Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9345/2007-5
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário: No domínio do Código da Estrada, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro de 2005, não é admissível a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir aplicada a contra-ordenação muito grave.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

      (A), arguido no processo n.º 2076/07.0TBCSC, do 4º juízo criminal do Tribunal de Comarca de Cascais, interpôs recurso do despacho que julgou improcedente o recurso por ele interposto da decisão do Governo Civil de Lisboa que o condenou em 180 dias de inibição de conduzir pela prática da contra-ordenação prevista pelo artigo 146º, alínea j), do Código da Estrada, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro de 2005.

      A final pediu a revogação da decisão e a substituição dela por outra que suspenda a execução da sanção de inibição de conduzir pelo período de 180 dias.

Fundamentou a sua pretensão, em síntese, no seguinte:

1. Verificam-se todos os requisitos previstos no artigo 141º, n.º 3, do Código da Estrada, para o tribunal suspender a inibição de conduzir;

2. Verificam-se os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução de penas;

3. A decisão violou os artigos 141º, do Código da Estrada, o artigo 50º, do Código Penal, e o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. 

O Ministério Público respondeu, concluindo pela improcedência do recurso. Para tanto invocou, em síntese, as seguintes razões:

1. O arguido foi condenado, como reincidente, pela prática de uma contra-ordenação muito grave;

2. Nos termos do artigo 141º, do Código da Estrada, a suspensão da execução de inibição de conduzir é admissível apenas nas contra-ordenações graves;

3. O artigo 141º, do Código da Estrada, não é aplicável à situação em causa nos autos.

Nesta instância, o Ministério Público limitou-se a apor o visto nos autos.


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A principal questão que se discute no presente recurso é a de saber se é legalmente admissível a suspensão da execução da inibição de conduzir aplicada à contra-ordenação muito grave praticada pelo arguido.

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Factos considerados provados:
1. No dia 9 de Julho de 2005, pelas 00 horas e 45 minutos, o arguido (A) conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula XX-XX-XX, na Rotunda do Bairro da Escola Técnica, na Parede, área desta comarca de Cascais.
2. Submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue através de analisador quantitativo “Drager 7110 MKIII P”, o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue registado de 1,15 gr/l.
3. O arguido pagou a coima que lhe foi aplicada.
4. Do cadastro rodoviário do arguido consta averbada a prática, em 26 de Maio de 2002, de uma contra-ordenação.
5. O arguido é casado.
6. É funcionário da empresa (S), exercendo funções de auxiliar técnico electricista, que se consubstanciam na instalação de sistemas de alarme, detecção e manutenção nas obras distribuídas em todo o país.
7. A licença de condução de veículos é essencial ao desempenho da actividade profissional do arguido.  

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Passemos à resolução da questão supra enunciada.    

Constitui um dado assente que o arguido praticou, em 9 de Julho de 2005, um facto que constitui a contra-ordenação muito grave prevista pelo artigo 146º, alínea j), do Código da Estrada.

      Como se procurará demonstrar, a decisão recorrida, ao recusar a suspensão da execução da inibição de conduzir, não violou nenhuma das normas indicadas pelo arguido: artigo 141º, do Código da Estrada, artigo 50º, do Código Penal, e artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

   O artigo 141º do Código da Estrada, sob a epígrafe “Suspensão da execução da sanção acessória”, dispõe no n.º 1 que “Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes”.

    Embora a interpretação da lei não deva cingir-se à letra desta, a verdade é que o texto da lei é o elemento básico da interpretação. Com efeito, é a partir dele que o intérprete deve reconstituir o pensamento legislativo e é ele que coloca uma barreira aos sentidos possíveis da interpretação, dado que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. artigo 9º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

     A tarefa interpretativa não consiste em transformar um texto legal claro e unívoco num texto ambíguo e equívoco.

