Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
549/12.2TTFUN.1.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
IPP COM IPATH
INCIDENTE DE REVISÃO
CAPITAL DE REMIÇÃO
CÁLCULO DA PENSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I– Na determinação da pensão devida ao sinistrado por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, nos termos do disposto no artigo 48º nº3 b) da Lei 98/2009 de 04-09 (LAT), deve aplicar-se o critério objectivo que faz corresponder a pensão à soma do valor mínimo (50% da retribuição) com o resultado da multiplicação da diferença entre esse valor mínimo e o valor máximo (70% da retribuição) pelo coeficiente de desvalorização, salvo se resultar provada uma capacidade funcional para o exercício de profissões compatíveis com as lesões diferente do referido critério.

II– O valor já liquidado pela responsável, a título de capital de remição, consequência da fixação da pensão devida ao sinistrado e primitivamente fixada, não deve ser abatido ao novo montante da pensão, mais elevado e não obrigatoriamente remível, obtido por efeito da revisão, pois extinguiu a obrigação de pagamento de tal pensão. Cumpre antes calcular a diferença entre o primitivo cálculo da pensão e o actual, sendo esse o valor que o sinistrado tem direito a receber.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–Relatório:

AAA veio requerer a reavaliação da incapacidade parcial permanente de que se encontra afectado, incapacidade essa que havia sido fixada por sentença, em consequência do acidente de trabalho ocorrido em 10 de Fevereiro de 2012, em 14,454%, com a aplicação do factor de bonificação de 1,5, sendo determinada a respectiva pensão anual desde a data da alta até à entrega do capital de remição que foi entregue.

Argumenta que ocorreu um agravamento das lesões resultantes do acidente.

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Foi realizado exame de revisão, tendo o Senhor Perito Médico concluído que o sinistrado se encontra afectado de uma incapacidade parcial permanente de 18,51%.

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Notificados os interessados do teor do exame médico realizado, a seguradora requereu a realização de exame por junta médica da especialidade de ortopedia.

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Realizado este, a junta médica concluiu que o sinistrado está afectado pela referida incapacidade, que fixou em 11,48%, com IPATH.

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Notificados os interessados, nada mais foi requerido.

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Foi proferida sentença que decidiu

Condena-se a ré BBB S.A., a pagar ao sinistrado AAA

a)- A pensão anual e vitalícia de € 9.014,06, (nove mil e catorze euros e seis cêntimos), pensão não remível conforme resulta do disposto no artigo 75º nº 1 a contrario sensu da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, devida desde a data do pedido de revisão – 10 de Fevereiro de 2017 – descontado que seja o valor correspondente ao capital de remição já pago, acrescida dos juros moratórios desde a data do pedido de revisão, à taxa anual supletiva em vigor6 Artigos 806º, nºs 1 e 2 e artigo 559º, n.º 1, ambos do Código Civil. – nota de rodapé da sentença. .

b)- O subsídio de Elevada Incapacidade no montante de € 3.539,08 (três mil quinhentos e trinta e nove euros e oito cêntimos) acrescido dos juros moratórios desde a mesma data, à taxa anual supletiva em vigor.7 7 Cfr. nota 6.– nota de rodapé da sentença.”

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A Seguradora, BBB, SA, interpôs recurso da sentença, concluindo nas suas alegações que:

1 O valor de 9.014,06 € atribuído à pensão anual no âmbito do presente incidente - que não se entende foi alcançado -, está errado e não corresponde à IPP de 11,48% com IPATH que o sinistrado é actualmente portador.

2 Como o sinistrado é, actualmente, portador da IPP de 11,48 % com IPATH, é-lhe devida a pensão anual de 8.563,78 €, assim calculada, considerando o salário anual de 16.375,59 € e o salário anual de 16.375,59 €: 16.375,59 € x 70% = 11.462,91 € 16.375,59 € x 50% = 8.187.80 € 11.462,91 € - 8.187,80 € = 3.275,11 € 3.275,11 € x 11.48 % = 375,98 € 8.187.80 € + 375,98 € = 8.563,78 €.

