Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
850/10.0YXLSB.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: DEFESA DO CONSUMIDOR
DEFEITO DA COISA
CADUCIDADE
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Sendo ao caso aplicável o regime jurídico específico consagrado na Lei de Defesa do Consumidor, a caducidade dos direitos do consumidor previstos no art. 4º, nº 1 daquela, deve ser invocada (e provada) por aquele a quem aproveita, o vendedor.
II - A denúncia feita a quem, perante terceiros, era tido como representante da vendedora, nada informando em contrário e nada indicando que tenha deixado de o ser, é válida e eficaz.
III - Presume-se que um automóvel não é conforme com o contrato ( por não apresentar as qualidades e o desempenho habituais dos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar) se, estando em causa um automóvel de gama média/alta, comprado no estado de novo, o comprador é confrontado, com maior ou menor frequência, para a regeneração do filtro de partículas, com a necessidade de observar determinado procedimento previsto no manual, que implica a condução do veículo durante um determinado tempo a uma velocidade mínima e em determinada rotação, repetindo-se, por vezes, num curto espaço de tempo, e mesmo quando a regeneração foi feita nas oficinas da apelante e confirmada a sua realização com sucesso bem como a ausência de anomalia no sistema.
IV - Não actua em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o comprador que continua a utilizar o veículo, quando sempre demonstrou a sua intenção de não se conformar com a situação.
V - A resolução do contrato tem eficácia retroactiva e implica a restituição da totalidade do preço pago.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
            A. intentou contra S., S.A., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, pedindo que se condene a R.: a) à resolução do contrato de compra e venda, restituindo à A. a quantia de € 26.000 por esta despendidos na aquisição do veículo automóvel …, modelo …, com a matrícula …, ou, subsidiariamente, à substituição do referido veículo por outro equivalente com as mesmas características, género e qualidade; e b) ao pagamento à A. do montante de € 2.500 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
            A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que:
            Em 16.05.2008, a A. adquiriu a JM., S.A., que, posteriormente, transferiu o seu património para a R., uma viatura automóvel de marca …, modelo …, com a matrícula …, venda efectuada com garantia de 2 anos.
Passados cerca de 3 meses da aquisição, o veículo começou a acender a luz avisadora do filtro de partículas no painel de instrumentos, e, depois de um ano de reclamações para a R. e de deslocações aos serviços após-venda e oficina, nunca esta conseguiu resolver o defeito, o que levou a A. a reclamar, por 3 vezes, para o importador – a V. -, não tendo obtido solução, continuando o veículo com defeito.
A reparação do defeito não pode ser tomada em consideração, uma vez que o veículo já deu entrada inúmeras vezes nas oficinas da R. para esse efeito, e nunca o defeito foi suprimido.
Para além de ter ficado privada do uso do veículo por várias vezes, quando este teve de estar na oficina, a A. teve vários transtornos a nível laboral, com entradas e saídas dentro do seu horário de trabalho para se deslocar àquela.
Das vezes que entregaram à A. um carro de substituição, o mesmo era a gasolina traduzindo-se num aumento de custos.

Regularmente citada, a R. contestou, por excepção, invocando a caducidade do direito da A., e por impugnação, propugnando pela improcedência da acção.
A A. replicou, propugnando pela improcedência da excepção invocada.
Foi proferido despacho saneador, que relegou para a sentença a apreciação da excepção invocada, e dispensou-se a selecção da matéria de facto assente e BI..
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, vindo, oportunamente, a ser proferida sentença, que, depois de julgar improcedente a excepção de caducidade invocada, julgou a acção parcialmente procedente, e declarou a resolução do contrato de compra e venda, celebrado entre as partes, relativo ao veículo de matrícula …, com a consequente entrega deste à Ré, e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 17.160,00 (dezassete mil, cento e sessenta euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Inconformados com a decisão, dela apelaram A. e R..
A A., no final das respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
A) – O uso do bem não é determinante e relevante para a resolução do contrato no âmbito do direito de consumo constante do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril (com a redacção actualizada pelo DL n.º 84/2008, de 21 de Maio).
B) – A recorrente fez uso do veículo desde a data da sua compra porquanto não tem outro meio de transporte, mas o veículo tem, do mesmo modo, vícios e defeitos tutelados pela legislação do consumo, não dispondo a lei de modo diferente.
C) – A lei consigna sem interpretação dúbia a resolução do contrato e a devolução integral do preço, como se de uma nulidade se tratasse e portanto independentemente do tempo, não sendo aplicável ao caso o instituto do enriquecimento sem causa, e tem a recorrente o direito à restituição integral do preço de compra do bem (26.000 €).
D) – A recorrida se exercer o seu direito de regresso perante o produtor também irá receber o preço integral que pagou pelo bem em nada ficando prejudicada com a resolução do contrato.
E) – Não deve ser considerada a tabela de desvalorização automática utilizada pelas companhias de seguros porquanto as mesmas são elaboradas com critérios diferentes dos que são consignados no âmbito do valor de um bem em direito do consumo.
F) – A ser considerado algum valor para a viatura automóvel que não o preço integral, deve o mesmo ser o do valor médio de mercado para um veículo com as mesmas características e equipamento e que se verifica ser de 20.000 €.
G) – Devem ser considerados os danos não patrimoniais da recorrente no valor de 2.500 €.
Termina sem formular pedido concreto.

A R. contra-alegou, e requereu a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art. 864ºA do CPC, formulando, no que ora importa, as seguintes conclusões:
S) Por outro lado, pese embora ponderada a desvalorização do veículo e a sua utilização para fixação do valor actual do bem, com recurso e bem, às tabelas de desvalorização automática das companhias de seguro, sob pena de enriquecimento sem causa, contudo, mal andou o Tribunal a quo ao decidir que a desvalorização do veículo é ponderada desde a data da sua aquisição até à data da citação da Ré, aqui Apelante, para a presente acção.
T) Com efeito, se o Tribunal ad quem reconhecer razão, por um lado aos argumentos esgrimidos pela Apelante, ou, por outro corroborar os argumentos preconizados na douta sentença, reputa conveniente a aqui Apelada, para defesa dos seus interesses pronunciar-se quanto ao momento temporal acerca do qual deverá incidir a ponderação acerca da desvalorização do bem – n.º 2 do art. 684º A do CPC.
U) Tal impugnação é oportuna e tempestiva, uma vez que a mesma ficou prejudicada aquando da apresentação de recurso de Apelação face à posição defendida quanto ao invocado direito à resolução do contrato de compra e venda.
V) Nesta conformidade e considerando tudo o que se vem alegando, designadamente que, a utilização do veículo pode e deve justificar uma redução do valor a restituir; e que a Apelante na presente data contínua a usar o veículo, é certo que, sem prejuízo da posição da aqui Apelada quanto à resolução, a desvalorização terá que ser ponderada, não até à data da citação da Ré, mas até à data do trânsito em julgado da sentença.
W) A não ser assim a Apelante manteria na sua esfera jurídica duas situações vantajosas, a restituição do preço à data da citação e a utilização do veículo sine die (ponto 29. dos factos provados), incrementando o seu locupletamento à custa do empobrecimento da aqui Apelada, numa gritante situação de enriquecimento sem causa. Tanto mais que não se provou que o veículo padecesse de qualquer defeito de montagem ou fabrico.
X) Posto isto, a única solução razoável, equilibrada e equitativa passa pela redução do valor do veículo ao valor actual desde a data da sua aquisição até ao trânsito em julgado da sentença, ponderada a desvalorização do mesmo e a utilização, sendo esta a única forma possível de lograr recuperar o equilíbrio entre as posições jurídicas das partes, obstaculizando que uma fique em vantagem face à outra.
Termina propugnando pela não admissão do recurso da A. no que tange à impugnação do direito à indemnização por danos não patrimoniais, e, caso seja admitido, seja mantida a sentença na íntegra e revogada a sentença na parte em que contabiliza o valor do bem, substituindo-a por outra que pondere a desvalorização até à data do trânsito em julgado da sentença.

A R., no final das respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
A) Por sentença de fls… o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a presente acção, por provada e, em consequência declarou a resolução do contrato de compra e venda, celebrado entre as partes relativo ao veículo de matrícula …, com a consequente entrega deste à Ré e, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 17.160,00 (dezassete mil cento e setenta euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e, julgou improcedente a invocada excepção peremptória de caducidade, absolvendo, contudo e bem, a Apelante, do pedido de indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
B) Cotejado o teor e conteúdo da Sentença de fls… tendo por referência os articulados, a prova documental carreada e a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Julgamento, conclui-se que a selecção dos factos considerados como provados padece de vicissitudes por omissão e de contradições. Mercê das quais a Meritíssima Juíza a quo decidiu laborando em equívocos que, uma vez superados imporiam uma decisão, por uma lado de procedência da invocada excepção de caducidade e, por outro, de improcedência total da acção e, por conseguinte a absolvição da aqui Apelante dos pedidos.
C) Em cumprimento do disposto no art. 685º B do CPC importa referir que mal andou o Tribunal a quo ao julgar provados os factos 5. e 11., porquanto são contraditórios com o facto 28. uma vez que não se pode considerar que passados alguns minutos depois da luz de check de filtro de partículas se encontrar acesa, e não apagar, por si, desde logo acende no painel de instrumentos uma nova luz indicativa de deficiência no motor, por um lado e, por outro que, apenas no caso de o condutor ignorar a necessidade de regeneração do filtro de partículas e não a promover, mantendo-se o filtro saturado, acender-se-á luz de motor, tanto mais que não se encontram suportados por qualquer elemento probatório (documental e testemunhal.