      Ao afirmar que “pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves”, o texto do n.º 1 do artigo 141º, do Código da Estrada, prevê, com suficiente clareza, que a suspensão da execução da inibição de conduzir aplica-se apenas a contra-ordenações graves.  

    O n.º 3 do artigo 141º, do Código da Estrada, onde o arguido busca guarida para a sua pretensão, não prevê a suspensão da execução da inibição de conduzir aplicada a sanções muito graves.

O n.º 3 limita-se a agravar o período e as condições de suspensão da execução da inibição de conduzir para os infractores que, nos últimos 5 anos, tiverem praticado apenas uma contra-ordenação grave.

      Conclui-se, assim, que a decisão recorrida, ao recusar a suspensão da execução da inibição de conduzir aplicada ao arguido, não violou o disposto no artigo 141º, do Código da Estrada.

      A decisão recorrida também não violou o disposto no artigo 50º, do Código Penal.

      É certo que o n.º 1 do artigo 141º, do Código da Estrada, ao dispor que pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei geral faz depender a suspensão da execução das penas, remete para a norma do artigo 50º do Código Penal.

      Esta remissão não é, obviamente, para todos os pressupostos de que o artigo 50º, n.º 1, faz depender a suspensão da execução da pena de prisão.

      A suspensão da execução da pena prevista no artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, assenta em pressupostos formais e em pressupostos substanciais (cfr. neste sentido Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, páginas 342 e 343).

Assim, tendo como referente a actual redacção do artigo 50º, n.º 1, do Código Penal[1], constitui pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão que a medida desta não seja superior a 5 anos.

Sob o ponto de vista substancial a suspensão pressupõe que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ora o conteúdo que o n.º 1 do artigo 141º, do Código da Estrada, importa do artigo 50º, n.º 1, do C. Penal, é exclusivamente o relativo aos pressupostos materiais da suspensão da execução da pena.

Quanto aos pressupostos formais da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, eles são definidos pelo artigo 141º, do Código da Estrada.

Sob o ponto de vista lógico, o tribunal só averiguará se os pressupostos materiais estão reunidos depois de dar por verificados os formais.

Verificando-se que o pressuposto formal da suspensão da execução da inibição de conduzir – prática de contra-ordenação grave – não está preenchido, fica prejudicada a apreciação dos pressupostos materiais da suspensão da execução da inibição de conduzir.

Conclui-se, pois, que a decisão recorrida não violou o disposto no artigo 50º, n.º 1, do Código Penal.     

Por último, o arguido imputou à decisão recorrida a violação do disposto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

Antes de mais, cumpre referir que o recorrente se limita a afirmar conclusivamente que a decisão violou o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. Não diz em nenhum passo da motivação do recurso a razão ou as razões pelas quais a decisão recorrida, que o condenou em 180 dias de inibição de conduzir pela prática de uma contra-ordenação muito grave e não suspendeu a execução desta sanção acessória, violou o disposto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

Ora não cabe ao tribunal entrar em conjecturas ou suposições acerca das razões pelas quais o arguido invocou a violação do disposto no artigo 32º da Constituição.

Porém, sempre se dirá o seguinte. O Tribunal Constitucional tem afirmado, sem votos discordantes, que a norma do artigo 141º, n.º 1, do Código da Estrada, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, interpretada no sentido de a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir abranger apenas as contra-ordenações graves, não é organicamente inconstitucional (cfr. acórdãos n.ºs 603/2006, 604/2006, 629/2006, 6/2007 e 32/2007, disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc) nem materialmente inconstitucional (cfr. acórdão n.º 424/2007, disponível também em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc)).      


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Decisão:

Rejeita-se o recurso com fundamento na sua manifesta improcedência.


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Condena-se o arguido no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

Nos termos do nº 4, do artigo 420º, do CPP, condena-se o recorrente no pagamento de 3 UC.


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Lisboa,   18/12/08

Emídio Santos

Pulido Garcia

Gomes da Silva

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[1] Redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.