3– Não é o montante do capital de remição já entregue que deve ser deduzido ao valor da pensão decorrente da IPP de 11,48% com IPATH, mas o montante da pensão que serviu de base de cálculo ao capital de remição já pago.

4– Com efeito, de acordo com o ensinamento que se colhe da jurisprudência, é o montante da pensão que serviu de base ao cálculo do capital de remição que deve ser abatido à pensão agora fixada e não o capital de remição pago.

5– O sinistrado já foi indemnizado pelas pensões que teria direito até ao final da vida decorrente da IPP inicialmente fixada, através da entrega do capital de remição, sendo esta remição o resgate da pensão que receberia até ao fim da vida, através da entrega imediata de uma quantia.

6– Estando resgatada a pensão devida ao Sinistrado até ao fim da vida correspondente à IPP inicialmente fixada, não podia o Meritíssimo Juiz “a quo” deixar de proceder à dedução na nova pensão da pensão já remida.

7– Ao invés, ordenou a dedução do capital de remição já entregue na pensão agora fixada, o que não é a mesma coisa, e conduz a resultados diferentes.

8– Como o Sinistrado é, atualmente, portador da IPP de 11,48 % com IPATH, é-lhe devida a pensão anual de 8.563,78 €, à qual haverá que descontar a pensão já remida de 1.656,85 €, do que resulta a pensão anual e vitalícia de 6.906,93 €.

9– Decidindo de modo diferente, a douta sentença sob recurso viola a lógica do sistema reparatório explanado na LAT, os princípios gerais de direito, a noção e o sentido da remição, o princípio da justa reparação dos acidentes de trabalho, estabelecido no artigo 59º, nº 1, alínea f), da CRP, e o disposto nos artigos 2º, 48º, nº 3°, alínea c), e 70º, nº 1, da Lei n° 98/2009 de 4 de Setembro.

10– Pelo que deve ser substituída por acórdão que fixe a pensão anual na quantia de 8.563,78 €, à qual haverá que descontar a pensão já remida de 1.656,85 €, do que resulta uma pensão anual de 6.906,93 €.

Termos em que, revogando a douta sentença recorrida V. Exas. farão JUSTIÇA!”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, nos seguintes termos “Assistindo razão à recorrente, requer o MP a rectificação da sentença em conformidade, nos termos dos art. 613º e 614º do CPC.

Assim não sendo entendido Respondendo ao recurso interposto pela R. diz o Ministério Público.

VENERANDOS DESEMBARGADORES

Assistido razão à recorrente merece provimento os recurso por si interposto.”

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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos

Cumpre apreciar e decidir

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II–Objecto.

Considerando as conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, cumpre decidir

- se a pensão anual fixada pela primeira instância corresponde à IPP com IPATH, atribuída ao sinistrado (saber se os cálculos estão correctamente efectuados);

- se, tendo sido anteriormente atribuída à sinistrada uma pensão obrigatoriamente remível, fixando-se entretanto uma pensão superior no quadro de um incidente de revisão, a qual não é obrigatoriamente remível, deverá descontar-se ao valor da nova pensão o valor da antiga, ou o montante do capital de remição já pago.

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III–Fundamentação de Facto.

Os factos relevantes para a questão que nos ocupa são os que constam do antecedente Relatório e ainda que

1.– No dia 10 de Fevereiro de 2012, quando sob as ordens, direcção e fiscalização de “ (…), S.A.”, (…) com IPATH, com sede na (…) Funchal, desempenhava as funções de motorista, o sinistrado foi vítima de um acidente que consistiu no seguinte: quando estava numa paragem de autocarros na zona por baixo do viaduto de (…), , enquanto os passageiros saíam e entravam, um automóvel ligeiro embateu na parte de trás do autocarro, provocando um soquete do mesmo, que estava no automático. Como tinha a mão esquerda no volante, o polegar foi para trás e consequentemente fracturou o escafóide.