D) Tendo por referência o doc. fls… - doc. n.º 4, junto aos autos com a Petição Inicial – manual de instruções do veículo e os depoimentos da testemunhas indicadas pela Ré: L… – CD:00:11:21 a CD:00:12:51 e CD:00:23:31 a CD:00:25:06; Luís – CD:00:07:33 a CD:00:09:46, para cuja transcrição se remete por razões de economia processual, apenas a factualidade descrita no ponto 28. se encontra totalmente apoiada pela prova carreada para os presentes autos e, por conseguinte se poderá dar como integralmente provada, ao passo que, atenta a fundamentação que antecede o ponto 5. e 11 terão que ser considerados parcialmente provados.
E) Destarte, o ponto 5. deverá apenas considerar como provado que : “Nas ocasiões referidas em 4., enquanto a luz se mantiver acesa – filtro de partículas entupido, o motor do veículo poderá sofrer redução de performance.
F) No que respeita ao ponto 11., deverá ter a seguinte redacção: “Quando a luz de aviso do filtro de partículas não se apaga, porque o condutor não observou a regeneração, mantendo-se o filtro saturado, passado algum tempo acende nova luz indicadora de deficiência no motor diesel, o que, de acordo com o manual do veículo, obriga a inspecção pelos serviços de assistência. (…)
G) Por outro lado, mas ainda no que tange às vicissitudes do quadro factológico dado como provado, errou o Tribunal a quo ao julgar como provado o ponto 13, decidindo contrariamente ao doc. fls. 75 e em detrimento dos depoimentos da testemunhas L… , CD:00:04:10 a 00:07:40 e J… , CD:00:04:09 a 00:05:41, cuja transcrição se dá por integralmente reproduzida por razões de economia processual.
H) Cotejados os depoimentos supra, todos eles foram coincidentes, no sentido de que, aquando da deslocação da aqui Apelada às instalações da Apelante para revisão, em 20 de Maio de 2009, nada comunicou acerca do acendimento da luz de filtro de partículas no painel de instrumentos, tanto mais que tal não foi registado na Ordem de Reparação – doc. fls. 75, (não foi impugnado, nem a assinatura aposta no mesmo foi colocada em causa pela Apelada, aceitando-a como sua) elaborada com base na informação fornecida pela aqui Apelada e, após preenchida aquando da entrega do veículo nas instalações da Apelante para serviço de manutenção periódica, assinado pela própria, desta feita e em face da fundamentação que antecede o ponto 13. dos factos assentes terá, necessariamente que ser dado como não provado.
I) A Meritíssima Juíza a quo laborou também em equívoco ao desconsiderar o depoimento da testemunha arrolada pela Ré – J… , cujo depoimento se encontra gravado em CD, mormente o seguinte: (CD:00:21:56 a CD:00:23:28), para cuja transcrição se remete por razões de economia processual, donde decorre que o Sr. JS.. no ano de 2008 não tinha qualquer ligação com a aqui Apelante anteriormente designada por JM., S.A., nem ao nível do após venda, nem ao nível de administração e direcção geral, pese embora em data anterior tivesse sido director geral da mesma.
J) Pelo que, deverá ser aditado um facto ao quadro factológico dado como provado que “ Em 2008 o Sr. JS… não mantinha qualquer relação quer ao nível da administração ou cargos de chefia, quer na qualidade de funcionário.”
K) Descurou também o depoimento da citada testemunha – CD:00:02:44 a 00:04:40, para cuja transcrição se remete por razões de economia processual, do qual se retira que durante o ano de 2008, finais, a aqui Apelada se deslocou às instalações da Apelante com o seu veículo em virtude de colisão, mas nada relatou, comunicou ou informou quanto ao acendimento da luz de filtro de partículas no painel de instrumentos à Apelante e que, mesmo que o tivesse feito perante o Sr. JS..., é certo que este o comunicaria de imediato à Apelante e esta promoveria as necessárias diligências, abrindo, de imediato uma Ordem de Reparação com essa menção, recebendo o veículo e analisando-o na sua oficina e por técnicos especializados.
L) E, por conseguinte, deverão ser aditados ao quadro factológico os seguintes factos: “Em finais de 2008 a Autora deslocou-se às instalações da Ré, em virtude de colisão e nada referiu quanto ao acendimento de luz de filtro de partículas no painel de instrumentos.” E, “A Ré não foi informada do teor e conteúdo do contacto telefónico descrito em 6.”
M) Decidiu a Meritíssima Juíza a quo pela improcedência da invocada excepção peremptória de caducidade, porquanto cuidou que a aqui Apelada procedeu à denúncia de defeito ou desconformidade do veículo com o contrato tempestivamente, bem como propôs a acção dentro do prazo de dois anos.
N) Sucede porém que, mais uma vez o Tribunal a quo se equivocou pois, dos termos conjugados do n.º 1 do art. 2º, n.ºs 1 e 2 do art. 3º, n.º 1 do art. 4º, n.º 1 do art. 5º, n.ºs 1 e 2 do art. 5º A, todos do DL n.º 67/2003 de 08 de Abril na redacção do DL n.º 84/2008, de 21 de Maio resulta a obrigação para o vendedor de entregar o bem em conformidade com o contrato, respondendo perante o consumidor por qualquer falta de conformidade no momento da entrega e também por aquela que se manifeste no prazo de dois anos a contar dessa entrega; nestes casos o consumidor tem direito, entre outros à resolução do contrato, caducando, contudo, esses direitos decorrido o prazo de dois anos e na ausência de denúncia de desconformidade num prazo de dois meses a contar da data em que a tenha detectado.
O) Ora, considerando o quadro factológico provado, pontos 1. a 4. e 6. por um lado e por outro as omissões e contradições enumeradas supra e em face da fundamentação invocada aquando da impugnação da matéria de facto, para a qual se remete e por outro porque, pese embora a aqui Apelada tivesse tomado conhecimento da alegada desconformidade ou defeito decorridos três meses após a aquisição do veículo, em Agosto de 2008, apenas em 03 de Junho de 2009 deu conhecimento à Apelante de tal facto, ou seja, volvidos 10 meses após o conhecimento da hipotética desconformidade, logo intempestivamente.
P) Por outro lado, Denunciar a falta de conformidade significa levar ao conhecimento do vendedor a existência de defeito e a concretização do direito que se pretende exercer. A denúncia funciona como condição de que depende o exercício dos direitos do comprador perante o vendedor, tanto mais que é a este e não a terceiro que cumpre reparar e ou substituir o bem.
Q) Ora, atenta a fundamentação que antecede, mormente o depoimento da Testemunha J… - CD:00:21:56 a CD:00:23:28, resulta evidente que o Sr. JS..., em 2008, e mesmo anteriormente a esta data, era um terceiro face à aqui Apelante, não descurando que, foi ele que fundou a JM. , S.A., mas da qual se encontra afastado, sem qualquer poder ou prerrogativa que vincule a Aqui Apelante, ainda assim, mesmo afastado da ora Apelante, caso se apercebe-se de alguma reclamação, ou a mesma lhe fosse dirigida directamente, imediatamente a comunicaria e encaminharia para Apelante para que tomasse as necessárias providências, que não sucedeu neste caso, porquanto nessa data, nem em período aproximado, o veículo não deu entrada nas instalações da Apelante.
R) Não obstante, é curioso que em finais de 2008 a Apelada se tenha dirigido às instalações da Apelante a pretexto de reparação de veículo na sequência de colisão e nada tenha referido quanto ao sistema de filtragem de partículas; mais, em 20 de Maio de 2009, voltou a dirigir-se à oficina da Apelante, desta vez para realização de manutenção/revisão e, mais uma vez nada refere ao recepcionista acerca do acendimento da luz do filtro de partículas no painel de instrumentos. (!). Só o fazendo em 03 de Junho de 2009, destarte, a denúncia produzida ou efectuada perante terceiros não é tida como denúncia de eventual desconformidade do bem fornecido, logo inidónea a produzir os feitos da denúncia efectuada perante o vendedor. A eventual comunicação ao Sr. JS... pela Apelada não se transmuta em condição de funcionamento dos direitos conferidos mercê do disposto no art. 4º do DL n.º 67/2003 de 08 de Abril na redacção do DL n.º 84/2008, de 21 de Maio, não tem a virtualidade de desencadear o exercício desses direitos.
S) Decorre dos termos conjugados dos art. 693º B e 524º do CPC a possibilidade de as partes juntarem documentos com as alegações de recurso, entre outros, no caso em que tal junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância, nesta conformidade a Apelante requer junção aos autos de documento – cópia certificada de certidão do registo comercial que reproduz o teor da matrícula e de todas as inscrições em vigor respeitantes à sociedade JM. , S.A. matriculada sob o n.º …, cuja junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância.
