Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
38/20.1T1LSB.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
(LPCJP)
MEDIDA DE CONFIANÇA JUDICIAL COM VISTA À ADOPÇÃO
MEDIDA DE ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I–A aplicação das medidas de promoção e proteção enunciadas no artigo 35.º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto.

IIA aplicação de qualquer medida de promoção e protecção encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4.º da LPCJP, à cabeça dos quais se encontra a defesa prioritária do superior interesse da criança.

III–A aplicação da medida de confiança com vista à adoção – art. 35º, alínea g) da LPCJP - pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º do CC, nomeadamente, se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança(alínea d).

IV–Estando em causa a protecção de quatro irmãs, com 11 , 9, 6 e 5 anos de idade, a medida de confiança judicial com vista à adopção, atenta a ínfima probabilidade de ser conseguida a adopção em conjunto, não se mostra a mais adequada na medida em que não valorou o critério do primado da continuidade das relações psicológicas profundas.


(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:



IRELATÓRIO


O MINISTÉRIO PÚBLICO requereu, relativamente às crianças A…., filhas de ..e de.. .. melhor identificadas nos autos, a aplicação de medida de confiança judicial com vista à adopção.

Alegou, em síntese, que as crianças supra mencionadas foram sujeitas a maus tratos e sofreram negligência, ao longo do tempo em que viveram com a progenitora. Entende o Ministério Público que tais situações conduziram a que as crianças fossem colocadas em acolhimento residencial, situação em que ainda se encontram, sendo certo que na família alargada ninguém se mostrou disponível para acolher as meninas. O progenitor deu o seu consentimento para a adopção o que não sucedeu com a progenitora. Conclui que esta também não constitui alternativa para cuidar das filhas.

Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o debate judicial. Seguidamente, foi proferido acórdão, datado de 21 de Dezembro de 2021, com o seguinte dispositivo:
“ Face ao circunstancialismo descrito e analisado, não subsiste qualquer dúvida de que se encontra preenchida a previsão do art.º 1978.º, n.º1, alínea d), n.º 2 e 3 do Código Civil (com referência ao art.º3.º, n.º2 da LPCJP) pelo que se aplica às crianças ….. a medida de promoção e proteção com vista a futura adopção, consagrada no art.º 35.º, n.º1, alínea g) da LPCJP, mantendo-se as mesmas sob a guarda da Casa de Acolhimento “Casa do Parque”, onde já se encontram.
Por último, declara-se a inibição do exercício das responsabilidades parentais e a cessação das visitas às crianças por parte da família natural destas, de harmonia com o disposto nos artigos 1978.º-A do Código Civil e 62.º-A, n.º 6, da LPCJP.”

Inconformada com esta decisão, a mãe das crianças interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

