Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4072/19.6T8SNT.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
LEGITIMIDADE
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Sendo a acção de despejo de carácter pessoal ou obrigacional, e não real, não tem o autor, para assegurar a sua legitimidade, que demonstrar que o arrendado lhe pertence, mas antes que é senhorio e que o réu é arrendatário do locado, bastando para tanto a junção da certidão predial em que figura como titular, bem como a escritura de venda a terceiro e a situação registal do locado, à data, de onde resulta o registo a favor desse terceiro com a transmissão efectuada pela Autora, sendo de aplicar o princípio do trato sucessivo.
II. O não pagamento de rendas - seja como causa de pedir de acção de dívida, seja como fundamento de resolução do contrato de arrendamento - não tem a natureza de facto constitutivo, antes se configurando o seu pagamento como facto extintivo do direito a esse pagamento, cabendo o ónus de prova nesta matéria, não ao autor, mas ao réu.
III. Considerando que apenas o invocado pagamento das rendas pelo réu poderia ser extintivo do direito da Autora e sendo o réu, que o devia alegar, revel, o julgador não tem de incluir o não pagamento dessas rendas nos factos provados ou nos não provados, mas terá de extrair essa conclusão de não pagamento, precisamente pela não demonstração do contrário.
IV. A revelia (inoperante) impede a cominação, mas ela não inverte o ónus da prova, continuando mesmo nos casos de revelia a ser o réu/locatário quem tem o ónus de provar o facto extintivo do direito da Autora.
V. O pagamento da indemnização prevista no artº 1041º do CC não depende de a circunstância do locatário manter ou pretender manter o arrendamento, pelo que o referido direito do locador não se extingue mesmo no caso de o locatário voluntariamente abandonar ou entregar o locado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO:
“B… - Fundo de Investimento Imobiliário para arrendamento Habitacional”, pessoa colectiva com o número único de matrícula e de identificação fiscal nº …, com sede na Av. …, 1495-192 Algés, intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra M…, contribuinte fiscal nº …, residente na Estrada do …, Idanha, 2605-104 Belas e M…, contribuinte fiscal nº …, com última residência conhecida na Rua dos …, Abrunheira, 2710-081 Sintra, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de 30.261,01 €, a título de rendas vencidas, e a quantia de 15.130,51 €, a título de indemnização pela mora no pagamento de tais rendas. 
Alegou, em síntese, que, por contrato de arrendamento, o “B… – Banco…, S.A.” deu de arrendamento aos réus, que aceitaram, a fracção autónoma que identifica, obrigando-se os réus ao pagamento de uma renda mensal, no dia um de cada mês anterior ao da respectiva renda, o que não cumpriram correlativamente aos meses de Maio de 2013 a Setembro de 2017, mês em que os réus entregaram voluntariamente o locado.  Para justificar o seu direito ao recebimento de tais rendas em mora, assim como de uma indemnização respeitante a 50% do valor das mesmas, alega que posteriormente à celebração do dito contrato de arrendamento o “B… –Banco…, S.A.” transmitiu para ele, autor, o direito de propriedade da fracção locada. 
Pessoal e regularmente citado, o réu M… não apresentou contestação, nem interveio por qualquer forma.
A ré M… foi citada editalmente e, nessa sequência, foi citado o Ministério Público, em cumprimento do disposto no artigo 21º, nº 1 do CPC, não tendo sido apresentada contestação em sua defesa. 
 Foi proferido despacho de saneamento dos autos, de fixação do valor da causa, de delimitação do objecto do litígio e dos temas da prova, e ainda, despacho de marcação da audiência de discussão e julgamento. 
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento e por despacho de 16-03-2020, com a ref.ª Citius 124244663, assente na constatação da inexistência de documento que comprove o direito de propriedade alegado pelo autor, foi declarada a reabertura daquela audiência, e notificado o mesmo para proceder à junção aos autos da certidão predial do imóvel locado.  O autor respondeu por requerimento de 29-09-2020, com a ref.ª Citius 17498644,  juntando certidão predial aos autos.  Notificado o Ministério Público, em representação da ré, da junção aos autos de tal documento pelo autor, esse nada disse.   
Por fim foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu os Réus dos pedidos formulados.
Inconformada veio a Autora recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
«1. Não poderá o Recorrente concordar com factualidade dada como não provada nas alíneas a) e b), relativamente ao qual não se compreende qual a motivação que fundou essa factualidade.
2. A Sentença proferida deverá ser alterada, quanto à matéria de facto dada como não provada na alínea a), por erro na apreciação da matéria de facto. Na motivação da matéria de facto constante da sentença proferida pelo tribunal resulta que este considerou apenas o requerimento que foi junto pela Recorrente a 29/09/2020, não tendo sido considerado para efeitos de aferição da matéria de facto o requerimento que foi junto aos autos a 12/06/2020.
3. O Tribunal a quo não integrou na sentença proferida qualquer alusão à escritura pública de compra e venda junta ao processo pelo Recorrente. Ao não justificar o motivo pelo qual não considerou a validade do documento junto – o qual tem força probatória plena, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 369.º a 371.º do Código Civil – incorreu numa violação da força probatória do aludido documento.
4. Não corresponde à verdade que o Recorrente, após ter sido notificado para proceder à junção da certidão predial, se tenha limitado a juntar o documento que acompanhou o requerimento apresentado a 29/09/2020.
5. Da escritura pública de compra e venda junta no processo pelo Recorrente é possível retirar-se que este figurou enquanto proprietário/vendedor do imóvel a 28 de agosto de 2017. Retira-se, ainda, da aludida escritura de compra e venda que: ‘’(…) se mostra registada a aquisição a favor da sociedade vendedora pela inscrição com a AP. 1209 de 2013/01/10 e o regime da propriedade horizontal pela inscrição com a AP. 111 de 2000/03/16, achando-se o prédio inscrito na matriz predial da união de freguesia de Queluz e Belas sob o artigo …’’
6. O documento junto pelo Recorrente ao processo faz prova plena dos factos praticados pelo documentador e, bem assim como, dos factos que foram por este percecionados, entre os quais se inclui a verificação por parte do Notário da qualidade do Recorrente de proprietário do imóvel, através da verificação da certidão predial arquivada junto com a escritura de compra e venda.
