Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
158/11.3GDMTJ.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
REQUERIMENTO
REFERÊNCIA TEMÁTICA À DECISÃO INSTRUTÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I. É a acusação e o requerimento para a abertura de instrução que vão servir de referências temáticas à decisão instrutória.

II. O Sr. Juíz da Instrução ao apreciar questão que é da competência do Juíz do julgamento, excedeu a sua competência e por isso a decisão que conheceu da acusação particular não objecto da instrução, padece de nulidade insanável (artº 119º, al. e) do CPP), de conhecimento oficioso, atento o disposto no artigo 32º, nº 1 do mesmo diploma.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO.

 No âmbito do processo supra identificado, da Comarca de Lisboa- Barreiro-Inst.Central- 3º.Sec.Inst.Criminal, o assistente P…. deduziu acusação particular contra o arguido J….., imputando-lhe a prática do crime de difamação p.p. pelo artigo 180 do C.P. (o Mº.Pº não acompanhou esta acusação).

Por sua vez o (também) assistente J…… deduziu acusação contra o arguido P………., imputando-lhe a prática de um crime de injuria p.p. pelo artigo 181 do C.P. (o Mº.Pº. não acompanhou esta acusação).

O Mº.Pº. deduziu ainda acusação contra o arguido G…… imputando-lhe a prática de um crime de ameaça p.p. pelo artigo 153 e 155- 1 a) do C.P. e um crime de ofensa à integridade física p.p. pelo artigo 143 do C.P.

O arguido P……, discordando daquela acusação particular (que o Mº.Pº. não acompanhou), requereu a abertura de instrução.

Admitida a instrução, seguiram-se as diligências e respectivo debate, e, a final proferiu-se decisão, a qual se transcreve na parte que interessa ao conhecimento do recurso

“Nesta conformidade, e pelos motivos supra expostos:

I – Ao abrigo do disposto nos art.os 283.º, n.º 3 al. b), aplicável ex vi do art. 285.º, n.º 3, 120.º, n.os 1 e 3 e 122.º, todos Código de Processo Penal, declaro nula a acusação particular deduzida a fls. 305 a 310 pelo assistente P……, na qual imputa ao arguido J……, a prática do crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º do Código Penal e, em consequência, determino o arquivamento dos autos quanto a este arguido;

II – Ao abrigo das disposições conjugadas dos art.os 283.º, n.º 3 al. b), 120.º, n.os 1 e 3 e 122.º, todos Código de Processo Penal declaro parcialmente nula a acusação deduzida pelo Ministério Público a fls. 346 a 349, na parte em que imputa ao arguido G…… a prática do crime de ameaça, p. e p. pelos art.os 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al. a) do Código Penal, determinando, nesta parte, o arquivamento dos autos.

III – Pronuncio, a fim serem julgados, em processo comum, perante Tribunal Singular:

*

P…….., filho de ..…… e de …….., natural da freguesia de …………, concelho do Montijo, nascido a 02/09/1976, divorciado e residente na Av…………, e

G……….., filho de ………. e de ………, natural da freguesia e concelho do Montijo, nascido a 03/05/1983, casado, residente ……

Porquanto:

1.º

No dia 20 de Junho de 2011, pelas 19:30, o assistente J…. encontrava-se sentado na esplanada no café XPTO, sito em Pegões, quando ali chegou o arguido P……..

2.º

Este dirigiu-se aos presentes, cumprimentando-os, após o que estendeu igualmente a mão ao assistente. Ao agarrar a mão deste, puxou-o para si dizendo-lhe “tu nunca mais vais falar no P…, que o P….. te deve”, ao mesmo tempo que empunhava na outra mão uma garrafa de cerveja, que o assistente agarrou com receio de ser agredido.

3.º

Entretanto o assistente dirigiu-se ao interior do café, tendo sido seguido pelo arguido P….., que voltou a dirigir-se-lhe em tom de voz exaltado, perguntando: “O P……. deve-te alguma coisa?”, ao que o assistente respondeu: “Deve, sim senhor!”.

4.º

Nessa sequência, assistente e arguido envolveram-se numa troca de palavras, no decurso da qual o arguido, dirigindo-se ao assistente, o apelidou de “filho da puta” e “cabrão”.

5.º

O arguido, ao proferir expressõesreferidas em 4.º, fê-lo com o propósito de ofender o assistente na sua honra e consideração.

6.º

Agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

*

7.º

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, estando P…. envolvido em discussão com o assistente J…., o arguido G….. (filho do assistente) dirigiu-se ao arguido P….. e, sem que nada o fizesse prever, desferiu-lhe uma pancada que o atingiu na cabeça, usando para isso a coronha da arma de serviço que, enquanto militar da GNR, trazia consigo.