a)-Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido em 21/12/2021, que, a final, decidiu:
Face ao circunstancialismo descrito e analisado, não subsiste qualquer dúvida de que se encontra preenchida a previsão do artigo1978.º,n.º1, alínea d), n.ºs 2 e 3 do Código Civil (com referência ao artigo 3.º, n.º2, da LPCJP), pelo que se aplica às crianças A….a medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, consagrada no artigo 35.º, n.º1, alínea g), da LPCJP, mantendo-se a mesma sob aguarda da Casa de Acolhimento“Casa do Parque”,onde se encontram.
Por último, declara-se a inibição das responsabilidades parentais e a cessação das visitas às crianças por parte da família natural destes, de harmonia com o disposto nos artigos 1978.º-A do Código Civil e 62.º-A, n.º 6, da LPCJP.”
b)- Dispõe a alínea d) do nº1 do artº 1978º do Código Civil que: O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações: (…) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação
ou o desenvolvimento da criança; (…)”.
c)-Determinando o seu nº3 que se considere que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças, nomeadamente, no que à decisão recorrida respeita, o disposto no nº2 do artº3º da LPCJP, presumivelmente alíneas b) e c).
d)-A verificação do perigo legitima a intervenção para a promoção e protecção das crianças, mediante aplicação de uma das medidas previstas no artº35º da mesma LPCJP, as quais apresentam uma gravidade crescente.
e)-A medida concretamente aplicada deve obedecer, nos termos do disposto no artº4º da LPCJP, entre outros (desde logo, o primacial, do interesse superior da criança e do jovem), aos princípios da proporcionalidade e actualidade, da responsabilidade parental, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e da prevalência da família, o que não sucedeu e se alega.
f)-Mostra-se violado o princípio da proporcionalidade e actualidade (alínea e) do artº4º da LPCJP) - a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram, no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade.
g)-Representando a intervenção do Estado uma restrição dos direitos fundamentais da criança ou do jovem (nomeadamente, o seu direito à liberdade e autodeterminação pessoal) e dos direitos fundamentais dos seus progenitores (entre outros, o direito à educação e manutenção dos filhos), colide com o consagrado no art.º36º da CRP, mormente nos seus n.º5 e 6, e com o previsto no nº1 do art.º1878º e n.º1 do art.º1885º, ambos do CC, e só pode ser tolerada dentro dos limites definidos pela própria CRP, no nº2 do seu artº18º.
“A lei pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos
casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
h)-O que não se verifica no caso em apreço e face aos factos resultantes dos autos:
-as medidas de apoio junto dos pais anteriormente aplicadas foram consideradas bem sucedidas, razão pela qual foram os autos de promoção e protecção arquivados em 15/04/2019;
-os factos que originaram a reabertura do processo em 17/12/2019 coincidiram com a alteração de residência da mãe e das crianças, que passaram a coabitar com uma amiga desta e seus filhos;
- tais factos decorreram num período de 2 meses, culminando com a institucionalização das crianças no dia 14/02/2020;
- durante esse período, as crianças, nomeadamente as duas mais velhas –….–, quando perguntadas pelas professoras acerca das marcas que exibiam, justificaram-nas como consequências de brincadeiras; o mesmo quanto à mãe;
- na casa de acolhimento e junto de outras testemunhas, acabaram as crianças por referir que eram batidas pela amiga da mãe e pelos filhos desta;
- tendo o agregado sido acompanhado desde Janeiro/2015, nunca o foi em virtude de maus tratos físicos, nem em momento anterior foram sinalizados maus tratos físicos, por não se verificarem;
- quando teve conhecimento das agressões às filhas por parte da amiga, a mãe deixou de coabitar com esta;
- à data da decisão da medida de confiança com vista à adopção já não se verificava a situação de perigo para as crianças, porquanto a mãe tratara já de afastar a origem de tal perigo.
i)-Pelo que não pode considerar-se proporcional e actual a aplicação da medida de confiança com vista a adopção, quando já não se verificam as circunstâncias que a justificariam.
j)-Mostra-se violado o Princípio da Responsabilidade Parental (alínea f) do artº4º da LPCJP) - a intervenção deve ser efectuada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem.
k)-Devendo privilegiar-se o papel dos pais, assegurando o Estado a assistência adequada aos pais da criança no exercício das suas responsabilidades e chamando-os à sua insubstituível acção junto dos filhos.
l)-Ora, nos presentes autos, tal não sucedeu, antes se tendo promovido o afastamento da mãe desde a reabertura do processo, impedindo de visitar as crianças ou sequer de contactar telefonicamente com estas, durante os últimos 2 anos.
m)-Tendo as crianças sido institucionalizadas em 14/02/2020, pelo menos desde 14/04/2020 que a mãe solicita visitas, cfr. relatório da EATTL de 26/05/2020; o que igualmente requereu ao Tribunal em 30/04/2020, cfr. Acta de Audições da mesma data, e em momentos posteriores (Acta de 26/05/2020, Acta de 15/06/2021, requerimento de 15/10/2021, douto despacho de 20/10/2021).
n)-O que sempre lhe foi negado.
o)-Ocorre ainda violação do Princípio do Primado da continuidade das relações psicológicas profundas (alínea g) do artº4º da LPCJP) - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante.
p)-Resulta dos depoimentos das testemunhas que melhor conhecem, porque acompanharam anteriormente, a mãe e as crianças (MB..... e PC.....) que, sem prejuízo das circunstâncias que justificaram a intervenção inicial, sempre existiu afecto e vinculação entre mãe e filhas e destas para com aquela.
q)-Vinculação que, a mostrar-se actualmente afectada, será em consequência de um absoluto corte de contactos durante os últimos 2 anos, imposto à mãe e às crianças e alheio à sua vontade, pelo que não pode reverter contra si.
r)-Por outro lado, a vinculação afectiva igualmente existente entre as crianças encontra-se comprometida pela medida decretada, pois que se quebrará com a efectiva eventual adopção de cada uma das irmãs, que dificilmente ocorrerá em conjunto ou em separado com manutenção de contactos.
s)-Foi ainda violado o Princípio da Prevalência da Família (alínea h)-do artº4º da LPCJP) - na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem, deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção.
t)-E por esta ordem, uma vez que a adopção apenas se deverá prefigurar quando a família (natural) inexista ou quando se revele incompatível com a salvaguarda do interesse superior da criança (nº6 do artº36º da CRP), de forma a que o interesse da criança ou jovem seja realizado, na medida do possível, no seio do seu grupo familiar, o que constitui um direito fundamental resultante do artº67º da CRP.
u)-O apoio à família, atento o seu papel insubstituível e central, deve primacialmente traduzir-se em medidas positivas, numa perspectiva de responsabilidade e solidariedade sociais, dando-se ainda prevalência à família natural.
v)-Neste caso, tendo as crianças uma mãe que quer assumir as funções parentais e que já demonstrou anteriormente que o pode fazer de forma satisfatória, ainda que com o apoio da comunidade/serviços competentes, haveria que aplicar a medida de apoio junto dos pais prevista na alínea a) do nº1 do artº35º da LPCJP e ainda que os pais possam necessitar de “um programa de formação visando o melhor exercício das funções parentais”, conforme prevê o artº41º da mesma Lei.
w)-Tanto o demonstrou a mãe, anteriormente, que o processo foi arquivado e apenas reaberto agora, em virtude de actos de uma terceira pessoa, de quem a mãe não suspeitava e cuja actuação desconhecia, por as crianças lhe terem dado as mesmas justificações que às professoras das respectivas escolas.
x)-Mas mais: logo que tomou conhecimento, afastou-se dessa pessoa, de forma a remover o perigo que representava para as crianças, quando retornassem a casa.
y)-Não podendo ser dada a relevância que o Acórdão dá ao facto de a mãe residir num T1 (mais barato) durante os 2 anos que tem estado sem as filhas; quando a habitação é arrendada e sempre manifestou a intenção de arrendar casa maior quando as filhas houvessem de retornar.
z)-Nem à falta de um trabalho regular da mãe, quando, como bem resulta dos autos, nunca se verificou uma falta de meios financeiros, daí decorrente.

aa)-Pelo que se conclui que:
- a situação de perigo (maus tratos físicos) que justificou a institucionalização das crianças, deixou de subsistir, pelo que já não teria esta medida sustentação, muito menos uma medida tão definitiva como a decretada confiança para adopção;
- não foram consideradas outras medidas menos gravosas a que deveria ter sido dada preferência e que eram ainda susceptíveis de ser aplicadas com sucesso;
- foram violados, com o decretamento da medida de confiança com vista a adopção, os princípios da Proporcionalidade e actualidade, da Responsabilidade parental, do Primado da continuidade das relações psicológicas profundas e da Prevalência da família, a que devem obedecer as medidas a aplicar, atento o disposto no artº4º da LPCJP.
- sendo assim possível um juízo de prognose favorável, no sentido de se poder ainda alcançar o fim último do superior interesse das crianças com recurso a medida em que estas continuem integrados no seio da sua família.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e aplicada medida de promoção e protecção menos gravosa que a confiança com vista à adopção.
Afigurando-se que a medida mais adequada ao caso concreto seria a de apoio junto dos pais, confiando-se as crianças à guarda e cuidados da mãe, ainda que com estipulação de um período de gradual adaptação e com apoio e acompanhamento de natureza psicopedagógica e social e eventual imposição de deveres de assegurar a assiduidade escolar, a assistência médica regular, a alimentação, a higiene pessoal e da casa e/ou a frequência de programas propostos pelas técnicas da Segurança Social e vocacionados para o melhor desempenho da responsabilidade parental.