7. Pelo que não restam quaisquer dúvidas quanto à necessidade de ser alterada a decisão que foi proferida pelo Tribunal de primeira instância, nomeadamente pela incorreta decisão de considerar como não provado o facto determinado na alínea a):
8. ’a) Em data posterior à celebração do contrato mencionado no facto provado 1) dos factos provados, o “B… – Banco…, S.A.” transmitiu para o autor “B… – Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional”, o direito de propriedade sobre a fracção “O” ali identificada.
9. Devendo a matéria de facto ser alterada para ser considerado como provado, também, o seguinte:‘’Pela AP. 1209 de 2013/01/10 o Autor adquiriu o imóvel objeto do contrato de arrendamento mencionado no facto provado 1), conforme resulta da escritura pública junto aos presentes autos’’
‘’Face à aquisição do imóvel, em data posterior à celebração do contrato mencionado no facto provado 1) dos factos provados, o “B… – Banco…, S.A.” transmitiu para o autor “B… RENDA HABITAÇÃO – Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional”, o direito de propriedade sobre a fracção “O” ali identificada.’’.
Ademais,
10. Pese embora o Recorrente concorde que não foi produzida qualquer prova quanto à entrega do imóvel por parte dos Réus, nomeadamente quanto ao facto não provado constante da alínea b) da sentença, não poderá o Recorrente concordar que não tenha sido dado como provado que o Recorrente procedeu à venda do imóvel a 28 de agosto de 2017.
11. Pelo que, salvo o melhor entendimento, resultando da documentação junta aos autos – escritura de compra e venda do imóvel e certidão predial –que o Recorrente alienou o imóvel nessa data a terceiros, deverá ser aditada à matéria de facto dada como provada que: ‘’Por meio de escritura pública de compra e venda outorgada a 28 de agosto de 2017, o Autor vendeu o imóvel objeto do contrato de arrendamento objeto dos presentes autos, cessando, a partir dessa data, a sua qualidade de locador.’’
12. O facto em apreço é comprovado pelo documento que foi junto pelo Recorrente e que não foi sopesado pelo Tribunal de primeira instância na prolação da sentença, e que, em virtude da sua força probatória, a qual é plena, deveria ter sido considerado e valorado nesse mesmo sentido.
13. Face à alteração da matéria de facto dada como provada, deverá a sentença ser revertida no sentido de declarar procedente o pedido formulado pelo Recorrente na sua petição inicial, sendo, consequentemente, os Réus condenados no pagamento das rendas vencidas e não pagas de maio de 2013 a setembro de 2017.
Caso assim não se entenda e por mero dever de patrocínio,
14. Aos juízes dos tribunais de primeira instância incumbe o poder-dever de gestão processual, de descoberta da verdade material e do inquisitório, o qual foi violado pelo Tribunal a quo.
15. O Recorrente quando foi notificado pelo Tribunal para proceder à junção da certidão predial do imóvel, junto ao processo a escritura pública de compra e venda, da qual resultava a sua qualidade de proprietário e vendedor.
O Recorrente alegou de forma expressa qual a data de aquisição do imóvel (10 de janeiro de 2013) e a data de venda do mesmo (28 de agosto de 2017).
16. Posteriormente, juntou a certidão predial do imóvel atualizada do imóvel, de acordo com a qual era possível verificar-se que os proprietários do imóvel eram os Compradores constantes da escritura pública de compra e venda junta aos autos.
17. Considerando a situação epidemiológica que o país estava a ultrapassar à data da apresentação dos aludidos requerimentos e junção dos documentos, não era possível ao Recorrente diligenciar junto da Conservatória do Registo Predial pela obtenção da certidão predial com todas as inscrições e registos, por tal não ser possível através do portal Predial Online.
18. Entendendo um tribunal que era necessário para a descoberta da verdade material a junção da certidão predial com todas as inscrições e registos, deveria este, ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material, gestão processual e inquisitório, ter oficiado a Conservatória do Registo Predial para junção desse documento ao processo.
19. O Juiz decidiu descuidar desse poder-dever e, bem assim como, negligenciar a junção ao processo da escritura de compra e venda do imóvel celebrada pelo Recorrente, sendo que lhe era imposto, ao abrigo desses mesmos princípios, caso assim o entendesse, ter diligenciado pela obtenção desse mesmo documento.
20. A violação do dever de gestão processual, do dever da descoberta da verdade material e do princípio do inquisitório configura uma situação de nulidade de todo o processo, devendo a sentença ser declarada nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 195.º do Código de Processo Civil, visto tal decisão ter influído na decisão da causa.».
Não foram apresentadas contra alegações.
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º .ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber:
1º Se é de alterar a matéria de facto a ser considerada na sentença aditando-se quer o facto relativo à propriedade do imóvel a favor da A., quer a sua posterior venda pela mesma a terceiro;
2º Caso não seja de proceder a alteração factual nos termos pretendidos, se a sentença deve ser declarada nula por violação por parte do tribunal recorrido do poder-dever de gestão processual, de descoberta da verdade material e do inquisitório.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO:
Na sentença objecto de recurso foram considerados provados os seguintes factos:
1) Por escrito intitulado “Contrato de Arrendamento com Opção de Contra (s/Fiador)”, celebrado em 30 de Março de 2012, o “B… – Banco…, S.A.”, na qualidade de proprietário, deu de arrendamento aos réus, que aceitaram, a fracção autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao primeiro andar direito, e a fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao parqueamento nº 6 na cave, ambas integrantes do imóvel sito em … – Urbanização…, Rua …, n.ºs 14 e 14A, União das Freguesias de Queluz e Belas, concelho de Sintra, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da referida freguesia e concelho (anterior artigo …, da freguesia de Belas). 