8.º

Em consequência da conduta do arguido G…. caiu ao chão, sangrando, tendo sido auxiliado por populares que o conduziram até ao seu veículo automóvel.

9.º

Posteriormente, nesse mesmo dia, P….. foi assistido no Hospital do Barreiro, tendo-lhe sido diagnosticado traumatismo craneo-encefálico com perda de conhecimento e ferida no couro cabeludo, que lhe causou dores e mal-estar.

10.º

A conduta do arguido G….. foi causa directa e necessária das lesões sofridas por P……, e de oito dias de doença, dois dos quais com incapacidade para o trabalho.

11.º

O arguido G…… sabia ser a sua conduta adequada a atingir a integridade física de P….. e não se coibiu de actuar da forma descrita, com o propósito de alcançar tal resultado, o que conseguiu.

12.º

Agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

*

Incorreram:

- o arguido P…….. na prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1 do Código Penal; e

- o arguido G….. na prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal.”

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Consta ainda da decisão instrutória, como questão prévia, o que a seguir se transcreve:

Procedeu-se à realização do debate instrutório com observância do legal formalismo.

É, pois, o momento de ser proferida a decisão instrutória, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 307.º do Código de Processo Penal.

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O Tribunal é o competente.

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Questões Prévias

Dispõe o art. 308.º, n.º 3 do Código de Processo Penal que na decisão instrutória o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer.

Quanto a esta matéria, é meu entendimento que o conhecimento de nulidades ou questões prévias na fase de instrução não pode limitar-se àquelas que foram suscitadas ou constituíram fundamento e objecto do requerimento de abertura da instrução.

Ou seja, o conhecimento do juiz de instrução, no respeitante a nulidades ou questões prévias não se encontra limitado à parte da acusação que é posta em crise pelo requerimento de abertura da instrução, impondo-se que conheça de todas as demais excepções que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa ou ao prosseguimento dos autos.

Outra não poderá ter sido a intenção do legislador, ao estabelecer no art. 311.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, uma limitação aos poderes de cognição do juiz de julgamento.

Mediante aquele normativo, e a contrario, o legislador vedou ao juiz de julgamento a possibilidade de rejeitar a acusação por manifestamente infundada, quando tenha havido instrução, não distinguindo os casos de a mesma ter ou não sido requerida pelo arguido contra quem foi deduzida.

Nessa medida, não pode deixar de caber ao juiz de instrução, a apreciação e decisão de nulidades ou questões prévias que possam afectar as acusações deduzidas, independentemente de a instrução ter ou não sido requerida pelos arguidos contra quem o foram.

Afigura-se-me, aliás, que de outra forma não pode ser lido o disposto no art. 307.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, que prevê que a circunstância de ter sido requerida apenas por um dos arguidos, não prejudica o dever de o juiz retirar da instrução as consequências legalmente impostas a todos os arguidos.

Por essa razão se conhecerá das nulidades a seguir apreciadas.