…….Recorridas, vieram apresentar resposta formulando as seguintes conclusões:
1.–A Recorrente não concordando com a douta Sentença, pretende a revogação da decisão, com aplicação de uma medida de promoção e proteção menos gravosa.
2.Não poderão a aqui Recorridas concordar com tal posição.
3.Existiu uma violação dos deveres parentais por parte da Recorrente, tal como é possível atender face aos factos provados que constam do Acórdão.
4.A Recorrente não junta prova dos factos que elenca, limitando-se a referir violações de princípios constitucionalmente consagrados.
5.No entanto os princípios invocados pela Recorrente, não foram violados, sendo aleatoriamente escolhidos tendo em vista a concretização dos seus motivos, que indubitavelmente são parcos em conteúdo.
6.A Recorrente violou de forma grave e reiterada as suas responsabilidades enquanto Mãe, deixando as menores à mercê de terceiros que as maltrataram e castigaram de forma gratuita.
7.–A Recorrente foi conivente com tal atuação, não assumindo qualquer papel que permitisse proteger as suas filhas como era sua obrigação.
8.–De facto é recorrente a institucionalização das Recorridas, sendo este o comportamento padrão da Recorrente, o qual compromete o bem- estar das suas filhas de forma reiterada e viola constantemente as suas responsabilidades parentais.
9.A Recorrente, nunca foi um adulto de referência para as menores, pois as mesmas, desde muito cedo e infelizmente, perceberam que a mesma nada fazia para as proteger.
10.–As Recorridas foram abandonadas pela Recorrente e maltratadas por terceiros, debaixo do mesmo tecto em que todos residiam.
11.A Recorrente apenas se preocupa com o seu bem-estar, esquecendo-se que tem 4 filhas menores que precisavam do seu amor e proteção.
12.A Recorrente demonstrou não saber desempenhar o seu papel de Mãe, pois enquanto pessoa de referência para as menores e que as devia proteger e amar, foi a primeira a esquecer-se de tais valores e nunca protegendo as menores.
13.As Recorridas sempre viveram de forma desprotegida, tendo a plena consciência que Mãe nunca as iria proteger, ao contrário do que seria suposto.
14.Esta Mãe nunca visitou as suas filhas na Instituição onde residem, não ligou e nunca demonstrou qualquer preocupação com o seu bem-estar e agora quando confrontada com uma decisão judicial, decide aparecer e distorcer a realidade.
15.A Recorrente não dispõe de condições reais, efetivas e atuais para assegurar o integral desenvolvimento das Recorridas e sempre adotou comportamentos omissivos comprometedores dos vínculos afectivos próprios da filiação, revelados pela verificação objectiva de situações previstas nas alíneas d) e e) do art. 1978º do Código Civil.
16.Perante tais factos não poderia a Sentença ter sido outra ou então o Estado estaria a falhar redondamente com estas menores, empurrando-as novamente para o seio de uma mãe desestruturada e incapaz de cuidar.
17.A decisão do douto Tribunal permite proteger os interesses das aqui Recorridas, pelo que não devem as alegações da Recorrente ser acolhidas.
18.Sendo esta a vontade de todas, o sonho de ter uma família, que zele por elas e que as ame, sendo do seu maior interesse que a Decisão permaneça inalterada.
Nestes termos e nos mais de Direito deve a presente resposta a alegações da Recorrente merecer provimento e, consequentemente, lavrar-se Acórdão que mantenha totalmente a douta Sentença.

O Ministério Público apresentou contra- alegações defendendo a confirmação da sentença recorrida, concluindo:
1–A Recorrente limita-se a enumerar e a transcrever alguns dos princípios orientadores subjacentes à aplicação das medidas de proteção, sem impugnar a matéria de facto que foi dada como provada ou alegar a omissão de outros factos que considera provados, e que o acórdão simplesmente teria omitido (a chamada omissão de pronúncia).
2–Com efeito, não é invocado qualquer vício no acórdão, pelo que, em nossa opinião, o recurso é inepto, devendo ser rejeitado;
3–Caso assim não se entenda, o recurso não merece provimento, encontrando-se o acórdão devidamente fundamentado de facto e de direito, não tendo sido violado nenhum dos princípios enunciados pela Recorrente, a saber: princípioda proporcionalidade e da atualidade, princípio da continuidade das relações psicológica profundas, princípio da responsabilidade parental, princípio da prevalência da família ou qualquer outro.
4–A situação de perigo existe, desde logo porque a mãe das crianças, pese embora a intervenção ao longo dos anos, revelou não ter competências parentais, como não procurou adquiri-las, mostrando imaturidade, centrando-se nos seus sonhos, afirmando que pretendia ser “modelo”, quando tinha quatro crianças ao seu cuidado.
5–Como refere o acórdão recorrido, as crianças foram “vítimas de negligência e maus tratos”. Na verdade, os autos documentam que quando aos cuidados dos progenitores, as crianças tinham carências ao nível de higiene, alimentação, faltavam à escola sem justificação e surgiam com roupa pouco adequada à estação. A mãe, com quem residiam, não tinha competências parentais básicas (como confecionar alimentos, dar banho diário às crianças ou estabelecer regras para as mesmas) (…) às citadas dificuldades (já graves) junta-se a incapacidade da mãe em proteger as crianças perante situações de violência física a que as mesmas foram expostas.
6–Face à prova produzida, resulta à evidência que a progenitora não demostrou ter qualquer vinculação com as crianças, deixando-as entregues ao cuidado da amiga Iolanda, afastando-se por longos períodos (não ficou provado a razão dessas ausências), bem sabendo o perigo que as crianças corriam junto daquela, pois, a filha mais velha, ….reportava-lhe os factos, obtendo como resposta que a mãe nada podia fazer.
7–Também não existe qualquer vinculação por parte das crianças, como mostra o facto das três irmãs mais velhas, ….. formularem o desejo de terem uma nova família. Aliás, família foi o que estas crianças nunca tiveram, pois, desde muito cedo, beneficiaram de medidas de acolhimento residencial, sendo certo que quando viveram com a mãe, esta deixava-as aos cuidados de terceiros que as maltratavam.
8–Tal como prevê o artigo 18º, nº 1 da Convenção sobre os direitos da Criança, cabe primacialmente aos pais educar a criança e assegurar o seu desenvolvimento. No caso destas crianças, demitindo-se os pais dos seus deveres, e não existindo na família alargada alguém a quem possam ser confiadas, cabe ao Estado assegurar a sua proteção, promovendo a realização dos seus direitos.
9–Na verdade, a prevalência da família biológica pressupõe que esta reúna o mínimo de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança e necessariamente que, num juízo de prognose póstuma, se evidencie que a situação de perigo, objetivamente criada, não se voltará a repetir, e, por conseguinte, a preferência só é justificável na medida em que, no confronto com outra medida alternativa do meio natural de vida, como a confiança a pessoa selecionada para adoção, se revele a mais adequada ao superior interesse da criança.
10–Ora, no caso em apreço, essa situação não se verifica como resulta à saciedade, com cristalina evidência, da factualidade dada como provada, resultando inequívoco, que a progenitora não tem capacidade parental para proteger as filhas, bem assim para proporcionar-lhes as condições essenciais ao seu desenvolvimento.
11–Nenhum elemento da família alargada, inclusive a avó materna das crianças, se constituiu alternativa, nem tão pouco as visitou na Casa de acolhimento, mas dizendo aos técnicos que as netas deveriam ali permanecer até à sua maioridade.
12–O douto acórdão proferido, quer no que respeita à enunciação dos factos que fundamentam a decisão, quer quanto à valoração dos mesmos, não deixou de tomar conhecimento de questões fundamentais impostas pelo “Superior Interesse da Criança”, efetuando uma correta aplicação dos factos ao direito, defendendo os interesses da A….., não violando qualquer preceito legal, devendo por isso ser confirmado.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II–OS FACTOS

