Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LEOPOLDO SOARES | ||
Descritores: | RETRIBUIÇÃO GREVE PRÉMIO DE ASSIDUIDADE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/26/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Sumário: | Nos termos do art. 10 da Lei da Greve (Lei 65/77 de 26.08, é nulo e de nenhum efeito todo o acto que implique coacção, prejuízo ou discriminação sobre qualquer trabalhador por motivo de adesão ou não à greve”. A greve suspende, nos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição e desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade. A falta de pagamento do prémio de assiduidade estabelecido pela entidade patronal aos trabalhadores em greve, constitui uma sanção desproporcionada face à natureza da ausência do serviço do trabalhador grevista e à regulamentação do referido prémio. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Social, do Tribunal da Relação de Lisboa: O Sindicato dos Trabalhadores da Química, Farmacêutica; Petróleo e Gás do Centro, Sul e Ilhas ,com sede na Rua dos Douradores, nº 160,1100-207 Lisboa ,intentou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra A…, com sede na Rua … . Pede que a Ré seja condenada: -a reconhecer que os trabalhadores grevistas não perderam o direito à percepção do prémio de assiduidade; -a pagar aos mesmos trabalhadores o prémio de assiduidade que não lhes foi pago por força de adesão à greve. Alega, em resumo, que convocou uma greve para os dias 3 a 8 de Maio de 2001. Contudo, apenas por terem aderido à greve, os seus representados foram privados do prémio de assiduidade. A greve suspende o contrato de trabalho pelo que a adesão à mesma não pode ser fundamento para concluir pela falta de assiduidade. Trata-se de discriminação em função de adesão à greve que se mostra ferida de nulidade. Realizou-se audiência de partes na qual se frustrou a conciliação. Notificada para o efeito a Ré contestou alegando, em síntese, que o prémio de assiduidade é pago a qualquer trabalhador que não registe qualquer ausência do serviço, seja porque motivo for (sendo toleradas em cada mês uma única falta, no máximo de 2 ou 4 horas, consoante esteja em regime de turnos ou em horário fixo diurno), nos termos regulamentados. Atribui e paga um prémio de assiduidade porque a produtividade do trabalhador lhe permite aumentar os seus proveitos em montante pelo menos igual ou superior. É com esse aumento que paga o prémio, o que não acontece se houver ausência do trabalhador ao serviço, seja porque motivo for. Conclui pedindo a improcedência da acção. Elaborou-se despacho saneador, sendo certo que se dispensou a fixação de matéria assente e base instrutória. Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, tendo as partes acordado na matéria de facto. Foi proferida sentença (fls 106 a 108)que na parte decisória teve a seguinte redacção: “Termos em que julgo a acção improcedente e absolvo a R. do pedido. Custas pelo A”. Inconformada a Autora interpôs recurso de apelação(vide fls126 a 133). Apresentou as seguintes conclusões: “1ª - O relevo constitucional da greve como direito fundamental dos trabalhadores, densificado pela Lei da Greve então em vigor ( Lei nº 65/77, de 26/8), inibe qualquer interpretação que coarcte, restrinja ou condicione a opção pelo seu livre exercício, sendo nulas quaisquer disposições regulamentares que o pretendam fazer. 2a - É neste enfoque que deve ser interpretado o regulamento de assiduidade em causa nos autos, que não faz qualquer referência à abstenção de trabalho por motivo de greve, nem, aliás, podia fazê-lo sob pena de incorrer na nulidade cominada no artigo 10° da Lei da Greve. 3a - Os trabalhadores grevistas estão desvinculados do dever de assiduidade, pelo que a sua não comparência ao trabalho não pode ter qualquer reflexo na consideração da mesma assiduidade, configurando a interpretação diversa um constrangimento inadmissível na determinação de adesão à greve e uma discriminação dos grevistas em relação aos trabalhadores a ela não aderentes. 