Da nulidade da acusação particular deduzida por P………. contra o arguido J………, nos termos do art. 283.º, n.º 3 al. b) do Código de Processo Penal
Dispõe o art. 283.º, n.º 3 al. b) do Código de Processo Penal, que “A acusação contém, sob pena de nulidade, (…) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.
Na verdade, o processo penal tem estrutura acusatória, sendo o seu objecto fixado pela acusação, que assim delimita a actividade cognitiva e decisória do Tribunal. Esta vinculação temática do Tribunal tem a ver fundamentalmente com as garantias de defesa, protegendo o arguido contra qualquer alargamento arbitrário do objecto do processo e possibilitando-lhe a preparação da defesa no respeito pelo princípio do contraditório.
Deduzida acusação, o arguido fica a saber qual o objecto do processo, quais os factos que lhe são imputados.
Não pode, por isso, transferir-se seja para o arguido, violando as respectivas garantias de defesa, seja para o Tribunal, com desrespeito pelo princípio do acusatório, a missão de compor uma acusação a partir da interpretação dos factos ou outros elementos documentais que constem dos autos.
É a acusação que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, na sua dimensão objectiva e subjectiva, apenas podendo o tribunal conhecer e decidir nos estritos limites do objecto da acusação e acabando este por ditar os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado.
“É a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal. Os valores e interesses subjacentes a esta vinculação temática do tribunal, implicada no princípio da acusação, facilmente se apreendem quando se pense que ela constitui a pedra angular de um efectivo e consistente direito de defesa do arguido – sem o qual o fim do processo penal é inalcançável – que assim se vê protegido contra arbitrários alargamentos da actividade cognitória e decisória do tribunal e assegura os seus direitos de contraditoriedade e audiência” – v. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Reimpressão - Coimbra Editora, 2004, págs. 144-145.
A referida peça processual assume um papel importante, pois que define e fixa o objecto do processo na sua dimensão objectiva e subjectiva a que a actividade cognitiva do tribunal irá estar vinculada em sede de julgamento, garantindo ao mesmo tempo os direitos de defesa do arguido, no sentido de que este saiba daquilo que deve defender-se e isso é garantido com os factos que lhe são imputados.
Como acima transcrito, o art. 283º do Código de Processo Penal impõe no seu n.º 3, que o despacho de acusação contenha, sob pena de nulidade, além de outros elementos, a narração de factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, i.e., dos elementos de facto constitutivos de determinado tipo crime.
E tais factos devem ser concretizados de modo a poder o arguido exercer cabalmente o seu direito de defesa quanto a eles e quanto à qualificação jurídica efectuada, condição sem a qual a acusação nula, já que de acordo com o princípio do acusatório que vigora no nosso sistema, a acusação é uma peça auto-suficiente que tem de conter todos os elementos que revelam a existência de um determinado tipo de crime e de quais os seus agentes e bem assim a responsabilidade dos mesmos.
Ora, compulsado o teor da acusação particular deduzida pelo assistente P…………, resultam as seguintes afirmações:
1. Nos dias imediatamente anteriores a 20/06/2011, o arguido difamou, por diversas vezes, o assistente;
2. Afirmando nos cafés da zona de C…., perante várias pessoas, que o assistente tinha para consigo dívidas avultadas, o que é falso como o arguido bem sabia;
3. Perante outras pessoas, e referindo-se ao assistente, o arguido chamou-o de “caloteiro” e “aldrabão, repetidas vezes, entre outros adjectivos que conotavam o assistente como sendo uma pessoa de honra duvidosa, que não cumpre com os seus compromissos, o que não corresponde à verdade;
4. Sendo uma zona rural e um meio pequeno, as mentiras contadas pelo arguido já andavam de boca em boca pelas aldeias da região, ofendendo seriamente a honra do assistente;
5. O arguido dirigiu-se a terceiros para imputar ao assistente factos e juízos ofensivos da sua honra e que não correspondiam à verdade;
6. Tendo-o feito em locais públicos e com intenção de espalhar pela zona, suspeitas sobre a honra do ofendido, sabendo tratar-se de aldeias pequenas e onde a informação circula rapidamente;
7. O arguido conhecia a falsidade das suas declarações e fê-lo através de meios e circunstâncias que facilitavam a sua divulgação
8. Agiu com o propósito de atingir o bom-nome e a reputação do ofendido, o que conseguiu;
9. Acresce que as imputações não foram feitas para realizar interesses legítimos, não são verdade, nem o arguido tem fundamento sério para, em boa-fé, as reputar verdadeiras, uma vez que já recebeu os valores monetários dos serviços por si prestados ao assistente.
Assim elencados os factos levados à acusação, verifica-se que vem o arguido acusado de ter dito, por várias vezes, em data anterior a 20/06/2011, nos cafés de C… e perante várias pessoas, que o ofendido tinha avultadas dívidas para conseguido, que era um caloteiro e um aldrabão.
Tudo o mais supra descrito, são afirmações genéricas, conclusivas e meramente descritivas do tipo penal abstracto, não podendo por isso relevar, por não traduzirem qualquer descrição factual.
E aquilo que se questiona é se os factos assim descritos encontram concretização suficiente para salvaguardar os direitos de defesa do arguido.
Afigura-se-me que não.
Na realidade, não especifica o assistente, desde logo, a data concreta dos factos, furtando-se sequer a delimitar um período temporal específico, fosse em dias, meses ou anos.
E tal ausência de concretização, assume particular relevância quando é certo que, estando em causa crime de natureza particular, o mesmo depende, em primeira mão, da apresentação de queixa, constituindo condição de procedibilidade a sua apresentação tempestiva, nos termos do art. 115.º do Código Penal.
Não sendo concretizadas as daas em que o arguido teria alegadamente proferido as expressões difamatórias, fica inviabilizado o apuramento da tempestividade da queixa (apresentada em 08/07/2011). Acresce que uma tal ausência de concretização assume ainda maior acuidade quando é certo que da prova produzida nos autos resulta a menção, pelo assistente, de que tinha conhecimento da existência de conversas dessa natureza desde há um ano e que há cerca de 10 anos que deixou de deixou de comprar pneus ao arguido.
Mas esta ausência de concretização acarreta, acima de tudo, a total impossibilidade do arguido de se defender da imputação que lhe é feita, por nem sequer ser referido o período temporal em que tais afirmações teriam alegadamente sido produzidas.
O mesmo se diga quanto às demais circunstâncias de facto inerentes ao modo, lugar e contexto em que tais afirmações teriam sido proferidas.
Muito embora se refira na acusação particular que as mesmas teriam sido proferidas nos cafés da zona de C…, não são concretizados os estabelecimentos em causa, nem as pessoas perante quem teriam sido proferidas, limitando-se o assistente a afirmar genericamente que teriam sido proferidas perante diversas pessoas.
Uma tal imputação, pela forma genérica como se mostra gizada, impede qualquer esboço de estratégia de defesa por parte do arguido, que perante uma tal acusação, fica impossibilitado de saber que argumentos poderá invocar no sentido de afastar a sua responsabilidade criminal ou a que meios de prova poderá recorrer para pôr em causa a acusação.
Na verdade, não pode o arguido invocar, por exemplo, que nunca teria frequentado determinado café, que nunca teria falado com determinada pessoa (ou que a relação de proximidade com esta justificava uma eventual confidência) ou que proferiu tais expressões, na presença daquela pessoa em concreto, para obter ajuda técnica na cobrança da alegada dívida.
Veja-se que, invocando o assistente que o arguido não proferiu tais expressões para alcançar fim legítimo, afirmação meramente conclusiva e que reproduz na íntegra a previsão penal correspondente, mas que na prática, inviabiliza a defesa. Desconhecendo o arguido a identidade das pessoas perante quem alegadamente teriam sido proferidas as expressões em causa, inibido fica de afirmar, por exemplo que pelas funções exercidas por aquele, visava, designadamente, obter conselho jurídico a respeito da questão da dívida.
Ou seja, perante acusação formulada nos termos em que o foi, o arguido só em julgamento poderia eventualmente vir a tomar conhecimento dos factos e circunstâncias que a final lhe seriam imputados, o que viola frontalmente, como se disse, quer as garantias de defesa do arguido, quer o próprio princípio do acusatório, pois que os factos só poderiam vir a ser concretizados na sequência da prova, e pelo juiz de julgamento, o que ofende o princípio base da lei processual penal portuguesa.
Conclui-se, pois, que a peça processual em causa não descreve suficientemente os elementos que, em concreto, permitam delimitar o tempo, lugar, modo e motivação da prática dos factos, de forma a sustentar a cabal imputação ao arguido do crime de difamação, limitando-se a afirmar que o arguido difamou o assistente, nos cafés de C… e perante diversas pessoas, e assim transferindo para o arguido e para o tribunal, o ónus de concretizar as situações concretas em que o fez, o que, em nosso entender é inadmissível atenta a estrutura acusatória do processo penal e inviabiliza qualquer exercício efectivo, cabal ou eficaz do seu direito de defesa
Nessa medida, e ao abrigo do disposto nos art.os 283.º, n.º 3 al. b), aplicável ex vi do art. 285.º, n.º 3, 120.º, n.os 1 e 3 e 122.º, todos Código de Processo Penal, haverá que declarar nula a acusação deduzida pelo assistente P……, na qual imputa ao arguido J….., a prática do crime de difamação.”
É precisamente desta parte da decisão, de declaração de nulidade da acusação respeitante ao crime de difamação, que recorre o arguido P……….., formulando na respectiva motivação, junta a fls.459 a 466 as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