Na primeira instância foi a seguinte a factualidade apurada:
1.-A… nasceu em 22 de Novembro de 2010, …nasceu em 9 de Março de 2017.
2.-As quatro crianças identificadas em 1) são filhas….
3.-No momento imediatamente anterior ao seu acolhimento residencial, no âmbito destes autos, as quatro crianças viviam com a mãe, uma amiga desta e os três filhos menores desta última,….
4.-O pai das crianças não vivia com elas e a mãe, tendo outro agregado familiar constituído, residindo…
5.-O pai das crianças prestou consentimento para a adopção de todas elas, no âmbito destes autos, no dia 2 de Junho de 2021.
6.-Imediatamente antes de ser determinado o acolhimento residencial, as crianças estavam integradas no Jardim de Infância da Santa Casa da Misericórdia de Oeiras..
7.-As irmãs …. frequentavam a EB….
8.-Na sequência de sinalização por parte do estabelecimento de infância em que … estavam integradas, a CPCJ Lisboa Norte deliberou a abertura dos processos de promoção e protecção n° 026/20, 030/20, 031/20 e 032/20.
9.-A indicada sinalização dava nota de que as crianças mostravam falhas ao nível do vestuário, alimentação, higiene, ausência de acompanhamento familiar, incumprimento de regras.
10.-As crianças apresentavam ainda pediculose durante um longo período, tendo por essa razão o cabelo rapado, deixando à vista feridas e equimoses na cabeça, bem como à volta dos olhos.
11.-A 13 de Fevereiro de 2020 o estabelecimento escolar das crianças mais velhas enviou informação à CPCJ Lisboa Norte, referindo que as duas irmãs tinham marcas visíveis de serem batidas, situação que o mesmo estabelecimento já tinha verificado em outros momentos.
12.-Foi ainda relatado que as crianças faltavam à escola e quando voltavam tinham marcas de terem sido batidas, bem como as irmãs mais novas.
13.-Já em janeiro de 2015, na sequência de denúncia anónima, tinham sido abertos processos na CPCJ de Oeiras.
14.-Em Setembro de 2015, foi deliberada a aplicação às crianças de medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, medida revista em Abril de 2016, tendo sido deliberada a sua continuação.
15.-Na sequência de acompanhamento por parte de um CAFAP/Aldeias SOS foi identificado que a situação se mantinha, tendo sido aberto processo de promoção e protecção relativo à Clara.
16.-Em Outubro de 2016 a situação voltou a ser avaliada, tendo sido deliberada a medida de apoio junto dos pais quanto a … e prorrogada essa mesma medida às duas irmãs,….
17.-A situação de negligência e ausência de supervisão manteve-se.
18.-A … nasceu em casa.
19.-Em Maio de 2017, após avaliação da situação foi deliberado o acolhimento residencial das quatro crianças, com consentimento dos progenitores.
20.-A … esteve integrada na casa de São Miguel e as três outras irmãs foram institucionalizadas na Casa do Parque.
21.-A 4 de Outubro de 2018 a medida de acolhimento residencial foi substituída tendo sido deliberada a aplicação às quatro crianças de medida de apoio junto dos pais.
22.-A avaliação efectuada, e considerando a estabilidade que o agregado familiar, à data, apresentava, bem como cuidados e segurança prestados foi deliberado o arquivamento dos autos em 15 de Abril de 2019.
23.-A 17 de Dezembro de 2019 os presentes processos de promoção e protecção foram reabertos pela CPCJ tendo, em momento posterior, a mesma remetido os processos à CPCJ Lisboa Norte, atenta a alteração de residência de mãe e crianças.
24.-Apurou-se que a mãe foi viver com os menores para casa de uma amiga de nome Iolanda, que vivia com três filhos adolescentes.
25.-A 13 de Fevereiro de 2020 a EB informou a CPCJ Lisboa Norte de que …. apresentavam marcas visíveis de violência física, à semelhança do que o mesmo estabelecimento escolar tinha já verificado em outros momentos.
26.-Foi também reportado que as crianças não compareciam à escola e quando voltavam, traziam marcas de violência física, tal como as irmãs mais pequenas.
27.-As crianças ora afirmavam que as marcas resultavam de brincadeiras entre todas, ora diziam que a mãe lhes tinha batido.
28.-Os progenitores desvalorizavam as palavras das crianças.
29.-Nas escolas as meninas diziam que nos derradeirtos dias antes da institucionalização, dormiam num espaço de dimensões reduzidas, sem cama, sendo-lhes disponibilizada uma manta.
30.-Na sequência das marcas físicas detectadas a 14 de Fevereiro de 2020, foi deliberada pela CPCJ Lisboa Norte a medida de acolhimento residencial, a título cautelar.
31.-Tal medida foi confirmada pelo Tribunal.
32.-As crianças foram acolhidas na Casa do Parque, onde se encontram.
Também se provou que:
33.-As crianças ao entrarem na CA Casa do Parque tinham o cabelo rapado e equimoses na cabeça, bem como á volta dos olhos.
34.-Apenas os pais contactam a instituição, não havendo contacto de qualquer outro familiar.
35.-Os contactos dos progenitores são irregulares.
36.-Após o acolhimento, passaram os pais vários meses sem contactar a CA.
37.-O pai contactou a instituição dois meses depois do acolhimento das filhas.
38.-A mãe não contactou a CA nos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2020.
39.-O pai não contactou a Casa de Acolhimento nos meses de Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2020.
40.-A avó materna realizou um contacto telefónico e os pais nos contactos que fazem limitam-se a colocar questões superficiais sobre o bem-estar das filhas, não procurando aprofundar.
41.-A indicada avó materna manifestou não ter disponibilidade para acolher as quatro crianças.
42.-A EATTL tentou realizar entrevista com os pais, convocando-os por carta e através de contactos telefónicos, não tendo comparecido a nenhuma das entrevistas agendadas (no dia 23 de Julho de 2020; no dia 17 de Setembro de 2020; no dia 15 de Outubro de 2020; no dia 29 de Outubro de 2020 e no dia 21 de Janeiro de 2021.
43.-Os pais têm fornecido informações pouco claras acerca das respectivas situações de vida e condições para assumir as filhas, sendo que algumas delas se vêm a verificar contraditórias posteriormente.
44.-Os pais apresentam fraco sentido crítico relativamente à situação das crianças, não diligenciando no sentido de reunir condições para se constituírem alternativa ou para beneficiarem de intervenção técnica nesse sentido.
45.-Nenhum dos pais tem interesse efectivo em constituir-se como alternativa ao acolhimento residencial das crianças, sendo as competências parentais fracas.
46.-Os progenitores não coabitam juntos.
47.-O progenitor deu o consentimento para adopção a 2 de Junho de 2021, em acta.
48-Nenhum outro elemento da família alargada demonstrou disponibilidade ou interesse em visitar as menores e resultou gorada a hipótese de envolver nos autos dois irmãos consanguíneos das menores…
49-A progenitora não trabalha, vivendo até há pouco tempo da pensão de alimentos de €1000, 00 que o pai das crianças lhe entregava.
50-Afirmou que pretendia ser modelo e que trabalhava esporadicamente nas limpezas.
51-Reside com um companheiro que com ela subscreveu um contrato de trabalho apresentado na última sessão de debate judicial, datado de 2 de Dezembro de 2021.
52-As quatro irmãs têm vindo a dar sinais de sofrimento, fruto de um acolhimento prolongado e de ausência de atenção individualizada.
53.-As mais velhas revelam tristeza e dificuldade em gerir as emoções, denotando-se insegurança e fraca auto-estima.
54.-As mais novas evidenciam elevada carência afectiva, ligando-se indiscriminadamente a qualquer adulto da Casa de Acolhimento, desprendendo-se depois com indiferença.
55.-As crianças A…. verbalizaram, em entrevista realizada pela EATTL, o seu desejo de serem integradas numa família alternativa que lhes dê atenção e que cuide delas.
56.-Este anseio tem vindo a ser manifestado, tanto na Casa de Acolhimento, como nas sessões com a psicóloga.
Factos não provados:
Não se provou que a mãe das crianças sofra de alguma debilidade mental.

III–O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, a única questão a decidir consiste em saber se no caso em concreto, a medida de protecção de confiança judicial com vista à adpção, é aquela que se adequa ao caso concreto das crianças a que estes autos se referem.

Em termos jurídicos está em causa averiguar se o Tribunal recorrido não observou na decisão recorrida os princípios do respeito pelo superior interesse da criança, da proporcionalidade e actualidade da responsabilidade parental, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e da prevalência da família. Estamos perante quatro crianças que têm 11, 9, 6 e 5 anos de idade. As crianças sempre viveram com a mãe,à excepção do periodo em que estiveram institucionalizadas, já que o pai nunca viveu com elas, visto ter outro agregado familiar constituído. Tem mais dois filhos com 40 e 32 anos de idade (vide ponto 48.º dos factos provados). Atentas as idades das crianças, sendo que a mais velha já tem 11 anos, e tendo sempre vivido juntas, estabeleceu-se, necessariamente, um profundo laço familiar entre as quatro irmãs.

Foquemo-nos agora na relação entre a mãe e as filhas: Conforme decorre da matéria de facto dada como provada, estas crianças apresentam um historial de negligência por parte da sua mãe que deu origem à abertura dos respectivos processos na CPCJ de Oeiras, em Janeiro de 2015. Na sequência desses processos, foi aplicada às crianças a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais. Porém, verificando-se que a situação de negligência e ausência de supervisão em relação às crianças se manteve, em Maio de 2017, foi deliberado o acolhimento residencial das quatro crianças, com consentimento dos progenitores. A 4 de Outubro de 2018, tal medida foi substituída pela medida de apoio junto dos pais (vide ponto 21.º dos factos provados). Na sequência de avaliação realizada, “considerando a estabilidade que o agregado familiar, à data, apresentava bem como cuidados e segurança prestados, foi deliberado o arquivamento dos autos, em 15 de Abril de 2019(vide ponto 22.º dos factos provados).

Sucede que, entretanto, a mãe das menores alterou a sua residência e foi viver para casa de uma amiga que vivia com três filhos adolescentes. E, em 17 de Dezembro de 2019, os presentes autos de promoção e protecção foram reabertos pela CPCJ, perante novas notícias de que as crianças estavam a ser, de novo, negligenciadas e agora vítimas de agressões e maus tratos. Porém, não ficou esclarecida a autoria dessas agressões físicas. As crianças, depois de algumas tentativas de explicações incoerentes, acabaram por dizer que a mãe lhes tinha batido. Mais tarde, disseram ter sido a amiga da mãe, C… e os filhos desta quem lhes batia. A mãe nunca admitiu ter batido nas filhas, mas admitiu em Tribunal ter conhecimento das agressões às filhas por parte da pessoa que identificou como sua amiga e em casa de quem vivia.

Assim, na sequência dessas marcas de agressão física, apresentadas pelas crianças, detectadas em 14 de Fevereiro de 2020, foi deliberada pela CPCJ Lisboa Norte a medida de acolhimento residencial, a título cautelar. Tal medida foi confirmada pelo Tribunal. As meninas voltaram para a CA Casa do Parque, onde permanecem, até à presente data. Segundo resulta da factualidade supra, os contactos dos progenitores com as filhas são irregulares, sendo certo que a mãe não contactou a CA nos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2020, mas não ficaram esclarecidas as razões para tal acontecer.

É este o contexto fáctico que consideramos relevante destacar ao analisar a situação inequivocamente de perigo em que se encontravam estas crianças e em face da qual foi necessária a intervenção do Estado, através dos mecanismos legais existentes .

Na verdade, nos termos do disposto no art.º 1.º da - Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro e suas alterações.,esta tem por objecto a promoção do direitos e protecção das crianças e dos jovens em perigo de forma a garantir o seu bem estar e o seu desenvolvimento integral”.

Não está em discussão a legitimidade da intervenção que deve ocorrer sempre que
os pais, (…) puserem em perigo a sua [da criança ou do jovem] segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento(cfr. artigo 3.º da LPCJP).

De acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a)-Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b)-Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c)-Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d)-Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e)-É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f)-Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g)-Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h)-Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.

Porém, a intervenção com vista a proteger a criança da referida situação de perigo está sujeita a vários princípios orientadores elencados no art.º 4.º da LPCJP. Desde logo, à cabeça desse elenco surge-nos o interesse superior da criança”, como critério básico e fulcral a nortear qualquer decisão relativamente as crianças ou jovens. A intervenção deve, pois, atender prioritariamente, aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade de interesses presentes no caso concreto.” (art.º 4.º alínea a) da LPCJP) Sublinhado nosso..

No mesmo sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança (Nova Iorque, 26-01-1990, ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90) enuncia que: “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” (Cfr. art.º 3.º n.º1.)

Estabelece também a alínea e) do citado art.º 4.º que é igualmente critério orientador da intervenção a proporcionalidade, ou seja, “ a intervenção deve ser necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontra, no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade. O critério orientador da responsabilidade parental pressupõe que “ a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança” (alínea f). Deve ser ainda respeitado o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, ou seja, a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (alínea g).

Constitui também princípio orientador da intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança, a prevalência da família, o que quer dizer que “na promoção dos direitos e na protecção da criança deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adopção”.

A este propósito não se pode deixar de fazer referência ao que dispõe a Constituição da República Portuguesa (CRP) nos artigos 36.º, 67.º e 68.º quanto à protecção da Família e dos valores da paternidade e da maternidade.

Conforme define o art.º 36.º n.º 5 da CRP os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”. Embora não se esqueça que “ a adopção é regulada e protegida nos termos da lei”. Porém, de acordo com o art.º 68.º da CRP a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes por isso os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos.”

É na busca do ponto de equilíbrio entre todos estes princípios aplicados no contexto único destas crianças que há-de ser encontrada a medida adequada às mesmas, de forma a cumprir o supra mencionado objectivo de garantir o seu bem estar e o seu desenvolvimento integral.

Se é certo que o critério prioritário é a defesa do superior interesse da criança, também é verdade, que de acordo com o enquadramento constitucional vigente , a valorização do papel da maternidade e da paternidade conduz-nos à conclusão de que tal defesa passa também pela protecção e apoio das mães e dos pais biológicos, no sentido de exercerem a sua “insubstituível” acção em relação aos filhos.

Por seu turno, as crianças têm direito “à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” – cfr. n.º 1 do art. 69.º da CRP -, cabendo ao Estado assegurar especial proteção às crianças órfãs, em estado de abandono ou que se encontrem, por qualquer forma, privadas de um ambiente familiar normal (cfr. artigo 69.º, n.º 2, da CRP).

Porém, como já referido, a intervenção do Estado tem de cumprir os demais critérios e princípios a que supra se aludiu. A questão que se coloca nos presentes autos é, justamente, a de aferir se, no caso destas quatro irmãs às quais foi aplicada a medida de confiança a instituição com vista à adopção, a decisão respeitou tais princípios.

A aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção – art. 35º, alínea g) da LPCJP - pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva das situações que enuncia.

Nesse sentido, o artigo 1978.º do CC dispõe que:
1- O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
a)-Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b)-Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c)-Se s pais tiverem abandonado a criança;
d)-Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;)
e)-Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2-Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.”

Coloca-se pois a questão de saber se, no caso concreto, estarão seriamente comprometidas os vínculos afectivos próprios da filiação”. E estamos, neste momento, a pensar especialmente no vínculo mãe – filhas. Em relação ao pai, o facto de este ter dado o seu consentimento para a adopção demonstra que não tem interesse em manter qualquer ligação com as filhas. O que não se pode deixar de observar com estranheza, considerando a idade das crianças e atento o que consta do ponto 49.º dos factos provados: o pai dava uma pensão de alimentos para as filhas no valor de 1000,00€, mensais.

Centrando-nos, por ora, na relação entre a mãe e as filhas, cumpre notar que se é certo que os autos patenteiam situações graves de negligência que conduziram à institucionalização das crianças, também é certo que, em determinada altura, concretamente a 4 de Outubro de 2018, tal medida foi substituída pela medida de apoio junto dos pais (vide ponto 21.º dos factos provados). Na sequência de avaliação realizada, considerando a estabilidade que o agregado familiar, à data, apresentava bem como cuidados e segurança prestados, foi deliberado o arquivamento dos autos, em 15 de Abril de 2019(vide ponto 22.º dos factos provados). Demonstram, assim os factos, que afinal, em Abril de 2019, a mãe apresentava capacidade de assegurar o bem estar e desenvolvimento integral das suas filhas. Pelo menos a incapacidade anteriormente revelada parecia recuperável , dado que aparentemente recuperada. E não pode deixar de acentuar-se a favor desta mãe que a mesma, apesar do apoio económico por parte do pai das suas filhas, a verdade é que nunca viveu com este, não podendo, por conseguinte, contar com a ajuda do mesmo, na rotina diária da educação das filhas. Sucede que a subsequente mudança de casa e o facto de a mãe e as filhas passarem a viver com outro agregado familiar despoletou novo desequilíbrio na vida destas crianças.

É inegável a instabilidade, a dificuldade presente no percurso de vida desta mãe, até alguma obscuridade nesse percurso e são evidentes as consequências nefastas de tudo isso, no desenvolvimento das crianças. Porém, com todas essas vicissitudes, a A… foram crescendo junto da mãe e apesar de todas as dificuldades não se nos afigura que os vínculos afectivos entre a mãe e as filhas estejam séria e irremediavelmente comprometidos. Repare-se que a lei fala de vinculos afectivos”, não fala de condições económicas, de condições habitacionais ou de emprego. Isto quer dizer que o facto de a mãe não ter casa e não ter emprego, não constitui fundamento para que as filhas lhe sejam retiradas para adopção. O que importa saber é se tudo o que aconteceu, todas as vicissitudes espelhadas nos autos comprometeram de forma séria, ou seja, irrecuperável, irremediável, o vínculo afectivo mãe-filhas. Afigura-se-nos que os autos não permitem tirar tal conclusão. Pelo contrário, apontam antes para a direcção oposta, a avaliar pela realidade que conduziu ao arquivamento dos autos, em 15 de Abril de 2019.

Os autos apontam para a necessidade de apoiar esta mãe, responsabilizando-a a exercer devidamente as suas competências maternais, na linha do que estabelece o art.º 41.º da LPCJP. As condições habitacionais e de emprego são questões a tratar em sede de segurança social e não interferem na qualidade dos vínculos afectivos. São questões meramente circunstanciais que não podem ser consideradas decisivas no tocante a uma decisão que ponha em causa a relação afectiva estabelecida entre mãe e filhos.

Importa ainda sublinhar um aspecto que entendemos de crucial relevância e que tem a ver com o critério constante da alínea g) do art.º 4.º da LPCJP: primado da continuidade das relações psicológicas profundas”, ou seja, a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento. Ora bem, se podemos admitir que a relação afectiva entre a mãe e as filhas possa estar bastante afectada – embora não irremediavelmente comprometida, como referido- em consequência de todo o circunstancialismo que resulta dos autos, já a relação entre as quatro irmãs constitui um vínculo único e indestrutível que, necessariamente, como resulta da natureza das coisas, se foi sedimentando à medida que todas foram crescendo e que juntas enfrentaram as adversidades de uma vida que não as deixou desfrutar, em pleno, de uma infância feliz. Contudo, neste momento, o vínculo afectivo e securizante entre as quatro irmãs é talvez o bem mais valioso com que cada uma pode contar. Ora, como é sabido e resulta da experiência comum, será muito difícil, extremamente improvável, que existam candidatos a adoptantes para quatro irmãs, em conjunto. É ainda igualmente improvável a existência de candidatos a adoptantes, mesmo individualmente, para crianças desta idade, especialmente para uma criança a caminho de completar 12 anos.

Quer isto dizer que, de imediato, a medida decretada, tem a seguinte consequência para as crianças: corta-lhes a hipótese de qualquer ligação com a mãe e com a família alargada materna, fragilizando ainda mais aqueles vínculos . Paralelamente , inicia-se uma expectativa de vinculação a uma família alternativa que, com toda a probabilidade, não aparecerá. Mas se aparecesse, com toda a probabilidade iria cortar, para sempre, de forma inexorável, o vínculo afectivo mais forte que estas crianças conhecem que é o vínculo familiar entre as quatro irmãs. E isso, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista humano, afigura-se-nos intolerável. É por isso que entendemos que a medida decretada não defende o superior interesse destas crianças e não garante o primado da continuidade das relações psicológicas profundas.

Na linha de raciocínio que vimos desenvolvendo, não podemos deixar de fazer uma referência ao que se menciona no ponto 38.º da matéria de facto provada: “ a mãe não contactou a Casa de Acolhimento nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2020”. Cremos que, em relação a este facto e antes de retirar conclusões sobre o mesmo, importa não perder de vista que a mãe das crianças apresentou nos autos um requerimento, datado de 21 de Abril de 2020, no qual requereu ao Tribunal, “ nos termos e para os efeitos do art.º 53.º n.º3 e 58.º n.º 1 a) da LPCJP autorização para visitar as crianças na instituição”. Sobre este requerimento não incidiu qualquer decisão do Tribunal. Da análise dos autos resulta ainda que, em 15 de Junho de 2020, foi apresentado novo requerimento pela mãe das crianças, insistindo pelo pedido de autorização de visitas, apesar do parecer desfavorável emitido pela Equipa de Apoio Técnico ao Tribunal de Lisboa (EATTL) e pela Casa de Acolhimento.

O Tribunal, por despacho de 18 de Junho de 2020, determinou que por ora não se autoriza a realização de visitas da mãe e/ou do pai às crianças”.

Não se vislumbra, nem a decisão judicial refere, o motivo de tal proibição de os pais visitarem as crianças. A verdade é que estando os pais proibidos de visitarem as crianças, decisão que foi proferida precisamente com base em parecer nesse sentido, por parte quer da Casa de Acolhimento, quer da EATTL, é mais do que natural que os mesmos pais não contactassem a Casa de Acolhimento. Excluído o contacto pessoal, por determinação do Tribunal, restaria o contacto telefónico que, no contexto, claramente hostil por parte da Casa de Acolhimento, seria certamente pouco frutífero e relevante, donde importa deixar claro que o que consta do ponto 38.º dos factos provados não pode ser considerado para efeitos de se concluir pelo desinteresse, designadamente, da mãe das crianças. Ainda neste contexto em que as crianças foram afastadas do contacto com os pais, por decisão do próprio Tribunal, com base precisamente no posicionamento claramente hostil da Casa de Acolhimento em relação aos pais das crianças, é compreensível que as crianças tenham verbalizado o que consta do ponto 55.º dos factos provados. Por isso, consideramos irrelevante tal facto para a apreciação da causa.

O que importa reter desta análise é que da factualidade referida, não resulta que os referidos “vínculos afectivos” entre as crianças e os seus pais estejam seriamente e irremediavelmente comprometidos. Pelo contrário. Note-se que apesar das dificuldades, obstáculos e proibições supra mencionadas, ainda assim, como resulta do ponto 35.º dos factos provados, os progenitores não desistiram das filhas, contactando a Casa de Acolhimento Casa do Parque, ainda que esses contactos sejam “irregulares”. Ora, também no contexto do acolhimento, sabendo os pais que as crianças estão seguras e bem tratadas, também essa irregularidade não assume uma relevância a considerar.

Como se pode concluir do exposto, nem dos factos provados, nem da análise dos autos, se evidencia qualquer razão justificativa para a proibição das visitas às crianças, por parte dos pais. Assim sendo, se houve afastamento dos pais em relação às filhas, pelo menos em parte, esse afastamento foi imposto pelas próprias instituições, incluindo o Tribunal. Cremos que o trabalho das instituições, em casos como o dos autos, em que existe institucionalização das crianças, não deve seguir o caminho do afastamento da família biológica, quiçá, até hostilização e ostracização da mesma, mas sim, um trabalho de apoio e reabilitação da família,paralelamente ao apoio à criança e entendido como fazendo parte deste, com vista a melhorar as competências parentais e aprofundar o vínculo afectivo com a família biológica, com vista a propiciar o regresso das crianças à mesma família, conseguidos que estejam esses objectivos. É o que resulta, aliás, do disposto no art.º 51.º n.º 3 e no art.º 55.º n.º2 da LPCJP. Impõe-se, pois, uma mudança do paradigma que parece prevalecer, segundo o qual “criança institucionalizada é uma criança a encaminhar para adopção”.

De todo o exposto resulta, por conseguinte, que o encaminhamento para adopção não é o melhor projecto de vida para estas quatro crianças.

Posto isto, pergunta-se qual a medida mais adequada à situação em apreço?

A mãe e ora Recorrente preconiza que a medida mais adequada ao caso concreto seria a de apoio junto dos pais, confiando-se as crianças à guarda e cuidados da mãe, ainda que com estipulação de um período de gradual de adaptação e com apoio e acompanhamento de natureza psicopedagógica e social e eventual imposição de deveres de assegurar a assiduidade escolar, a assistência médica regular, a alimentação, a higiene pessoal e da casa e/ou a frequência de programas propostos pelas técnicas da Segurança Social e vocacionados para o melhor desempenho da responsabilidade parental”.

O pai, embora já tendo dado o consentimento para a adopção, por razões e com motivações que desconhecemos de todo, mas que não cabe aqui julgar, poderá ainda ter uma oportunidade de rever a sua atitude e consciencializar-se das suas responsabilidades como pai. Afinal já tem mais dois filhos, com 40 e 32 anos. Necessariamente, já lhe é exigível essa responsabilização.

Atenta a matéria apurada, afigura-se, porém, que os pais, designadamente a mãe, ainda não demonstra ter condições ou estar preparada para assumir a guarda das filhas. As crianças estão integradas e bem cuidadas na Casa de Acolhimento Casa do Parque pelo que ali deverão permanecer, transitoriamente, durante um período suficientemente alargado que permita que a mãe se organize, em termos económicos e psicológicos, para assumir as responsabilidades parentais.

Entretanto e enquanto tal não acontece, a medida mais adequada para estas crianças, continua a ser o acolhimento residencial, o que se decide.

A medida tem a duração de seis meses, devendo ser revista no final deste período, nos termos do art.º 62.º 1 da LPCJP e sem prejuízo do disposto no art.º 62.º n.º2 do mesmo diploma legal.

Daqui decorre que à mãe convirá mostrar sinais de que está firmemente decidida a assumir as suas responsabilidades maternais, lutando por obter as condições necessárias para tanto.

Com esta finalidade, no decurso do referido período de seis meses, a mãe deverá demonstrar, no Tribunal, que diligências fez no sentido de arranjar trabalho, designadamente junto do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Deverá ainda informar sobre a sua situação habitacional.

As visitas às crianças por parte dos pais devem ser retomadas, sempre que os mesmos assim o desejem, sem prejuízo dos deveres escolares das crianças e dos períodos de descanso das mesmas.

O regime destas visitas, nunca será de mais referi-lo, tem em vista a defesa dos direitos das crianças e não a defesa dos direitos dos pais. É certo que estes também devem ser defendidos, mas o valor supremo que aqui deve prevalecer é o interesse das crianças em reatarem um são e equilibrado relacionamento com os seus pais, de forma a proporcionar-lhes um crescimento saudável e harmonioso.

O já longo período de tempo em que as crianças têm estado privadas do convívio com a sua família biológica requererá certamente um período de adaptação mútua, no qual a Casa de Acolhimento não poderá deixar de ter um papel preponderante e valioso, no sentido de propiciar o fortalecimento desses laços afectivos, contando com a sua experiência e qualificação dos seus quadros., designadamente ao nível da psicologia.

As crianças poderão sair com qualquer dos progenitores, aos fins- de- semana, em dias e horas, previamente a acordar com a Casa de Acolhimento, com vista a com estes realizarem actividades de carácter lúdico, cultural ou familiar (por exemplo, passeios, aniversários, dia da Mãe, etc).

Nesta linha de adaptação gradual, e de forma a prevenir eventuais constrangimentos, entendemos útil determinar desde já que esse regime de visitas deverá iniciar-se no próximo período festivo da Páscoa, podendo a mãe ir buscar as filhas, no dia 17 de Abril (Domingo de Páscoa) entre as 12H00 e as 18H00, de forma a poder almoçar com as mesmas.

Porém, caso não o possa fazer e só as possa ir buscar depois do almoço, deverá avisar a Casa de Acolhimento, com antecedência de pelo menos 48 horas, informando a hora certa em que as irá buscar, mantendo-se, em qualquer caso, a hora da entrega das crianças à CA, as 18H00.

Igual regime será aplicável, nos subsequentes domingos de Abril, Maio e Junho.

A partir de Julho de 2022, caso a mãe tenha condições para o efeito e manifeste vontade para tanto, as crianças poderão passar com a mãe fins -de- semana alternados, com aqueles em que apenas passam os domingos. Nesse caso a mãe irá buscas as filhas à casa de acolhimento, às 12H00 de sábado e deverá entregá-las no mesmo local, às 18H00 de domingo.

O início do regime de fins- de- semana alternados pressupõe a informação prévia no Tribunal sobre as condições habitacionais da mãe, a que supra se aludiu.

Procede, pois, parcialmente o recurso.

IV–DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso e, por consequência, revogando a decisão recorrida, determina-se:
1-Ao abrigo do disposto no art.º 35.º n.º 1 f) da LPCJP a aplicação às crianças A…, a medida de acolhimento residencial, confiando-se as crianças à guarda e cuidados da Casa de Acolhimento Casa do Parque, onde já se encontram, por mais seis meses.
2-No decurso do referido período de seis meses, a mãe deverá demonstrar, no Tribunal, que diligências fez no sentido de arranjar trabalho, designadamente junto do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Deverá ainda informar sobre a sua situação habitacional
3-As visitas às crianças por parte dos pais devem ser retomadas, sempre que os mesmos assim o desejem, sem prejuízo dos deveres escolares das crianças e dos períodos de descanso das mesmas.
4-As crianças poderão sair com qualquer dos progenitores, aos fins- de- semana, em dias e horas, previamente a acordar com a Casa de Acolhimento, com vista a com estes realizarem actividades de carácter lúdico, cultural ou familiar (por exemplo, passeios, aniversários, dia da Mãe, etc).
5-Esse regime de visitas, sem prejuízo do referido no ponto anterior, deverá iniciar-se no próximo período festivo da Páscoa, podendo a mãe ir buscar as filhas, no dia 17 de Abril (Domingo de Páscoa) entre as 12H00 e as 18H00, de forma a poder almoçar com as mesmas.
6-Porém, caso não o possa fazer e só as possa ir buscar depois do almoço, deverá avisar a Casa de Acolhimento com antecedência de pelo menos 48 horas, informando a hora certa em que as irá buscar, mantendo-se, em qualquer caso, a hora da entrega das crianças à CA, às 18H00.
7-Igual regime será aplicável, nos subsequentes domingos de Abril, Maio e Junho.
8-A partir de Julho de 2022, caso a mãe tenha condições para o efeito e manifeste vontade para tanto, as crianças poderão passar com a mãe fins -de- semana alternados, com aqueles em que apenas passam os domingos. Nesse caso, a mãe irá buscar as filhas à casa de acolhimento às 12H00 de sábado e deverá entregá-las no mesmo local, às 18H00 de domingo.
9-O início do regime de fins-de-semana alternados pressupõe a informação prévia no Tribunal sobre as condições habitacionais da mãe, referida no ponto2.
10-A Casa de Acolhimento deverá apresentar, no Tribunal de 1.ª instância, relatórios mensais, com início no próximo mês de Maio de 2022, sobre a existência, datas e duração das visitas, neles mencionando tudo o que for considerado pertinente a propósito desses contactos entre pais e filhas.

Sem custas.


Lisboa, 7 de Abril de 2022



Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate