Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4684/06.8TBOER-A.L1-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: EXEQUATUR
TÍTULO EXECUTIVO
CITAÇÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: O exequatur do tribunal português conferido a sentença proferida por um tri-bunal inglês com pressuposto específico de exequibilidade;
Nulidade da citação efectuada no procedimento do exequatur e seus efeitos no processo executivo instaurado como base na sentença cuja executoriedade fora ali declarada.

1. O exequatur conferido por tribunal português a uma sentença proferida por um tribunal inglês constitui um requisito específico de exequibilidade do título, nos termos conjugados dos artigos 49, nº 1, do CPC e 38º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22/12/2000.
2. A anulação da declaração de executoriedade decorrente da nulidade da citação no procedimento de concessão do exequatur determina a inexequibilidade superveniente do respectivo título e, consequentemente, a extinção da execução instaurada com base nele, sem prejuízo de poder ser renovado o exequatur, pós a repetição das citação, e de ser interposta outra execução com base na nova decla-ração de executoriedade.
3. A decisão proferida no procedimento do exequatur que julgar procedente a nulidade de citação ali efectuada, uma vez transitada em julgado, vincula as partes no processo executivo instaurado com base na declaração de executorie-dade conferida naquele procedimento.
4. Segundo nº 3 do artigo 47º do citado Regulamento, durante o prazo do recurso da decisão de declaração da executoriedade previsto no nº 5 do artigo 43º e na pendência de decisão sobre o mesmo, só podem tomar-se medidas cautelares sobre os bens da parte contra a qual a execução for promovida; por maioria de razão o será quando o respectivo procedimento do exequatur seja anulado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. V, S.A., deduziu, junto do Tribunal Cível de , oposição à execução contra ele instaurada por S Limited, sociedade de responsabilidade limitada de Direito Britânico, com base em sentença proferida por um tribunal inglês, a que foi conferida força executória, ao abrigo do Re-gulamento nº 44/2001 do Conselho, de 22/12/2000, alegando a nulidade da citação da executada para o procedimento de declaração de executoriedade, por falta de cumprimento das formalidades previstas no artigo 235º, nº 2, do CPC.

         2. Notificada, a exequente contestou, impugnando, de forma moti-vada, aquele fundamento da oposição.

         3. Foi proferida decisão a julgar procedente a oposição deduzida e a determinar a consequente extinção da execução.

         4. Inconformada com tal decisão, a exequente/contra-oponente agra-vou dela, formulando as seguintes conclusões:

1ª - O título dado à execução é uma sentença proferida em Ingla-terra que não perdeu a sua exequibilidade como, erradamente, se afirma na decisão recorrida;

2ª – Se é certo que foi declarada a nulidade da citação da sentença que declarou a executoriedade em Portugal da sentença inglesa, é também certo que tal nulidade foi plenamente sanada com a repe-tição de tal citação;

3ª - O facto de não ter ainda transitado em julgado a decisão que reconhece executoriedade à sentença inglesa, pelo facto de ter sido interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lis-boa, não acarreta, de per si, a inexequibilidade do título;

4ª – Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 47º do CPC, a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devo-lutivo, como no presente caso;

5ª - A única consequência advinda do facto de não ter ainda a sentença transitado em julgado é o facto de não poder o exequente e ora recorrente ou qualquer credor ser pago sem prestar caução, conforme o previsto no nº 3 do citado artigo 47º, solução esta idêntica à adoptada no nº 3 do artigo 47º do Regulamento CEE nº 44/2001;

6ª – Não poderá portanto a exequente ser paga, mas podem e de-vem ser promovidas medidas cautelares no âmbito da execução, que deve avançar, à luz do princípio de economia processual;

7ª – Assim, o título é exequível, não cabendo qualquer fundamento para a aplicação da alínea a) do artigo 814º do CPC;

8ª - Por outro lado, tampouco é aplicável o disposto na alínea d) do mesmo artigo, atendendo à factualidade em análise;

9ª - Foi decretada nos autos a nulidade da sentença que decretou a executoriedade em Portugal da sentença inglesa e não a nulidade da citação da acção declarativa, pois que esta decorreu em território inglês e nunca foi posta em causa;

