Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2200/14.7TTLSB.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO
MORTE NATURAL
MEDICINA DO TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– Estamos perante um acidente de trabalho desde logo quando ocorre um acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado.

II– O enfarte agudo do miocárdio sofrido por um trabalhador no local e tempo de trabalho, que lhe provoca a morte, não constitui um evento súbito, de natureza exógena, se associados a ateroesclerose coronária cardíaca e generalizada grave, cardiomegália e cardiopatia isquémica crónica de que padecia a vítima.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório:

AAA, viúva do sinistrado BBB, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra:
1.º- CCC, S.A,
2.º- DDD, S.A,
3.º- EEE, S.A.,
pedindo que o sinistro a que se referem os autos seja considerado como acidente de trabalho, com o respectivo pagamento à Autora de pensão anual e vitalícia, subsídio por morte e despesas de  funeral.

Alega, em síntese, que a Ré empregadora celebrou com as Rés seguradoras um contrato de seguro através do qual se encontrava transferida para estas a responsabilidade emergente de acidente de trabalho. Mais alega que o óbito do seu marido ocorreu no tempo e local de trabalho, por força do elevado esforço provocado pelo peso que transportava nas circunstâncias de tempo e lugar do falecimento, sendo ainda certo que sobre o falecido caiu igualmente uma prancha metálica que lhe causou ferimentos na cabeça. Pese embora na autópsia realizada ao falecido conste como causa da morte do mesmo enfarte recente do miocárdio por aterosclerose coronária cardíaca generalizada e grave, o certo é que, até à data, o falecido não era portador de qualquer sintoma prévio, nem nunca lhe tinha sido diagnosticada tal doença, nomeadamente nos exames médicos periodicamente realizados na sua empregadora no âmbito do programa de higiene e segurança do trabalho. Assim, o esforço físico despendido pelo trabalhador na execução das suas tarefas aumentou e potenciou o risco de doença súbita.
***

Citadas, as Rés contestaram, alegando, em síntese, que não aceitam a caracterização do acidente como de trabalho, defendendo que a causa da morte do trabalhador é devida a doença natural, a saber enfarte do miocárdio, conforme se extrai da autópsia. Alegam, em síntese que, nas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o óbito não se verificou qualquer acidente, no sentido de ocorrência de um acontecimento ou evento naturalístico súbito, inesperado e de origem externa, sendo ainda certo que a concreta actividade que o sinistrado se encontrava a realizar não pode ser qualificada como esforço físico violento e, consequentemente, não era adequada a causar a sua morte.

Concluem pela improcedência da acção.

A Ré empregadora contestou igualmente a presente acção, invocando as excepções dilatórias de caso julgado e de ilegitimidade.

No mais alega, em síntese, que a circunstância da morte ter ocorrido no local e tempo de trabalho do sinistrado não se deveu à natureza ou ao esforço que esse mesmo trabalho lhe exigisse, mas sim a um simples e infeliz acaso.

