Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5637/11.0TBCSC-A.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
MAIORIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - A declaração de continuidade da prestação de alimentos, para além da maioridade, nos termos do disposto no art.º 1905.º n.º2 do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei 122/2015 de 01 de Setembro, decorre da normal tramitação do incidente de incumprimento, na qual se insere, até porque nele sempre se determina também o pagamento das prestações vincendas, nos termos do art.º 189.º da OTM e actual art.º 48.º do RGPTC.
- Mas neste caso, não pode deixar de se admitir a produção de prova, por parte do obrigado à prestação de alimentos, sobre a irrazoabilidade da respectiva exigência, nos termos do mesmo art.º 1905.º n.º2 in fine.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I-RELATÓRIO


E..., não se conformando com a decisão que o condenou a pagar alimentos ao seu filho para além da data em que atingiu a maioridade, vem interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1. O requerido não se conforma com o despacho recorrido, nos termos do qual o douto tribunal ad quo decidiu: «que a prestação de alimentos fixada a favor do então menor N... se mantém na maioridade e até que este complete o seu processo de educação/formação profissional
2. O valor mensal dessa prestação, mantida pelo despacho sob censura, é de 400,00€, pelo que o valor do presente recurso será de 24.000,00€, nos termos do art. 298º n. 3 do C.P.C.
3. Para decidir como decidiu o douto tribunal ad quo teve que resolver se a Lei n. 122/2015 de 1 de Setembro se aplica ou não ao caso sub juditio, como perfunctoriamente julgara, tendo resolvido que sim, no que o recorrente não se conforma.
4. Parece também ter resolvido que o Incidente de Incumprimento de Regulação das Responsabilidades Parentais, sub juditio intentado pela requerente, nos termos do art. 181º da O.T.M., pôde ser oficiosamente transformado ou ampliado num procedimento de fixação de alimentos a filhos menores ou emancipados, nos termos do art. 989º n. 1 do C.P.C., embora tenha entendido que nele não poderia conhecer-se da arguida falta de razoabilidade do pai continuar a pagar a pensão de alimentos, ainda por cima no mesmo montante que vinha sido pago durante a menoridade, nos termos e para os efeitos dos arts. 1880º e 1905º n. 2, ambos do Código Civil.
5. O requerido não se conforma com tal decisão nem com a dualidade de critérios que se lhe afigura ter existido. Ou o Incidente de Incumprimento de Regulação das Responsabilidades Parentais não é o próprio para fixar alimentos a filhos maiores ou emancipados, ou é, na medida em que tal questão foi ponderada e até objecto de pedido novo e de prova e nesse caso o requerido deve ter a possibilidade de se defender, vendo apreciada a questão da falta da razoabilidade que oportunamente suscitou, as suas obrigações em relação a outros filhos e até a questão da sua possibilidade de sobrevivência, incluindo a ponderação do art. 2004º n. 1 do Código Civil.
6. O douto tribunal ad quo entendeu que a Lei n. 122/2015 de 1 de Setembro não teria efeitos retroactivos, mas - a nosso ver mal, por incompatibilidade lógica ou conceptual - que ainda assim a lei se aplicaria ao caso sub juditio, independentemente de o titular do direito a alimentos ter alcançado a respectiva maioridade antes da aprovação e da publicação da própria lei, na medida em que a mesma «…se aplica a todos os casos pendentes em que os jovens se encontram no momento actual em processo de educação…» .
7. Se, como o douto despacho recorrido considerou, a lei nova (entrada em vigor em 1/10/2015) se aplica aos casos pendentes iniciados antes da própria aprovação da lei, relativos a questões materiais controvertidas e causas de pedir constituídas em todos os seus apectos essenciais – nomeadamente no que respeita ao termo final da obrigação exequenda - antes da data da própria aprovação da lei e a pedidos também anteriores, então estamos precisamente em presença de efeitos retroactivos, que a lei em questão não contemplou.