T) Entendeu o Tribunal a quo que a aqui Apelada, em Agosto de 2008, comunicou, a hipotética desconformidade/defeito do veículo, via telefone ao Sr. JS..., pessoa que, para a Apelada representava o concessionário, porquanto a fusão da JM. , S.A. na aqui Apelante tão só foi registada em Janeiro de 2009, o que se apresenta perante a Apelante como uma surpresa, com a qual, nem razoavelmente poderia contar até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, tanto mais que a Apelada no seu articulado de Petição Inicial não alegou os factos subjacentes a um alegado telefonema e a quem o dirigiu, limitando-se a referir que havia contactado a aqui Apelante; imprevisibilidade decorre ainda do facto motivador da decisão surgir aliado ao registo da fusão da JM., S.A., entre outras sociedades ser entendido pelo Tribunal a quo para fundamentar que em 2008 o Sr. JS... seria o rosto do concessionário, pelo que, apenas nesta fase se mostra necessária a junção de certidão comercial da JM… , idónea a provar que o Sr. JS... não integra a sociedade há alguns anos e, em 2008 já não se encontrava vinculado à mesma, pelo que, não foi por via da invocada fusão, registada em Janeiro de 2009 que cessou tal vínculo.
U) Posto isto, atenta a fundamentação que antecede e coligidos todos os elementos imprescindíveis, outra não poderá ser a decisão, se não de procedência da excepção peremptória de caducidade oportunamente invocada por intempestividade da denúncia.
V) Com efeito o Regime da Compra e Venda de Bens de Consumo, no seu art. 4º reconhece aos consumidores um direito à qualidade dos bens e serviços destinados ao consumo, que desde logo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que lhe atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas ou, na falta delas, de modo adequado às legitimas expectativas do consumidor, ou seja, reconhece uma garantia de qualidade e impõe-se ao vendedor a obrigação de entrega dos bens de consumo em conformidade com o contrato, ou seja com as descrições constantes do contrato, porém, tal garantia é objecto de uma presunção ilídivel de não conformidade
W) Ora, o elemento de presunção de não conformidade da al. d) do n.º 2 do art. 2º do DL n.º 67/2003 de 08 de Abril na redacção do DL n.º 84/2008 apresenta dois critérios de verificação cumulativa, sendo o primeiro a correspondência das qualidades e desempenho com o habitual em bens do mesmo tipo e o segundo as expectativas razoáveis do consumidor, face à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas.
X)  Sucede porém que, os citados requisitos não se encontram preenchidos e como tal não se verifica qualquer desconformidade com o contratado, para tanto basta atender à factualidade provada, pontos 1., 24 a 29 e não descurando a fundamentação que antecede quanto à impugnação da matéria de facto, bem como o facto de a Apelada continuar a utilizar o veículo desde a data da sua aquisição, fruindo-o e usando-o de acordo com o fim a que se destina e a que o destina no seu dia-a-dia, pelo que não se poderá inferir que o veículo está aquém das expectativas da Apelada face à sua natureza e características.
Y) Assim, na sequência das visitas da Apelada às instalações da Apelante, analisado e testado o veículo pelos técnicos especializados, apurou-se que o filtro de partículas executava a regeneração adequadamente, não padecendo de qualquer anomalia/defeito de montagem e funcionamento. O que foi corroborado pela própria Autora, ao afirmar que quando executava o procedimento de regeneração descrito no manual a luz apagava.
Z) Mais, não colhe a fundamentação invocada na sentença no sentido de que não é legítima a exigência à Apelada de efectuar percursos não planeados em estrada para que a luz se apague, pois, na verdade, como se alcança do manual de instruções do veículo, basta adoptar uma determinada forma de condução, dentro dos limites de velocidade legalmente estabelecidos e, não necessariamente alterar o percurso. – Cfr depoimentos transcritos nas presentes alegações, assim como não se inserem na noção de desconformidade e não são abrangidas pela garantia de qualidade toda e qualquer desconformidade decorrente das condições de utilização dos bens e dos fins a que os destinam. Com efeito, e uma vez apurado que inexiste qualquer deficiência de funcionamento e montagem do sistema de filtragem de partículas, decorre do próprio manual de instruções do veículo corroborado pelos depoimentos das testemunhas invocados que o combustível e o estilo de condução podem estar na génese do acendimento, com maior frequência da luz do filtro de partículas.
AA) Por outro lado, o sistema de filtragem de partículas é uma característica dos carros a diesel. Sistema com o qual o veículo dos autos está equipado. Logo, não é razoável que a Apelada aquando da negociação do veículo e tomada de decisão para a sua aquisição ignorasse tal facto, uma vez que o mesmo é do conhecimento geral, não podendo desde logo ignorar.
BB) Posto isto, falecem os invocados fundamentos em que a douta sentença se estriba para habilitar a Apelada ao exercício do direito à resolução do contrato, que foi exercido ilegitimamente pela Apelada, pois, para além dos já invocados fundamentos, encontra-se na posse do veículo, usando-o e fruindo-o de acordo com o fim a que se destina, numa gritante situação de venire contra factum proprium, que não se sana com a contabilização do valor do mesmo de acordo com os invocados critérios de desvalorização.
cc) Viola assim a sentença o disposto nos n.º 1 e al. d) do n.º2 do art. 2º, n.ºs 1 e 2 do art. 3º, n.º 1 do art. 4º, n.º 1 do art. 5º, n.ºs 1 e 2 do art. 5º A, todos do DL n.º 67/2003 de 08 de Abril na redacção do DL n.º 84/2008, de 21 de Maio e art. 334º do Código Civil.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, e a sua substituição por outra que julgue procedente a excepção de caducidade e absolva a apelante dos pedidos.
A A. contra-alegou, propugnando pela manutenção da decisão.
Ambos os recursos foram admitidos.
            QUESTÕES A DECIDIR.
            Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões das recorrentes (art. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
            APELAÇÃO DA A.:
- Se a A. tem direito à restituição integral do preço;
- Assim não se entendendo, se, em todo o caso, não deveria ter sido considerada a tabela de desvalorização automática utilizada pelas companhias de seguros;
- Se devem ser considerados os danos não patrimoniais sofridos pela A.
AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
- Se a desvalorização do veículo deve ser ponderada até à data do trânsito em julgado da sentença.
APELAÇÃO DA R.:
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- Da procedência da excepção de caducidade invocada;
- Da resolução do contrato. Abuso de direito.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
            O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. Em 16.05.2008, a Autora adquiriu à sociedade “JM. , S.A.” uma viatura automóvel de marca …, modelo …, com a matrícula ….
2. A sociedade comercial “JM. , S.A.” transferiu o seu património, por fusão, para a sociedade Ré, pela inscrição 10, de 14.01.2009, constante do respectivo registo na conservatória do registo comercial – cfr. doc. de fls. 22-27.
3. A viatura identificada em 1. foi vendida com garantia de dois anos.
4. Decorridos cerca de três meses após a aquisição da viatura, a mesma começou a acender a luz avisadora do filtro de partículas existente no painel de instrumentos.
5. Nas ocasiões referidas em 4., passados alguns minutos depois de a luz estar acesa, o veículo começava a perder força no andamento.
6. Perante a situação descrita em 4. e 5., a Autora contactou telefonicamente o Sr. JS…., da sociedade “J.M. ”, o qual informou que aquela deveria consultar o manual do veículo sobre o procedimento a adoptar.
7. O manual do veículo informa que, no caso de se acender a luz de partículas, a viatura deve ser conduzida durante cerca de 15 minutos em quarta ou quinta velocidade, a um mínimo de 60 km/hora e entre as 1800 e as 2000 rotações/minuto, com o objectivo de ser feita uma auto-limpeza do filtro de partículas e, com isso, a luz apagar-se-á.
8. Da segunda vez que a luz de partículas acendeu, a Autora seguiu as instruções indicadas no manual de instruções e a luz apagou.
9. Passado uma semana, a luz de partículas reacendeu, tendo a Autora repetido o procedimento de condução descrito no manual do veículo, o que aconteceu por mais três vezes, tendo a luz sempre apagado.
10. Após as ocasiões referidas em 9., a Autora deixou de observar as instruções recomendadas no manual sempre que a luz de partículas acendia.
11. Quando a luz de aviso do filtro de partículas não se apaga, passado algum tempo acende uma nova luz indicadora de deficiência no motor diesel, o que, de acordo com o manual do veículo, obriga a inspecção pelos serviços de assistência.
12. Em 20 de Maio de 2009, a Autora levou o veículo às instalações da Ré para efectuar a revisão.
13. Na ocasião da solicitação da revisão, a Autora referiu à Ré o acendimento da luz avisadora do filtro de partículas, porém, esta informou-a que nada podia fazer quando a mesma luz estivesse apagada, como estava nesse momento.
14. Na revisão, os técnicos da Ré ligaram o veículo ao sistema VAS (5051B) de intervenção – equipamento de leitura de avarias da unidade de comando do motor e demais unidades – e não detectou quaisquer anomalias de funcionamento dos componentes do veículo, designadamente no sistema de filtragem de partículas.
15. Após a revisão, a luz avisadora do filtro de partículas voltou a acender, o que levou a Autora a entregar novamente a viatura à Ré no dia 3 de Junho de 2009.
16. A Ré recebeu o veículo e o respectivo sistema de intervenção detectou uma irregularidade no sistema de filtragem de partículas.
17. A Ré, seguindo as instruções do fabricante, efectuou um teste em estrada, conduzindo o veículo durante alguns minutos a uma velocidade de aproximadamente 60 km/h em 4ª e 5ª velocidade, entre as 1800 e as 2500 rpm (rotações por minuto), após o que a luz avisadora do filtro de partículas desapareceu do painel de instrumentos.