1.º- Nos presentes autos, A Meritíssima Juiz “a quo”, na sua Douta Decisão, proferiu despacho de não pronúncia e, em consequência, determinou o arquivamento dos autos quanto ao arguido J……, no que respeita ao crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º do Código Penal, contra o assistente, ora recorrente, P……., por entender que a acusação particular formulada pelo assistente P………. contra o arguido é nula.

2.º- O recorrente não pode conformar-se com tal decisão uma vez que entende que, em primeiro lugar, a Mma. Juiz decidiu de questões de que não podia conhecer e, em segundo lugar, a acusação particular formulada pelo assistente não é nula.

3.º- No seu requerimento o mesmo contestou a imputação feita contra si pelo arguido e assistente J………, de que o teria supostamente injuriado, dizendo-lhe por diversas vezes: “És um cabrão”, “És um filho da puta”, “Vou acabar-te com a vida”, “És um merdas”, entre outras expressões, tendo indicado prova testemunhal e requerido que fosse proferido, a final, Despacho de Não Pronúncia quanto ao referido crime de injúrias de que vinha acusado.

4.º - Foi este, tão-somente, o teor do requerimento para abertura da instrução apresentado pelo recorrente.

5.º- A Mma. Juiz, ao decidir como fez, pronunciou-se sobre questões que não tinham sido sequer referidas pelo recorrente no seu requerimento para abertura da instrução.