8. O critério da pendência das acções – que depende directamente das vicissitudes processuais e até das velocidades diferentes que uns tribunais conseguem imprimir nalguns processos face aos outros – é totalmente inaceitável no que tange à fixação de direitos e obrigações das partes.
9. Quanto a esta matéria deve continuar a vigorar o princípio segundo o qual os efeitos da lei substantiva são determinados à luz das circunstâncias de facto nas relações materiais e não nas vicissitudes das pendências adjectivas, sob pena de vermos derrogados Princípios do Direito como o do primado da lei, o da segurança jurídica, o da Justiça e o da igualdade, assente na regra equitativa de tratar a todos de modo igual à luz da lei, independentemente de pendências e de duração de processos educativos;
10. Para apreciar a questão sub juditio, a idade do titular do direito a alimentos, concretamente a data da sua maioridade, é essencial, sendo secundária e complementar a da continuação do respectivo processo formativo.
11. A decisão recorrida introduziu uma desigualdade entre o jovem Nuno Miguel e todos os jovens que tenham alcançado os 18 anos antes de 1 de Outubro de 2015 sem terem um processo pendente de incumprimento de prestações vencidas de uma pensão de alimentos instaurado pelas suas mães.
12. O então titular do direito a alimentos, N..., tornou-se maior em 7 de Julho de 2015 e nessa altura não existia ainda o n. 2 do art. 1905º do Código Civil. Regulava esta matéria - e regula ainda - o artigo 1880º do Código Civil, com referência ao art. 1879º, que constitui uma excepção ao disposto no artigo 1877º do mesmo código. Nos termos deste último artigo, as responsabilidades parentais duram até à maioridade do filho, porém, o sustento e as despesas relativas à segurança, saúde e educação do filho maior – apenas estes - que ainda não tenha completado a sua formação profissional poderá manter-se na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete,
nos termos do art. 1880º cotejado com o art. 1879º, todos do C.C.
13. No âmbito deste regime legal, aplicável – a todos os jovens - até à entrada em vigor
da Lei n. 122/2015 de 1 de Setembro, no dia 1 de Outubro de 2015, e se for e na medida
em que seja razoável exigir aos pais – e, in casu, não é razoável exigir ao pai - o progenitor obrigado aos alimentos tem que ser informado pelo próprio filho, agora já maior que ainda não completou a sua formação profissional e que pretende beneficiar dos alimentos apesar de ter rompido as relações com ele, invocando esse Direito nos termos desta norma e indicando uma conta bancária, sua (e não da mãe), para poder passar a recebê-los directamente. O que não aconteceu in casu.
14. A Lei n. 122/2015 de 1 de Setembro, no dia 1 de Outubro de 2015, quase 3 meses depois do Nuno Miguel ter alcançado a maioridade, alterou o art. 1905º do Código Civil, introduzindo-lhe o número 2 que estabeleceu o novo regime aplicável a esta matéria dando maior densidade ao disposto no art. 1880º do mesmo código.
15. A partir do dia 1/10/2015 – data da entrada em vigor da Lei n. 122/2015 de 1 de Setembro e das alterações no C.C. e no C.P.C. que ela introduziu para o futuro -, e só a partir dessa data, um menor que alcance a maioridade verá a pensão de alimentos fixada durante a menoridade manter-se ope legis até que conclua a sua formação, até que a interrompa ou até que conclua os 25 anos. O progenitor poderá fazer prova da irrazoabilidade da exigência, mas nesse caso caber-lhe-á a iniciativa de suscitar a questão em juízo.
16. Na prática é como se a lei nova tivesse invertido o ónus de formular o pedido e de iniciar a acção, onde antes deveria ser o filho já maior a demandar os pais para que lhe fosse fixada uma pensão de alimentos, após esta lei é ou são o(s) progenitor(es) que deverá(ão) ter a iniciativa processual de demonstrar a irrazoabilidade dessa pensão após a maioridade, pedindo (como o requerido se viu forçado a fazer), que seja apreciada essa irrazoabilidade, quer da pensão, quer do montante da mesma vindo do período da menoridade.
17. No caso dos autos, foi a requerida quem iniciou a instância antes desta lei ter sido sequer aprovada, tendo por objecto, exclusivamente, prestações vencidas, até à maioridade, nos termos então em vigor.
18. Só na mesma data (1 de Outubro de 2015) e pelo mesmo diploma (Lei n. 122/2015 de 1 de Setembro) é que foi alterado o art. 989º do C.P.C., atribuindo ao outro progenitor o direito de, na maioridade, continuar a receber a pensão de alimentos, o direito de vetar que a pensão de alimentos seja directamente entregue à pessoa já maior e a legitimidade para, em nome próprio, demandar o outro progenitor, pedindo esses alimentos; E foi precisamente isto que, a dada altura da instância, a convite e por iniciativa do douto tribunal ad quo, a requerida fez nos presentes autos.