4a A douta sentença recorrida não enquadra os factos e o poder regulamentar (regulamento do prémio de assiduidade) em conformidade com a atinente normação constitucional e legal, acabando por infringir o artigo 57°, n° 1, da C.R.P. e o artigo 7°, n° 1, da Lei da Greve”. Finaliza requerendo a concessão de provimento ao recurso com a revogação da sentença e a prolação de acórdão que reconheça o direito dos trabalhadores grevistas a perceberem o prémio de assiduidade. A Ré não contra alegou. O Exmº Procurador Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fls 146/147). Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos. Nada obsta à apreciação. ** Em 1ª instância foi dada como assente a seguinte matéria de facto: 1- O Autor encontra-se autorizado para representar os trabalhadores que pretendem exercer o seu direito de acção. 2 - Trabalhadores estes que são sócios do Autor. 3. - O Autor decidiu convocar, com congéneres, uma greve para os dias 3 e 8 de Maio de 2001. 4 - Os trabalhadores que aderiram às sobreditas greves por não terem comparecido ao serviço nesses dias viram-se privados do prémio de assiduidade no que concerne ao mês de Maio de 2001. 5.- A Ré atribui mensalmente a todos os trabalhadores um prémio de assiduidade, no montante de 9 mil escudos (€ 44,89) prémio este que os trabalhadores sempre tinham recebido nos meses anteriores e continuaram a receber nos meses subsequentes. 6. - Os trabalhadores da Ré FF… viram-se privados do referido prémio de assiduidade no montante global de € 44,89 euros, uma vez que estes trabalhadores não apresentam qualquer hora de absentismo durante este mês, para além do período em que aderiram à greve. 7- A Ré concedia à data a que se reportam os factos descritos na petição inicial o prémio de assiduidade e pontualidade nos termos do comunicado de folhas 79, do seguinte teor: «Prémio de Assiduidade e Pontualidade» Com efeitos desde 01 de Janeiro de 2000 será alterado o valor do Prémio de Assiduidade e Pontualidade que vinha sendo atribuído aos colaboradores, para Esc.: 9.000$00 (Nove Mil Escudos), nas condições que já vinham sendo praticadas, as quais se transcrevem: - 1 - Este prémio será pago a todos os trabalhadores que não registem qualquer ausência ao serviço, seja porque motivo for, sendo toleradas em cada mês: Uma única falta no máximo de 2 (duas) horas, devidamente justificada, somente contemplando o pessoal do turno das 08,00 às 16,00 horas. b) Pessoal em Horários Fixos Diurnos: Uma única falta no máximo de 4 (quatro )horas, devidamente justificada 2- Este prémio é atribuído facultativamente pela Empresa, pelo que a mesma poderá a todo o tempo e mediante mera afixação de aviso, revogar ou modificar a sua atribuição.» 8- Era este o regime aplicado na empresa. «Prémio de Assiduidade e Pontualidade» Com efeitos desde 01 de Janeiro de 2000 será alterado o valor do Prémio de Assiduidade e Pontualidade que vinha sendo atribuído aos colaboradores, para Esc.: 9.000$00 (Nove Mil Escudos), nas condições que já vinham sendo praticadas, as quais se transcrevem: - 1 - Este prémio será pago a todos os trabalhadores que não registem qualquer ausência ao serviço, seja porque motivo for, sendo toleradas em cada mês: Uma única falta no máximo de 2 (duas) horas, devidamente justificada, somente contemplando o pessoal do turno das 08,00 às 16,00 horas. b) Pessoal em Horários Fixos Diurnos: Uma única falta no máximo de 4 (quatro )horas, devidamente justificada 2- Este prémio é atribuído facultativamente pela Empresa, pelo que a mesma poderá a todo o tempo e mediante mera afixação de aviso, revogar ou modificar a sua atribuição»(7). Cabe agora salientar que durante o período de greve o contrato de trabalho dos grevistas encontra-se suspenso (art 7º da LG). Para Bernardo da Gama Lobo Xavier “estando o contrato suspenso, o trabalhador fica dispensado da sua obrigação de trabalhar, mas, logicamente, não recebe também retribuição proporcionalmente. A greve torna-se um facto neutro não lesivo do contrato de trabalho, impossibilitando represálias patronais pelo seu simples exercício” - vide Curso de Direito do Trabalho,Verbo,1992,pág 180. E prossegue o mesmo autor “esta neutralidade da situação de greve deve reflectir-se em eventuais tentativas patronais no sentido desmotivar a greve, em que o exemplo clássico é o dos prémios antigreve, mascarados de prémio de assiduidade. O funcionamento desse sistema é o seguinte: estabelece-se uma compensação monetária avultada para quem não dê faltas ou dê um escassísimo número de faltas durante um longo período de tempo, assimilando-se, é claro, às faltas as ausências para greve. Assim, por exemplo, se estiver instituído um prémio anual avultado para quem não tiver uma única ausência(justificada ou injustificada),é evidente que se desincentiva em absoluto, na ordem prática, o direito à greve já que um único dia de greve envolve a perda de todo o prémio anual. Devem ser dificultados sistemas deste tipo, quando restrinjam demasiadamente a liberdade dos trabalhadores, ainda que não se possam pôr obstáculos ao estabelecimento de verdadeiros prémios de assiduidade e em que se reflictam todas as ausências, sem equiparação de greve às faltas injustificadas” – ob . cit,pág 180/181. In casu, não se detêm elementos para afirmar que o prémio em causa foi instituído pela Ré com o fito exclusivo de desmotivar a adesão dos seus trabalhadores a greves, sendo certo que também se pode esgrimir que durante esse período os mesmos estão à disposição do sindicato(vide neste sentido José João Abrantes, Direito de greve e serviços essenciais, Questões Laborais, Ano II,1995,nº 6,pág 137)e não a produzir para a entidade patronal sendo este o escopo da instituição do subsídio em apreço. Mas será que(e utilizando o raciocínio perfilhado pela própria Ré)se pode considerar que durante o período de greve se registam verdadeiras ausências ao serviço ? O art 22º do DL nº 874/76,de 28 de Dezembro, estatuía que falta é a ausência do trabalhador durante o período normal de trabalho a que está obrigado. Assim, ausência é “a situação do trabalhador que, em dado momento, e dentro do seu horário de trabalho não se encontra ao serviço da empresa” – vide neste sentido Abílio Neto, Contrato de Trabalho, Notas Práticas,16ª edição, pág 747. Ora só se pode ausentar ao serviço quem está ao serviço, sendo que o trabalhador em greve não se pode considerar ao serviço visto que o seu contrato de trabalho está suspenso. Deve a tal título referir-se que atenta a ausência de regulamentação específica dos efeitos da suspensão da relação de trabalho nos casos por motivo de adesão à greve, há até quem defenda a aplicação do regime de suspensão do contrato por motivo não imputável ao trabalhador (vide Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho,1991,Almedina,pág 396 e Maria do Rosário Palma Ramalho, Lei da Greve Anotada,Lex,1994,pág 49)previsto no DL nº 398/83,de 2 de Novembro. Argumentar-se-á contudo com os exemplos apresentados no art 13º da contestação. Todavia os mesmos reportam-se a trabalhadores ao serviço cujo vínculo não se encontra suspenso embora as faltas ali referidas se mostrem justificadas (vide artigos 23º e 24º do DL nº 874/76,de 28 de Dezembro actuais artigos 225º e 227º do CT). Temos, pois, que sob esta perspectiva - que se afigura correcta - a situação em exame não configura um caso de ausência ao serviço para o efeito em causa. Cabe, aliás, referir que no país vizinho se tem julgado que os dias de greve lícita não se consideram como ausências para efeitos de cômputo de absentismo e efeitos no “premio anti absentismo” (STud,13 de 13.2001 citado por Manuel Alonso Olea e Mª Emília Baamonde, Derecho del Trabajo,23ª ed, Thomson Civitas, nota 125, pág 1140);o mesmo se dizendo no tocante à sua consideração como absentismo susceptível de reduzir o prémio de assiduidade bem como acréscimo por assistência e pontualidade(TCT 5.2,25.5.1987 e NA/SOC 23.4.91 situações citadas por Alfredo Montoya Melgar, Derecho del Trabajo,26ª ed, nota 24,pág 730). Por outro lado, mesmo que não se perfilhasse o supra mencionado entendimento(vide vg: Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito da Greve, Verbo 1984,pág 208/209,o qual sustenta que o raciocínio supra explanado é especioso visto que o prémio de assiduidade não se destina a funcionar durante a greve, mas após a mesma, sendo certo, no entanto, que se afigura que no caso em apreço o cerne da questão gira em torno do conceito de ausência ao serviço)ainda assim afigura-se que a conduta da Ré tinha de ser considerada como uma actuação que cai sob a alçada do disposto no art 10º da LG. |