18. Em 9 de Junho de 2009, a Autora voltou a dirigir-se às instalações da Ré, informando que a luz avisadora do filtro de partículas se encontrava acesa no painel de instrumentos, na sequência do que a Ré abriu nova ordem de reparação com a menção “Luz Filtro de Partículas Acesa”.
19. Seguindo o procedimento habitual, os técnicos da Ré procederam à ligação do veículo ao sistema de intervenção e este não detectou qualquer anomalia de funcionamento do filtro de partículas, nem sequer a saturação do mesmo.
20. Os técnicos da Ré, após terem testado o veículo, verificaram que o sistema de filtragem de partículas executou adequadamente a incineração do excesso de partículas resultante da fuligem das emissões.
21. A Autora remeteu à “V” a mensagem de correio electrónico datada de 23.06.2009, constante de fls. 35 e seguintes, da qual consta, além do mais cujo teor aqui também se dá por reproduzido: «(…) Após um ano de tolerância para os inúmeros incidentes ocorridos com a viatura …, matrícula …, venho por este meio relatar o sucedido durante este período: (…) Desde a data de aquisição, até hoje a viatura acusou no painel, 5 vezes uma luz referente ao filtro de partículas de Diesel. (…) Uma vez que faço diariamente a A5, 2ª circular e por vezes a CREL, não considero que o cliente, quando adquire uma viatura tenha que fazer deslocações intencionais para resolução deste problema. (…) Na sequência de todas estas situações solicito à V uma verificação da situação do filtro de partículas de Diesel e a rectificação do dano causado no tecido do tecto da viatura!».
22. A “V” respondeu por mensagem de correio electrónico datada de 02.07.2009, constante de fls. 38 e seguintes, do qual consta, além do mais cujo teor aqui também se dá por reproduzido: «(…) Sobre a questão que V. Exa. Teve a amabilidade de nos colocar, informamos que a regeneração do filtro de partículas deverá ser efectuada periodicamente de acordo com as instruções do manual de instruções da viatura. Para um melhor seguimento deste assunto, permitimo-nos enviar cópia do respectivo processo à administração da firma JM . Sugerimos um contacto com o Sr. Eng. J… , Gestor Após Venda da Firma JM que irá acompanhar a situação (…)».
23. A “V” remeteu ao Mandatário da Autora a carta que consta de fls. 43, com o seguinte teor, além do mais que aqui se dá por reproduzido: «(…) Reiteramos o teor do nosso e-mail de resposta enviado à Exma. Senhora A. em 02/07. De facto a marca, não define qual o tipo de percursos que o Cliente deve fazer mas indica quais os procedimentos a seguir para o bom funcionamento da viatura e da sua manutenção em boas condições. Assim, sugerimos a leitura do manual da viatura que explica detalhadamente os procedimentos para efectuar a regeneração dos filtros de partículas (…).».
24. O veículo da Autora está equipado com um sistema, identificado como filtro de partículas de gasóleo, que filtra quase totalmente as partículas de fuligem das emissões, funcionando como um pequeno incinerador, o qual, periodicamente e sempre que for necessário, segundo indicações de sensores ao aparelho de comando de motor de que se encontra saturado, efectua a incineração de partículas, com ou sem necessidade de regeneração.
25. Nos percursos mais longos, a incineração de partículas é efectuada sem que o condutor seja alertado para o efeito, ou seja, a indicação de saturação do filtro de partículas não é visualizada no painel de instrumentos, uma vez que a regeneração é feita em andamento.
26. Em percursos mais curtos e também nos casos de utilização do veículo em filas de trânsito, existe uma maior probabilidade de, no painel de instrumentos, aparecer a luz avisadora de que o filtro de partículas acumulou um excesso de fuligem, por saturado.
27. Quando o filtro de partículas atinja um grau de saturação que afecte o funcionamento do mesmo, acende-se no painel de instrumentos luz avisadora, alertando o condutor para a necessidade de efectuar ou forçar a regeneração do filtro de partículas, aumentando a temperatura dentro do mesmo de forma a incinerar as partículas de fuligem aí depositadas.
28. Apenas no caso de o condutor ignorar a necessidade de regeneração do filtro de partículas e não a promover, mantendo-se o mesmo saturado, acender-se-á, no painel de instrumentos, luz de motor (modo de emergência) que visa salvaguardar os componentes do próprio motor e, só nesse caso e nesse pressuposto, o veículo começa a perder força, impondo-se intervenção de uma oficina autorizada.
29. A Autora continua a utilizar a viatura.
30. Nas ocasiões em que a Autora entregou a viatura à Ré para assistência originada pelo acendimento da luz referente ao filtro de partículas, a mesma necessitou de se ausentar do seu local de trabalho em horas de expediente para entregar e levantar o seu veículo da oficina e efectuou telefonemas a suas expensas.
31. A presente acção deu entrada em Tribunal em 1 de Março de 2010.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
QUESTÃO PRÉVIA.
Com as suas alegações, juntou a apelante S., S.A. um documento – certidão da CRCom. do teor da matrícula e inscrições em vigor respeitante à R. -, alegando que a junção do mesmo se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.
Independentemente da admissibilidade do documento, nesta fase, ao abrigo do disposto no art. 693º-B do CPC, o que é um facto é que a referida certidão da CRCom. já se mostra junta aos autos [1], de forma até mais actualizada, uma vez que o último facto inscrito na mesma se reporta a 10.07.2009, enquanto na certidão ora junta o último facto inscrito se reporta a 29.12.2006.
Assim sendo, não se admite a requerida junção, ordenando-se o desentranhamento do documento e entrega à parte, que responderá pelas custas do incidente, como se determinará a final.

Começar-se-á pela apreciação da apelação interposta pela R., por não só na mesma se impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sendo a fixação desta pressuposto da apreciação das restantes questões (jurídicas) colocadas em ambas as apelações, como por as questões jurídicas colocadas pela R. serem antecedente lógico das colocadas pela A.

APELAÇÃO DA R.
Alegando erro na apreciação da prova produzida, pretende a recorrente a sua reapreciação, nomeadamente no que respeita aos pontos 5, 11 e 13 da factualidade provada, bem como pretende o aditamento àquela de 3 outros factos.
A recorrente cumpriu o estatuído no art. 685º-B do CPC e tendo a prova testemunhal produzida sido gravada, tem esta Relação a possibilidade para proceder, se for caso disso, à alteração factual requerida, nos termos do art. 712º do CPC.
O art. 685º-B do CPC corresponde, em parte e no que ora interessa, ao revogado art. 690º-A, o qual foi aditado pelo DL. 39/95 de 15.02, que previu e regulamentou a possibilidade de documentação ou registo das audiências de julgamento, gravando-se a prova nelas produzida, tendo em vista, desse modo, criar um 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes a possibilidade de reacção contra eventuais erros do julgador na apreciação da prova e na fixação da matéria de facto relevante para a decisão de mérito.
Mas, para além de apenas se visar “a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto”, como se refere no preâmbulo do referido decreto-lei, não se deve, também, esquecer que o processo civil continua a ser norteado pelo princípio da imediação e da oralidade, sendo as provas apreciadas livremente pelo tribunal, e segundo as regras da experiência comum, princípio este que vale, também, na reapreciação a fazer na 2ª instância.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 28.05.09, P. 4303/05.0TBTVD.S1, in www. dgsi.pt, a Relação não “está limitada ou condicionada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, devendo expressar a sua própria convicção, a partir da análise dos depoimentos e demais elementos de prova aludidos pelo recorrente (na parte respeitante aos pontos de facto impugnados), e pela ponderação do valor probatório de cada um, com explicitação dos resultados desse escrutínio e afirmação, devidamente justificada, da existência ou inexistência de erro de julgamento da matéria de facto quanto a esses impugnados pontos de facto” [2].
Feitas estas considerações preliminares, apreciemos da bondade do recurso.
Começa a apelante por se insurgir quanto à matéria de facto dada como provada sob os pontos 5. [3] e 11. [4] da factualidade assente, alegando que, por um lado, existe contradição entre a factualidade constante destes pontos e a constante do ponto 28. [5], e, por outro, os impugnados pontos não têm suporte em qualquer elemento probatório, quer documental, quer testemunhal, propugnando que os mesmos sejam alterados, passando a ter a seguinte redacção:
Ponto 5 – “Nas ocasiões referidas em 4., enquanto a luz se mantiver acesa – filtro de partículas entupido -, o motor do veículo poderá sofrer redução de perfomance”;
Ponto 11 – “Quando a luz de aviso do filtro de partículas não se apaga, porque o condutor não observou a regeneração, mantendo-se o filtro saturado, passado algum tempo acende nova luz indicadora de deficiência no motor diesel, o que, de acordo com o manual do veículo, obriga à inspecção pelos serviços de assistência”.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, nenhuma razão assiste à apelante.
Por um lado, não existe qualquer contradição entre os factos dados como assentes sob os pontos 5. e 11. e o dado como assente sob o ponto 28 [6], e por outro, ao contrário do sustentado, os mencionados pontos 5. e 11. resultaram da prova testemunhal produzida e do acordo das partes.