10ª - Foi antes declarada a nulidade da citação para o procedi-mento do reconhecimento da executoriedade da sentença estran-geira, procedimento completamente distinto e praticamente automá-tico, nos termos do identificado Regulamento;

11ª – Pelo que não estão preenchidos os elementos necessários à aplicação da norma: houve citação válida do R. para a acção declarativa, que decorreu em Inglaterra, não tendo o mesmo intervindo naquela acção; a citação nula diz respeito ao procedi-mento posterior de reconhecimento em Portugal da executoriedade da sentença inglesa;

12ª – Ainda que assim se não entenda, sempre estaria sanada tal nulidade;

13ª – Pode ainda ponderar-se a questão de estar pendente acção comum destinada a abalar a validade do título executivo, neste caso a sentença inglesa, assente nos mesmos fundamentos da presente oposição;

14ª – É já jurisprudência firme em Portugal que, em tais situações, e uma vez que não pode ocorrer a suspensão da instância nas acções executivas com fundamento na existência de causa prejudicial, não deverá ser decretada a extinção da execução;

15ª – A execução não depende da acção declarativa, já que na-quela não se discute a existência ou não do direito; na acção declarativa, discute-se se o direito existe e se deve ou não ser decla-rado; na execução exerce-se esse direito, através do título executivo que, em princípio, traduz um direito já declarado e que se pretende realizar;

16ª – Daí que a acção declarativa não seja causa prejudicial da acção executiva;

17ª – Nas acções executivas não pode pois ocorrer suspensão da instância com fundamento em causa prejudicial; a questão de preju-dicialidade apenas se poderia colocar relativamente à própria opo-sição à execução;

18ª – Parece existir uma causa prejudicial, pois a pretensão deduzida na acção declarativa constitui um pressuposto da preten-são deduzida na oposição à execução, pelo que a oposição à execu-ção pode e deve ficar suspensa, por existir causa prejudicial, mas tal não significa que a execução se extinga.

Pede a recorrente que seja julgado procedente o recurso com todas as consequências legais.

5. O agravado apresentou contra-alegações, em que conclui pelo acerto da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

         II – Delimitação do objecto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada e conforme o disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC, o objecto do recurso é delimitado em função do teor das conclusões do recorrente.

Face às conclusões da recorrente, a questão a decidir consiste tão só em ajuizar se a nulidade da citação da requerida e ora agravada, proferida no processo em que foi declarada a executoriedade da sentença exequenda constitui fundamento relevante para a procedência da presente oposição e consequente extinção da execução.

                 

III – Fundamentação

1. Factualidade processual relevante

         Vem dada como provada em 1ª instância a seguinte factualidade processual:

1.1. No 2º Juízo Cível da Comarca de  correm termos os autos de confirmação de sentença estrangeira, sob o nº  em que é requerente a sociedade S, Limited, e requerida V, S.A., nos quais foi proferida, em 3/4/2006, sentença conferindo força executiva em Portugal à sentença do High Court of Justice - Queen’s Bench Division, de Inglaterra, proferida em 5/5/2005, condenando a ora requerida a pagar à ora requerente a quantia de £ 34.160,20, a que corresponde € 49.246,30, acrescida de juros de mora à taxa em vigor;

         1.2. Por requerimento apresentado, em 23/11/2006, no processo aci-ma indicado, a ora recorrida V, S.A. arguiu a nulidade da sua citação para os termos daquele processo;

1.3. Por despacho proferido em 14/1/2008, transitado em julgado em 28/1/2008, nos referidos autos, foi julgada nula a citação da requerida e de-terminada a sua repetição.        

         2. Mérito do recurso

         Estamos no âmbito de um procedimento declarativo de oposição a execução para pagamento de quantia cerca fundada em sentença estran-geira, proferida por um tribunal inglês, à qual foi conferida executoriedade por um tribunal português, nos termos e segundo o procedimentos previstos nos artigos 38º e seguintes do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, que versa sobre a Competência Judiciária, Reconhecimento e Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial.  