19. No caso sub juditio, um processo de incumprimento de prestações vencidas de uma pensão de alimentos intentado pela mãe de menor e cujo direito se extinguira em Julho de 2015, vê-se contra legem transformado num processo de fixação de alimentos para o futuro a um filho maior, reclamado pela sua mãe, tendo por objecto a repristinação do dever de pagamento pelo requerido de pagar à mãe a prestação de alimentos anteriormente fixada e que anteriormente se extinguira.
20. Acresce que o douto Tribunal ad quo entendeu fixar uma obrigação duradoura sem prazo ou termo final, de caducidade, dependente de uma condição vaga, que tudo permite, sem condições ou limitações, contra o que o art. 1880º do C.C. dispunha e dispõe, e o art. 1905º n. 2 C.C. actualmente estabelece: uma limitação, geral e absoluta, de idade – um termo final inquestionável -, os 25 anos e ainda uma condição resolutiva, a da interrupção livre da formação, para além da possibilidade do obrigado à prestação de alimentos fazer prova da irrazoabilidade da sua exigência, como o tentou fazer o requerido em sua defesa, mas que lhe foi indevidamente negado.
21. O requerido, que no início da instância, respondia por uma obrigação, vencida, num valor certo, a meio da instância, depois de proferida a sentença (já transitada) que o condenou nesse pedido, viu discutir-se e foi condenado numa obrigação que se poderá prolongar (indefinidamente) no tempo, num valor muitíssimo superior, com base em lei nova entretanto entrada em vigor, que estabelece expressamente um critério de razoabilidade e limites certos.
22. O requerimento de fls. apresentado pela requerente a instâncias do despacho de fls. de 19/11/2015, introduziu uma ampliação do pedido inicial.
23. Que, a admitir-se, no que não se concede, implica necessariamente que se admita e conheça a defesa do requerido nesta instância, nomeadamente a apreciação da questão da razoabilidade da própria pensão e do seu quantum.
24. O douto tribunal ad quo, apesar de reiteradamente alertado para os factos, graves, que deram origem ao incumprimento que levou ao processo, não curou de saber, como a Lei impõe e o requerido pediu, da razoabilidade da exigência ao pai e, muito para lá do pedido inicial e da forma que o processo consentia, fixou uma obrigação sem o contrapeso legalmente estabelecido através da palavra «normalmente» e sem os limites fixados no referido art. 1905º n. 2 C.C.. A exigência pode manter-se ad aeternum, desde que o N..., por mais que chumbe ou salte de curso em curso e de formação em formação, não a complete, pelo que a parte decisória da sentença recorrida nem ao menos respeita a lei nova entretanto entrada em vigor, abstendo-se de colocar quaisquer limites.
25. A decisão recorrida não é adequada ou justa. Nem obedece à lei. Sem produção de prova ou debate, o douto tribunal ad quo, instruindo uma daspartes contra a outra em ordem a aplicar uma regra nova, decidiu liminarmente e sem audiência de julgamento a favor dela muitíssimo para lá do pedido, aplicando a mencionada lei, em termos que a respectiva letra e regras de aplicação não consentem.
26. O jovem, já adulto, no fundo putativo titular do direito a alimentos, sem sequer ser ouvido, tido ou achado, é assim tratado como incapaz e no fundo incentivado a iniciar a sua vida enquanto homem como um menino sustentado pelo pai que desprezou em detrimento das irmãs.
27. A lei deve ser aplicada de acordo com as suas regras (de aplicação da lei no tempo) e na sua literalidade. Deve reconhecer-se que as alterações introduzidas pela Lei n. 122/2015 de 1 de Setembro não são aplicáveis ao caso sub juditio, visto que o N... alcançara a maioridade muito antes da entrada em vigor dessa lei;
28. Que as regras adjectivas, desde logo o Princípio do Dispositivo, impedem que o tribunal se substitua às partes na formulação do pedido e da causa de pedir e que um incidente que tem um determinado objecto, causa de pedir e pedido, não pode ser oficiosamente transformado num outro, sem que ao menos as regras do Princípio do Contraditório e da produção da prova sejam salvaguardadas;
29. Que a fixação de alimentos a filho maior tem que ser ponderada à luz de critérios de razoabilidade e fixada para durar apenas o período de tempo normalmente requerido para que a formação já iniciada se complete, a mesma seja livremente interrompida, ou o titular do direito alcance os 25 anos.
30. E, finalmente, que há um limite para a penhora dos salários, mesmo em casos de pensão de alimentos, na medida em que o obrigado não deve ficar privado do rendimento necessário à satisfação das suas necessidades mínimas essenciais, em obediência ao princípio da dignidade humana, consabidamente com recorte e protecção constitucional.