Não existe qualquer contradição porque, desde logo, se constata que os pontos 5. e 11. respeitam àquilo que se verificou, efectivamente, com o veículo da A., e o ponto 28. respeita àquilo que é “normal” suceder, e de acordo com o manual.
Acresce que o facto constante do ponto 11. “resultou do acordo das partes expressamente assumido em audiência”, como se fez constar da fundamentação da factualidade provada – cfr. fls. 175-, e se pode verificar da acta de audiência de julgamento, a fls. 164 [7].
Sempre se dirá, contudo, que a testemunha V… declarou que, pelo menos em 2 situações que recordava, mesmo tendo a A. acatado os procedimentos referidos no manual, a luz avisadora do filtro de partículas não se apagou.
Por seu turno, o ponto 5. resultou do depoimento das testemunhas ouvidas, amigos da A., não tendo o depoimento das testemunhas da R., indicados pela apelante, posto em causa aquele, tanto mais que, repete-se, uma coisa é o conhecimento que estas testemunhas têm de acordo com o que consta do manual, outra aquilo que efectivamente se passou com o veículo da A.
Não pode, pois, proceder nesta parte a pretensão da apelante (alteração da redacção dos pontos 5. e 11.).
Pretende, também, a apelante que o ponto 13. da factualidade assente seja dado como não provado.
Sustenta a sua pretensão no depoimento das testemunhas L… , C… e J… , conjugados com o teor do documento junto a fls. 75 dos autos.
Também aqui se nos afigura que não assiste razão à apelante.
O tribunal recorrido fundamentou a resposta dada a este quesito (para além de outros) no depoimento das testemunhas arroladas pela A., seus amigos [8], sendo que “as testemunhas Al…. e Ca… referiram, particularmente, que a Autora já relatou este problema quando levou a viatura à primeira revisão, em Maio de 2009, tendo a testemunha Ca… especificado que, nessa ocasião, nada teria sido feito porque a luz nesse dia não estava acesa” – fls. 176.
Ouvidos os depoimentos pudemos constatar que assim foi, sendo certo que o depoimento das testemunhas arroladas pela R., e por esta indicadas nas alegações, ainda que conjugadas com o teor do documento junto a fls. 75 dos autos, não põe em causa aqueles depoimentos.
O documento junto a fls. 75 respeita à “ordem de reparação” do veículo da A. emitido aquando da primeira revisão da viatura [9].
Aí não consta, efectivamente, qualquer referência a problemas com a luz avisadora do filtro de partículas. Mas se, como referiram as testemunhas Al… e Ca…, naquele dia a luz não estava acesa e o recepcionista disse à A. que não estando acesa nada podia ser feito, é natural que nenhuma referência tenha feito constar da “ordem de reparação” [10].
Por outro lado, o depoimento das testemunhas arroladas pela R. e pela mesma indicadas nas alegações, não põe em causa o depoimento daquelas testemunhas.
As mencionadas testemunha são trabalhadores da R., sendo o C…  recepcionista, o L…  gestor da oficina e o Lu…  um mecânico.
A testemunha C... não foi o recepcionista que atendeu e recebeu o veículo da A. aquando daquela revisão, como o mesmo esclareceu e se constata da referência ao “recepcionista” constante da “ordem de reparação” [11], desconhecendo, por não ter assistido, quais as “conversas” que ocorreram entre a A. e o recepcionista que recebeu a viatura.
As testemunhas L… e Lu…, nenhum contacto tiveram com a A., “guiando-se” pelo que consta da “ordem de reparação”, referindo que, em princípio, todas as “queixas” que o cliente refere devem constar da “ordem de reparação”, o que não significa que, no caso, assim tenha sido, pelos motivos já explanados.
Não se vê, pois, fundamento para dar como não provada a factualidade constante do ponto 13. 
Por último, pretende a apelante que à factualidade provada se aditem os seguintes factos:
- Em 2008 o Sr. JS…. não mantinha qualquer relação quer ao nível da administração ou cargos de chefia, quer na qualidade de funcionário.
- Em finais de 2008 a Autora deslocou-se às instalações da Ré, em virtude de colisão e nada referiu quanto ao acendimento da luz de filtro de partículas no painel de instrumentos.
- A Ré não foi informada do teor e conteúdo do contacto telefónico descrito em 6.
Os factos que a apelante pretende que sejam dados como assentes, não foram por si alegados [12] e são “complementares” em relação à factualidade alegada e dada como provada.
Assim, afigura-se-nos que a apelante, pretendendo fazer uso de tais factos, deveria ter, em audiência de julgamento, manifestado a sua vontade de deles se aproveitar, por forma a que fosse facultada à A. o exercício do contraditório – art. 264º, nº 3 do CPC.
Mas ainda que assim se não entenda, afigura-se-nos, salvo melhor opinião e ao contrário do pretendido pela apelante, que os factos cujo aditamento se pretende não resultaram demonstrados, de forma plena e convincente, de toda a prova produzida nos autos.
Quanto ao 1º facto cujo aditamento se pretende:
Fundamenta a apelante a sua pretensão no depoimento da testemunha J… , responsável após-venda da R., por este ter declarado que, em 2008, o Sr. JS…. não tinha qualquer ligação ao departamento após-venda, nem estava ligado a nenhum cargo da administração, nem direcção geral.
Que o Sr. JS…. não estava ligado a nenhum cargo da administração resulta do teor da certidão do CRCom. junta aos autos, donde constam os nomes dos vários vogais do conselho de administração para os mandatos de 2004/2005, 2006/2007 e 2008/2009, dos quais não faz parte o referido JS...
Mas que não estava ligado à direcção geral, nem tinha qualquer ligação ao departamento após-venda, não resulta certo, uma vez que o depoimento daquela testemunha é contrariado pelo depoimento das testemunhas arroladas pela A. que referiram que a viatura foi vendida à A., em Maio de 2008, pelo Sr. J S... e foi apenas 3 meses depois da venda que aquela lhe deu conhecimento do que se estava a passar com a viatura, tendo as testemunhas referido que o mesmo lhe disse para adoptar o procedimento prescrito pelo manual [13], sem a ter  informado que já nada tinha a ver com a empresa, o que seria expectável que acontecesse se assim fosse efectivamente.
Em Maio de 2008, foi a  “J. M. ” que vendeu a viatura à A., como se constata do recibo junto a fls. 21, só em 2009 - 14.01.2009 – tendo sido registada a fusão daquela empresa com outras e a constituição da R., projecto de fusão esse registado em 16.10.2008, conforme certidão da CRC junta de fls. 22 a 27 dos autos [14].
A apelante refere que o Sr. João S. fundou a J. M. , S.A., e que foi director geral da mesma, não se podendo concluir, com certeza, e atento o que se deixa dito, que, efectivamente em 2008 já nada tivesse a ver com aquela sociedade.
Não existem, pois, elementos nos autos que permitam concluir, com segurança, o facto cujo aditamento a apelante pretende.
Quanto aos 2º e 3º factos:
Mais uma vez, sustenta a apelante a sua pretensão de ver tais factos dados como provados apenas no depoimento da testemunha J… .
Cumpre referir em primeiro lugar que esta testemunha apenas tem conhecimento do que depôs por força do processo (interno) de reclamação que chegou ao seu conhecimento, não sendo o seu depoimento totalmente seguro, nem inteiramente coincidente com o depoimento das outras testemunhas, nomeadamente da testemunha Lu… , nem com o teor dos documentos que se encontram juntos aos autos, nomeadamente o teor da carta enviada pela A. à V.
Referiu a testemunha J… que “das primeiras vezes que a A. teve lá uma passagem” terá sido nos finais de 2008 princípios de 2009, para reparação da viatura por causa de uma colisão. E perguntado se sabia se nessa altura a A. teria relatado algum problema referente ao filtro de partículas, referiu que “não tinha memória que nessa altura tivesse feito essa anotação, essa reclamação”.
Por sua vez, a testemunha L… declarou que “tem ideia que a 1ª entrada da viatura nas oficinas da R. foi para a revisão”, não sabendo se a A. se deslocou lá antes, mas se o fez teria de haver folha de obra.
Por outro lado, se se atentar na carta de reclamação que a A. enviou à V, junta a fls. 35 e ss., constata-se que a mesma apenas faz referência a 2 “incidentes” que teve e que causaram danos à viatura, reparados na oficina da R., um ocorrido 1 mês após adquirir a viatura e outro ocorrido em Março [15].
Teria sido fácil à R. juntar aos autos todos os documentos comprovativos das entradas do veículo da A. nas suas oficinas, para se poder confirmar o depoimento da testemunha J… - que não se mostra convincentemente afirmativo -, o que não fez, tendo o tribunal ficado com dúvidas que impedem dar como provado o 2º facto supra referido, como pretende a apelante.
Por outro lado, do depoimento da referida testemunha, conjugado com a restante prova produzida, não se pode concluir que “a R. não foi informada do teor e conteúdo do contacto telefónico descrito em 6.”.
Mais uma vez, a R. não juntou aos autos o mencionado processo de reclamação, para se verificar a origem do mesmo.
Por outro lado, a testemunha C… referiu que das reclamações atendidas por telefone não há registo.
Já a testemunha Lu… questionada sobre o telefonema feito pela A. em Agosto de 2008, referiu que esse tipo de telefonemas – reclamação – pode ou não passar pela testemunha, mas que no caso concreto não se recordava se tinha passado.