2.– Como consequência, o sinistrado sofreu as lesões descritas no auto de perícia médica de fls. 41 a 43 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e no qual determinou encontrar-se o sinistrado curado em 14.09.2012 mas afectado de uma IPP de 9,636%.

3.– À data do sinistro o trabalhador auferia o salário anual total, para estes efeitos, de €16.375,59 (€826,27 x 12 + €110,00 x 11 + €311,77 x 11 + €910,44 x 2- salário base, subsídio de alimentação, outras remunerações e subsídios de férias e de Natal) que estava integralmente transferido para a BBB, S.A.

4.– Pelos períodos de incapacidades que o sinistrado sofreu recebeu da companhia de seguros a quantia de € 6.973,28, nada mais tendo a reclamar a esse título.

5.– Por sentença proferida em 23 de Janeiro de 2014 foi fixado ao sinistrado o coeficiente de IPP (com a aplicação do factor de bonificação de 1,5) em 14,454%, desde o dia imediatamente a seguir ao dia da alta.

6.– Na sentença referida supra foi a BBB, S.A. condenada a pagar ao sinistrado o capital de remição calculado com base numa pensão anual e vitalícia no valor de €1.656,85 (mil, seiscentos e cinquenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos), descontado o montante de €515,15 (quinhentos e quinze euros e quinze cêntimos) que o sinistrado recebeu a título de pensões provisórias, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da alta até entrega do capital de remição, e ainda a pagar ao sinistrado as intervenções cirúrgicas que forem necessárias para a correcção das sequelas existentes.

7.– Foi entregue ao sinistrado o capital de remição nos termos ordenados na douta sentença.

8.– O sinistrado, representado pelo Ministério Público, requereu em 10 de Fevereiro de 2017 o exame médico de revisão da sua incapacidade.

9.– Foi realizado o exame médico a que se refere o artigo 145º nº 1 do Código de Processo de Trabalho em 6 de Abril de 2017 e que se encontra nos autos a fls. 147 a 149, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido.

10.– A requerimento da seguradora foi realizada em 21 de Setembro de 20l7 a junta médica da especialidade de ortopedia, encontrando-se o respectivo auto a fls. 162 a 163 dos autos dando-se seu teor por integralmente reproduzido.

11.– Foi atribuída ao sinistrado, por unanimidade, pela junta médica uma IPATH de 11,48%.

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IV–Apreciação do Recurso.

É aplicável ao caso a Lei dos Acidentes do Trabalho aprovada pela Lei 98/2009 de 04-09, dado que o acidente a que se reportam os autos ocorreu no dia 10 de Fevereiro de 2012 (cfr. art. 187º nº1 dessa Lei - LAT)

Em consequência do acidente, o tribunal a quo começou por fixar ao sinistrado a IPP de 14,454% e uma pensão anual e vitalícia no valor de €1.656,85, pensão essa obrigatoriamente remível. Foi entregue ao sinistrado o capital de remição.

No âmbito do incidente de revisão suscitado nestes autos, a primeira instância veio fixar a IPATH do sinistrado em 11,48%, desde a data do pedido de revisão, determinando uma pensão de € 9.014,06, não remível, e ordenando se desconte no valor da pensão, o valor correspondente ao capital de remição já pago, determinando também que à pensão acresçam juros moratórios desde a data do pedido de revisão, à taxa anual supletiva em vigor.

A Apelante insurge-se contra o valor da pensão determinado e ainda contra o facto de a sentença recorrida não ter tido em conta o pagamento da pensão anual anteriormente fixada ao sinistrado, já remida, e cujo montante entende deve ser deduzido à nova pensão, consequência da IPATH.

Tem razão a recorrente quanto a ambas as questões.

Vejamos

Quanto à primeira questão, na determinação da pensão devida tem aplicação o disposto no artigo 48º nº3 b) da Lei 98/2009, nos termos do qual o sinistrado, por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, tem direito a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.