6.º - Com efeito, o juiz de instrução está sujeito aos limites do objeto da instrução fixados na acusação no caso de instrução a requerimento do arguido. Efetivamente, o “objecto do processo” na instrução requerido pelo arguido é fixado pelos factos constantes da acusação do MP ou do assistente. É o que decorre, nomeadamente, do princípio de Processo Penal da vinculação temática do Tribunal.

7.º - Nestes termos, não poderia a Mma. Juiz de Instrução ter decidido como o fez, declarando nula a acusação.

8.º - Quanto à acusação particular formulada pelo recorrente contra o arguido J…………, o Tribunal a quo entendeu que a referida acusação particular é nula porque “(…) não descreve suficientemente os elementos que em concreto, permitam delimitar o tempo, lugar, modo e motivação da prática dos factos, de forma a sustentar a cabal imputação ao arguido do crime de difamação (…)”.

9.º - Ora, o artigo 283.º impõe a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Todavia, o mesmo exige a narração, e passamos a citar, “(…) ainda que sintética (…)” dos referidos factos. E apenas no caso de essa narração não existir de todo é que a acusação pode reputar-se como sendo nula.

10.º - Assim, o referido preceito legal não impõe uma descrição exaustiva dos factos, bastando-se com uma narração resumida, cominando com o vício mais grave, a nulidade, caso essa indicação, ainda que sintética, não exista de todo.

11.º - Acrescente-se que o próprio artigo 283.º, n.º 3, al. b) do CPP, um pouco mais adiante, refere expressamente quanto à narração, que a mesma deve incluir “(…) se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada (…)” (sublinhado nosso).

12.º - O que significa que o próprio legislador apenas impõe a descrição do lugar, do tempo, da motivação do crime, do grau de participação do agente e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção, quando tal indicação seja possível.

13.º - Ao contrário do Douto entendimento do Tribunal recorrido, o recorrente indicou os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança referindo, no seu requerimento para abertura de instrução, que o arguido disse perante outras pessoas que o recorrente tinha avultadas dívidas para consigo, que era um caloteiro, um aldrabão e uma pessoa de honra duvidosa que não cumpre os seus compromissos.

14.º - Quanto aos demais elementos que o recorrente apenas teria que indicar, caso fosse possível, o mesmo indicou:

- o tempo da prática dos factos: nos dias imediatamente anteriores a 20/06/2011, o que significa que os mesmos terão tido lugar nesse mês de Junho de 2011, até dia 20), e eventualmente até nos meses imediatamente anteriores i.e. Maio, Abril, Março (…);

- o lugar da prática dos mesmos: nos cafés da zona de C….; ou seja, em C….;

15.º - Quanto às pessoas perante as quais as afirmações foram proferias, o recorrente não indicou a identidade das mesmas, por desconhecimento, já que as expressões atentatórias da sua honra não foram proferidas na sua presença, mas sim na presença de outras pessoas, não tendo pois o arguido conhecimento direto de pormenores.

16.º Com efeito, no crime de difamação, não poderia ser exigido um grau de concretização pelo Tribunal, como o foi, já que a forma como o ofendido mesmo toma conhecimento do crime é através de outras pessoas que ouviram as expressões proferidas pelo arguido ou por outras pessoas que não ouviram do arguido mas ouviram de pessoas que ouviram do arguido, sendo que muitas vezes, essas pessoas já não conseguem precisar dia e horas concretas, locais específicos, e as pessoas que lá estavam presentes.

17.º- Destarte, a douta decisão recorrida violou o disposto no artigo 283.º, n.º 3, al. b) do Código de Processo Penal, impondo-se a revogação da Douta Decisão recorrida.

TERMOS EM QUE SE DEVERÁ CONCEDER PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO INSTRUTÓRIA RECORRIDA E SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE DEVERÁ PRONUNCIAR O ARGUIDO JOÃO RODRIGUES GUERREIRO PELA PRÁTICA, EM AUTORIA MATERIAL, DE UM CRIME DE DIFAMAÇÃO P.P. PELO ARTIGO 180º DO CÓDIGO PENAL.[1]

Apresentou resposta ao recurso, o Ministério Público, constando as suas alegações destes autos, nas folhas 506 a 509, nas quais adere aos fundamentos do despacho recorrido, pugnando pela sua manutenção, e improcedência do recurso (transcreve-se).

I- Quanto à primeira das questões suscitadas nas alegações de recurso do assistente, poderes de cognição do Juíz de instrução criminal, defendemos que o legislador não limita o conhecimento das nulidades, àquelas que tenham sido suscitadas ou tenham sido objecto do requerimento de abertura de instrução.

Tal resulta de uma interpretação sistemática de preceitos processuais penais e, designadamente, da conjugação entre os art.307º nº3 e 311º do C. P. Penal.