Não resulta, pois, seguro o facto que a apelante pretende ver dado como provado, não podendo proceder a sua pretensão.
Do que se deixa dito conclui-se não haver fundamento para alterar a matéria de facto dada como provada, improcedendo, nesta parte, a apelação da R..

A 1ª questão jurídica que a R. suscita é a da verificação da caducidade do direito da A., por não ter feito a denúncia do defeito à R., nos 2 meses subsequentes ao conhecimento do mesmo, sendo que a denúncia feita a terceiros (no caso, ao Sr. JS…. que há alguns anos, e nomeadamente em 2008, já não se encontrava vinculado à R., segundo alega) é inidónea a produzir os efeitos da denúncia perante o vendedor.
Subjacente a esta questão está a pretendida alteração da factualidade provada que, como já supra analisado, não mereceu acolhimento, soçobrando em grande medida os argumentos invocados.
Mas vejamos.
Como se refere na sentença recorrida e por nenhuma das partes é questionado, à situação em apreço é aplicado o regime jurídico específico consagrado na Lei de Defesa do Consumidor, aprovado pelo DL. 24/96 de 31.07, com as alterações introduzidas pelo DL. 67/2003 de 8.04, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 1999/44/CE de 25.05 do Conselho, e o DL. 84/2008 de 21.05 [16], que alterou o DL. 67/2003.
Dispõe o art. 2º, nº 1 do DL. 67/2003 de 8.04 que “O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”, estipulando, por seu turno, o nº 1 do art. 4º do mesmo diploma que “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”, desde que a falta de conformidade se manifeste dentro do prazo de garantia - in casu, 2 anos a contar da entrega do bem [17] – art. 5º, nº 1.
Estabelece, porém, a lei prazos para o exercício dos referidos direitos.
Assim, nos termos do disposto no art. 5º-A do DL. 67/2003 de 8.04 (aditado pelo DL 84/2008 de 21.5) os mencionados direitos atribuídos ao consumidor caducam no termo do prazo de garantia e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor (nº 1).
Decorridos 2 anos sobre a entrega do bem, sem que o consumidor haja denunciado ao vendedor a desconformidade do bem com o contrato (ainda que esta seja detectada antes do termo do prazo de garantia), caduca o direito do consumidor a exercer qualquer dos direitos.
Conhecida a desconformidade dentro do referido prazo de garantia, deve o consumidor denunciá-la ao vendedor num prazo de 2 meses a contar da data em que a detectou (nº 2).
E feita a denúncia, tem o consumidor o prazo de 2 anos, a contar da data da denúncia, para exercer qualquer dos mencionados direitos, sob pena de caducidade (nº 3), suspendendo-se este prazo durante o período em que o consumidor estiver privado do uso do bem com o objectivo de realização das operações de reparação ou substituição (nº 4).
Da análise destes preceitos legais resulta que a falta de denúncia tempestiva acarreta a caducidade dos direitos à reparação ou substituição da coisa, e dos direitos de redução do preço ou resolução do contrato, bem como acarretará, igualmente, a caducidade desses direitos a falta de exercício dos mesmos decorridos 2 anos sobre a data da denúncia, tempestivamente, efectuada.
Caducidade essa a ser invocada (e provada) por aquele a quem aproveita, o vendedor [18].
No caso, vem a R. alegar que a denúncia feita ao Sr. JS... é “inidónea” a produzir os efeitos da denúncia perante o vendedor, uma vez que aquele já não tinha qualquer relação com a R., só tendo a denúncia à R. ocorrido em Junho de 2009, decorrido, há muito, o prazo de 2 meses sobre o conhecimento da desconformidade, o qual ocorreu em Agosto de 2008, como a própria A. alegou.
Conforme já ficou referido supra, aquando da análise da impugnação da matéria de facto, não logrou a apelante demonstrar que em 2008, mais concretamente em Agosto de 2008, o Sr. JS…. já nada tinha a ver com a R., tal como não foram dados como provados os restantes factos que a apelante pretendia ver dados como provados.
A fusão da sociedade JM. , S.A. com a R. só foi registada em Janeiro de 2009, e o projecto de fusão em Outubro de 2008.
Por outro lado, como se referiu na sentença recorrida “… da prova produzida em julgamento apurou-se que o Sr. João S. era quem representava a Autora por banda do concessionário da marca “…” a quem esta adquiriu a viatura, nunca tendo sido sequer levantada a hipótese de aquele lhe ter transmitido, naquela ocasião ou noutra, que já nada tinha a ver com a empresa. Vale, aqui, pois, a teoria da impressão do destinatário (art. 236º do CC), em toda a sua abrangência, nenhum motivo tendo a A. para duvidar que, ao dirigir-se ao Sr. JS., em Agosto de 2008, não estava a dirigir-se ao concessionário da marca “…” [19].
Assim sendo, e não tendo a matéria de facto provada sido alterada nos termos pretendidos, terá de se concluir que a denúncia foi feita à R., tempestivamente, não se verificando a excepção de caducidade invocada.

A segunda questão que a apelante coloca é a de que, considerando a factualidade provada (e não descurando a fundamentação quanto à impugnação da matéria de facto – que já vimos não procede), não se mostram preenchidos os requisitos a que alude o art. 2º, nº 2, al. d) do DL 67/2003 de 8.04 [20], e, como tal não se verifica qualquer desconformidade com o contratado, pelo que o tribunal recorrido não deveria ter declarado a resolução do contrato de compra e venda objecto dos autos.
O art. 2º do mencionado diploma legal, que tem por epígrafe “conformidade com o contrato”, depois de estipular no seu nº 1 que “o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”, estabelece no nº 2 situações em que a lei presume a desconformidade.
Assim, dispõe o mencionado nº 2 que “presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos: … d) não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais dos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem”.
Alega a apelante que, atendendo à matéria de facto dada como provada sob os nºs 1 e 24 a 29, não se encontram preenchidos os requisitos cumulativos a que alude a referida al. d) [21], continuando a apelada a usufrui-lo, usando-o de acordo com o fim a que se destina no seu dia-a-dia, não se podendo inferir que o veículo está aquém das suas expectativas face à sua natureza e característica.
Não podemos, porém, sufragar o entendimento da apelante.
Haverá que atentar não só na factualidade dada como provada sob os referidos nºs, mas também a dada como provada sob os nºs 4, 5, 7 a 11, 12 e 15 a 20.
E da análise da mencionada factualidade terá de se concluir que o veículo da apelada não apresenta as qualidades e o desempenho habituais dos carros do mesmo tipo e com que a apelada podia razoavelmente contar, vendo-se obrigada, por várias vezes, a observar o procedimento indicado no manual do veículo para que seja feita uma auto-limpeza do filtro de partículas, que poderá implicar alteração de percurso ou prolongamento da deslocação, uma vez que “a viatura deve ser conduzida durante cerca de 15 minutos em quarta ou quinta velocidade, a um mínimo de 60 km/hora e entre as 1800 e as 2000 rotações/minuto”, o que, sublinhe-se, nem sempre poderá ser possível, atentas as condições de trânsito e o local por onde se circula.
E não se apagando a luz avisadora do filtro de partículas, terá a viatura de ser, obrigatoriamente, assistida pelos serviços de assistência.
Se é certo que o sistema utilizado no veículo em causa é o usualmente utilizado nos veículos a diesel e que não foi pela apelante detectada qualquer avaria no filtro de partículas, não menos certo é que, de acordo com o manual do veículo, e conforme dado como provado sob os nºs 24 a 27 da fundamentação de facto, o que é normal é o sistema “de incineração” de partículas instalado no veículo actuar, periodicamente, sem que o condutor seja alertado para o efeito, o que só acontecerá ocasionalmente quando a regeneração não é feita em andamento, eventualmente [22] por o veículo ser utilizado em percursos mais curtos ou em filas de trânsito.
O que se verifica com o veículo da apelada é que, com maior ou menor frequência, se acende a luz indicadora do filtro de partículas que obriga ao já referido procedimento para que se faça a regeneração do filtro, por vezes repetindo-se num curto espaço de tempo [23], e mesmo quando a regeneração foi feita nas oficinas da apelante e confirmada a sua realização com sucesso bem como a ausência de anomalia no sistema.
Ao contrário do que pretende a apelante, face a tal factualidade não se pode concluir que o veículo da apelada apresenta as qualidades e desempenho habituais neste tipo de viaturas, e com que a apelada podia razoavelmente contar, antes se devendo concluir que as não apresenta, presumindo-se a não conformidade com o contrato, presunção que a apelante não ilidiu, como lhe competia.
Alega a apelante que, conforme resulta do manual de instruções do veículo, corroborado pelo depoimento das testemunhas por si arroladas e ouvidas em audiência, o combustível e o estilo de condução podem estar na génese do acendimento, com maior frequência [24], da luz do filtro de partículas.
Até podem. Mas o que é um facto é que a apelante não demonstrou que assim fosse, o que lhe incumbia fazer.
Bem andou, pois, o tribunal recorrido ao declarar a resolução do contrato.
E a actuação da apelada - que continua a utilizar o veículo e veio pedir a resolução do contrato - não configura qualquer abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, como sustenta a apelante, limitando-se a apelada a exercer um direito que lhe assiste, e que fundamentou, em virtude de não ter logrado obter a resolução (extra-judicial) do problema pela apelante, não lhe sendo exigível que, para o fazer, tivesse de abdicar da utilização do veículo, eventualmente com acréscimo de prejuízos, sendo certo que a sua actuação sempre demonstrou a sua intenção de não se conformar com a situação, de que são exemplo, nomeadamente, as “reclamações” que apresentou à V e de que a apelante teve conhecimento [25].