O artigo 71º quanto ao cálculo das prestações, e para o que ao caso interessa, determina que: “1. A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente. 2. Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. 3. Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.

Como se refere no Acórdão desta Secção de 21-03-2007 Processo 23/2007- acórdão proferido no âmbito da Lei 100/97 de 13 de Setembro, cujo artigo 17º nº1 b) tinha redacção idêntica à do artigo 48º nº1 b) da actual LAT: “Se do acidente resultar redução da capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado, este terá direito às seguintes prestações:

(…) b)- Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual: pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e subsídio por situações de elevada incapacidade;”, “O modo como se procede ao cálculo da pensão nos termos deste preceito tem suscitado divergências na doutrina e na jurisprudência.
Começando pela jurisprudência, há que referir que o Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 14.12.84 (BMJ, nº 342, pág. 275) e, mais recentemente, no Ac. de 30.10.2002 (CJ/STJ, Ano X, T. III, pág. 263) entendeu que, face ao citado preceito legal, claro é que ao juiz compete graduar a pensão entre os fixados limites mínimo e máximo de harmonia com as circunstâncias em concreto de cada sinistrado, atendendo, designadamente, à natureza e gravidade das lesões sofridas, à idade do sinistrado, às suas habilitações e qualificação profissional, ao seu estado geral e às condições do mercado de trabalho.

O mesmo critério já havia sido seguido no Ac. RE de 3.04.79 (BMJ nº 289, pág. 394) e é também nesta mesma orientação que se insere o Ac. desta Relação de 18.02.93 (CJ, Ano XVIII, 1993, T. I, pág. 189).

Este entendimento jurisprudencial é o perfilhado, na doutrina, por Vítor Ribeiro (”Acidentes de Trabalho - Reflexões e Notas Práticas”, 1984, págs. 317 a 319).

Porém, o Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 26.04.99 (www.dgsi.pt) considerou que resulta da alínea b) do nº 1 da Base XVI da Lei nº 2127 que, nos casos em que à incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual se associa diminuição da capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, a pensão deve ser graduada entre os limites aí apontados, procedendo-se ao respectivo cálculo de forma objectiva, de modo que quanto menor for a capacidade residual maior será a pensão com tendência a mais se aproximar dos 2/3. Este entendimento e fórmula subjacente foram sufragados nos Acs. da RP de 19.11.2001 (CJ Ano XXVI, Tomo V, págs. 246 a 248) e de 12.12.2005 (www.dgsi.pt) e da RC de 31.03.2005 (www.dgsi.pt).

Em todos estes arestos se fez apelo, de modo directo ou indirecto, à crítica que à posição defendida por Vítor Ribeiro fora feita por Carlos Alegre (“Acidentes de Trabalho”, Coimbra, 1995, págs. 81 e 82) - basicamente por a mesma pretensamente não ter suporte na letra da lei.

Porém, este último autor, em anotação à correspondente norma do artigo 17º, nº 1, alínea b), da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro veio a aproximar-se da posição defendida por Vítor Ribeiro, rejeitando o simples cálculo aritmético (“Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais”, Coimbra, 2000, págs. 96 a 98).” Refere este Autor que a consideração de que a capacidade residual é a parte sobrante da incapacidade arbitrada, como vem fazendo a jurisprudência, “constitui um artifício que não tem nenhuma base legal, pois não leva em linha de conta que a capacidade residual a considerar é, por um lado funcional, isto é, deve permitir o exercício de uma actividade de índole profissional, e, por outro lado, se destina ao exercício concreto de outra profissão, diferente da que tinha. (…) Reconhecendo a falta de apoio legal desta solução jurisprudencial, propunha-se, em contrapartida, uma outra solução, baseada em “critérios de bom sendo, apoiados na ponderação de variadíssimos factores em que preponderam a idade, as habilitações profissionais e escolares e a própria conjuntura do mercado de emprego local (V. Ribeiro, in Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, pág.318). (…) esta parece-nos ser a posição correcta, se ela não se reportar a um momento distinto do exame médico, ou seja, se ela se basear num parecer ou peritagem médica, apoiado ou não em parecer ocupacional ou funcional. De facto, por muito largos que sejam os poderes de decisão do Magistrado, não lhe é lícito lançar mão do critério jurisprudencial acima referido para quantificar uma capacidade funcional residual, cuja natureza tem de ser, necessariamente, objectiva, na medida em que se trata de apurar o que, sob o ponto de vista funcional (da chamada “força do trabalho” ou “capacidade de ganho”, o sinistrado ainda é capaz de fazer, apesar das sequelas do acidente. Elemento importante a apurar nesta situação é o valor da capacidade funcional residual que uma peritagem médica judicial terá dificuldade em apurar. Parece-nos, por isso, que se deve lançar mão de parecer técnico (…). Carlos Alegre, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, 2ª edição, pág. 97-98.

