Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22539/17.9T8LSB-A.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
INSUFICIÊNCIA DO TÍTULO
ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. No âmbito do art. 6º do DL 268/94, de 25 de Outubro apenas podem servir de títulos executivos as actas em que constem as deliberações da assembleia de condóminos que procederam à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se quer o prazo de pagamento, quer a quota-parte de cada condómino e não aquelas onde apenas se faça constar a declaração de que é devida determinada quantia.
2. Considerando as vicissitudes do processo executivo e a possibilidade conferida pelo art. 734º do CPC, a possibilidade de avaliação da existência de título executivo existe ao longo do processo e até ao limite temporal estabelecido por este preceito.
3. Quando exista uma mera omissão na junção de actas de assembleia de condóminos em que se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento, deve o tribunal providenciar pela junção de tais actas.
4. Quando, no requerimento executivo, não se mostre alegado qualquer facto de onde se possa extrair quais os valores em dívida, nomeadamente quais as prestações não pagas, seu montante e prazo de pagamento, sendo apenas referido um valor final em dívida, estamos perante uma manifesta falta ou insuficiência do título apresentado, não constituindo a inexistência de convite ao exequente para junção de outros documentos qualquer omissão do dever ínsito no art. 726º, nº 4º do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Por apenso à execução contra si intentada por A [ Condomínio sito na Urbanização ….., em Lisboa ] , veio B deduzir os presentes embargos de executado alegando, em síntese, a falta de personalidade judiciária e de legitimidade do exequente, a inexistência de título executivo e o pagamento de todas as quantias devidas, que estariam prescritas.
2. A exequente contestou, pugnando pela improcedência do peticionado.
3. Foi proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as excepções de falta de personalidade judiciária e de ilegitimidade, tendo sido realizada audiência de discussão de julgamento, após o que se proferiu sentença julgando procedentes os embargos e declarando extinta a execução.
4. Inconformado, o exequente recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso de apelação vem interposto da decisão do Tribunal a quo que julgou procedentes os presentes embargos de executado, consequentemente declarando a subjacente execução extinta.
B. O ora recorrente instaurou execução para pagamento de quantia certa, tendo como causa de pedir o não pagamento dos montantes das contribuições em dívida ao condomínio (quotizações ordinárias e extraordinárias em dívida desde 2012) pela executada, tendo junto para o efeito, a respectiva acta da Assembleia Geral de condóminos (Acta n.º 76/2017) que deliberou e aprovou os respectivos montantes e intenção de intentar a ação executiva.
C. Tendo entendido que a “acta dada à execução, se limita a liquidar os valores em dívida por banda dos condóminos, entre os quais a executada.”, o tribunal a quo decidiu extinguir a execução com fundamento na falta de título executivo da ata da Assembleia Geral que o recorrente juntou aos autos, considerando que a mesma não cumpria o estipulado no artº 6º nº 1 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10, nomeadamente, porque “dela não consta, designadamente, a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, afixação da quota parte devida por cada condómino e respectivo prazo de pagamento.”
D. É desta decisão tomada pelo Tribunal recorrido que o recorrente não se conforma, porquanto:
E. Andou mal o Tribunal a quo quando não fez constar do lote de factos provados que
“No dia 16 de Outubro de 2018, a executada fez um pagamento no valor de 2.520,00 Euros, no âmbito da execução diretamente à Agente de Execução”, conforme resulta do Requerimento apresentado pela Agente de Execução nos autos de execução, datado de 17/10/2018, com a referência yW7nkV2C6Y9, 
F. Facto demonstrativo de que a executada se confessou devedora dos montantes nestes autos peticionados e que reconheceu o título executivo dado à execução como bastante e refletor da verdade material dos factos.
G. Salvo o devido respeito, entende o ora recorrente que com a sua decisão o tribunal a quo violou o disposto no artº 6º nº 1 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10 que estabelece expressamente que: “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixa de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte”.
H. Conforme resulta, e bem, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/01/2017, no processo 1410-14.1YYLSB-A.L1-8, “São, [nos termos do artº 6º nº 1 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10], requisitos de exequibilidade da acta da assembleia de condóminos:
- Deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio;
- Fixação da quota-parte devida por cada condómino;
- Fixação do prazo de pagamento respectivo.”