         A referida decisão exequenda constitui título executivo em termos idênticos às sentenças nacionais condenatórias, nos termos conjugados dos artigos 46º, nº 1, alínea a), e 49º, nº 1, do CPC, com referência ao artigo 38º, nº 1, do mencionado Regulamento, estando, nessa medida, sujeita ao âmbito de oponibilidade enunciado, de forma taxativa, no artigo 814º do CPC. Nessa medida, a concessão do exequatur pelo tribunal português à sentença do tribunal inglês é um requisito específico de exequibilidade deste título.

         Ora, a agravada deduziu a presente oposição à referida execução, invocando a nulidade da citação efectuada no procedimento para concessão da executoriedade, previsto nos artigos 39º e seguintes do citado Regula-mento, ao abrigo do disposto na alínea d) do sobredito artigo 814º, na redacção anterior ao Dec.Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro.

         Sucede que foi também arguida aquela nulidade de citação no res-pectivo procedimento de exequatur, tendo sido ali sido proferida decisão transitada em 21/1/2008, a julgar procedente tal nulidade e a ordenar a sua repetição. A referida decisão tem, desde logo, por efeito necessário a des-truição da exequibilidade da sentença exequenda, sem prejuízo dessa exe-quibilidade por vir a ser novamente conferida na sequência da repetição da citação ordenada e de, com base nela, a ora recorrente poder instaurar nova execução.

         Mas o que acontece, no âmbito do presente processo, é que o título dado à execução deixou manifestamente de ser dotado de exequibilidade, vício este que tanto é de conhecimento oficioso, nos termos, aliás, previstos no artigo 820º do CPC, como poderá servir de fundamento de oposição superveniente, nos termos dos artigos 813º, nº 3, e 814º, alínea a), do CPC.  

         De qualquer modo, a decisão que julgou procedente a nulidade de citação no procedimento do exequatur fez caso julgado formal entre as partes, tornando-se também vinculativa nestes autos, na medida em que a presente execução é dependente deles, podendo por isso ser aqui assumida como tal na verificação do fundamento de oposição invocado.

         Nem contra isso vale argumentar com o reconhecimento da decisão estrangeira decorrente do preceituado no artigo 33º do Regulamento nº 44/2001. É que esse reconhecimento não dispensa a outorga da executorie-dade pelo tribunal português, como bem se depreende do preceituado no artigo 38º, nº 1, do mesmo diploma.

         O que aqui está em causa é tão só a questão da validade da citação da requerida no âmbito do procedimento do exequatur e essa validade ficou liquidada com a decisão que julgou nula aquela citação, obliterando dessa forma, e por ora, a executoriedade do título ali conferida, sem a qual não se pode manter a validade da presente instância executiva, por falta manifesta de exequibilidade do título, como pressuposto processual que é.

         Argumenta também a agravante que lhe é lícito promover medidas provisórias ou cautelares ao abrigo do artigo 47º do Regulamento citado, o que se encontra bem expresso naquele normativo. Mas uma coisa são essas medidas provisórias ou cautelares, como, por exemplo, o arresto de bens, outra bem diferente é a instauração de um meio de tutela definitivo como é a acção executiva. De resto, o nº 3 daquele normativo é bem elucidativo quando estabelece que, durante o prazo do recurso da decisão de declaração da executoriedade previsto no nº 5 do artigo 43º e na pendência de decisão sobre o mesmo, só podem tomar-se medidas cautelares sobre os bens da parte contra a qual a execução for promovida. Se assim é nesses casos, por maioria de razão o será quando o respectivo procedimento do exequatur se-ja anulado, como sucede no caso dos autos.

         Nem tão pouco estamos perante uma causa prejudicial pendente, que justifique a suspensão da presente instância de oposição, como pretende a agravante, porquanto se encontra já transitada a decisão que julgou nula a citação.    

         Termos em que se conclui pela total improcedência das razões do agravo.

                 

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao agravo, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

        

Lisboa, 16 de Junho de 2009

Manuel Tomé Soares Gomes

Maria do Rosário Oliveira Morgado

Rosa Maria Ribeiro Coelho