Com efeito, conforme estabelece o art.311º nº2 do C. P. Penal, ao Juíz de julgamento está vedado o poder de rejeitar a acusação por manifestamente infundada, caso tenha havido instrução. Donde se conclui que, tendo havido instrução, coube ao Juíz de instrução criminal apreciar e decidir acerca de eventuais nulidades da acusação deduzida, independentemente de tal fase processual, por natureza facultativa, ter sido ou não requerida pelo arguido contra quem foi a mesma deduzida.

Assim, forçoso é concluir que cabe ao Juíz de instrução criminal a apreciação e decisão de nulidades que possam afectar as acusações deduzidas, independentemente de a instrução ter sido requerida pelos arguidos contra quem foram deduzidas tais acusações.

Concordando-se com o entendimento expendido no douto despacho recorrido, entende-se não ter sido violada nenhuma regra de competência que acarrete a nulidade prevista no art.119º al.e) do C. P. Penal.

II- Quanto à segunda das questões enunciadas pelo recorrente, estabelece o art.283º nº3 do C.P. Penal, aplicável à acusação particular «ex vi» do disposto no art.285º nº3 do mesmo Código, que a acusação deve conter, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo se possível, o lugar, o tempoe a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.

A estrutura acusatória do processo criminal implica que a actividade cognitiva do Tribunal – na fase de instrução ou na fase do julgamento – esteja limitada pelo objecto processual – cfr. art.32º nº5 da Constituição da República Portuguesa.

Ora, o objecto processual penal começa por ser inicialmente delimitado, ainda que com alguma flexibilidade, pela queixa.

Posteriormente, o objecto processual será definitivamente delimitado pela acusação ou, no caso de decisão de arquivamento do Ministério Público, pelo requerimento de abertura de instrução – neste sentido Frederico Isasca in Alteração Substancial dos factos e a sua relevância no processo penal português, Coimbra ed. ,pág.174 e segs..

É a acusação que fixa perante o Tribunal o objecto do processo. É ela que delimita e fixa os poderes de cognição do Tribunal e é nela que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade e da consunção do objecto do processo penal.

Encontrando-se o objecto do processo fixado pela acusação (pública ou particular) deverá esta conter os factos concretos imputados ao arguido, fazendo-o de forma a enquadrá-los espaço-temporalmente.

Só assim o arguido tomará conhecimento da factualidade imputada e contexto em que a mesma ocorreu, de modo a exercer o seu direito de defesa.

Ora, analisada a acusação particular deduzida pelo assistente P…., ora recorrente, constata-se que a mesma não contém uma descrição clara e ordenada, ainda que sintética, de todos os factos susceptíveis de responsabilizar criminalmente o arguido J……. pelo crime que lhe pretende imputar.

Com efeito, não são indicadas as datas concretas dos factos, nem sequer um período temporal delimitado, donde fosse possível extrair o enquadramento temporal da factualidade imputada.

Por outro lado, não é especificado o local concreto em que os factos ocorreram, apenas se fazendo alusão de forma vaga que tiveram lugar nos cafés da C….

De igual modo, não refere a acusação particular perante que pessoas o arguido proferiu as alegadas expressões difamatórias.

Deduzida uma acusação nestes moldes, vagos e imprecisos, o arguido não fica a saber o objecto do processo,  nem os factos que concretamente lhe são imputados, pelo que não poderá exercer cabalmente e na sua plenitude, o seu direito de defesa; não competindo ao Tribunal concretizar os factos, por violação do princípio do acusatório, que orienta o processo penal.

Nesta conformidade, mais não restaria à Mma. Juíza «a quo» do que declarar nula a acusação deduzida pelo assistente P…….. contra o arguido J……..,por esta não obedecer aos requisitos exigidos pelos art. 285º nº3 e 283º nº3, ambos do C. P. Penal.

Assim, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo assistente e confirmado o douto despacho recorrido.


 Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto aderiu á resposta apresentada pelo Mº.Pº. na 1ª. Instância.

Colhidos os vistos, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II-MOTIVAÇÃO.

Como resulta do disposto no n.º 1 do art. 412.º do C.P.P., e de acordo com jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do STJ), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.

No presente processo, as conclusões do assistente circunscrevem o recurso às seguintes questões, a saber:

- Se a decisão instrutória podia conhecer da acusação particular deduzida pelo recorrente contra J…….., e cujos factos não constaram do requerimento de abertura da Instrução e,

- Se a acusação particular deduzida pelo recorrente contra o J….. enferma das apontadas nulidades.

Conhecendo, cumpre fazer um breve intróito de carácter genérico.