Também o referido acórdão e tal como sumariado, perfilhou-se esta tese: “Nas situações de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a pensão vitalícia a que o sinistrado tem direito deve ser graduada, entre os fixados limites mínimo e máximo (50% e 70% da retribuição, respectivamente), de harmonia com as circunstâncias em concreto de cada sinistrado, atendendo, designadamente, à natureza e gravidade das lesões sofridas, à idade do sinistrado, às suas habilitações e qualificação profissional, ao seu estado geral e às condições do mercado de trabalho.”

In casu, a instância nada refere quanto ao modo como chegou à pensão anual e vitalícia de 9.014,06€, portanto desconhece-se se tomou posição na referida querela doutrinária e jurisprudencial.

Quanto a nós, na senda do acórdão da Relação do Porto de 23-01-2012 Processo 340/08.0TTVLG.P1., entendemos que, com o devido respeito, “o legislador não mandou atender, para fixar a pensão – que é o que ora nos ocupa – à idade, às habilitações literárias e à profissão (que mais não poderá exercer) do sinistrado, mas apenas àquela capacidade residual para outras profissões, sendo certo que deveremos presumir que ele soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, atento o disposto no Art.º 9.º, n.º 3 do Cód. Civil.

Claro que tais elementos são atendíveis, mas numa fase anterior, isto é, no momento de fixar a incapacidade, pelo que se deverá dizer que o sinistrado está afetado de uma incapacidade permanente parcial de x%, considerada permanente e absoluta para o exercício da profissão habitual, sendo de x% a capacidade funcional residual para o exercício de profissões compatíveis com as lesões. Este último segmento é, por regra, omitido, mas é relevante e exatamente para depois se poder fixar a pensão. Daí que seja no momento de fixar a incapacidade que os Srs. Peritos e depois o Tribunal devam atender e ponderar todos os elementos do sinistrado e demais circunstâncias para se definir o tipo e grau de incapacidade e de capacidade restante. Definido o grau de incapacidade, a pensão estabelece-se tão aritmeticamente como nos casos de incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho (IPA), como nos casos de incapacidade permanente parcial (IPP), como nas incapacidades temporárias (ITP ou ITA). Na verdade, não é crível que o legislador que estabeleceu critérios tão rígidos para a quantificação das pensões de acidente de trabalho, tenha a partir de 1965 criado uma forma de cálculo de uma pensão que dê liberdade ao Juiz de a fixar dentro de uma moldura, mas sem um critério igualmente rígido. Crê-se que a fixação de limites mínimos e máximos – ½ e 2/3 ou 50% e 70%, como na Lei n.º 100/97, de 13 de setembro - decorre apenas da circunstância de a incapacidade para o trabalho habitual ser mista de incapacidade absoluta, para a profissão habitual e de incapacidade relativa, para todo e qualquer trabalho.