Improcede, pois, na totalidade a apelação da R.

APELAÇÃO DA A.
São duas as questões suscitadas pela A. na sua apelação, a saber, a do valor do preço a restituir e a do ressarcimento dos danos não patrimoniais, que iremos apreciar pela referida ordem.
Na sentença recorrida, depois de declarar a resolução do contrato sub judice, o tribunal recorrido entendeu que a questão que se devia, de seguida, colocar era a de saber se a A. podia fazer valer aquele seu direito (à resolução do contrato) e obter a consequente devolução da totalidade do preço quando, desde a sua compra, utilizou a viatura.
E concluindo que, a assim suceder, se verificaria uma situação de enriquecimento sem causa [26], entendeu que a única solução razoável era a de ponderar a resolução do contrato com a desvalorização da viatura desde a data da sua aquisição até à citação da R. para a presente acção, o que fez, tomando por base as “tabelas de desvalorização automática” usadas pelas companhias de seguros para aferição do valor dos veículos, do conhecimento geral, fixando o valor a restituir pela R. em € 17.160,00 (€26.000,00 - € 8.840,00).
Insurge-se a A. / apelante contra o decidido entendendo que não é aplicável ao caso o instituto do enriquecimento sem causa, tendo direito à restituição integral do preço de compra do bem.
Mas caso assim não se entenda, então não devem ser consideradas as referidas tabelas de desvalorização, mas o valor médio de mercado para um veículo com as mesmas características e equipamento e que se verifica ser de € 20.000,00.
Nas contra-alegações, a R. / apelada, depois de sustentar não assistir qualquer razão à apelante, requereu a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art. 864ºA do CPC, e terminou pedindo a revogação da sentença recorrida na parte em que contabiliza o valor do bem, substituindo-a por outra que pondere a desvalorização até à data do trânsito em julgado da sentença.
Apreciemos, começando por referir que se nos afigura que o tribunal recorrido, na sua decisão, se apoiou em entendimento que vem sendo sufragado em alguma doutrina e jurisprudência.
Vaz Serra, in RLJ, 102º/374, 106º/312, 108º/82 e 112º/15, sustentava que as prestações efectuadas em cumprimento de um contrato inválido (nulo ou anulável) são prestações feitas com intenção de cumprir uma obrigação, pelo que, se esta não existia, podem ser objecto de repetição do indevido, nos termos do art. 476º do CC, sendo, por isso, aplicáveis à obrigação de restituição as disposições dos arts. 479º e ss. [27].
Na jurisprudência - de que são exemplo, os Acs. do STJ de 30.09.2010, P. 822/06.9TBVCT.G1.S1 e de 24.03.2011, P. 52/06.0TVPRT.P1.S1, ambos relatados pela Cons. Maria dos Prazeres Beleza, in www.dgsi.pt. – entendeu-se já que a regra de que a resolução tem eficácia retroactiva, sendo equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade, tem de ser conjugada com diversos preceitos que se destinam a evitar que, por essa via, uma das partes enriqueça, injustificadamente, à custa da outra, só assim se respeitando o princípio da justiça comutativa subjacente a todos os contratos onerosos.
Ora, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que, no caso em apreço não ocorre qualquer enriquecimento sem causa [28].
Nem se pode falar num verdadeiro enriquecimento, nem que o mesmo é à custa da vendedora apelada, nem que falta a causa justificativa.
Por um lado não se pode entender que pelo facto da apelante ter usado (e continuar a usar) a viatura, enquanto é proprietária, tal facto constitua um enriquecimento sem (ou com) causa.
A apelante comprou a viatura e pagou a totalidade do respectivo preço, cumprindo a sua prestação, mesmo existindo desconformidade com o contrato (que denunciou à vendedora), sendo que quem compra um bem o faz para usar regularmente e não para o ter parado.
E tal utilização é feita à sua custa, porque a viatura é sua, não existindo falta de causa justificativa até à decisão do tribunal a declarar a resolução do contrato e a ordenar a restituição do prestado.
Denunciado o defeito, e não reconhecendo a vendedora a existência do mesmo [29], à A. / apelante restavam 2 alternativas, ambas a suportar pela vendedora: ou parar o veículo defeituoso e alugar um sem defeito; ou usar o defeituoso, como fez.
Por outro lado, só aparentemente se pode falar em enriquecimento da apelante, uma vez  que se deve ter em conta, para além do mais, a desvalorização da moeda, para a autora [30] e a “capitalização” do preço recebido pela R. em 2008 [31].
Não está, pois, demonstrado qualquer enriquecimento sem causa por parte da apelante, que importe que a resolução do contrato seja “ponderada com a desvalorização da viatura desde a data da sua aquisição até à citação da Ré para a presente acção”, tanto mais que tal não foi, sequer, pedido pela R., devendo ser a vendedora que vendeu bem defeituoso, desconforme com o contrato e não aceitou a desconformidade, a suportar o respectivo dano.
Deveria, pois, o tribunal recorrido ter condenado a R. à restituição da totalidade do preço pago pela A., procedendo, nesta parte a apelação, ficando prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas (pela apelante e apelada).

Vejamos, agora, se o tribunal recorrido deveria ter condenado a R. a pagar à A. a quantia peticionada a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Resulta do disposto no art. 12º do DL. 67/2003 de 8.04 que os danos não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens defeituosos são ressarcíveis.
Sendo de atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º, nº 1 do CC -, e devendo o cálculo da indemnização obedecer a um juízo equitativo.
Sobre esta matéria escreveu-se na sentença recorrida: “Nesta sede, peticiona a Autora uma indemnização a título de danos não patrimoniais, a qual deverá ser apreciada nos termos gerais do artigo 496º, n.º 1 do Código Civil. Assim, são indemnizáveis apenas aqueles danos que, pela sua gravidade – medida por padrões objectivos –, mereçam a tutela do direito. Na fixação do montante da indemnização, ganha particular relevo a equidade, aliada às circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo Código e o restante circunstancialismo em que ocorreram os danos (n.º 3 do citado artigo 496º). Desta forma, entre a multiplicidade de situações que vão desde a dor física, com as mais variadas intensidades e durações, até ao sofrimento psicológico, pretende-se apenas salvaguardar a ressarcibilidade dos danos que se revistam de gravidade, segundo um parâmetro objectivo. Recordando a matéria de facto provada no que a este pedido diz respeito, demonstrou-se, apenas, que a Autora teve necessidade de se ausentar do seu local de trabalho em horas de expediente, para poder entregar a viatura à Ré para assistência e posteriormente levantá-la, e ainda que efectuou telefonemas a suas expensas (ponto 30. da factualidade provada). Não nos parece que estas vicissitudes sejam de tal forma gravosas que justifiquem e imponham um ressarcimento à Autora, por não se afigurarem que tenham sido de seriedade tal que mereçam a tutela jurídica, nos termos preconizados por aquele preceito legal. Pelo contrário, tratam-se de incómodos e contrariedades que, quase inexoravelmente, qualquer pessoa terá de experienciar quando confrontada com este género de ocorrências. Não procede, pois, este pedido formulado pelo Autora, perdendo utilidade a verificação de cada um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual”.
Insurge-se a apelante contra o decidido, quer porque o tribunal não ponderou toda a factualidade relevante – as despesas que a apelante teve com as revisões para ver o assunto resolvido, a privação do uso do veículo, o transtorno, desgaste e ansiedade e a situação de estar constantemente a solicitar à entidade patronal tempo para se deslocar à oficina e, às vezes, por lá permanecer por algum tempo -, quer porque os “meros incómodos e contrariedades” que sofreu são ressarcíveis, pela sua gravidade.
Desde logo se dirá que não resulta dos autos que a apelante tenha suportado despesas com as revisões.
E quanto à privação do uso do veículo, a mesma apenas dirá respeito aos períodos de tempo em que o veículo esteve na oficina apenas por causa ao acendimento da luz de partículas (ou seja, aqueles a que aludem os pontos 15 e 18 da factualidade provada), não existindo nos autos elementos para concluir quanto tempo a A. esteve privada da viatura naquelas ocasiões, não se tendo provado, nesta matéria, o que havia sido alegado nos arts. 12, 15 e 56 da P.I.
O que resultou provado, nesta matéria, foi, efectivamente, a factualidade constante do ponto 30 da fundamentação de facto, ou seja, que “nas ocasiões em que a A. entregou a viatura para assistência originada pelo acendimento da luz referente ao filtro de partículas (duas vezes, pois), a mesma necessitou de se ausentar do seu local de trabalho em horas de expediente para entregar e levantar o seu veículo da oficina e efectuou telefonemas a expensas suas”.
Mas, salvo o devido respeito por opinião contrária, não é esta, apenas, a factualidade a ponderar.