 2) Nos termos consignados na respectiva cláusula terceira, acordaram as partes desse contrato que o mesmo teria início em 30-03-2012 e teria a duração de 2 (dois) anos, podendo as partes prorrogar por um único período de 1 (um) ano, “caso o arrendatário não se encontre financeiramente reequilibrado, mantendo-se desta forma o fim especial transitório”. 
3) Nos termos consignados na respectiva cláusula quarta, acordaram as mesmas partes que a renda mensal, a pagar pelos réus, a partir do terceiro trimestre, ascenderia a 541,01 Euros, vencendo-se cada qual no primeiro dia do mês anterior a que dissesse respeito.
*Aditado que:
4) O “B… – Banco…, S.A.” transmitiu para o autor “B… – Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional”, o direito de propriedade sobre a fracção “O”, encontrando-se tal direito registado pela AP. 1209 de 2013/01/10, no âmbito da Conservatória do registo predial de Queluz, correspondente à inscrição nº…/19990215 – O;
5) Por meio de escritura pública de compra e venda outorgada a 28 de agosto de 2017, o Autor vendeu o imóvel objeto do contrato de arrendamento e identificado nos autos a terceiros.
*
Na sentença sob recurso foram dados como não provados com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos: 
 a) Em data posterior à celebração do contrato mencionado no facto provado 1) dos factos provados, o “B… – Banco…, S.A.” transmitiu para o autor “B… – Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional”, o direito de propriedade sobre a fracção “O” ali identificada. * Eliminado
b) Os réus procederam à entrega do locado em Setembro de 2017.
*
Da impugnação da decisão de matéria de facto:
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»
Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
Feito este enquadramento, haverá que aferir se assiste razão ao recorrente quanto aos pontos concretos que devem ser apreciados por este tribunal.
Assenta o recorrente na sua pretensão quanto à modificação dos factos na análise da documentação junta, defendendo que deve ser dada resposta positiva à matéria factual contida na alínea a) dos factos não provados e ainda ser aditado um facto de onde resulte a venda pela Autora a terceiro do imóvel objecto do contrato de arrendamento.
Com efeito, sustenta o recorrente que da escritura pública de compra e venda junta no processo pelo próprio é possível retirar-se que este figurou enquanto proprietário/vendedor do imóvel a 28 de agosto de 2017. Retira-se, ainda, da aludida escritura de compra e venda que: ‘’(…) se mostra registada a aquisição a favor da sociedade vendedora pela inscrição com a AP. 1209 de 2013/01/10 e o regime da propriedade horizontal pela inscrição com a AP. 111 de 2000/03/16, achando-se o prédio inscrito na matriz predial da união de freguesia de Queluz e Belas sob o artigo …’’. Defende que o documento junto pelo Recorrente ao processo faz prova plena dos factos praticados pelo documentador e, bem assim como, dos factos que foram por este percecionados, entre os quais se inclui a verificação por parte do Notário da qualidade do Recorrente de proprietário do imóvel, através da verificação da certidão predial arquivada junto com a escritura de compra e venda.
O Tribunal recorrido no tocante a esta questão pronunciou-se da seguinte forma: «O facto não provado da alínea a) assim foi julgado por insuficiência de prova. Com efeito, na petição inicial, para a sua prova, o autor limitou-se a juntar caderneta predial urbana, que, sendo um documento de natureza fiscal, não tem aptidão para a prova da titularidade do direito de propriedade do imóvel sub iudice. Acresce que, notificado pelo despacho de 16-03-2020, com a ref.ª Citius 124244663, expressamente para juntar aos autos certidão predial respeitante ao locado (considerando que era documento essencial para a prova da qualidade de proprietário e senhorio do autor), o autor juntou apenas a certidão predial referente à fracção “O”, e de cujo teor, com pertinência para o caso, apenas se retira o registo lavrado sob a Ap. 3226, de 28-08-2017, correspondente à aquisição a favor de G… e de I…, por compra ao ora autor. Noutra óptica, não resulta daquela certidão predial a transmissão do direito de propriedade do “B… – Banco…, S.A.” para o autor, nem sequer a data da aquisição desse direito pelo autor. Como tal, e ante a falta de outros meios de prova a considerar, não pôde o Tribunal formar convicção positiva sobre o facto da alínea a).  Finalmente, o facto não provado da alínea b) assim foi julgado por total omissão de meios de prova que o confirmassem.». 
A única prova produzida nos autos foi documental, encontrando-se junto o contrato de arrendamento celebrado entre os RR., como inquilinos, e a B… Banco…, S.A.”, como senhoria. A Autora veio alegar nos autos a transmissão da propriedade do locado, notificada para juntar a certidão predial que comprovasse tal afirmação, juntou:
- Cópia da caderneta predial do imóvel, onde consta como titular o Autor Banif Renda, em Propriedade plena Parte: 1/1 e “Documento: documento particular”;
- Cópia da escritura pública de compra e venda, celebrada a 28/08/2017, entre a própria Autora e terceiros, na qual figura que a Autora vendeu a esses terceiros o imóvel objecto do contrato de arrendamento, figurando, além do mais, em tal documento que:«(…) pela presente escritura, em nome da sociedade que representa e pelo preço de cento e dez mil e setecentos euros, já recebido, vende aos segundos outorgantes, em comum e partes iguais, a fracção autónoma, destinada a habitação, individualizada pela letra " O ", que constitui o 1° andar direito, com arrecadação n.° 9 na esteira, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado nos … - Urbanização…, Rua …, números 14 e 14 A (LOTE 19), freguesia de Belas, concelho de Sintra, descrito sob o número…, da Conservatória do Registo Predial de Queluz, onde se mostra registada a aquisição a favor do sociedade vendedora pela inscrição com a AP. 1209 de 2013/01/10 e o regime da propriedade horizontal pela inscrição com a AP. 111 de 2000/03/16, achando-se o prédio inscrito na matriz predial da união de freguesia de Queluz e Belas sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário correspondente à fracção de € 86.950,00.(…)».