I. Assim, salvo melhor opinião, deve entender-se, que a aludida Acta nº 76/2017 da Assembleia Geral de condóminos do recorrente é manifestamente título executivo suficiente, porquanto, se conclui do teor da mesma que, se fixou a quota-parte devida pela condómina, o respectivo prazo de pagamento, bem como as dívidas/montantes das contribuições, elementos que foram postos à deliberação, votação e aprovação pelo quórum, tendo sido aprovadas pela Assembleia Geral de condóminos – in casu no ponto 2º da ordem de trabalhos.
J. Sendo, por isso, a dívida peticionada na execução certa, líquida e exigível de acordo com aludida ata, já que, a mesma expressa a quota-parte devida pela executada nos períodos em causa, o respetivo prazo de pagamento (último dia do trimestre correspondente) e o montante total em dívida (vencida) pela executada.
K. Considera-se, assim, que decorria do teor da Acta nº 76/2017 da Assembleia Geral de condóminos todos os requisitos legais exigidos pelo artº 6º nº 1 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10.
L. Logo, entende o recorrente não poder prevalecer a decisão do tribunal a quo tomada no sentido de que da Acta nº 76/2017 ”não consta, designadamente, a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, afixação da quota-parte devida por cada condómino e respectivo prazo de pagamento.”.
M. Porquanto, salvo o devido respeito, a ata dada à execução não “se limita a liquidar os valores em dívida por banda dos condóminos, entre os quais a executada.”, antes aprova os montantes em dívida por parte da executada, (o que pressupõe a existência da prévia fixação dos montantes das contribuições a pagar por cada condómino) com referência à sua natureza, fracção, e período a que respeitam, sendo certo ainda que delibera o acionamento dos meios legais para receber as dívidas em atraso.
N. Certo é que a expressão “contribuições devidas ao condomínio” diverge na jurisprudência, deve ser interpretada no sentido de “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio” desde que estejam vencidas ou no sentido de “contribuições em dívida ao condomínio”, como acontece no presente caso,
O. Salvo melhor entendimento, ambas as interpretações são e devem ser admissíveis, devendo entender-se que uma interpretação não excluirá a outra do âmbito das atas como título executivo, aliás, a exclusão de uma das interpretações supra aludidas vai contra a letra e outra contra o espírito da lei, e que,
P. Ambas correspondem à deliberação da mesma vontade coletiva, a de obter o pagamento das quantias necessárias ao funcionamento do condomínio.
Q. No sentido vertido nesta apologia e suas conclusões vide a propósito o Ac. do T.R.L., de 02/03/2004, processo n.º 10468/2003-1, em que foi Relator André dos Santos, o Ac. T.R.C., de 01/03/2016, processo 129/14,8TJCBR-A.C1, em que foi Relator Fonte Ramos, e ainda o Ac. T.R.L., de 18/03/2010, processo n.º 85181/05.0YYLSB-A.L1.6, em que foi Relator Carlos Valverde (cujas transcrições constam das alegações supra).
R. Mais acresce que, entender que a única interpretação possível para a expressão “contribuições devidas ao condomínio” é traduzi-la para “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio”, implica que o título executivo não pode ser composto unicamente por uma ata, ao contrário do que pretendia o legislador com o Decreto Lei n.º 268/94, de 25/10,  
S. Aliás, é notório que a pretensão do legislador era atribuir maior rigor ao funcionamento dos condomínios, exigindo que as deliberações tomadas fossem exaradas em acta, concedendo-lhes, consequentemente força executiva quanto aos montantes das contribuições em dívida, de modo a viabilizar a exigência do pagamento das mesmas, sem que haja a necessidade de recorrer à acção declarativa, dando maior eficácia à cobrança de tais dívidas, logrando pela melhor manutenção do parque habitacional.
T. Em última análise, esta interpretação, de que a expressão “contribuições devidas ao condomínio” deve ser entendida como “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio”, só beneficiaria o condómino relapso, premiando o seu comportamento faltoso.
U. Face ao que se vem de expor, deverá a decisão do tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento da execução.
V. Ainda que assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se equaciona, ainda que fosse de entender, o que não se concede, que o título executivo junto aos autos não era por si só suficiente, como parece entender o tribunal a quo in casu,
W. Deveria o tribunal, no uso dos puderes que lhe são conferidos pela lei processual, no sentido de apurar a verdade material dos factos, ordenar que fossem juntas as atas em que foram ab initio definidos os valores das quotas ordinárias extraordinárias e respetivos prazos de pagamento. Assim o impõe o disposto, nos artigos 411º e 734º do Código de Processo Civil, de onde resulta que fazendo uso dos poderes ali prescritos deveria convidar a exequente a juntar aos autos os elementos que considera estarem em falta, máxime as atas em que é definido o valor das quotas a pagar, futuramente, ao condomínio e os respetivos prazos de pagamento.