Deverá, também, ter-se em atenção que, após comprar um “automóvel novo de gama média /alta”, como se referiu na sentença recorrida, que, em princípio lhe ofereceria a garantia de segurança, qualidade, conforto, etc., a A. se viu confrontada com um problema, que a obriga a determinados procedimentos, esteja em que situação estiver, ou em que local estiver e seja dia ou noite, tenha pressa ou não, e sob a ameaça de, nada fazendo, a viatura entrar em colapso total, problema esse que não conseguiu ver ultrapassado, e que, certamente, lhe causa muito mais do que meros transtornos, quiçá angústias, desgaste, ansiedade.
Como se referiu no Ac. desta Relação de 28.05.2009, P. 1242/2002.L1-6, rel. Desemb. Carlos Valverde, in www.dgsi.pt, “nada impede que a verificação do dano patrimonial se possa presumir através de dados naturais ou da experiência”, não se querendo com isto significar que o lesado fique dispensado de alegar e provar os respectivos danos, mas tão só que de toda a factualidade se há-de, equitativamente, decidir se se verificaram, ou não, danos não patrimoniais.
E perante toda a factualidade provada, afigura-se-nos que não será difícil concluir que a situação em que a A. se viu envolvida, com o acendimento da luz avisadora do filtro de partículas, os procedimentos a observar, a incerteza de resolver o problema, as (provadas) idas à oficina [32], o ter de se ausentar do seu local de trabalho em horas de expediente [33], os telefonemas efectuados, consubstanciam danos não patrimoniais que são graves e merecem a tutela do direito.
Peticiona a A. a tal título a quantia de € 2.500,00.
Não se poderá esquecer que a indemnização por danos não patrimoniais não visa tanto ressarcir o lesado, mas proporcionar-lhe uma quantia que lhe permita compensar os danos sofridos.
E não deve ser meramente simbólica, mas significativa, ponderando o disposto no art. 494º do CC e os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência.
Assim, afigurando-se-nos exagerado o montante peticionado, entende-se justo e equilibrado fixar o seu montante em € 1.000,00.
Procede, pois, em parte a apelação da A.

Resta referir que, não obstante não terem sido peticionados, o tribunal recorrido condenou a R. ao pagamento de juros de mora sobre a quantia a restituir.
Não tendo tal segmento da decisão sido objecto de impugnação (pela R.), não pode este tribunal alterar a decisão, nessa parte (art. 684º, nº 4 do CPC).

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação da R. e parcialmente procedente a apelação da A., alterando-se, em consequência, a decisão recorrida no montante a pagar pela R. à A., condenando-se a R. a pagar à A. as quantias de € 26.000,00 (vinte e seis mil euros), relativa à restituição do preço, e € 1.000,00 (mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, mantendo-se o demais decidido.

Desentranhe-se e restitua-se o documento junto pela apelante S. , S.A. com as alegações de recurso, condenando-se a mesma nas custas do incidente a que deu causa.

Custas das apelações na proporção do respectivo decaimento.
                                                           *
Lisboa, 6 de Dezembro de 2011

Cristina Coelho
Maria João Areias
Luís Lameiras
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[1] Foi junta com a P.I. – cfr. fls. 22 a 27.
[2] Neste sentido, cfr., entre outros, os Acs do STJ de 19.10.2004, in CJASTJ, Tomo III, pág. 72, e de 28.05.09, P. 115/1997.S1, in www. dgsi.pt, bem como Abrantes Geraldes, in revista Julgar, págs. 73 a 76.
[3] “Nas ocasiões referidas em 4. (ou seja, decorridos cerca de três meses após a aquisição da viatura, a mesma começou a acender a luz avisadora do filtro de partículas existente no painel de instrumentos), passados alguns minutos depois de a luz estar acesa, o veículo começava a perder força no andamento.
[4] “Quando a luz de aviso do filtro de partículas não se apaga, passado algum tempo acende uma nova luz indicadora de deficiência no motor diesel, o que, de acordo com o manual do veículo, obriga a inspecção pelos serviços de assistência”.
[5] “Apenas no caso de o condutor ignorar a necessidade de regeneração do filtro de partículas e não a promover, mantendo-se o mesmo saturado, acender-se-á, no painel de instrumentos, luz de motor (modo de emergência) que visa salvaguardar os componentes do próprio motor e, só nesse caso e nesse pressuposto, o veículo começa a perder força, impondo-se intervenção de uma oficina autorizada”.
[6] E muito menos são contraditórios entre si os pontos 5. e 11., como parece pretender a apelante.
[7] Da qual consta que “Atento o acordo das partes agora declarado, consigno assentes os factos correspondentes aos arts. 1º a 3º e 6º a 8º, 10º, 11º e 56º da P.I.”, sendo que o ponto 11. da factualidade provada reproduz o art. 11º da P.I.
[8] Que “prestaram um depoimento convincente, embora por vezes algo vago e impreciso, mas sempre aparentemente sereno e credível” – fls. 176.
[9] Confrontar a factualidade constante do ponto 12. da factualidade assente.
[10] Alega a apelante que a “ordem de reparação” se mostra assinada pela A. e não foi impugnada, o que é certo. Contudo, daí não se retiram as conclusões pretendidas pela apelante, porque, por um lado, se foi dito à A. pelo funcionário da R. que não estando a luz acesa, nada podia ser feito, era natural que a A. aceitasse que nenhuma referência ao assunto se fizesse constar do documento, e, por outro, a A. poderá ter assinado o documento pensando que aí se tinha, afinal, feito referência ao problema, uma vez que do mesmo consta “subst filtro”, não sendo a A. obrigada a saber a que filtro se refere.
[11] Aí se fazendo referência a um tal “M… ”, que a testemunha C… esclareceu não ser já funcionário da R.
[12] Tendo, no seu entender, resultado da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, mais concretamente do depoimento da testemunha J… .
[13] Não a tendo encaminhado para a oficina, como a testemunha J… disse que faria.
[14] A fusão que ocorreu em 2006, consistiu na transferência global da sociedade incorporada – a C., S.A. – na sociedade incorporante – a referida J. M. , SA.
[15] Necessariamente, de 2009, atentas as datas de aquisição do veículo e da carta.
[16] O qual entrou em vigor em 20.06.2008 e se aplica ao caso em apreço, como referido na sentença recorrida, uma vez que toda a situação se desenrolou já no âmbito da sua vigência – art. 12º, nº 2, 2ª parte do CC.
[17] Tendo em conta que em causa está bem móvel, e por ter sido essa a garantia dada.
[18] Cfr. João Calvão da Silva in Compra e Venda de Coisa Defeituosa – Conformidade e Segurança, 5ª ed., pág. 135.
[19] Aliás, a própria testemunha J… referiu que o Sr. JS..., como tinha sido director geral da J. M.  e conhecia muita gente, por vezes lhe reportavam dúvidas ou reclamações.
[20] Norma em que o tribunal recorrido se baseou para presumir a desconformidade do veículo vendido com o contrato e declarar a resolução do mesmo.
[21] A saber: a não correspondência das qualidades e desempenho com o habitual em bens do mesmo tipo; segundo a expectativas razoáveis do consumidor, face à natureza do bem.
[22] Repare-se que apenas se refere que “em percursos mais curtos e também nos casos de utilização do veículo em filas de trânsito, existe uma maior probabilidade” de aparecer a luz avisadora, o que não quer dizer que apareça necessariamente.
[23] Uma semana - ver factos 8., 9., 15. e 18.
[24] Acaba a apelante por reconhecer que o acendimento da luz avisadora do filtro de partículas da viatura da apelada ocorre, efectivamente, com maior frequência do que é expectável.
[25] Não se verificando, pois, “o exercício do direito em contradição com uma conduta anterior em que a parte tenha confiado”.
[26] Escreveu-se na sentença recorrida: “A questão, portanto, que nesta fase se deve colocar é a de saber se pode a Autora fazer valer o seu direito à resolução do contrato, com a consequente devolução da totalidade do preço, tendo em conta que, desde a sua compra, usou a viatura. O certo é que, a ser assim, a Autora obteria para si a totalidade do preço que entregou pela aquisição do veículo e, simultaneamente, faria seu o uso que deu à viatura durante quase dois anos (entre a compra e a propositura da acção). Na sua esfera jurídica, portanto, reunir-se-iam duas situações vantajosas – a restituição do preço e a utilização do veículo – numa situação que não temos dificuldades em qualificar de enriquecimento sem causa”.
[27] Em sentido contrário pronunciam-se Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. I., 2ª ed., pág. 245.
[28] Para que se possa concluir que existe enriquecimento sem causa é necessário que se verifiquem três requisitos cumulativos essenciais, a saber: a existência de um enriquecimento; que o mesmo se obtenha à custa de outrem; e que falte causa justificativa para o mesmo.
[29] Como o demonstra, sobejamente, a contestação e a apelação interposta pela R. da sentença, bem como as suas contra-alegações.
[30] Sendo certo que não peticionou juros de mora – que o tribunal recorrido considerou, como à frente se referirá.
[31] Refira-se, ainda, que se nos afigura que o nº 1 do art. 289º do CC vai no sentido de que a restituição da coisa, no caso por força da resolução do contrato, consiste na entrega da coisa como ela se encontra depois de um uso normal, só havendo lugar ao pagamento de qualquer quantia a acrescer à restituição (ou à compensação no valor a receber), se a coisa tiver sido utilizada de forma irregular ou for restituída com danos, o que não resulta minimamente provado (ou alegado) nos autos, nem foi pela R. peticionado.
[32] No espaço de uma semana.
[33] O que, nos tempos que correm, não será de menosprezar.