- Da certidão da Conservatória do registo predial de Queluz, correspondente à inscrição nº …/19990215 – O, consta a descrição da fracção autónoma locada e ainda:
AP. 48 de 1999/02/15 - Emissão do Alvará de Loteamento
AP. 111 de 2000/03/16 - Constituição da Propriedade Horizontal
AP. 3226 de 2017/08/28 18:58:33 UTC – Aquisição Registado no Sistema em: 2017/08/28 18:58:33 UTC
CAUSA : Compra
SUJEITO(S) ATIVO(S):
SUJEITO(S) PASSIVO(S):
** G…
NIF …
Solteiro(a), Maior
Morada: Rua …, Casal do Barota
Localidade: Sintra
** I…
NIF …
Solteiro(a), Maior
Morada: Rua da …
Localidade: Amadora
** B… - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL
NIPC ….
Importa ter presente que a Autora não figura como locadora no âmbito do contrato de arrendamento que titula o direito de crédito reivindicado nos autos contra os RR., locatários. Como já defendia Antunes Varela sendo a acção de despejo de carácter pessoal ou obrigacional, e não real, não tem o autor, para assegurar a sua legitimidade, que demonstrar que o arrendado lhe pertence, mas antes que é senhorio e que o réu é arrendatário do locado (in RLJ Ano 119º 249). Logo, por norma, tem sido defendido que o autor não tem que exibir a caderneta predial, pois na acção de despejo o autor não tem de fazer valer o direito de propriedade ( Ac. RC de 17.01.95, in CJ 1/95.31 e Acórdão desta Relação de 30/06/2005 proc. nº 2105/2005-8, in www.dgsi.pt/jtrl). Idêntica posição foi assumida no Acórdão de 29/05/2012 ( proc. nº 1693/10.6TCLRS.L1-7) onde se conclui que «a legitimidade para ação de resolução do contrato de arrendamento, bem como as que de alguma forma sejam conexadas com a relação locatícia, não se centra na qualidade de “proprietário”, mas sim de “senhorio”, não relevando, em termos principais, dirimir a questão da propriedade, pois não estamos no âmbito de uma ação de reivindicação, na qual é determinante a respetiva prova da aquisição ou da transmissão do domínio» ( endereço da net aludido).
Efectivamente sufragamos tal entendimento, porém, subjacente a tal posição está sempre a circunstância de, ou o contrato de arrendamento ter sido celebrado com quem surge na acção como senhorio, ou a questão não é objecto de oposição por parte do réu, nomeadamente por inexistência de impugnação desse facto. No caso dos autos, por um lado, a revelia da ré é inoperante, pelo que não existe confissão sobre os factos alegados pela Autora. Por outro lado, o arrendamento e o respectivo contrato que o sustenta não foi celebrado entre os RR. e a Autora, pois esta veio afirmar que a propriedade lhe foi transmitida pela primitiva senhoria.
A questão que se coloca é saber se seria essencial para a prova da qualidade de locador a comprovação pelo Autor do registo de propriedade a seu favor.
No âmbito do direito probatório, o princípio do dispositivo significa que as partes devem ter a iniciativa de levar ao processo os factos em que baseiam a sua pretensão ou oposição e o material probatório que deverá ser utilizado para o juiz formar a sua convicção. Logo, não pode o tribunal sobrepor-se à parte no âmbito de tais escolhas, delimitado ficando, perante tais balizas estabelecidas pelo autor, o conhecimento a efectuar em sede do processo, no qual é vertida a pretensão submetida a juízo.
Constituindo o princípio do dispositivo, sem dúvida, uma das traves mestras do processo civil, na consagração que o juiz só deverá servir-se dos factos articulados pelas partes, verifica-se que tal regra mostra-se mitigada, tendo em vista, sobretudo, a prevalência do fundo sobre a forma, numa previsão de um poder mais interventor do juiz, preocupação evidenciada já na reforma operada em 95, privilegiando a realização da verdade material, intensificada no âmbito do actual CPC. É certo que não existe a norma específica que consagre tal princípio à semelhança do que ocorria no âmbito do CPC anterior, no seu artº 664º do CPC, porém, tal princípio encontra-se consagrado em vários preceitos sob diversas perspetivas, mormente no artº 3º nº1, mas também no artº 259º nº 1. No tocante ao princípio do dispositivo ao nível do específico direito probatório das partes dispõe ainda os artº 20º nº 3, 50º nº 1, 103º nº 3, 122º nº 2, 140º nº2, 405º e 445º entre outros, sendo que uma das consequências de tal principio traduz-se na proibição de se proferir sentença sobre uma situação fáctica estranha à lide apresentada – cf. artº 608º nº2 segunda parte e 609º e 615º d) e e) todos do CPC.
Desta forma, pese embora a existência da acção continuar a resultar da pura vontade das partes, sendo também estas que definem os respetivos contornos fácticos, na medida em que impende sobre o autor o ónus de alegação dos factos constitutivos do direito que invoca e que integram a respetiva causa de pedir, competindo ao réu, por sua vez, alegar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos, que obstem à procedência da pretensão deduzida, pode o Juiz considerar, oficiosamente, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa, bem como atender a factos essenciais, que sejam complementares ou a concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado, e resultem também da instrução e discussão da causa. Desta forma, defende-se que o Tribunal pode promover, por sua iniciativa, a investigação dos factos instrumentais durante a instrução e discussão da causa, considerando tais factos como aqueles utilizados para realizar a prova indiciária dos factos essenciais, pois através deles poderá chegar-se, através de presunção judicial à sua demonstração, também  não lhe está vedado considerar os factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais, desde que antes já se mostrasse alegado o núcleo fáctico essencial integrador da causa de pedir ou da excepção, no atendimento da manifestação da parte interessada, e exercido que seja o necessário contraditório.
Como se propugna no Ac. do STJ de 25.3.2010 (in www.dgsi.pt) e como defende Lopes do Rego (in Comentário ao Código de Processo Civil, I vol, pág. 252) na definição de factos essenciais atender-se-á aos factos que concretizam, especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor, ou da exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, revelando-se decisivos para a viabilidade ou procedência da ação ou da defesa por exceção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes.