O artigo 286 nº. 1 do C.P.P. indica expressamente como finalidade da fase processual da Instrução a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Ou seja, todos os actos praticados na instrução, sejam de que natureza forem, têm como objectivo apenas a comprovação judicial da acusação. Assim, o Juíz de Instrução irá decidir se a causa deve ser submetida ou não a julgamento, mediante uma avaliação sobre os pressupostos factuais da acusação e da “fiscalização” da decisão do Mº.Pº de arquivar ou acusar.

Nos termos previstos no artigo 287 nº. 1 a) e b) do C.P.P.a instrução só pode ser requerida pelo arguido que tenha sido acusado e pelo assistente relativamente a crimes de natureza pública ou semi-pública. O que se compreende uma vez que nos crimes particulares compete ao assistente deduzir ele próprio a acusação, promovendo assim o julgamento.[2]

Embora se entenda que “O objecto do processo fixado na acusação pode ser legitimamente alargado por via do requerimento para abertura de instrução (art. 287º, nº 1, als a) e b) do CPP). Neste caso, a decisão instrutória poderá legitimamente conhecer de toda essa factualidade. Significa isto, também, que a acusação e o requerimento para a abertura de instrução vão servir de referências temáticas à decisão instrutória (art. 303º do CPP). Noutros termos, o JIC está tematicamente vinculado pelo conteúdo factual da acusação e pelo requerimento para abertura de instrução (na parte em que alegue novos factos).”[3]

No que respeita ao objecto do despacho/decisão instrutória o Juíz está limitado pelos factos da acusação formal ou implícita no requerimento de instrução.[4]

No caso em apreço, o M.JIC na decisão instrutória, conheceu de questões que considerou de Prévias e, apreciou a acusação particular deduzida pelo arguido/assistente Pedro contra o arguido/assistente Guerreiro quanto à prática do crime de difamação, muito embora, na página 12 vº da decisão tenha dido dito que: “Assim elencada a prova, unicamente no segmento respeitante ao crime de injúria imputado ao arguido Pedro Gaitas (já que o objecto da instrução se reconduz a esta matéria) cumpre proceder…

É certo que não fez uma apreciação de fundo quanto à acusação particular, mas a nosso ver houve, ainda assim uma intromissão nos poderes do juíz de julgamento, atento o disposto no artigo 311 nº. 1 do C.P.P., já que relativamente aos factos objecto da acusação particular do crime de difamação não recaíu requerimento de instrução, sendo assim subsumível na fase do julgamento, ao âmbito do nº. 1 do artigo 311 do C.P.P. E, ainda que se entendesse que a expressão da “instrução” do nº. 2 do artigo 311 pudesse abranger o caso, sempre nos termos do nº. 1 do artigo 311 o Juíz do julgamento podia apreciar as eventuais nulidades da acusação particular, que lhe não é vedado pela alínea a) e b) do nº. 2 daquela norma.

Também, se na fase do inquérito quanto a crimes de natureza pública e semi-pública não oferece dúvidas a posição de subordinação do assistente à actuação do Mº.Pº., já na fase da Instrução o impulso do requerimento de abertura da instrução reconhece a sua autonomia (287- 1 b)do C.P.P.) e, também no caso excepcional dos crimes particulares (art. 69 nº. 2 b) do C.P.P.).[5] Nestes será quase sempre a autonomia dos factos em relação ao objecto do processo fixado na acusação do Mº.Pº, que impõe a autonomia da actuação do assistente.

É certo que conforme se vê do disposto no artigo 308 do C.P.P. ali se estabelece que no despacho referido no n.º 1, o juiz começa por decidir das nulidades e outra questões prévias ou incidentais de que possa conhecer. Mas, temos para nós que as nulidades a que se refere esta disposição legal só podem ser as que foram suscitadas no requerimento de abertura de instrução ou então as que poderão ter decorrido no decurso da instrução e que afectem o prosseguimento do processo para a fase seguinte.

Como refere Maia Gonçalves no Código de Processo Penal, em anotação ao artigo 308.º, as questões prévias que o juiz deve apreciar em primeiro lugar, como se preceitua no n.º 3, são todas aquelas que obstem ao conhecimento do mérito, ou seja que obstem a que o juiz pronuncie ou não pronuncie o arguido.[6] Dentre essas questões deve ser apreciada prioritariamente a da competência, pois que se o juiz não for competente não deve mesmo chegar a entrar no conhecimento das outras questões prévias.

No mesmo sentido, Souto Moura, in Jornadas de Direito Processual Penal, citado naquele código, o qual refere a propósito o seguinte:

"O CPP estipula também que antes de proferir despacho de pronúncia ou de não pronúncia o juiz decida todas as questões prévias ou incidentais de que possa conhecer (art. 308.º, n.º 3).

