecia até aí, mas, anteriormente, mediante autorização dos anteriores possuidores, como flui da fundamentação da decisão de facto.

Assim, para além de desde então o réu ter passado a julgar-se dono dos prédios, o mesmo, ao ceder aquele gozo, praticou um acto correspondente ao direito de propriedade, tendo o Laurénio M... passado a deter os terrenos por autorização do réu e já não dos anteriores possuidores.

Por outro lado, não se provaram quaisquer factos dos quais decorresse que desde 6/08/88 o réu tivesse perdido a posse sobre os prédios, nem os autores alegaram sequer tal.

Neste circunstancialismo, tendo o réu iniciado a posse em 6/08/88, presume-se que a posse se manteve desde então – art 1257 do CC.
Ora, como supra deixámos expresso, a posse conducente à usucapião, tem de ser pública e pacífica.

A posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados – art. 1262.

A posse pacífica, em face do estatuído no art. 1261º, é a que foi adquirida sem violência (n.º 1); considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do art. 255º (n.º 2).

O carácter público da posse constitui uma característica relativa, isto é, a sua cognoscibilidade é apenas de aferir em confronto com os interessados, e não necessariamente das pessoas do circulo social onde o bem se situa – cfr. Manuel ..., A Posse, Almedina, 1981, pags. 187 e 188.

Ora, encontra-se demonstrado que a posse foi transmitida pelos anteriores possuidores e que o réu agiu sempre no que respeita aos prédios, por si e através do Laurénio M... a quem cedeu o gozo dos terrenos, para que tirasse deles o proveito possível, como pastagem, para alimentação de bovinos, sem oposição de ninguém, incluindo os autores, na convicção de que exercia um direito próprio.

Está assim demonstrado o carácter público e pacífico da posse, revestindo esta as características necessárias para efeitos de usucapião – art. 1297º.

Assim, não pode deixar de se considerar que essa posse sobre os prédios se transferiu para o réu em 6/08/88, tendo perdurado pelo tempo necessário à sua aquisição por este por usucapião, pois que desde então e até à celebração da escritura de justificação (a 28 de Outubro de 2009) decorreram mais de 20 anos- vide arts. 1258º, 1261º, 1262º, 1265º, 1287º, 1288º e 1296º do CC.
Improcede, por isso, a apelação.          
***

V.Decisão:
Pelo acima exposto, decide-se:
a.– Julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida;
b.– Custas pelos apelantes;
c.– Notifique.


Lisboa, 19 de Dezembro de 2017


(Manuel Ribeiro Marques - Relator)
(Pedro Brighton - 1º Adjunto)
(Teresa Henriques – 2ª Adjunta)