Por outro lado, a capacidade funcional residual para o exercício de outras profissões compatíveis é o correspetivo da incapacidade permanente parcial para as mesmas profissões, pelo que aquela se analisa na diferença entre 100% e esta; no entanto se os Srs. Peritos ou o Tribunal a quo entenderem de diferente forma, poderão socorrer-se de todos os elementos, inclusive o recurso a peritos do Fundo de Desenvolvimento de mão-de-obra [Cfr. o disposto no Art.º 47.º, n.º 3 do Decreto n.º 360/71, de 21 de agosto] ou do Ministério do Trabalho e da Solidariedade [Cfr. o disposto no Art.º 41.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril] e fixar a capacidade residual em diferente medida da diferença entre 100% e a IPP. Tal não ocorrendo, parece que não se pode invocar a idade, as habilitações literárias ou a profissão do sinistrado em sede de fixação de pensão, quando o deveria ter sido em sede de fixação de incapacidade para o trabalho habitual e de capacidade funcional residual para o exercício de funções compatíveis com as lesões.

Tal conclusão não significa que se desconheça as dificuldades de obter pareceres da especialidade na área ocupacional, ou que se ignore a relutância dos Srs. Peritos Médicos em estabelecer incapacidades para o trabalho habitual e, mais ainda, em definir nestes casos o grau de capacidade funcional residual para o exercício de profissões compatíveis com as lesões. No entanto, tais dificuldades da prática judiciária não legitimam que se faça da lei uma interpretação e aplicação afastada, de todo, da sua letra e do seu escopo. Nota de rodapé nº8 do acórdão.

Defende o acórdão que aqui seguimos de perto a aplicação do critério objectivo que faz corresponder a pensão à soma do valor mínimo (50% da retribuição) com o resultado da multiplicação da diferença entre esse valor mínimo e o valor máximo (70% da retribuição) pelo coeficiente de “desvalorização”, concluindo que “assim deverá continuar a ser, salvo se nos autos estiver provada uma capacidade funcional residual para o exercício de profissões compatíveis com as lesões, diferente do critério aritmético praticado, uma vez que ele só pode resultar de parecer prévio de peritos especializados e isto quando o Juiz o tenha requisitado, usando da faculdade prevista no Art.º 41.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril.

A ponderação de outros elementos como a profissão, a idade, as lesões sofridas e as habilitações literárias do sinistrado, conjugadas com a dificuldade em encontrar emprego compatível, dadas as dificuldades conjunturais, não é de sufragar, pelo subjetivismo que pode ter estado subjacente ao juízo efetuado, para além de a lei mandar atender apenas à maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível com as lesões[9 Seguimos de perto os Acórdãos desta Relação do Porto de 1996-11-22 e de 2001-11-19, in Colectânea de Jurisprudência, respetivamente, 1996, Tomo V, págs. 252 e 253 e 2001, Tomo V, págs. 246 a 248. Contra, cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1984-12-14 e de 2002-10-30, in, respetivamente, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 342, págs. 275 a 277 e Colectânea de Jurisprudência Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, AnoX-2002, Tomo III, págs. 263 a 267. Na doutrina, cfr. Vítor Ribeiro, in Acidentes de Trabalho Reflexões e notas práticas, 1984, págs. 317 a 319 e Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, págs. 96 a 98. – nota de rodapé do acórdão.].

Pensamos, assim, ser de manter o critério habitualmente seguido por parte da jurisprudência pois, embora criticável, apresenta um grau de certeza que só deve ceder perante factos e pareceres que o contrariem decisivamente, sob pena de se poder cair em subjetivismos que a justiça do caso não aconselha.” No mesmo sentido / Veja-se, aplicando o mesmo critério, o acórdão do STJ de 19-03-2009 – Processo 08S3920 – e o acórdão desta Relação de 11-04-2018, relatado pelo ora Exmo segundo adjunto, no processo 25552/16.0T8LSB.L1-4.

Em face do exposto, a pensão anual deveria ter sido calculada nos seguintes termos:

16.375,59 € x 70% = 11.462,91

16.375,59 € x 50% = 8.187.80 €

11.462,91 € - 8.187,80 € = 3.275,11 €

3.275,11 € x 11.48 % = 375,98 €

8.187.80 € + 375,98 € = 8.563,78 €.

É assim devida a pensão anual e vitalícia de 8.563,78 €.

Portanto, procede o recurso, nesta parte.

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Relativamente à segunda questão, cumpre decidir se, tendo sido anteriormente atribuída à sinistrada uma pensão obrigatoriamente remível, fixando-se entretanto uma pensão superior no quadro de um incidente de revisão, a qual não é obrigatoriamente remível, deverá descontar-se ao valor da nova pensão, o montante do capital de remição já pago, ou o valor da pensão original.

A sentença recorrida refere, e apenas no dispositivo, que à quantia referente à pensão “descontado que seja o valor correspondente ao capital de remição já pago, acrescida dos juros moratórios desde a data do pedido de revisão, à taxa anual supletiva em vigor.”.

Nos termos do disposto no art. 75º nº1 da LAT “[É] obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30% e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.” (sic)

No presente caso, a primeira pensão calculada era obrigatoriamente remível, por ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão (1.656,85€), tendo em conta o valor da remuneração mínima mensal garantida de 485 € (Decreto-Lei nº 143/2010 de 31 de Dezembro). A pensão ora fixada na sequência do incidente de revisão não é obrigatoriamente remível, dado que excede o montante compreendido no referido critério (9.014,06€).

A remição extingue a obrigação de pagar a pensão que, ao invés de ser paga anualmente, é liquidada de forma unitária, convertendo-se em capital Cfr, Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, pág. 156.,. Por outro lado, a remição “não prejudica: (…) b) [O] direito de o sinistrado requerer a revisão da prestação; (…) d) [A] actualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão.” Cfr. art. 77º da LAT.

In casu, a Apelante, ao proceder ao pagamento do valor do capital de remição, operou a extinção da pensão, entendendo-se reparado o direito do sinistrado. Revista a incapacidade, e em consequência aumentado o valor global da pensão devida, “o que é devido ao sinistrado deverá corresponder à diferença entre o valor da pensão anual inicial e o valor da pensão correspondente à incapacidade laboral que resulta da revisão.” Sic Ac. da Relação do Porto de 05-01-2015 – Proc. 360/09.8TTVFR.P1. Vejam-se também os acórdãos desta Relação de 09-05-2007 – Processo 2229/2007 – da Relação de Coimbra de 17-01-2013 – Processo 67/09.6TTOAZ.1.C1 – e da Relação de Évora de 05-07-2012 – Processo 585/08.3TTSTB.L1.

Em face do exposto, o valor já liquidado pela Apelante, a título de capital de remição, consequência da fixação da pensão devida ao sinistrado e primitivamente fixada, não deve ser abatido ao novo montante da pensão obtido por efeito da revisão, pois extinguiu a obrigação de pagamento de tal pensão. Cumpre antes calcular a diferença entre o primitivo cálculo da pensão e o actual, sendo esse o valor que o sinistrado tem direito a receber. No caso, tem direito a receber a quantia de 6.906,93€ (8.563,78€ - 1.656,85€), a título de pensão anual e vitalícia, em consequência da IPATH de que é portador.

É assim inteiramente procedente o recurso.

***

V–Decisão.

Em face do exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso interposto por BBB, SA, e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, condenando-se a referida Companhia de Seguros a pagar ao sinistrado AAA, a quantia de 6.906,93 (seis mil, novecentos e seis euros e noventa e três cêntimos), a título de pensão anual e vitalícia.

Em tudo o mais, mantém-se a sentença recorrida.

Sem custas.

Notifique.

Registe.

Lisboa, 2018-10-24

(Paula de Jesus Jorge dos Santos)

(1ª adjunta – Paula Sá Fernandes)

(2º adjunto – José Feteira)