X. No sentido vertido nesta apologia e suas conclusões vide a propósito o Ac. Do T.R.L., de 17/02/2009, no processo n.º 532/05.4TCLRS-7, em que foi Relator Maria do Rosário Morgado, o Ac. do T.R.L., de 22/06/2010, no processo n.º 1155/05.3TCRLS.L1-7, em que foi Relator Maria Amália Ribeiro ou ainda o Ac. do T.R.L., de 11/10/2012, no processo 1515/09.0TBSCR.L1-2, em que foi Relator Jorge Leal  (cujas transcrições constam das alegações supra).
Y. Face ao exposto, ainda que se subscreva o entendimento que a expressão “contribuições devidas ao condomínio” deve ser entendida como “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio”, o que não se concede, deveria ter o tribunal a quo ter convidado o exequente a aperfeiçoar o requerimento executivo, mediante a junção aos autos os elementos que considera estarem em falta, máxime as atas em que é definido o valor das quotas a pagar, futuramente, ao condomínio e os respetivos prazos de pagamento”. 
5. Não foram apresentadas contra-alegações.
II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, são:
- da impugnação da matéria de facto;
- da existência de título executivo;
- do convite ao aperfeiçoamento.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso decidiu os factos do seguinte modo:
“Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1. O A, deduziu a presente execução para pagamento de quantia certa, contra B, alegando, para o efeito, os seguintes factos:
1. A executada foi proprietária da fração O do Imóvel sito na Av. Berlim, n.º …, Torre 1 em Lisboa, até ao dia 16 de Março de 2016, cfr. Certidão predial que se junta como documento n.º 1.
2. A executada deve ao condomínio exequente o valor total de 9.734,88 €, referente a quotizações ordinárias e extraordinárias vencidas desde 2012, cfr. melhor descriminado na Acta nº 76/2017, que se junta como documento n.º 2, acrescido de juros à taxa legal em vigor.
3. Na supra referida Acta, correspondente à assembleia realizada no dia 3 de Maio de 2017, foram registadas as dívidas ao condomínio e, entre elas, o montante devido pela ora executada, enquanto proprietária da fração nos períodos em causa, tendo sido deliberada a cobrança judicial montante em dívida.
A dívida é certa, líquida e exigível, nos termos e para os efeitos do Código de Processo Civil. sendo a ata título executivo nos termos do artigo 6.º n.º 1 do Decreto - Lei n.º 268/94, de 25/10.
Termos em que deve a presente acção prosseguir para pagamento da dívida exequenda.
2. A Executada foi proprietária da fração O do Imóvel sito na Av. Berlim, n.º …, Torre 1, em Lisboa, até ao dia 16 de Março de 2016.
3. Como é uso neste condomínio, a convocatória foi afixada na entrada do imóvel e enviada por e-mail a todos os condóminos, contendo mesmo como ponto 2 dos trabalhos “Apreciação, discussão e votação das dívidas ao condomínio, em particular Fração O (6º Esquerdo);”.
4. Convocatória que foi enviada por e-mail ao actual proprietário da fracção, Gonçalo ……, filho da executada
5. Foi intentada outra execução contra a Executada, que se extinguiu pelo pagamento.
6. Nessa acção (acção executiva com o n.º de processo 32514/15.2T8LSB e que correu termos no J3 da 1ª Secção de Execução da Instância Central da Comarca de Lisboa) eram apenas peticionados valores devidos pela Executada ao Exequente, referentes a períodos anteriores ao ano de 2012.
7. Nesse processo foi peticionado o pagamento das quotas referentes aos anos de 2009 (3º e 4º trimestres), 2010 (1º, 2º, 3º e 4º trimestres) e 2011 (1º, 2º, 3º e 4º trimestres), bem como duas quotas suplementares relativas a obras efetuadas em partes comuns do prédio.
8. A referida execução teve como título executivo as actas da Assembleia Geral de Condóminos com os números 58 (de 15 de Março de 2011), 59 (de 17 de Abril de 2011) e 60 (de 19 de Janeiro de 2012).
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa:
1. A executada não foi convocada para a assembleia que aprovou os valores de condomínio e despesas que estão a ser peticionados, nem que, na ausência destas, tenha-lhe sido comunicado as deliberações produzidas nas mesmas”.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar.