A Requerente e Apelada A... veio apresentar contra alegações onde conclui:
1.º O Recorrente não tem razão nas alegações e conclusões formuladas pelo que a Decisão recorrida não é merecedora de qualquer reparo.
2.º Não houve nem omissão nem insuficiência de fundamentação do tribunal a quo.
3.º No que concerne à retroactividade da Lei n.º 122/15, de 01 de Setembro, tem de se entender que não existe razão na fundamentação do Recorrente em relação a esta matéria, pois não se trata propriamente de efeitos retroactivos, mas sim, que a lei se aplica a todos os casos pendentes em que os jovens se encontram actualmente em processo de educação/formação profissional, existindo alimentos fixados na menoridade, que se mantêm na maioridade, sob pena de estarmos a violar o princípio da igualdade.
4.º O pagamento da pensão de alimentos estende-se de forma automática até o filho complete 25 anos, desde que se prove que continua a estudar ou a frequentar formação profissional e tem aproveitamento. Isto é, só assim não será, se:
(i) O processo de formação ou de educação profissional estiver concluído antes de atingir os 25 anos de idade;
(ii) Se o processo de formação ou de educação profissional for livremente interrompido pelo filho; ou
(iii) Em qualquer caso, se o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da exigência de alimentos, o que salvo melhor, o Recorrente não conseguiu alegar, nem fazer qualquer tipo de prova neste sentido.
5.º A Lei ora invocada, obsta, não tem como objectivo, que os filhos ao atingirem a maioridade tenham de intentar uma acção de alimentos contra o progenitor, como sucedia no passado e que o Recorrente considerava que fazia sentido e alega como um dever que o seu filho devia ter tido como prática. Se assim fosse, então, a recente Lei n.º 122/15, de 1 de Setembro, não fazia qualquer sentido quanto ao cariz inovador.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve:
A douta decisão recorrida, ser mantida, não merecendo qualquer censura e condenando o aqui Recorrente a liquidar o fixado para pensão de alimentos a favor do filho, agora maior e, dever-se, assim, manter tal prestação na maioridade até que este complete o seu
processo de educação/formação profissional, até aos 25 anos, acautelando e defendendo os direitos deste jovem, seu filho, assim, fazendo Vossas Excelências a Costumada Justiça.

O Ministério Público também se pronunciou no sentido da confirmação da decisão recorrida.

Cumpre apreciar e decidir:

II-OS FACTOS

A factualidade relevante para a decisão é a que consta do relatório, destacando-se ainda:
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
Face ao que resulta dos autos, não subsistem dúvidas de que efectivamente o Requerido não tem vindo a cumprir o que foi decidido, pelo que desde já se declara tal incumprimento, nos termos do art. 41º do RGPTC.
Decorre da lei, cfr. art. 48º do RGPTC que verificado tal incumprimento, deverão ser accionados os mecanismos previstos para o cumprimento coercivo, concretamente descontos no vencimento do requerido.
Decisão
Face ao exposto, decide-se:
- Declarar o incumprimento pelo requerido da prestação de alimentos a que está obrigado no montante já vencido desde Novembro de 2014 até Julho de 2015.
- Face às recentes alterações legislativas, - Lei 122/2015 de 1 de Setembro, - o valor da prestação de alimentos é devido para além da maioridade, devendo o jovem ou a progenitora juntar no prazo de 15 dias documentos dos quais resultem que aquele ainda está em processo de educação/formação profissional.”

2-Os presente autos de Incidente de Incumprimento de Regulação das Responsabilidades Parentais, tiveram início em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 122/15, de 1 de Setembro, sendo Requerente A...

3- N... atingiu a maioridade em 7 Julho de 2015.

4- Em 24 de Fevereiro de 2016, a Requerente, Requerido e o filho de ambos N..., foram notificados para requerem o que tiverem por conveniente no que concerne ao seguinte despacho, onde se pode ler o seguinte:
“(…) fls.52 e ss. E 76 e ss., 92: A redacção da Lei 122/2015 de 1 de setembro que dispõe que a obrigação de alimentos fixada para filhos menores se mantém até aos 25 anos é muito claro no sentido de inverter o ónus da prova ou mais concretamente, deixou de ser o filho maior que tem de requerer a atribuição de prestação de alimentos, continuando esta a ser devida mediante mera comprovação da situação de processo de educação/formação profissional, isto é ao contrário do que acontecia anteriormente, é ao progenitor que cabe intentar acção para cessação da prestação de alimentos, caso haja fundamento para tanto, - pelo que por aqui se fundamenta o indeferimento das diligências requeridas a fls 87 pelo progenitor que deverão ser realizadas em processo autónomo de cessação de prestação de alimentos. Cumpre ainda esclarecer que não se trata de qualquer ampliação do pedido inicial e que a declaração de continuidade da prestação de alimentos decorre da normal tramitação do presente incidente de incumprimento, uma vez que sempre se determina o desconto das prestações vincendas nos termos do art.189.º da OTM, agora 48 do RGPTC”.

III-O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões que importa apreciar são as seguintes:

1-Saber se é aplicável à situação dos autos a alteração introduzida pela Lei n.º 122/2015 de 1 de Setembro.

2-Saber se deveria ter sido conhecida neste processo a questão suscitada pelo Requerido da irrazoabilidade da exigência da prestação de alimentos na situação em concreto.

1-Quanto à primeira questão, concordamos com a 1.ª instância no sentido de considerar que a aplicabilidade aos presentes autos da alteração introduzida pela Lei 122/2015 de 1 de Setembro não significa uma aplicação retroactiva da lei. Na verdade, entendemos que esta Lei se aplica a todos os casos pendentes à data da sua entrada em vigor, encontrando-se os jovens ainda a completar a sua educação e/ou formação profissional, existindo alimentos fixados na menoridade. Outra interpretação poria em causa o princípio da igualdade, princípio basilar do nosso sistema jurídico.
Como nos parece óbvio, não procede o argumento do Apelante segundo o qual, sempre a decisão recorrida estabeleceria uma desigualdade em relação aos jovens que não tenham pendente uma acção de incumprimento. Claro que a igualdade só pode ser garantida entre os processos que estejam pendentes. O Tribunal não pode garantir a igualdade entre as situações que estão fora do seu âmbito de apreciação.
Por conseguinte, não nos merece qualquer censura, o segmento da decisão que considera aplicável ao presente processo a alteração ao Código Civil introduzida pela Lei n.º 122/2015 de 1 de Setembro.

2-Já quanto à segunda questão, afigura-se-nos que o Apelante tem razão.
É certo, tal como é referido nos autos, que a redacção introduzida pela Lei 122/2015 de 1 de setembro que dispõe que a obrigação de alimentos fixada para filhos menores se mantém até aos 25 anos, é clara no sentido de inverter o ónus da prova. Ou seja, deixou de ser o filho maior a ter o ónus de requerer a atribuição de prestação de alimentos, continuando esta a ser devida, desde que fixada durante a menoridade, mediante mera comprovação da situação de processo de educação/formação profissional. Ao contrário do que acontecia anteriormente, é ao progenitor que cabe intentar acção para cessação da prestação de alimentos, caso haja fundamento para tanto.
Porém, se, no caso como o presente, em que a progenitora foi notificada para comprovar que o filho se encontrava nessa situação, com vista a ser decidida essa extensão da obrigação de prestar alimentos por parte do progenitor, então a este terá de ser admitida a alegação e prova de qualquer das circunstâncias/excepções previstas no art.º 1905.º n.º2 do Código Civil ( redacção introduzida pela Lei 122/2015).
Não faz sentido, tal como o Apelante conclui, que nestes autos de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais, em que a progenitora pedia o cumprimento das prestações devidas até à maioridade, se tenha decidido e afirmado a extensão dessa obrigação por parte do pai, para além da maioridade, mas, simultaneamente, se tenha recusado a possibilidade de o pai provar a existência de alguma das circunstâncias que nos termos da lei, o dispensariam dessa obrigação.
Se a declaração de continuidade da prestação de alimentos decorre da normal tramitação do presente incidente de incumprimento, até porque nele sempre se determina também o pagamento das prestações vincendas, nos termos do art.º 189.º da OTM e actual art.º 48.º do RGPTC, então não pode deixar de se conhecer de alguma das circunstâncias especificadas na lei que ponham em causa a exigibilidade dessas prestações vincendas.
Cremos que não pode decidir-se que o Apelante está obrigado a pagar determinada prestação, ignorando as razões apresentadas pelo mesmo, que a provarem-se, poderiam tornar inexigível essa obrigação, e obrigando-o a interpor uma acção autónoma com o objectivo de provar essas razões. Afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que tal raciocínio, que perpassa na decisão recorrida, enferma de alguma incoerência intrínseca, além de, em última análise, pôr em causa o princípio do contraditório, outro princípio basilar do nosso direito processual civil.
Assim, tendo o Requerido alegado factos susceptíveis de integrar a irrazoabilidade da exigência da prestação de alimentos, deverá tal questão ser apreciada, pois pode prejudicar a decisão recorrida na parte em que declara que a prestação de alimentos é devida para além da maioridade.
Procedem, nesta parte as alegações de recurso.

IV-DECISÃO

Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso do Apelante e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, na parte em que declara que o valor da prestação de alimentos é devido para além da maioridade, pois previamente terá de ser apreciada a questão suscitada pelo progenitor sobre a inexigibilidade dessa prestação nos termos do art.º 1905.º n.º 2 do CCivil.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 30 de Junho de 2016

Maria de Deus Correia

Nuno Sampaio

Maria Teresa Pardal