Nesse saneamento preliminar se abordarão antes do mais os pressupostos processuais, a começar pela competência do tribunal. Conhecer-se-ão aí as nulidades ou eventuais questões prévias incidentais. Se nada obstar ao conhecimento do mérito da causa, decidirá o JIC a pronúncia ou a não pronúncia. (...)".

Temos assim que o momento próprio para decidir das nulidades ou eventuais questões incidentais é a decisão instrutória. Mas não podemos confundir as nulidades com as questões prévias. Conforme nos ensina Germano Silva em curso de processo penal III, 176, as questões prévias, da decisão instrutória, correspondem à ideia de saneamento do processo, respeitando à instância, sendo independentes da questão do mérito com a qual estão conexas. São elas de natureza processual, respeitantes aos pressupostos e requisitos de validade e regularidade da instância, de modo a que a mesma não prossiga inutilmente. Fazem por isso parte da própria decisão instrutória, mas sempre com vista à pronúncia ou não pronúncia (nº. 3 do artigo 307 do C.P.P.)

No caso, o sr. Juíz entendeu e pronunciou-se pela nuliddae da acusação particular que o Mº.Pº. não acompanhou e, cujos factos não figuram no requerimento instrutório. Ou seja, não são objecto da instrução requerida, sendo mesmo autónomos em relação aos restantes em causa, na instrução.

Assim, e pelo acima exposto, é nosso entendimento que não poderia pronunciar-se sobre essa acusação, a qual produzida dentro dos poderes de autonomia do assistente deveria seguir para a fase do julgamento, onde o Sr.Juíz aí a poderia sanear.

Temos ainda para nós que a nulidade da acusação nos termos previstos no artigo 283-3 do C.P.P. a existir, não configuraria a nulidade insanável prevista no artigo 119 do C.P.P., tendo assim de ser arguida nos termos do artigo 120 do C.P.P. para ser conhecida e decretada. O que no caso não acontece.

Assim se conclui que o Sr. Juíz da Instrução ao apreciar questão que é da competência do Juíz do julgamento, conforme explicitamos supra, excedeu a sua competência e por isso a decisão que conheceu da acusação não objecto da instrução padece de nulidade insanável (artº 119º, al. e) do CPP), esta sim de conhecimento oficioso, atento o disposto no artigo 32º, nº 1 do mesmo diploma.

Procede assim o recurso interposto nesta matéria.

Assim se decidindo fica prejudicada a apreciação por este Tribunal da restante questão colocada em recurso.


 

III. DECISÃO.


Termos em que acordam os juízes da 9ª Secção do Tribunal desta Relação em dar provimento ao recurso, e assim:

-- declarar a nulidade da decisão instrutória na parte em que decretou a nulidade da acusação deduzida pelo assistente P…….. contra o arguido J………., quanto á prática do crime de difamação.

Sem custas.


(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2 do CPP)

Lisboa 19/02/2015


 Relator

Maria do Carmo Ferreira

Adjunto

Cristina Branco

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[1] A peça enviada pelo recorrente pela via electrónica contém diferenças de texto, na parte final, em relação à peça que, em papel se encontra nos autos. Assim sendo, a “versão” que vai transcrita é a que consta dos autos, em papel- fls. 496 a 499.
[2] Curso de Processo Penal- Germano M.Silva III, 142.

[3] Teresa Pizarro Beleza Frederico de Lacerda da Costa Pinto direito processual penal i objecto do processo, liberdade de qualificação jurídica e caso julgado (texto introdutório), pág. 31.

[4] Requerida instrução por um arguido, restrita aos factos por cuja autoria lhe vem imputada a prática de um crime, não é lícito ao juiz conhecer dos restantes factos da acusação, relativos a outro arguido e susceptíveis de integrarem a prática, por este, de um crime de natureza diversa.

2. Se o fizer, o juiz excede a sua competência e a decisão enferma de nulidade insanável (artº 119º, al. e) do CPP), aliás de conhecimento oficioso (artº 32º, nº 1 do mesmo diploma). Ac.R.E. 1/2/2011. proc.73/08.7GAABF.E1


[5] Como refere Paulo Dá Mesquita em Processo Penal Prova e Siatema Judiciário, pág 181 C.Ed.: “O estatuto de assistente nos processos por crimes semipúblicos e/ou públicos apresenta uma natureza dual (a) mero colaborador e auxiliar do Ministério Público e (b) sujeito processual que exerce a acção penal, controla a inércia do titular da acção pública e conforma o processo, sendo as normas que regulam a sua intervenção no processo essencialmente determinadas por uma ou outra dessas vertentes”.
[6] Ac. R.Porto de 7/10/2009-jusnet 5730/2009.