No caso dos autos a Autora limitou-se a afirmar a transmissão da propriedade do locado pelo primitivo senhorio dos réus, sem juntar no âmbito da petição inicial qualquer documento que atestasse ou corroborasse tal afirmação.
Juntou posteriormente caderneta predial relativa ao imóvel locado onde surge como titular. Notificado para juntar certidão de registo comprovativo da propriedade do locado a seu favor, fundamentando-se tal necessidade no seguinte: «Quando nos preparávamos para elaborar a sentença, constatámos a inexistência nos autos de certidão predial respeitante ao imóvel locado, sendo esse documento essencial para a prova da qualidade de proprietário e senhorio do Banco autor.». Veio o recorrente juntar cópia da escritura pública de venda do imóvel, de 28 de agosto de 2017, pelo Autor, dizendo que: «Nesse mesmo documento, que ora se junta, é possível verificar-se que resulta de forma expressa que o Autor havia adquirido o imóvel a 10 de janeiro de 2013, conforme AP. 1209 de 10/01/2013».
Face a tal junção o tribunal recorrido decidiu o seguinte: «Dado que foi ordenada a junção de certidão predial (e não de escritura pública), que o A não juntou, vai o mesmo condenado em multa, que se fixa em 1 UC. Renovo o anterior despacho, com a cominação de nova condenação em multa e de valoração de tal omissão para efeitos probatórios.».
No seguimento veio a autora juntar certidão predial, onde consta o supra aludido, ou seja, o registo de propriedade actual existente sobre o imóvel, e não a descrição de todos os registos que incidiram sobre o mesmo, ou seja, não uma certidão de teor quanto às inscrições existentes sobre o imóvel, mas apenas a situação registal à data da certidão.
Foi com base nessa certidão que o tribunal concluiu pela inexistência de prova da propriedade do imóvel locado alegada pela Autora, determinando a improcedência da acção por ilegitimidade substantiva da Autora, por não lhe assistir o direito a reivindicar o pagamento das rendas aos RR. devidas pelo gozo do locado, dada a ausência de prova da sua qualidade de proprietária e, logo, de senhoria/locadora.
Antecipando, entendemos que não lhe assiste razão, quer pela natureza do registo, quer pela inscrição do registo existente, mas também pela natureza da acção, bem como pelos documentos juntos e o que dos mesmos resulta quanto à prova do facto em causa – a qualidade de locador.
Todavia, não há que olvidar que a postura da Autora, devidamente patrocinada e assessorada por mandatário, não está isenta de censura, pois notificado pelo Tribunal para proceder à junção de certidão do registo predial que atestasse o registo de propriedade do imóvel a favor da Autora, é inequívoco que o Tribunal entendia que apenas tal documento serviria de prova de tal facto. Porém, sem cuidar em juntar a certidão predial comprovativa limitou-se a juntar certidão de onde resulta o registo actual existente sobre o imóvel, não desconhecendo que, entretanto, havia transmitido a propriedade sobre o mesmo a terceiros, sem juntar certidão que comprovasse tal registo e, principalmente, a data do mesmo. Pois não há que esquecer que a Autora formula um pedido condenatório dos RR. num determinado período temporal, e neste será essencial aferir a data da aquisição do imóvel pela Autora e a sua posterior alienação a terceiros, dado que a Autora não se apresenta como primitiva senhoria no contrato de arrendamento que constitui a origem do direito de crédito invocado nos autos.
Mas dado os documentos juntos entendemos que pode efectivamente existir resposta positiva à alínea a) nos termos pretendidos pela apelante, bem como a prova da venda do imóvel locado pela Autora a terceiros, o que nos permite balizar o pedido de pagamento das rendas devido à autora pelos RR., em termos temporais. Vejamos, então.
A transmissão da propriedade de bem imóvel dá-se por mero efeito do contrato – arts. 408º e 879º do Código Civil não sendo o registo sequer constitutivo. O registo na ordem jurídica portuguesa, salvo casos excepcionais, destina-se apenas a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, sendo oponível a terceiros o facto constante do registo – arts. 1º, 5º e 7º do CRP.
Antunes Varela refere: “A ideia de que, na aquisição derivada, não basta para provar a existência do direito do reivindicante a alegação do negócio de aquisição (da compra e venda, da doação, da permuta, etc.) nem o registo deste negócio porque pode faltar o direito do transmitente, é perfeitamente justificada.
Mas já não é assim quando o transmitente seja o último titular (do direito) inscrito no registo – facto que, naturalmente, necessita de ser provado. Quando assim suceda, mesmo que o último inscrito no registo não seja apoiado na cadeia ininterrupta de transmissão desde a descrição e a primeira inscrição do imóvel no registo (por falta ou por não aplicação do princípio do trato sucessivo), a prova do direito do adquirente beneficia já da presunção da existência do direito do transmitente, que resulta do registo. Seria um absurdo exigir, mesmo nesse caso, a prova da cadeia ininterrupta do imóvel até se mostrar um título de aquisição originária” – (in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 120º, pág. 121, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.10.2007, Urbano Dias, in www.dgsi.pt)”.
Importa ter presente o disposto no artº 34º do Cód. Reg. Predial ( DL n.º 224/84, de 06/07, com as alterações operadas pelo DL n.º 60/90, de 14/02, e DL n.º 116/2008, de 04/07), que dispõe quanto ao Princípio do trato sucessivo que:
1 - O registo definitivo de constituição de encargos por negócio jurídico depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os onera.
2 - O registo definitivo de aquisição de direitos depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite, quando o documento comprovativo do direito do transmitente não tiver sido apresentado perante o serviço de registo.
3 - A inscrição prévia referida no número anterior é sempre dispensada no registo de aquisição com base em partilha.
4 - No caso de existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento de direito suscetível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a intervenção do respetivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva, salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito.
 Com efeito, o princípio do trato sucessivo previsto no artº 34º do Código de Registo Predial, permite-nos concluir que existindo um registo de aquisição haverá uma prévia inscrição a favor de quem transmite, um seja um nexo ininterrupto de aquisição.