1. Da impugnação da matéria de facto:
Nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por outro lado, dispõe o art. 640º, nº 1 do CPC que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Tal como vem sendo entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, resulta deste preceito o ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida em primeira instância. Ou seja, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.
Quer isto dizer que incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos relevantes. Por seu turno, o recorrido indicará os meios de prova que entenda como relevantes para sustentar tese diversa, indicando as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 283 e ss..
Nos presentes autos, entende o apelante que o tribunal recorrido deveria ter dado como provado que “No dia 16 de Outubro de 2018, a executada fez um pagamento no valor de 2.520,00 Euros, no âmbito da execução diretamente à Agente de Execução”, porquanto esse facto resulta de requerimento junto aos autos pela Agente de Execução e é demonstrativo de que a executada se confessou devedora dos montantes peticionados e que reconheceu o título executivo dado à execução como bastante.
Importa, antes de mais, recordar que os factos a ter em atenção em qualquer decisão são aqueles que se referem à causa de pedir apresentada e correspondentes excepções, devendo ter sempre relevância para a decisão a tomar.
Ora, o facto em apreço não se refere a nenhuma destas categorias, antes resultando da análise dos autos de execução.
Acresce que não é possível extrair do pagamento efectuado nem a existência de um título executivo, nem uma confissão de dívida, na medida em que tais considerações se assumem como questões de direito, não podendo ser transportas para factos. Quer isto dizer que o facto em apreço não assume qualquer relevância para a decisão dos autos, nomeadamente para determinar se o documento apresentado como título executivo assume essas características ou não.
Donde, e por não ser relevante para a decisão da causa, não se atende à impugnação da matéria de facto, o que determina a improcedência deste segmento da apelação.
2. Da existência de título executivo:
Sustenta o apelante que a sentença recorrida deve ser revogada, porquanto a acta apresentada como título executivo reúne as características necessárias para tanto.
Vejamos.
Preceitua o art. 10º, nº 3 do CPC que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
Nos termos conjugados dos arts. 703º, nº 1, al. d) do CPC e 6º do DL 268/94, de 25 de Outubro, “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido na sua quota-parte”.
Por outro lado, nos termos do art. 1424º do CC “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”, sendo, como decorre da lei, condóminos os proprietários.
Da conjugação destas normas conclui-se que o legislador optou por atribuir força executiva à acta da assembleia de condóminos relativamente à contribuição de cada condómino para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, na proporção do valor da sua fracção, nos termos do art. 1424º do CC, desde que seja apresentada como título executivo acta exarada nos termos do DL 268/94, de 25 de Outubro e, em particular, do seu art. 6º.
Daqui resulta que o valor constante da acta apresentada como título executivo deve estar relacionado com as contribuições devidas ao condomínio, outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou despesas com serviços de interesse comum que não devam ser suportadas pelo condomínio.
Como bem referem quer a sentença recorrida, quer o apelante nas suas alegações, não há unanimidade na jurisprudência quanto à interpretação a dar à expressão “contribuições devidas ao condomínio”, podendo ser encontradas duas orientações distintas.
Assim, para uma destas orientações, apenas podem servir de títulos executivos as actas em que constem as deliberações da assembleia de condóminos que procederam à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se quer o prazo de pagamento, quer a quota-parte de cada condómino.
Como se explica no Ac. TRC de 23-01-2018, relator António Domingos Pires Robalo, proc. 7956/15.7T8CBR-A.C1 (citado na decisão recorrida), os defensores desta tese argumentam que “…a assembleia de condóminos quando reconhece que o condómino está em dívida com determinado valor reconhece apenas que ele deixou de liquidar a contribuição anteriormente fixada, dentro do prazo estabelecido para o efeito, ou seja, não fixa a contribuição que será devida ao condomínio, antes se limita a constatar a existência dessa dívida e, consequentemente, não constitui título executivo”.
Por outro lado, e transcrevendo novamente o citado aresto, “… a fonte da obrigação pecuniária do condómino deriva da sua aprovação em assembleia de condóminos, consubstanciada na respetiva acta, que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns, e não da declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinada quantia”, sendo esse “o sentido da última parte do segmento normativo do n.º 1 do art.º 6.º do D.L. 268/94, de 25 de Outubro, ao referir “constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte” - (cfr. neste sentido Ac. Rel. de Lisboa de 23/3/2012, proc.º n.º 524/06.6TCLRS.L1.6, relatado por Tomé Ramião; de 17/2/2009, proc.º n.º 532/05.4TCLRS-7, relatado por Maria do Rosário Morgado; de 22/6/2010, Proc. n.º 1155/05.3TCLRS.L1-7, relatado por Maria Amélia Ribeiro; de 11.10.2012, proc.º n.º1515/09.0TBSCR.L1-2, relatado por Jorge Leal; de 29.5.2014, proc.º n.º 11162/08.9YYLSB.L1-6, relatado por Fátima Galante; e da Rel. de Évora de 28.01.2010, proc.º n.º 6924/07.7TBSTB.E1, relatado por Fernando Bento, todos in www.dgsi.pt; Ac. Rel. do Porto de 17.01.2002, Proc. n.º 0131853, relatado por Sousa Leite; de 29.06.2004, Proc. n.º 0423806, relatado por Alberto Sobrinho; de 21.04.2005, Proc. n.º 0531258, relatado por Ataíde das Neves; de 16.6.2009, proc.º n.º 12447/06.4YYPRT-B.P, relatado por Rodrigues Pires; e de 06.9.2010,processo nº 2621/07.1TJVNF-A.P1, relatado por Ana Paula Amorim)”.
Isto é, apenas será título executivo a acta da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições, já não o sendo aquela que refira que se encontra em dívida determinada quantia, funcionando aquela como um pressuposto desta.
Por seu turno, outra corrente jurisprudencial entende que a deliberação da assembleia onde se procede à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino, expressa na respectiva acta, consubstancia um título executivo nos termos e para os efeitos do art. 6º do DL 268/94, de 25 de Outubro, porquanto este preceito alude apenas ao montante das contribuições devidas e não à fixação dessas contribuições, sendo que esta tese vai de encontro ao espírito do legislador, o qual, ao conferir eficácia executiva às actas das reuniões da assembleia dos condóminos, pretendia evitar o recurso à acção declarativa em situações de maior facilidade na liquidação. São exemplo desta corrente os seguintes acórdãos referidos no citado Ac. TRC de 23-01-2018, “Ac. Rel. do Porto de 02.6.1998, proc. n.º 9820489, relatado por Emídio Costa; acórdãos da RC de 1/3/2016, proc. n.º 129/14.8TJCBR-A.C1, relatado por Fonte Ramos; de 04.6.2013, proc.º n.º 607/12.3TBFIG-A.C1, relatado por Arlindo Oliveira; de 6/12/2016, proc. n.º 473/13.1TBLMG.C1, relatado por Manuel Capelo (…); Ac. Rel. Lisboa de 02.3.2004, proc.º n.º 10468/2003-1, relatado por André dos Santos; de 29.6.2006, proc. n.º 5718/2006-6, relatado por Ferreira Rodrigues; de 8.7.2007, proc. n.º 9276/2007-7, relatado por Arnaldo Silva; de 18.3.2010, proc. n.º 85181/05.0YYLSB-A.L1-6, relatado por Carlos Valverde; e de 7.7.2011, proc. n.º 42780/06.9YYLSB.L1-2, relatado por Teresa Albuquerque; e da RE de 17.02.2011, proc. n.º 4276/07.4TBPTM.E1, relatado por Maria Alexandra Moura Santos, (…) Ac. da RP de 04.6.2009, proc. n.º 1139/06.4TBGDM-A.P1, relatado por José Ferraz e Ac. do STJ de 14.10.2014, proc. n.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1., relatado por Fernandes do Vale”.
Por forma a optar por qualquer uma destas teses, impõe-se referir que o art. 6º do DL 268/94, de 25 de Outubro confere força executiva à “acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio” quando “o proprietário (…) deixar de pagar, no prazo estabelecido”.
Donde, são elementos essenciais deste título executivo, por um lado, a deliberação do montante da contribuição devida por cada condómino e, por outro, a falta de pagamento dessa contribuição no prazo estabelecido.
Ora, a simples declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinada quantia não permite concluir pela existência destes dois elementos essenciais, porquanto não contem a deliberação do montante da contribuição devida por cada condómino, mas apenas a aprovação de um valor.
Acresce que o valor em dívida terá sempre de ser resultado de uma operação aritmética, composta por várias parcelas, como meses ou anos, por forma a permitir ao executado apreender os valores em dívida e exercer os seus direitos quanto à impugnação desses valores, seja pelo pagamento efectuado, seja pela prescrição da dívida, parcelar ou integralmente, seja pela alegação de qualquer outro meio de defesa.
Por outro lado, uma acta em que apenas conste o valor já vencido não permite densificar a última parte do preceito em análise, porquanto não contém em si qual o prazo estabelecido para o pagamento e se o mesmo foi ou não cumprido.
Assim sendo, tem de se concluir pela impossibilidade de uma acta com essas características servir de título executivo nos termos e para os efeitos do citado art. 6º.
Tal como se diz no Ac. TRL de 22-01-2019, relator Diogo Ravara, proc. 3450/11.3TBVXF.L.1-7 “… do citado art. 6º, nº 1 do DL 268/94 também resultam requisitos de clareza e precisão no que diz respeito à definição dos elementos que devem constar na ata para que a mesma possa constituir título executivo.
Na verdade, tal ata terá que permitir quantificar, de forma clara, os montantes e os prazos de vencimento das obrigações em mora. Daí que a jurisprudência saliente que para que constitua título executivo a mesma tem que documentar a aprovação de uma deliberação da qual resulte uma obrigação pecuniária para o condómino e o respetivo montante, não bastando que dela resulte uma mera relação de dívidas ao condomínio. Neste sentido cfr. os acs. RP 04-02-2016 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 2648/13.4TBLLE-A.P1 e RC 23-01-2018 (António Robalo), p. 7956/15.7T8CBR-A.C1”.
Concluindo, entendemos que no âmbito do art. 6º do DL 268/94, de 25 de Outubro apenas podem servir de títulos executivos as actas em que constem as deliberações da assembleia de condóminos que procederam à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se quer o prazo de pagamento, quer a quota-parte de cada condómino e não aquelas onde apenas se faça constar a declaração de que é devida determinada quantia.
No caso dos autos, decidiu o tribunal recorrido que a acta apresentada como título executivo não pode assumir tal função, porquanto “se limita a liquidar os valores em dívida por banda dos condóminos, entre os quais a executada”.
Entende o apelante que a acta trazida a juízo refere a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio e fixa a quota-parte devida pela executada e respectivo prazo de pagamento, pelo que deve ser considerada como título executivo.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com o apelante.
Antes de mais, e porque tal como o exequente, ora apelante, refere no seu requerimento executivo e está expresso nos factos provados, na acta em apreço “foram registadas as dívidas ao condomínio e, entre elas, o montante devido pela ora executada, enquanto proprietária da fração nos períodos em causa, tendo sido deliberada a cobrança judicial montante em dívida”.
Da leitura da mesma acta extrai-se que está elencada a dívida da executada, de acordo com os anos e a natureza das quotas (ordinárias/extraordinárias), bem como a deliberação sobre a respectiva cobrança judicial.
De tudo quanto se explanou quanto aos requisitos necessários para que determinada acta de assembleia de condóminos possa valer como título executivo, nos termos e para os efeitos do art. 6º do DL 268/94, de 25 de Outubro, fácil é concluir que a deliberação constante da acta dos autos não reúne essas características, porquanto apenas refere qual a quantia em dívida, ainda que especificadamente para cada ano, não fixando o montante devido para cada ano. Isto é, assumindo que o exequente pretende executar quantias relativas aos anos de 2012 a 2016 e referentes a obras efectuadas, teria de apresentar como título executivo as actas onde foi deliberado o montante anual para cada ano e o valor aprovado para as obras a realizar e forma de pagamento do mesmo, com datas de vencimento.
Ora, a acta em apreço nada refere quanto a estes aspectos, sendo uma mera deliberação sobre montantes em dívida, com base em informação do administrador de condomínio e que não pode, por esse motivo, servir de título executivo.
Consequentemente, e no que aos autos diz respeito, verificando-se que da acta resulta apenas o valor em dívida pela executada, temos de concluir pelo infundado da pretensão do apelante e pelo acerto da decisão recorrida quando refere a inexistência de título executivo.
Questão que ora se coloca é saber se é ou não possível convidar o exequente a juntar aos autos as actas onde foram definidos os montantes devidos por cada condómino e para cada ano e que, no seu entendimento, estão em dívida.
Parece-nos pacífico que, em caso de título executivo complexo, o despacho relativo à existência de título executivo deva ser precedido de despacho convidando o exequente a suprir os vícios existentes, apenas sendo de rejeitar a execução caso esses vícios não sejam supridos no prazo concedido para o efeito.
Veja-se, neste sentido, o Ac. STJ de 10-04-2018, relator Pinto de Almeida, proc. 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2, onde se pode ler “… uma das linhas mestras que, desde a reforma de 1995, enformam o processo civil é a de garantir a prevalência do fundo sobre a forma, privilegiando-se a providência de mérito, em detrimento da aplicação estrita de normas de índole formal.
Esta orientação concretiza-se, no âmbito da acção executiva, designadamente, no dever de convidar o exequente a suprir a falta de pressupostos processuais e as irregularidades de que enferma o requerimento executivo, desde que sanáveis, como se prescreve expressamente no art. 812-E, nº 3, do CPC.
Será o caso da execução baseada em título de que resulte a incerteza da obrigação ou a inexigibilidade da prestação e não seja imediatamente oferecida e efectuada prova complementar do título.
A formulação desse convite para o aperfeiçoamento do requerimento executivo é ainda possível para além da fase liminar da execução, como decorre do disposto no art. 820º (actual art. 734º) do CPC.
Só no caso de tal convite não ter resposta adequada, não sendo aperfeiçoada a petição e suprido o vício, é que deverá ser decretada a extinção da execução (cfr. art. 812-E, nº 4)”.
Por outro lado, entendemos que, considerando as vicissitudes do processo executivo e a possibilidade conferida pelo art. 734º do CPC, a possibilidade de avaliação da existência de título executivo existe ao longo do processo e até ao limite temporal estabelecido pelo citado preceito. Neste sentido, vide Ac. TRL de 28-04-2016, relator Nuno Sampaio, proc. 7262/13.1TBOER.L1-6.
Da análise dos autos de execução a que estes autos se mostram apensos, efectuada através do sistema Citius, verifica-se que foi proferido despacho de citação, sem que tenha sido ordenada qualquer diligência prévia ou proferido despacho de aperfeiçoamento, sendo que os autos se encontram em fase de penhora.
Resta, pois, apreciar se é possível suprir a inexistência da acta que, de acordo com o que se expôs, constitui título executivo.
Entende o apelante que o tribunal recorrido deveria “no sentido de apurar a verdade material dos factos, ordenar que fossem juntas as atas em que foram ab initio definidos os valores das quotas ordinárias extraordinárias e respetivos prazos de pagamento”.
A este propósito, e também no âmbito de embargos de executado, entendeu-se no Ac. TRC de 23-02-2016, relator Carlos Moreira, proc. 1962/13.3TVPBL-A.C1 que se impunha ao tribunal convidar o exequente a juntar aos autos a acta que se entende ser título executivo, face ao dever constante do art. 590º, nºs 3 e 4 do CPC, mais se referindo que “Certo é que o juiz não deve substituir-se à parte nos seus deveres decorrentes dos princípios do dispositivo, da substanciação e da auto responsabilidade.
Mas quando ele pugne por um entendimento, mais a mais numa matéria jurisprudencialmente controvertida, que é contrário à pretensão defendida pela parte decorrente de uma sua atuação que, com probabilidade, pode ser invertida no sentido propugnado pelo julgador, deve este convidá-la a atuar de modo a facultar-lhe a possibilidade de o impetrante/interessado adequar a sua intervenção e carrear para o processo os elementos que possam obstar ao indeferimento liminar ou precoce.
Tudo em consonância com o papel mais ativo e profícuo que as recentes reformas adjetivas pretendem para o juiz, e em benefício e com prevalência da substancia e da justiça sobre uma menos adequada postura formal que, iniquamente, podem obstar à consecução destes desideratos.
E, neste sentido, e precisamente quanto a esta temática, se tem pronunciado a jurisprudência.
Assim:
Se se indiciar que a ata … existe, embora não tenha sido junta com o requerimento executivo, o juiz deve, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 812.º-E do CPC, convidar o exequente a suprir a irregularidade, apresentando o título em falta e, se for o caso, corrigindo o requerimento inicial» - Ac. da RL de 11.10.2012, p. 1515/09.0TBSCR.L1-2.
«No caso de deficiente alegação e enquadramento no requerimento inicial executivo, quer factual, quer jurídico, pode ter lugar despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo ex vi do previsto no nº3 do art. 812º-E, nº1, do mesmo C.P.Civil decorrente da Reforma de 2007.» - Ac. da RC de 17.12.2014, p. 408/14.4TBVIS.C1.”.
Como se refere neste ultimo acórdão (Ac. TRC de 17-12-2014, relator Luís Filipe Cravo), “se o requerimento executivo deve ser acompanhado do título executivo (cf. art. 810º, nº6, al. a) do aplicável C.P.Civil) e se o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo quando “seja manifesta a falta ou insuficiência do título” (cf. nº1 do art. 812º-E do mesmo C.P.Civil), outra e diversa deve ser a solução quando se esteja afinal perante uma deficiente alegação e enquadramento, quer factual, quer jurídico, isto é, quando a situação invocada – “acta nº 10 da assembleia de condóminos” – poderia ser enquadrável como constituindo um “documento particular” que valia como título executivo”, situação em que deveria haver lugar a um despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo.
No caso dos autos, importa referir que o exequente, no seu requerimento executivo, se limitou a dizer que “2. A executada deve ao condomínio exequente o valor total de 9.734,88 €, referente a quotizações ordinárias e extraordinárias vencidas desde 2012, cfr. melhor descriminado na Acta nº 76/2017, que se junra como documento n.º 2, acrescido de juros à taxa legal em vigor.
3. Na supra referida Acta, correspondente à assembleia realizada no dia 3 de Maio de 2017, foram registadas as dívidas ao condomínio e, entre elas, o montante devido pela ora executada, enquanto proprietária da fração nos períodos em causa, tendo sido deliberada a cobrança judicial montante em dívida”, cfr. nº 1 dos factos assentes.
Verifica-se, pois, que o exequente se limitou a juntar a acta da reunião da assembleia de condóminos da qual consta a deliberação sobre o montante em dívida pela executada, sem que refira, de forma discriminada, o número de prestações não pagas, seu montante e prazo de pagamento, nem sequer as datas em que esses valores foram aprovados.
Por esse motivo, não se pode concluir pela existência de uma mera omissão na junção de documentos, os quais estariam contemplados na descrição dos factos, caso em que se imporia ao tribunal providenciar pela sua junção aos autos e, por essa via, suprir a irregularidade verificada. Propugnando a necessidade dessa junção quando exista apenas uma mera omissão no que toca à junção aos autos da acta assembleia de condóminos em que se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento, veja-se o Ac. TRL de 17-02-2009, relator Maria do Rosário Morgado, proc. 532/05.4TCLRS-7 e ainda a jurisprudência citada pelo exequente nas suas alegações.
Como se pode ler no Ac. TRL de 11-10-2012, relator Jorge Leal, proc. 1515/09.0TBSCR.L1-2, “É certo que o requerimento executivo deve ser acompanhado do título executivo (art.º 810.º n.º 6 alínea a) do CPC) e que o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo quando “seja manifesta a falta ou insuficiência do título” (n.º 1 do art.º 812.º-E do CPC). Só que, em casos como o dos autos, indicia-se que o título (no caso, ata ou atas contendo a deliberação ou as deliberações em que se aprovaram as despesas a serem suportadas pelos condóminos e/ou o montante das contribuições individualmente a serem suportadas por cada um deles), embora não tenha sido junto, existirá. Ora, em casos em que a falta (inexistência) de título não seja manifesta, o juiz deve, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 812.º-E do CPC (“fora dos casos previstos no n.º 1, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do art.º 265.º”) convidar o exequente a suprir a irregularidade, apresentando o título em falta e, se for o caso, corrigindo o requerimento inicial (neste sentido, Lebre de Freitas, Acção executiva, obra citada, pág. 77). Tal tem sido propugnado por parte da jurisprudência, em casos idênticos ao destes autos (cfr. acórdãos da Relação de Lisboa, 30.6.2011, 13722/10.9YYLSB e 22.6.2010, 1155/05.3TCLRS.L1-7, já supra citados). O não acionamento desse poder-dever é omissão que constitui irregularidade relevante (art.º 201.º n.º 1 do CPC) que, tendo sido arguida pelo exequente no recurso da decisão que a acobertou deve ser conhecida por esta Relação (cfr. Manuel Domingues de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183”.
Não é este, todavia, o caso dos autos, porquanto não se mostra alegado qualquer facto de onde se possa extrair quais os valores em dívida, nomeadamente quais as prestações não pagas, seu montante e prazo de pagamento.
Consequentemente, entende-se que, no caso dos autos, é manifesta a falta ou insuficiência do título apresentado, não constituindo qualquer omissão do dever ínsito no art. 726º, nº 4º do CPC, a inexistência de convite ao exequente para junção de outros documentos.
Donde, e na impossibilidade de concluir pela admissibilidade de prova complementar quanto ao título executivo apresentado, e não contendo este os elementos necessários para se concluir pela sua exigibilidade, entende-se que o mesmo não é título executivo, tal como decidido em primeira instância.
Concluindo, entende-se que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo improcedentes as conclusões do apelante.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.

Lisboa, 19 de Maio de 2020
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano