Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1354/18.8T8AMD.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: APARELHO DE AR CONDICIONADO
SERVIDÃO LEGAL
SERVIDÃO APARENTE
REGISTO DE SERVIDÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Para que uma servidão seja aparente, é necessário que (i) haja sinais visíveis dela; (ii) esses sinais sejam permanentes; (iii) esses sinais visíveis e permanentes sejam inequívocos no sentido de patentearem a existência da servidão.
II- A existência de aparelhos de ar condicionado numa varanda não é uma exteriorização de que os aparelhos estão a servir uma fração diferente daquela onde está instalada, nem que existe uma relação de aproveitamento de uma utilidade de um prédio pelo titular de outro, pelo que não pode configurar-se como uma servidão aparente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
A [ Banco…. , S.A.] , com sede na Rua do Ouro, n.º , 1100-063, Lisboa, veio apresentar impugnação judicial, nos termos do artigo 145.º do Código do Registo Predial, do despacho datado de 26 de Julho de 2018, da Presidente do Conselho Diretivo do Instituto do Registos e Notariado.
A impugnante alega o seguinte:
- Apresentou um pedido de registo de servidão constituída em escritura notarial de 27-07-1993, referente às frações autónomas designadas pelas letras “E” (serviente) e “A” (dominante) do prédio sito na Rua da Sofia,  e , Coimbra;
- O registo foi recusado pela 2.ª Conservatória do Registo Predial da Amadora com fundamento no facto de o direito constituído pelos contraentes gerar apenas vínculos de caráter obrigacional e não real, pelo que o facto não está sujeito a registo.
- A impugnante apresentou recurso hierárquico, tendo sido objeto de despacho de sustentação da Sr.ª Conservadora;
- O Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariado deu provimento parcial ao recurso, considerando que o facto submetido constitui uma verdadeira servidão predial sujeita a registo, mas entendendo que, por não existir intervenção do atual titular do direito inscrito, apenas deve ser lavrado provisoriamente por dúvidas, em cumprimento do trato sucessivo.
- A impugnante não concordando com esta decisão recorreu para o Tribunal por entender que devem ser considerados os titulares inscritos à data da celebração do título submetido a registo, na medida em que se verifica uma excepção ao princípio da oponibilidade a terceiros.
Efetivamente, nos termos do artigo 5.º, n.º2, alínea b) do Código do Registo Predial, as servidões aparentes ficam excluídas da regra de que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos em relação a terceiros após o registo. No caso concreto, tratando-se de aparelhos de ar condicionado, a servidão manifesta-se por sinais exteriores permanentes. Deste modo, a mesma é oponível a terceiros, nomeadamente ao atual titular de ¼ da fração serviente, ainda que não esteja inscrita no registo predial. Por isso, devem ser considerados para efeito de registo os titulares inscritos à data do facto submetido a registo. Além do mais, o fundamento invocado pelo IRN não pode ser considerado por exceder o âmbito de apreciação do recurso hierárquico.
O Ministério Público deu parecer de concordância com o despacho proferido pelo Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e Notariado, com fundamento no não cumprimento do princípio do trato sucessivo.
O Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a impugnação judicial do despacho datado de 26 de Julho de 2018, da Presidente do Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e Notariado, que registou a servidão predial provisoriamente por dúvidas.
Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1.No registo de servidão em apreço, os titulares a considerar deveriam ser aqueles inscritos à data da celebração do título submetido a registo, e na medida em que se verifica uma excepção ao princípio da oponibilidade a terceiros.
2. Em matéria registral, há que ter em conta os princípios da publicidade, da legalidade e do trato sucessivo, mas no artigo 5.º, n.º 2 do Código de Registo Predial são previstas excepções quanto à oponibilidade a terceiros.
3. Por força do disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. b) do Código de Registo Predial, as servidões aparentes ficam excluídas da regra de que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos quanto a terceiros (qualificados no artigo 5.º, n.º 4), no após o registo.
4. No caso em apreço, João …… adquiriu 1/4 da fracção serviente “E” a Américo ……., o qual por sua vez outorgou a escritura celebrada com o ora Recorrente, por si e como procurador de Diana …… (que se mantém como titular de 3/4 da fracção “E”) – resultando por isso que o ora Recorrente e aquele João …… são terceiros entre si para efeitos de registo predial da servidão predial em causa.
5. Para os efeitos do artigo 5.º, n.º 2, al. b) do Código de Registo Predial, consideram-se servidões aparentes “aquelas cuja existência ou exercício se manifesta através de sinais exteriores reveladores da própria servidão” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.01.2014, Proc. 380/11.2TBCNF.P1) – veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/07/2013 (Proc. 2482/08.3TBAGD.C1) citado no corpo das alegações.
6.A escritura de servidão em causa nos autos descreve a servidão como o «encargo de suportar a implantação, funcionamento, manutenção e reparação de aparelhagem instalada no terraço da dita fracção “E”, pertencente aos primeiros outorgantes. A referida aparelhagem compreende condensadores de ar condicionado e respectivas tomadas de exaustão da sua aparelhagem de ar condicionado. Assim, ficará limitado o gozo dos proprietários, quaisquer que sejam, da dita fracção serviente, os quais ficam inibidos de praticar quaisquer actos susceptíveis de impedir o exercício da servidão constituída a favor da fracção dominante, referenciada fracção “A”.»
7. Tendo em conta a natureza e objecto da servidão, é notório que a mesma se manifesta por sinais exteriores permanentes, pelo que não se pode aceitar a fundamentação constante na sentença recorrida quanto à natureza aparente da servidão em causa – por um lado porque como o contrato constitutivo da servidão faz uma descrição detalhada dos termos e do modo em que a mesma seria exercida pela fracção dominante, e por outro lado porque, estando aqueles equipamentos de ar condicionado e tomadas de exaustão, instalados no terraço da fracção serviente “E” desde 27.07.1993 – há mais de 25 anos – a mesma assume-se claramente como uma servidão aparente.
 8. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. b) do Código do Registo Predial, a servidão em causa, sendo uma servidão aparente (revelando-se por sinais exteriores visíveis no terraço daquela fracção serviente há mais de 25 anos), será oponível a terceiros apesar de ainda não estar inscrita no registo predial, terceiros estes onde se incluirá necessariamente o posterior adquirente de 1/4 da fracção “E” – João …….  .
 9. Na servidão em apreço, quanto à oponibilidade a terceiros, aplica-se a excepção das servidões aparentes previstas no artigo 5.º, n.º 2, al. b) do Código do Registo Predial, sendo por isso oponível a João ……, actual titular de 1/4 da fracção serviente, mas que à data do facto submetido a registo não constava como tal.
10. O princípio do trato sucessivo citado quer na deliberação do IRN, quer na sentença recorrida, não poderá ter a aplicação com os efeitos aí pretendidos, devendo ser considerados, para efeitos de registo, os titulares inscritos à data do facto submetido a registo – a escritura de servidão de 27/07/1993 – não existindo qualquer nulidade, por falta de aplicação do artigo 16.º e) do Código de Registo Predial.
11. A decisão impugnada não fez uma correcta apreciação das normas legais aplicáveis, e das características da servidão em apreço, em violação do disposto nos artigos 5.º (n.º 2 al. b) e n.º 4) e 16.º, al. e) do Código de Registo Predial.
12. O tribunal a quo deveria ter julgado a impugnação judicial totalmente procedente e deferido o pedido de registo apresentado – o que se requer a esse tribunal ad quem.
Não há contra – alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II-OS FACTOS
Na 1.ª instância foi dada como assente a seguinte factualidade:
1.A 2 de Março de 2018 deu entrada na Conservatória do Registo Predial da Amadora, pedido de registo de constituição de servidão relativamente ao prédio n.º 559E, freguesia de Santa Cruz, concelho de Coimbra, sendo acompanhado por certidão de escritura lavrada a folhas 48 do livro de notas para escrituras diversas número 93-A;
 2. A escritura é identificada como de Constituição de Servidão, é datada de 27 de Julho de 1993, sendo primeiro outorgante Américo ….., nessa qualidade e em representação de Rita Costa Vilela, e segundo outorgante João ….., na qualidade de representante do A., em que os primeiros declaram ser proprietários da fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao segundo andar esquerdo, destinado a escritório, com entrada pelo número cinquenta e cinco de polícia de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na cidade de Coimbra, na Rua da Sofia, com os números de polícia cinquenta e dois e cinquenta e quatro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número quinhentos e cinquenta e nove da freguesia de Santa Cruz e que pela presente escritura constituem sobre a referida fração “E” do prédio identificado em proveito exclusivo da fração “A” – correspondente ao rés-do-chão, primeiro piso, destinado a comércio (…) servidão por força da qual aquela fração “E” ficará com o encargo de suportar a implantação, funcionamento, manutenção e reparação de aparelhagem instalada no terraço da dita fração “E”, pertencente ao primeiro outorgante. A referida aparelhagem compreende condensadores de ar condicionado e respetivas tomadas de exaustão da aparelhagem de ar condicionado. Assim, ficará limitado o gozo dos proprietários, quaisquer que sejam, da dita fração serviente, os quais ficam inibidos de praticar quaisquer atos suscetíveis de infringir o exercício da servidão constituída a favor da fração dominante, referenciada fração “A”. A título de indemnização pelos prejuízos causados o Banco (…) paga às primeiras a quantia de dois milhões de escudos que o primeiro outorgante declara já ter recebido. (…)
3. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra, freguesia de Coimbra (Santa Cruz), com o número 559/18920303, o prédio urbano situado em Rua da Sofia n.º.. e .., composto por edifício para habitação / escritórios, de cave, rés-do-chão, 1.º, 2.º, 3.º e 4.º andares, direito esquerdo e sótão, estando registada a constituição de propriedade horizontal pela apresentação 5 de 1991/05/29;
4. Sobre a fração “E” do prédio referido em 3), composta por segundo andar esquerdo p/ escritório c/entrada pelo n.º54, está inscrita, pela apresentação 1993/05/14, a aquisição do direito de propriedade, por compra, sendo sujeitos ativos, na proporção de ¼ Américo ….. e, na proporção de ¾ Diana ….    .;
5. Pela apresentação 2014 de 2016/09/12 foi inscrita a aquisição, por compra, da quota de ¼ do direito de propriedade da fração referida em 3), sendo sujeito ativo João ….. e sujeito passivo Américo ………..;
6. Sobre a fração “A” do prédio referido em 3), composta por rés-do-chão [1.º piso] p/ comércio c/entrada pelo n.º52, está inscrita, pela apresentação 1993/04/01, a aquisição do direito de propriedade, por compra, sendo sujeito ativo, A., tendo sido registada a transmissão por transferência de património, por fusão, a favor de Banco A.
III-O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de
cognição deste Tribunal a única questão a apreciar consiste em saber  se a servidão predial a registar constituída por escritura pública poderá ser registada definitivamente e não com a menção “provisória por dúvidas”.    
Vejamos o que a este propósito argumentou a sentença recorrida:
 “(…)
Na situação dos autos, verifica-se que, aquando da celebração da escritura de constituição de servidão predial, no ano de 1993, os contraentes eram os titulares do direito real de propriedade sobre as frações serviente e dominante.
Isto é, o notário titulou um facto jurídico porque existia uma prévia inscrição predial a seu favor. A escritura foi celebrada pelos titulares dos direitos de gozo sobre as frações autónomas em causa.
O problema surge porquanto, por razões não apuradas, o facto constitutivo do direito real de servidão não foi levado ao registo predial, não foi inscrito no momento da celebração do contrato nem nos anos seguintes.
A intenção de inscrição deste contrato no registo predial, no dia de hoje, coloca problemas registais, tendo em conta a alteração da situação dos direitos reais de gozo constituídos sobre o imóvel.
Um dos princípios do registo predial é o princípio da legalidade, previsto no artigo 68.º do Código do Registo Predial: A viabilidade do pedido de registo deve ser apreciada em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando-se especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos atos neles contidos.
O Código do Registo Predial adota um sistema de legalidade substancial, cabendo ao mesmo a apreciação do respeito pela forma legal e a legitimidade das partes.
(…)
Um outro princípio é o do trato sucessivo, previsto no artigo 34.º, do Código do Registo Predial nos seguintes termos:
1 - O registo definitivo de constituição de encargos por negócio jurídico depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os onera.
2 - O registo definitivo de aquisição de direitos depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite, quando o documento comprovativo do direito do transmitente não tiver sido apresentado perante o serviço de registo.
3 - A inscrição prévia referida no número anterior é sempre dispensada no registo de aquisição com base em partilha.
4 - No caso de existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento de direito suscetível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a intervenção do respetivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva, salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito.
O que se passa no caso concreto, é que, quando o proprietário do prédio dominante (A.) pretendeu registar a servidão no registo predial do prédio serviente (em Março de 2018), o direito de propriedade sobre o imóvel serviente tinha sido adquirido, na quota de ¼, por João ….. por compra a Américo ….., que registou essa aquisição.
 Em Março de 2018, o direito de propriedade sobre a fração “E” já não pertencia a quem o havia onerado com a servidão.
 Por aquele direito real menor não ter sido inscrito no registo, não beneficiava da publicidade inerente, pelo que, quem o comprou e registou fê-lo com a publicidade de que o direito de propriedade não estava limitado. É uma situação que coloca em causa a confiança do adquirente na aparência do registo, que estava desactualizado, colocando em causa a fé-pública registal.
Neste sentido, uma vez que Américo ….. não é o titular inscrito do direito de propriedade, o registo da servidão predial constituída por contrato celebrado por aquele constitui, a nosso ver, uma violação do princípio do trato sucessivo.
O n.º4 do artigo 34.º aplica-se aos casos de aquisição de direitos e, reflexamente, de constituição de encargos, seja por negócio jurídico, seja por outro título, cujo registo definitivo depende da intervenção do titular da inscrição, a não ser que esses factos sejam consequência de outros anteriormente inscritos. (…) não há dúvida que o trato sucessivo estabelecido no n.º4 do artigo 34.º se aplica tanto à transmissão do direito de propriedade como de outros direitos reais de gozo, tais como o usufruto e o direito de superfície, e ainda de outros direitos de natureza obrigacional, de que é exemplo o arrendamento. A intervenção do titular inscrito exigida pelo n.º4 opera dentro da esfera do mesmo. – Isabel Pereira Mendes, in Código do Registo Predial, Editora Almedina, 17.ª edição, p. 267.
O registo feito com violação do trato sucessivo é nulo (artigo 16.º, alínea e) do Registo Predial).
 Admitir a inscrição no registo da servidão predial antes da aquisição do direito de propriedade por João …… é uma violação do princípio da prioridade do registo, prevista no artigo 6.º do Código do Registo Predial.
O impugnante invoca que a servidão é aparente e que o artigo 5.º, n.º2, alínea b) do Código do Registo Predial estabelece uma exceção do princípio da oponibilidade a terceiros.
Efetivamente, o artigo 5.º, n.º1 do Código do Registo Predial só produzem efeito contra terceiros depois da data do respetivo registo. Excetuam-se, entre outras, as servidões aparentes (n.º2, alínea b).
A lei portuguesa define servidões não aparentes como as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes – artigo 1548.º, n.º2 do Código Civil.
O A sustenta que a servidão em concreto é aparente.
A servidão em concreto consiste na implantação, funcionamento e manutenção de aparelhagem de ar condicionado instalada no terraço da fração “E”.
Sempre se dirá que a efetiva instalação, funcionamento de uma aparelhagem de ar condicionado é uma questão factual que não é suscetível de ser aferida no âmbito desta impugnação.
 Contudo, ainda que aquela aparelhagem exista e esteja instalada no terraço da fração “E” tal não é suficiente, a nosso ver, para dizer que está instalada uma servidão de forma visível e permanente. A existência de aparelhos de ar condicionado numa varanda não é uma exteriorização de que os aparelhos estão a servir uma fração diferente da que está instalada, que existe uma relação de aproveitamento de uma utilidade de um prédio pelo titular de outro.
Ou seja, o facto de a aparelhagem de ar condicionado ser visível do exterior, não significa que a servidão contratualmente constituída seja uma servidão aparente. Não conhecendo o contrato, nada nos diz, do exterior da relação, que aquela servidão existe.
Esta situação não é comparável ao caso de servidão de passagem, expressa através de caminhos marcados na orografia, visíveis, sendo evidente para quem os vê que existe uma retirada de utilidades, como local de passagem para outro local. (…)”.
Analisadas ambas as argumentações, aquela plasmada nas conclusões de recurso e aquela que constitui a fundamentação da sentença recorrida, temos de concluir que a sentença está correcta.
Não há dúvida de que, em matéria de registo predial, há que ter em conta os princípios da legalidade, da publicidade e do trato sucessivo.
O princípio da legalidade definido no art.º 68.º do Código do Registo Predial (CRP) com o seguinte conteúdo:
 “A viabilidade do pedido de registo deve ser apreciada em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando-se especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos atos neles contidos.”
Quanto ao princípio do trato sucessivo, está previsto no art.º 34.º do CRP e reza assim:
 “1 - O registo definitivo de constituição de encargos por negócio jurídico depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os onera.
2 - O registo definitivo de aquisição de direitos depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite, quando o documento comprovativo do direito do transmitente não tiver sido apresentado perante o serviço de registo.
3 - A inscrição prévia referida no número anterior é sempre dispensada no registo de aquisição com base em partilha.
4 - No caso de existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento de direito suscetível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a intervenção do respetivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva, salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito.”
Quanto a este princípio, podemos até aceitar o entendimento da Apelante no sentido de que o registo da servidão poderia efectuar-se, sem por em causa este princípio do trato sucessivo, “desde que se tenha em conta ou devendo ser considerados, para efeitos de registo, os titulares inscritos à data do facto submetido a registo – a escritura de servidão de 27/07/1993 – ou seja, Américo ….   .
Se outro obstáculo não existisse, não seria o princípio do trato sucessivo que impediria o registo da servidão, pois resulta do mesmo registo, a prévia inscrição do bem a favor de quem os onerou, considerando a data em que ocorreu a realização da escritura em que se constituiu a servidão.
Porém, e quanto ao princípio da publicidade ele justifica-se com a finalidade essencial do registo que é dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário. É por isso que, de acordo com o art.º 5.º n.º 1 do CRP, “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros, depois da data do respectivo registo”.
Na verdade, só assim pode ficar garantida a fá-pública registal, ou seja, a certeza, por parte de qualquer adquirente, que ao consultar o registo, obtém o conhecimento da verdadeira situação jurídica do imóvel que está a adquirir e não pode ser surpreendido com limitações ou ónus que dele não constem.
Claro que a lei exclui no n.º 2 alínea b) do mesmo preceito as “servidões aparentes”. Ou seja, estas servidões aparentes produzem efeitos contra terceiros independentemente do registo. Compreende-se que assim seja, pois neste caso, o adquirente não pode ser surpreendido por uma realidade desconhecida, já que essa realidade resulta de sinais observáveis no prédio.
A questão está em saber se a servidão constituída por escritura pública, nos termos descritos nos autos, é uma servidão aparente ou não aparente.
Para que uma servidão seja aparente, é necessário que (i) haja sinais visíveis dela; (ii) esses sinais sejam permanentes; (iii) esses sinais visíveis e permanentes sejam inequívocos no sentido de patentearem a existência da servidão[1].
É o que igualmente resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/07/2013
 “A visibilidade dos sinais respeita à sua materialidade, no sentido de serem percepcionáveis e interpretáveis como tais pela generalidade das pessoas que se confrontem com eles. A permanência consiste na manutenção dos sinais, com a aludida visibilidade, ao longo do tempo, sem interrupções (pelo menos nos casos em que a ausência temporária dos sinais torne equívoco o seu significado), por forma a gerar e manter a ideia de que se trata de uma situação estável e duradoura e, ao mesmo tempo, afastar a hipótese de se tratar de uma situação precária, podendo tais sinais, no entanto, ser alterados ao longo do tempo ou substituídos por outros.”[2]
No caso dos autos, a escritura de servidão submetida a registo consiste no seguinte:
«a fracção “E” ficará com o encargo de suportar a implantação, funcionamento, manutenção e reparação de aparelhagem instalada no terraço da dita fracção “E”, pertencente aos primeiros outorgantes.
A referida aparelhagem compreende condensadores de ar condicionado e respectivas tomadas de exaustão da sua aparelhagem de ar condicionado.
Assim, ficará limitado o gozo dos proprietários, quaisquer que sejam, da dita fracção serviente, os quais ficam inibidos de praticar quaisquer actos susceptíveis de impedir o exercício da servidão constituída a favor da fracção dominante, referenciada fracção “A”.»
Será que, tendo em conta a natureza e objecto da servidão constituída, podemos concluir que se trata de uma servidão aparente?
Ora, se é verdade que há sinais visíveis dessa servidão, que é a existência dos aparelhos de ar condicionado e respectivas tomadas de exaustão instalados no terraço da dita fracção “E”, também é verdade que dessa realidade não se retira inequivocamente que a sua existência patenteia uma servidão. Tal como se refere na sentença recorrida, “a existência de aparelhos de ar condicionado numa varanda não é uma exteriorização de que os aparelhos estão a servir uma fração diferente da que está instalada, que existe uma relação de aproveitamento de uma utilidade de um prédio pelo titular de outro”. Afigura-se-nos que não podemos qualificar a servidão em apreço na categoria de “servidão aparente”, tal como foi decidido.
Improcedem as conclusões de recurso.
Deve manter-se o decidido na 1.ª instância.
IV-DECISÃO
Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 11 de Julho de 2019
      
Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal
Carlos de Melo Marinho

[1] Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-11-1986: BMJ 31.º-620.
[2] Processo 2482/08.3, disponível em www.dgsi.pt.