Resultando de tal preceito que é obrigatória a intervenção do respectivo titular, para ser lavrada nova inscrição. Por conseguinte, por um lado, a letra do n.º 4 do artigo 34.º favorece a interpretação de que, a partir do momento em que exista um registo de aquisição, como será o caso, para ser viável nova inscrição definitiva, é necessária a intervenção do titular da inscrição, seja a aquisição derivada ou originária, uma vez que a letra da lei não faz destrinça entre estas duas situações. Por outro lado, sendo um dos fins do registo predial patentear a história da situação jurídica da coisa, desde a data da descrição desta no registo até à actualidade, o registo tem de acolher qualquer um dos tipos de aquisição, pois é sabido que a história da situação jurídica de um prédio é ou pode ser feita de aquisições derivadas e originárias.
Na verdade, o registo predial tem essencialmente por escopo dar publicidade aos direitos reais inerentes às coisas imóveis: pretende-se patentear a história da situação jurídica da coisa, desde a data da descrição até á actualidade (artº 1 Código de Registo Predial)( cf. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, pág. 337). Exige-se, por isso, um nexo ininterrupto entre os vários sujeitos que aparecem investidos de poderes sobre o prédio.
Trata-se do princípio do trato sucessivo que, a par dos princípios da instância, da legalidade e da prioridade, constitui uma dos elementos estruturantes do instituto (artºs 4, 67 nº 1, 34 nº 1 e 6 nº 1 do CR Predial)( Cfr., sobre os princípios do registo predial e os seus efeitos substantivos, Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 19.05.00, www.dgsi.pt).
Sendo que as realidades tabulares repercutem-se nas situações jurídicas privadas subjacentes, ou, dito de outro modo, o registo produz efeitos substantivos, nomeadamente o primeiro dos efeitos é presuntivo: o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define (artº 7 do CR Predial). Tal significa que quem tem a seu favor um registo determinado beneficia da presunção que do mesmo deriva, presunção iuris tantum (artº 350 nºs 1 e 2 do Código Civil), mas sem que tal constitua a constituição do direito, mas sim a presunção da sua existência.
No caso dos autos, é certo que a autora não juntou certidão que ateste o registo de propriedade a seu favor, mas juntou certidão da qual resulta que o registo existia a seu favor, pois o registo a favor de terceiro a quem transmitiu o imóvel foi feito, pelo que em obediência ao principio do trato sucessivo e do preceito aludido tal significa que a Autora possuía registo prévio a seu favor. Acresce que da escritura pública junta aos autos - documento autentico cuja força probatória é qualificada quanto aos factos praticados pela autoridade ou oficial público respectivo – cfr. Artº 371º do CC- também se atesta a existência do registo de propriedade a favor do alienante, ou seja, da autora.
Considerando que na presente acção não se visa o reconhecimento da propriedade e tendo a Autora feito a junção quer da caderneta, de onde resulta a apelante como titular, bem como a certidão predial onde consta registada a mesma como alienante, assente no princípio do trato sucessivo e considerando o constante da escritura de venda do imóvel pela autora a terceiro, tal determina a prova dos factos nos termos considerados na apelação.
Donde, haverá que eliminar a alínea a) dos factos não provados e aditar um facto no qual se conclua pela venda do imóvel pela Autora, nos termos constantes da escritura pública junta e relevante para estabelecer o limite temporal pelo qual são devidas as rendas pelos RR. à locadora, autora nos autos.
Assim, aditar-se-ão aos factos provados os seguintes:
4) O “B… – Banco…, S.A.” transmitiu para o autor “B… – Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional”, o direito de propriedade sobre a fracção “O”, encontrando-se tal direito registado pela AP. 1209 de 2013/01/10, no âmbito da Conservatória do registo predial de Queluz, correspondente à inscrição do imóvel locado sob o nº …/19990215 – O;
5) Por meio de escritura pública de compra e venda outorgada a 28 de agosto de 2017, o Autor vendeu o imóvel objeto do contrato de arrendamento e identificado nos autos a terceiros.
De tudo o exposto resulta a procedência, nesta parte, da apelação. De tal emerge o não conhecimento do contido nas conclusões 14. a 20., ficando tal questão prejudicada.
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III. O Direito:
Consolidada a matéria factual em análise e face à alteração operada haverá que subsumir os factos ao direito de forma também diferenciada da constante na sentença recorrida.
Porém, como se expõe de forma acertada na decisão sob recurso «Tendo em consideração os factos julgados provados, verifica-se que entre o “B… – Banco…, S.A.” e os réus foi celebrado um contrato de arrendamento, na medida em que uma das partes se obrigou a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa imóvel mediante retribuição, cfr. artigos 1022º e 1023º, 1ª parte, do Cód. Civil. No arrendamento urbano, enquanto contrato sinalagmático, ao locador cabe a obrigação principal de proporcionar o gozo temporário do imóvel locado; ao locatário, a obrigação principal de pagamento da renda.
Tendo presente o tipo contratual que está na base da relação jurídica sub iudice, pede o autor a condenação dos réus no pagamento das rendas vencidas e não pagas, no âmbito do mencionado contrato, respeitantes aos meses de Maio de 2013 a Setembro de 2017. 
Do regime legal previsto para esse tipo contratual – vide artigo 1038º, al. a) do Cód. Civil – e do acordado entre as partes, que se provou, os réus, na qualidade de arrendatários, efectivamente ficaram constituídos na obrigação de pagamento de uma renda mensal, cada qual, com vencimento no dia 1 (um) do mês anterior àquele a que dissesse respeito.».
A decisão discorre, no entanto, quanto à questão da legitimidade (substantiva) do autor e a possibilidade de o mesmo reclamar para si o pagamento dessas rendas vencidas e não pagas, concluindo pela sua resposta negativa, «na medida em que não resulta dos factos provados a constituição de um tal direito a favor do autor».
Face à alteração dos factos e ao contrário do constante da sentença o Autor logrou demonstrar a transmissão do direito de propriedade, pelo que nos termos do artigo 1057º do Cód. Civil, segundo o qual «O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras de registo», efectivamente assiste ao autor o direito a cobrar as rendas vencidas após essa transmissão, e apenas estas, pois a  transmissão da posição de locador opera automaticamente, isto é, decorre da transmissão do direito com base no qual foi celebrado o contrato.
Ora, resulta dos factos provados que o “B… – Banco…, S.A.” transmitiu para o autor “B… – Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional”, o direito de propriedade sobre a fracção “O”, encontrando-se tal direito registado pela AP. 1209 de 2013/01/10, no âmbito da Conservatória do registo predial de Queluz, correspondente à inscrição do imóvel locado sob o nº …/19990215 – O.
Acresce que por meio de escritura pública de compra e venda outorgada a 28 de agosto de 2017, o Autor vendeu o imóvel objeto do contrato de arrendamento e identificado nos autos a terceiros.
O Autor nos autos formula o pedido de pagamento das rendas devidas desde Maio de 2013 a Agosto de 2017. Do facto provado reportado à transmissão da propriedade do locado resulta que tal direito a favor da Autora ocorre desde 10/01/2013, pelo que em data anterior ao valor da primeira renda devida e peticionada nestes autos.
Sufragamos o entendimento, crê-se que maioritário ( Neste sentido, cfr. o ac. do STJ 08-05-2008, processo: 08B1182 e, entre muitos outros, os acs. RL de 04-10-2007, processo: 5406/2007-8, RC de 12-07-2011, processo: 1806/04.7TBPBL.C1, da RL de 29-11-2012, processo: 2136/09.3TBPDL.L1-2, todos acessíveis in www.dgsi.pt. ), que o pagamento, enquanto facto extintivo da obrigação, deve ser invocado e provado pelo devedor – art. 342º, nº 2 do Cód. Civil –, afirmação que vale para acção de dívida, como para aquela em que o locador pretende exercer o direito à resolução com base em falta de pagamento de rendas. Nestes casos, incumbe ao credor, locador, o ónus de alegação e prova da outorga do contrato e respectivas cláusulas – factos constitutivos do seu direito –, a par da invocação de que o locatário não procedeu ao pagamento da renda e valores respectivos, ou que procedeu a pagamentos parciais e fora do prazo devido.
Como referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora a este propósito, aludindo ao ónus de prova da falta de cumprimento e à diversidade de entendimentos consoante se esteja perante simples acção creditória, destinada apenas à realização coactiva da prestação ou acção tendente à resolução do contrato, “esta diversidade de soluções soa a falso, na medida em que, numa ou noutra das situações, o facto que está em foco, como causa da prestação deduzida pelo autor, é o mesmo: o não cumprimento (presuntivamente culposo) da obrigação. A circunstância de o não-cumprimento ser ou não superável pela acção creditória não tira que tão razoável seja, num caso como no outro, impor ao devedor o ónus de prova do cumprimento” (in “Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1981, Coimbra, p.446-447).
Logo, logrando o Autor provar a celebração do contrato, bem como neste caso a transmissão do mesmo e, consequentemente, as obrigações dele decorrentes, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, o cumprimento da respectiva obrigação, designadamente o pagamento do montante da renda convencionada, como facto extintivo do direito de crédito invocado, incumbe ao devedor (cf. art. 342º, nº 2, do CC), tanto mais que, em direito, o pagamento não se presume a não ser em casos expressamente previstos na lei (cf. art. 786º do C.C.) e que aqui se não verificam.
Assim, o não pagamento de rendas - seja como causa de pedir de acção de dívida, seja como fundamento de resolução do contrato de arrendamento - não tem a natureza de facto constitutivo, antes se configurando o seu pagamento como facto extintivo do direito a esse pagamento, cabendo o ónus de prova nesta matéria, não ao autor, mas ao réu. Pois, o pagamento das rendas, ou melhor, o seu não pagamento, não se distingue, no essencial, da dogmática jurídica do normal incumprimento, fazendo recair a sua alegação e prova no devedor.
Aliás, mesmo para quem entendesse que o não pagamento das rendas numa acção para resolução do contrato de arrendamento de despejo, com esse fundamento, constituiria a verificação de um facto constitutivo do direito daquele que intenta, com base neles, a respectiva acção (de despejo), com fundamento em que “[o] que verdadeiramente legitima o exercício do direito de resolução do contrato de arrendamento é a prova do comportamento tipificado do locatário que, consubstanciando uma violação dos seus deveres contratuais, genericamente referenciados no artº 1038º, do Código Civil, habilita o senhorio, por esse motivo, à cessação unilateral da relação jurídica locatícia entre eles estabelecida”( cf. ac. RL de 15-12-2009 no proc. 37/06.6YXLSB.L1-7 in endereço d anet aludido), mesmo estes,  ressalvam que nas acções onde o pedido não é a resolução do contrato de arrendamento mas apenas o pagamento das rendas, o ónus de alegação e prova do pagamento cabe ao réu e o facto que deverá ser formulado no que concerne ao facto é pela positiva.
No caso em decisão, estas observações são da maior importância porque a consideração de que apenas o invocado pagamento das rendas pelo réu poderia ser extintivo do direito da Autora e sendo o réu, que o devia alegar, revel, o julgador não tem de incluir o não pagamento dessas rendas nos factos provados ou nos não provados mas terá de extrair essa conclusão de não pagamento, precisamente da não demonstração do contrário. Na verdade, como se propugna no Acórdão desta Relação, proferido a 4/10/2007, no proc. 5406/2007-8, a revelia impede a cominação, mas ela não inverte o ónus da prova, continuando mesmo nos casos de revelia a ser ele (réu/locatário) quem tem o ónus de provar o facto extintivo, ou seja, o pagamento das rendas. Donde, mesmo perante a revelia inoperante da ré tal não determina qualquer inversão do ónus de prova, competindo aos RR. alegar e provar o pagamento das rendas peticionadas pela Autora, as quais sendo reclamadas por esta como não pagas.
Face a tal ónus é manifesto que são devidos os valores das rendas correspondentes ao período temporal nos termos alegados pela Autora, ou seja, desde Maio de 2013 e até à transmissão do locado pela Autora, ou seja em Agosto de 2017, pois sendo a renda devida no 1º dia útil do mês anterior, será devido até setembro de 2017, tal como foi peticionado, por a escritura pública translativa do bem locado datar de 28/08/2017.
No tocante à indemnização peticionada alegou a A. que lhe é devido o valor correspondente a 50% dos valores das rendas devidas, por força do disposto no artº 1041º do Código Civil.
Na versão original do Código Civil o nº 1 do artº 1041º previa-se que constituindo-se o locatário em mora, o locador tinha o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual ao dobro do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento (redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro). Com o D.L. 293/77, de 20 de Julho, tal preceito passou a ter a seguinte redacção:1. Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.
Com a Lei n.º 13/2019, de 12/02, objecto de Rectificação n.º 11/2019, de 04/04, diploma que estabeleceu medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade, o artº 1041º nº 1 passou  a ter a seguinte redacção:”1 - Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20 /prct. do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.”
Ora, considerando o princípio inserto no artº 12º do CC e dado que as rendas em dívida se reportam aos períodos de 2013 a 2017, data esta antes da entrada em vigor da nova redacção do artigo 1041.º do Código Civil, o montante indemnizatório deverá ser o que constava na lei à data que os Réus se constituíram em mora, i.e. à data em que o valor da indemnização era fixado em 50% do valor em dívida.
A interpretação normativa do nº1 do art. 1041º do CC – ou seja, com a determinação precisa dos casos em que é devida ao senhorio a indemnização moratória aí prevista, correspondente neste caso a 50% das rendas em dívida, entendemos que corresponde à sua literalidade. Pois a específica e agravada indemnização moratória ali prevista só não tem cabimento se o locador optar pelo exercício do direito potestativo à resolução do contrato com fundamento no incumprimento da obrigação de solver pontualmente a renda e o contrato vier a ser efectivamente resolvido com tal fundamento, nomeadamente por o locatário não ter optado por purgar a mora, nos termos consentidos pelo art. 1048º do CC.
Poderíamos discutir se tal indemnização pela mora no pagamento das rendas só seria devida se o contrato de arrendamento subsistisse – ficando precludida sempre que, por qualquer outra razão ou fundamento, ainda que não directamente conexionado com a mora no pagamento da renda e o consequente exercício do direito de resolução pelo senhorio, a relação locatícia viesse a findar, nomeadamente pela entrega voluntária do locado, entrega essa afirmada pela Autora nos autos.
Ora, não se logrou provar a entrega voluntária do locado pelos RR., resultando tal facto como não provado, todavia, mesmo que tal tivesse ocorrido haverá que trazer à colação o decidido no Ac do STJ de 10/04/2014, proferido no proc. nº1301/11.8 TBFLG.G1.S1( in www.dgsi.pt/jstj relatado por Lopes do Rego) no qual se conclui que:«(…) não teria qualquer fundamento postergar o direito do senhorio à indemnização agravada que lhe é outorgado pelo nº1 do art. 1041º do CC – num caso em que o senhorio não exerceu de nenhuma forma um direito à resolução do arrendamento com fundamento em incumprimento contratual imputável à contraparte e a iniciativa e o interesse prioritário na cessação da relação locatícia são próprios e pessoais  do inquilino que, ao entregar as chaves do locado, manifestou claramente a sua desistência na manutenção da relação de arrendamento em curso; constituiria, na verdade, solução arbitrária e desprovida de fundamento material bastante a que se traduzisse, neste quadro factual, em onerar a posição do senhorio, postergando o específico direito à indemnização do locador que opta por não resolver o contrato, cessando este com base exclusivamente em acto da iniciativa do locatário, penalizando injustificadamente o locador apenas por este ter prescindido do prazo de denúncia unilateral do contrato, tendo por finda logo no próprio momento da entrega das chaves a relação contratual em curso.».
Idêntica posição foi assumida no Ac. do Supremo de 11/10/2005 no P. 4383/04 ( endereço da net aludido) ao aludir que: O n.º 1 do art.º 1041 do CC concede ao locador o direito à indemnização aí referida, desde a mora, sob condição (resolutiva) de aquele não obter a resolução do contrato com base na falta de pagamento da renda, dependendo, porém, a verificação da condição da efectiva resolução com esse fundamento; não deriva, de resto, da lei que o pagamento da indemnização apenas seja obrigatório quando o locatário mantém ou pretende manter o arrendamento, pelo que o referido direito do locador se não extingue se o locatário voluntariamente, ainda que na pendência da acção de despejo, abandonar ou entregar o locado.
Donde, o direito à indemnização mencionado existe sempre que haja situação de mora no pagamento de rendas, salvo quando o senhorio opte pela resolução do contrato com base nessa causa, e o contrato for resolvido com base em tal fundamento; ao invés, o locador mantém o referido direito à indemnização pela mora no pagamento de rendas, mesmo quando a resolução do contrato de arrendamento radica nomeadamente em acto eficaz de revogação unilateral da iniciativa do locatário.
Por tudo o exposto, é devida pelos RR. à Autora a quantia peticionada pela mesma, a título de indemnização pela mora no pagamento das rendas, correspondente a 50% do respectivo valor, com sustento legal no artigo 1041º, nº 1 do Cód. Civil (na versão dada pelo Decreto-Lei nº 293/77, de 20 de Julho).
Procede assim, na integra o recurso, sendo os RR. condenados nos termos peticionados pela Autora/apelante.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor e, consequentemente, altera-se a sentença condenando os réus a pagarem à Autora a quantia de 30.261,01 €, a título de rendas vencidas, e a quantia de 15.130,51€, a título de indemnização pela mora no pagamento de tais rendas. 
Custas pelos apelados.
Registe e notifique.
                                                                       Lisboa, 18 de Novembro de 2021
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Vera Antunes