Pugna pela absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, pela absolvição do pedido.
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A Autora respondeu à contestação apresentada pela empregadora, pugnando pela sua intempestividade.
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Foi proferido despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância, e decidiu pela tempestividade da contestação apresentada pela Ré empregadora, julgando procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da mesma, com a sua absolvição da instância.
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Foi fixada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.
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Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.
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A sentença julgou a acção improcedente, por não provada, com a absolvição das Rés dos pedidos contra elas formulados.
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Inconformada, a Autora interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
“1ª– Neste processo de Acidente de Trabalho, a Sentença aqui recorrida, não tão teve em consideração factos e circunstâncias muito relevantes, nomeadamente a Jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça
2ª– A entidade patronal delegou na (…), Lda, como entidade responsável por vigiar e coordenar a higiene, saúde e segurança do aqui trabalhador. A qual não acautelou a supervisão da saúde física e psíquica do malogrado trabalhador. Colocando o mesmo apto a desempenhar as suas funções !
3ª– Nunca foi constatada anteriormente qualquer doença ao trabalhador.
4ª– Nem lhe foram efetuados ao trabalhador como é imperativo de lei expressa, exames complementares de diagnóstico, para se aferir se o trabalhador está ou não apto para o desempenho das suas funções.
5ª– Em qualquer uma das fichas clínicas não cumpre os seus termos legais, pois não tem a assinatura e a data do trabalhador em como tomou conhecimento tal como aqui sucedeu pois todas as fichas clinicas juntas aos autos aquando da notificação pelo Tribunal à Medicina do Trabalho esta apresenta tais fichas em 13/05/2016, em nenhuma delas está sequer a assinatura do trabalhador. E até numa última consulta ao trabalhador realizada em 03/12/2013 (ver pág. 3/6) apresentou uma tensão arterial muito elevada de 214 – 117, quando dois anos antes tinha 160 – 90. 6ª– Tinha a obrigação o médico de dar o trabalhador como inapto, e nesse caso deveriam ter sido efectuados exames complementares . E não o foram porque ?
7ª– O médico deveria comunicar o facto ao responsável pelo serviço de segurança e saúde no trabalho, bem como, se tal se justificar, solicitar o acompanhamento pelo médico de família ou outro médico assistente do trabalhador.Situação que não foi feita !
Ao invés é considerado o trabalhador como apto e entregue à sua sorte, com os resultados que se vê, veio a falecer uns meses mais tarde, vítima de um ataque cardíaco.
8ª– É sabido que durante muitos anos o trabalhador foi sujeito a um elevado desgaste físico, bem com um elevado esforço no desempenho da sua aliás árdua função diária de encarregado de obra, mas que não dirigia só, pois o mesmo pegava em todos materiais mesmo os mais pesados, e a prova está em que morre com uma prancha na mão.
9ª– Este desgaste físico, que contribui directamente para a causa directa da sua morte, agravando permanentemente tal desempenho o seu estado de saúde o que tal facto causou o agravamento da anterior doença, que foi causa adequada da morte do sinistrado.
10ª– Tinha ainda o trabalhador um elevado stress, pois a obra em causa estava muito atrasada, como foi relatado pelas duas testemunhas colegas de trabalho.
11ª– O falecido trabalhador era ainda um jovem de 49 anos, e que se soubesse sem qualquer problema de saúde até à data do seu falecimento.
12ª– O Exame Pericial junto aos autos se diz claramente in fin que “ A causa da morte do trabalhador – enfarte agudo do miocárdio, poderá ter sido agravado em resultado do desenvolvimento do seu trabalho, potenciado pelo seu esforço físico” e conclui igualmente que o esforço físico ou stress emocional, são momentos em que o músculo cardíaco exige um maior aporte de sangue.
13ª– Existe aqui a Presunção da existência de acidentes de trabalho nos termos do nº 1 do artº 8 da Lei 98/2003 de 4 Set.
14ª– É jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que vai no sentido de que o esforço físico despendido pelo trabalhador na execução das suas tarefas aumenta e muito o risco de doença súbita, cuja causa é bem conhecida e não é nada natural.
15ª– Temos o infeliz caso da morte em pleno relvado num desafio de futebol de um jogador do Club (…), de nome (…) no ano de 2004, apreciando este caso concreto, em muito igual ao aqui dos presentes autos, pois até estamos perante uma falha de um mesmo órgão humano - o coração -, veio o Supremo Tribunal de Justiça proferir um Acordão caracterizando e atribuindo ao mesmo como tendo sido, um de acidente de trabalho, e por essa via foi enquadrado juridicamente como tal.
E pagas pela Companhia de Seguros CCC, as justas indemnizações aos familiares dessa vítima, como foi amplamente noticiados nos órgão de comunicação social.

16ª– Considerando o referido Acordão que ;
- É acidente de trabalho o evento, inesperado e súbito, que se verifique, no local, no tempo e por causa do trabalho, do qual resulte agravamento de doença anterior, com a consequência de lesão corporal ou da morte.
- A atividade física desenvolvida por um atleta profissional durante um desafio oficial de futebol que potenciou arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) derivada de miocardiopatia hipertrófica, doença congénita de que aquele sofria mas até então não detetada, vindo aquele atleta a falecer devido àquela arritmia, é evento que integra um acidente de trabalho. - Por tal evento revestir as necessárias características de um acontecimento súbito, inesperado e exterior à vítima, ocorrido no local, no tempo e por causa do trabalho, produzindo agravamento de anterior doença, que foi causa adequada da morte do sinistrado, não se pode considerar tal evento como integrante de uma situação de “morte natural”, mas antes de um verdadeiro acidente de trabalho.
- Acordão do STJ de 30-06-2011 Recurso n.º 383/04.3TTGMR.L1.S1 - 4.ª Secção Pereira Rodrigues (Relator)* Pinto Hespanhol Fernandes da Silva.

17ª– A douta Sentença aqui recorrida não teve pois em consideração todos estes eventos, bem como esta Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
18ª– Nestas autos estamos perante uma verdadeira culpa ou no mínimo uma atitude negligente em primeira linha da empresa que é responsável pela Medicina do Trabalho, que deu o trabalhador como apto para trabalhar, quando deveria ser precisamente o contrario. Ou seja, não cumpriu o seu dever.
19ª– As Seguradoras devem ser pois responder e garantir o respectivo risco, pelo que esse mesmo risco (que podia e deveria ser acautelado e até minimizado) não pode nem deve correr por conta do trabalhador, já que este acabou por pagar com a sua própria vida ao falecer no seu posto de trabalho e no qual deu todos os seus esforços.
Nestes termos e nos demais de Direito deve o presente Recurso proceder em toda a matéria aqui alegadas, e por essa via serem as Rés condenadas em tudo o peticionado.
E assim se fará a costumada Justiça.”
***

As Rés contra-alegaram, concluindo nas suas alegações que
“ 
A)–
Na tentativa de ”colar” o enfarte agudo do miocárdio sofrido pelo seu falecido marido à morte por miocardiopatia hipertrófica do malogrado futebolista (…), a Recorrente permite-se invocar supostos factos que não resultaram da prova produzida – o alegado “elevado stress” e o alegado “elevado desgaste físico” “durante muitos anos” -, e invocar o sentido (do ponto de vista dela Recorrente) dos depoimentos não gravados de testemunhas, como se a sentença não traduzisse, fielmente, a prova produzida na audiência.
B)–
Na conclusão 12ª, onde alegadamente pretende transcrever uma parte da perícia, a Recorrente descontextualizou-a e escreveu-a erradamente, o que fez nos seguintes termos: “O Exame Pericial junto aos autos se diz claramente in fin que ‘A causa da morte do trabalhador – enfarte agudo do miocárdio, poderá ter sido agravado em resultado do desenvolvimento do seu trabalho, potenciado pelo seu esforço físico’ e conclui igualmente que o esforço físico ou stress emocional, são momentos em que o músculo cardíaco exige um maior aporte de sangue”.
C)–
Acontece que, no final das respostas da perícia, o que está escrito é o seguinte: “é possível mas é pouco provável que a causa de morte do trabalhador – enfarte agudo do miocárdio, poderá ter sido agravada, em resultado do desenvolvimento do seu trabalho, potenciado pelo seu esforço físico”.
D)–
Portanto, a Recorrente transcreveu mal a resposta do Senhor Perito, retirando-lhe o essencial, ou seja, que “é possível mas é pouco provável”.
E)–
Sendo verdade que o esforço físico violento ou o stress emocional muito intenso são momentos em que o músculo cardíaco exige um maior aporte de sangue, não é menos verdade que não foi feita qualquer prova de que o marido da Recorrente estivesse a fazer ou tivesse feito algum esforço físico violento, nem, muito menos, que tivesse sido ou estivesse a ser submetido a stress emocional muito intenso.
F)–
É evidente que as conclusões 8ª, 9ª, 10ª e 12ª da alegação da Recorrente não correspondem à verdade dos factos.
G)–
Não tendo ocorrido qualquer acontecimento repentino, inesperado e externo à pessoa do marido da A., com ligações ao trabalho prestado, que tenha gerado o enfarte do miocárdio e a morte, não se pode afirmar que houve um acidente de trabalho.
H)–
Como resulta do relatório da autópsia a morte foi devida a enfarte recente do miocárdio, por aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave, e esta foi causa de morte natural.
I)–
Verificando-se que a morte teve origem em causa endógena, sem qualquer ligação com o local e tempo de trabalho, não pode afirmar-se que essa morte foi consequência de um acidente de trabalho.
J)–
Como regra, os requisitos ou pressupostos de um acidente de trabalho hão-de ser alegados e provados por quem reclama a respectiva reparação, por se tratar de factos constitutivos do direito invocado (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil).
K)–
Há, no entanto, aspectos em que a lei facilita a tarefa do sinistrado ou dos beneficiários, criando presunções a seu favor, libertando-os da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões, mas não os libertando do ónus de provar a verificação do próprio evento (acidente) causador das lesões.
L)–
Com efeito, “a simples constatação da morte de um trabalhador no local e tempo de trabalho não faz presumir a existência de um acidente de trabalho, não dispensado a beneficiária da sua prova efectiva, segundo as regras gerais, de que o evento infortunístico, configura um acidente de trabalho” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08.10.2015, Processo 841/11.3TTGMR.G1, www.dgsi.pt.
M)–
Por outro lado, a Recorrente procura fazer uma colagem entre a morte do seu marido por enfarte do miocárdio por aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave com a morte de (…), por miocardiopatia hipertrófica, procurando confundir patologias que não se confundem e circunstâncias e causas que não são análogas e não se confundem.
N)–
No caso de (…), a sua morte deveu-se a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) em consequência de cardiomiopatia hipertrófica - que é uma doença do miocárdio (músculo cardíaco) caracterizada por hipertrofia (espessamento) ventricular esquerda, com um envolvimento predominante do septo interventricular, na ausência de outras causas de hipertrofia, com um elevado risco de insuficiência cardíaca e morte súbita - enquanto que a morte do marido da Recorrente foi devida a enfarte recente do miocárdio, por aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave (doença inflamatória crónica caracterizada pela formação de ateromas dentro dos vasos sanguíneos).
O)–
Nos autos em que se discutiu a morte de (…) provou-se que o esforço físico que efectuava no jogo de futebol em que participava foi precipitante da sua morte e que potenciou a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) em consequência de cardiomiopatia hipertrófica.
P)–
No caso dos autos não foi feita qualquer prova que o marido da Recorrente estivesse a fazer ou tivesse feito algum esforço físico violento, nem, muito menos, que tivesse sido ou estivesse a ser submetido a stress emocional muito intenso, e, consequentemente, não se provou que tivesse efectuado qualquer esforço que fosse precipitante ou que potenciasse o “enfarte recente do miocárdio, por aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave” que o afectava.
Q)–
Aliás, não estamos perante patologias iguais – num caso, arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) em consequência de cardiomiopatia hipertrófica, e, noutro, enfarte recente do miocárdio, por aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave - nem perante circunstâncias iguais – num caso, o esforço físico efectuado no jogo de futebol em que participava foi precipitante da morte e potenciou a arritmia cardíaca, e, noutro, total ausência de prova de esforço físico ou de stress que fossem precipitantes ou que potenciassem o “enfarte recente do miocárdio, por aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave”, não sendo, por isso, possível fazer qualquer analogia entre a morte do marido da Recorrente com a morte de (…).
R)–
O único ponto comum entre as duas mortes é o coração.
S)–
Na tentativa de imputar a alguém o enfarte do miocárdio sofrido pelo seu marido, a Recorrente atribui a responsabilidade de uma suposta ignorância do falecido, relativamente às patologias cardíacas de que era portador, à empresa Medialcare, Lda., ou dito e outro modo, sustenta que se a morte não se deveu a acidente de trabalho deveu-se ao facto de o falecido ignorar as suas patologias, sendo essa ignorância imputável à (…), Lda.
T)–
Acontece que as Recorridas não são seguradoras da responsabilidade civil profissional ou extraprofissional da (…), Lda., nem nestes autos emergentes de acidente de trabalho pode ser discutida tal responsabilidade, até por que a (…), Lda. não é parte na acção nem contra ela foi deduzido qualquer pedido
U)–
Como decorre da prova produzida, o falecido apresentava a aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave, cardiomegália, hipertrofia concêntrica estenosante e cardiomiopatia isquémica crónica, tendo a morte sido devida a enfarte recente do miocárdio, por aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave.
V)–
Acontece que os exames mais especificamente destinados à detecção destas patologias, nomeadamente o ecocardiograma, não incorporam o leque de exames complementares de rotina concretizados no âmbito das avaliações de vigilância dos programas de Higiene e Segurança do Trabalho no contexto da medicina do trabalho, uma vez que tais exames apenas são realizados quando existe sintomatologia que suscite qualquer suspeita.
X)–
Ora, a maioria destas situações são assintomáticas ou oligossintomáticas e tudo o que o falecido apresentava era tensão arterial elevada e “aquando da consulta de medicina do trabalho que teve lugar a 03-12-2013, a tensão arterial era elevada, tendo sido inclusivamente encaminhado (aconselhado a ir) para o serviço de urgência para medicação de crise hipertensiva o que optou (o falecido) por não fazer”.
Z)–
Em suma, a morte não foi devida a acidente de trabalho e, consequentemente, a Recorrente não tem direito a reparação.
Termos em que mantendo a douta sentença recorrida V. Exas. farão JUSTIÇA!”
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A Exma Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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A Apelante exerceu o contraditório, concluindo como nas alegações de recurso.
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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir
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II–Objecto
Nos termos do disposto nos art 635º nº 4 e 639º nº1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ao caso ex vi do art. 1º, nº 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
No presente caso, atendendo ao teor das conclusões, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes
- se o tribunal a quo errou na decisão da matéria de facto, quanto à matéria impugnada – cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto;
- se ocorreu um acidente de trabalho relativamente ao marido da Autora;
- em caso afirmativo, acerca das consequências daí resultantes e da responsabilidade das Rés.
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III–Fundamentação da Matéria de Facto
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
1.- Para as Rés, Seguradoras, estava transferida, na parte relativa ao falecido, a responsabilidade pela remuneração de 1.400,56 € x 14 meses, acrescida do subsídio de alimentação de 5,65 € x 242 dias, e de “outros” no valor de 107,63 € x 12 meses, através da apólice nº 2.233.253, do ramo Acidentes de Trabalho, que vigorava na modalidade de seguro completo a prémio variável.
2.- A Autora é viúva do seu falecido marido - BBB - o qual era trabalhador na empresa EEE, SA., desempenhando na mesma a função de encarregado de obra.
3.- A entidade patronal tinha transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para as Rés Companhia de Seguros CCC SA e Companhia de Seguros DDD SA, na proporção de 60% e 40%.
4.-A responsabilidade decorrente da referida apólice estava distribuída pelas Rés Seguradoras, em regime de co-seguro, cabendo à CCC 60% e à DDD 40%.
5.- No dia 27 de Junho de 2014, pelas 11h20m, numa obra que a entidade patronal estava a executar, na Rua (…), em Lisboa, nesse local, e dia e hora, faleceu o trabalhador, em plena actividade laboral.
6.-No relatório de autópsia é descrita a causa da morte do sinistrado como sendo devido a enfarte recente do miocárdio, por ateroscleróse coronária cardíaca e generalizada grave.
7.- De acordo com as conclusões do relatório da autópsia, a morte de BBB “foi devido a enfarte recente do miocárdio, por aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave” “Esta constitui causa de morte natural”.
8.- Aliás, de acordo com esse relatório, o falecido apresentava: “Coração aumentado de volume (cardiomegalia), principalmente à custa do ventrículo esquerdo, que se apresenta com hipertrofia concêntrica estenosante”, “Peso 590 g”; “Artérias coronárias: … Placas excêntricas, calcificadas, presentes ao longo do ramo descendente anterior e ramo circunflexo da artéria coronária esquerda, condicionando oclusão luminal máxima de 50% em ambos os ramos”; “A exploração da artéria coronária direita revelou igualmente placas de ateromas, excêntricas, ao longo do vaso, condicionando oclusão luminal máxima em cerca de 30%”; “Artéria Aorta: Presença de placas ateromatosas, algumas calcificadas – aterosclerose da aorta moderada”. “Aorta abdominal: Presença de placas ateromatosas calcificadas – aterosclerose grave da aorta”.
9.-As lesões traumáticas que apresentava “escoriações na cabeça, que foram produzidas por acção de natureza contundente pouco violento no período peri-mortem, possivelmente como resultado da queda … não têm nexo de causalidade com a morte”.
10.-O falecido, apresentava “pequenas áreas de coloração nacarada (fibrose) [cicatrizes], dispersas pela parede anterior do ventrículo esquerdo.”
11.-Apresentava, também, “Espessura ventricular esquerda: 20mm”.
12.- O falecimento do trabalhador ocorreu, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5), quando este transportava manualmente uma prancha própria para andaime, com um outro trabalhador de seu nome (…), o qual seguia na frente e o falecido na rectaguarda.
13.- Até à data referida em 5) não tinha sido diagnosticado ao Autor aterosclerose coronária cardíaca generalizada grave.
14.- O trabalhador foi sujeito a observação na empregadora em medicina do trabalho em 24- 10-2011 e 03-12-2013, realizou análises clínicas em 15-10-2013 e deslocou-se a consultas médicas nos seguintes dias: 27-08-2003, 02-09-2003, 29-09-2003, 23-10-2003, 23-10-2003, 11-11-2003, 19-12- 2003, 28-01- 2004, 11-03-2005.
15.- O Trabalhador era portador de doença do miocárdio (músculo cardíaco), aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave, decorrente de um aporte inadequado de oxigénio, devido a presença de ateromas nas artérias coronárias, artéria aorta e artéria abdominal.
16.-O trabalhador apresentava ainda um quadro de cardiomegália, isto é um crescimento do tamanho do coração em proporções anormais, sobretudo à custa de um aumento do ventrículo esquerdo, com hipertrofia concêntrica estenosante, ou seja, uma cardiomiopatia hipertrófica, que é uma doença primária do miocárdio caracterizada pela hipertrofia do ventrículo esquerdo.
17.- No caso do falecido, tratava-se de uma hipertrofia ventricular concêntrica, situação em que se verifica uma diminuição da cavidade ventricular, associada a aumento da espessura miocárdica.
18.- Trata-se de patologia que tem uma causa genética.
19.- O falecido era afectado por obesidade.
20.- O falecido media 1,75m e pesava 100 Kg.
21.- O que representa um Índice de Massa Corporal de 32,65.
22.- As pessoas portadoras de cardiomiopatia estão continuamente em risco de sofrerem uma arritmia, uma morte súbita cardíaca ou ambas.
23.- Os exames mais especificamente destinados à detecção desta patologia, nomeadamente o ecocardiograma, não incorporam o leque de exames complementares de rotina concretizados no âmbito das avaliações de vigilância dos programas de Higiene e Segurança do Trabalho no contexto da medicina do trabalho.
24.- Apenas sendo realizados quando existe sintomatologia que suscite qualquer suspeita.
25.- O peso das pranchas próprias para andaimes varia entre 9,3 kg e os 24 kg.
26.- O trabalhador faleceu em consequência de enfarte agudo do miocárdio, associado a ateroesclerose coronária cardíaca e generalizada grave, cardiomegália e cardiopatia isquémica crónica.
***

IV–Apreciação do Recurso.
1.–
(…)
Nada há a censurar à decisão que incidiu sobre a matéria de facto, levada a efeito pela primeira instância.
***

2.– Pretende a Autora sejam as Rés condenadas a pagarem-lhe uma pensão anual e vitalícia, alegando que o marido, com quem vivia, sofreu um acidente de trabalho, do qual resultou a sua morte.
As Rés defendem que a morte de BBB não se traduz num acidente de trabalho.
No presente caso estamos perante um trabalhador por conta de outrem, ou seja, que estava vinculado por um contrato de trabalho (cfr. art. 3º nº1 da Lei 98/2009 de 04 de Setembro – Lei dos Acidentes de Trabalho - LAT).
O conceito de “acidente de trabalho” é fornecido, basicamente, pelo artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, que o define como “... aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”. E no seu nº2: “Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a)-«Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontre ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente sujeito ao controlo do empregador;
b)-«Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.”
Assim, a caracterização de um acidente como de trabalho pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
- um elemento espacial (em regra, o local de trabalho);
- um elemento temporal (correspondente, por norma, ao tempo de trabalho);
- um elemento causal (nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença, por um lado, e entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte).
Tratando-se de factos constitutivos do direito invocado, a alegação e prova dos pressupostos que integram a noção do “acidente de trabalho” compete àquele que reclama a respectiva reparação – artigo 342.º nº 1 do Código Civil.
Neste específico domínio, porém, a lei facilita este encargo alegatório e probatório, estabelecendo presunções a favor dos demandantes.
Assim, o artigo 10º nº1 da LAT dispõe que “A lesão constatada no local e tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.”
Como afirma o STJ, “Estas presunções assentam a sua razão de ser na constatação imediata ou temporalmente próxima de manifestações ou sinais aparentes entre o acidente e a lesão (perturbação ou doença) e que justificam, na versão da lei e por razões de índole prática, baseadas na normalidade das coisas e da experiência da vida, o beneficio atribuído ao sinistrado (ou aos seus beneficiários), a nível da prova, dispensando-os da demonstração directa do efectivo nexo causal entre o acidente e a lesão ou mesmo, na referida argumentação do art. 7º nº1 do RLAT, do concreto acidente gerador da lesão”[1].

Estamos na presença de uma presunção, de natureza ilidível, que tem o seguinte alcance: a mera verificação do condicionalismo enunciado no sobredito preceito demonstra a existência de nexo causal entre o acidente e a lesão, dispensando o beneficiário da sua prova efectiva. No entanto, o beneficiário tem de demonstrar a existência do próprio acidente, assim como não está abrangido pela presunção o nexo de causalidade entre as lesões corporais, perturbações funcionais ou doenças contraídas no acidente e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho, ou a morte da vítima, sendo a sua demonstração um ónus do sinistrado ou seus beneficiários.[2]/[3]

Na verdade, o acidente de trabalho é “uma cadeia de factos em que cada um dos respectivos elos estejam entre si sucessivamente interligados por um nexo causal: o evento naturalístico tem de «resultar» da «relação de trabalho»; como a lesão, perturbação ou doença, terão que «resultar» daquele evento; e, finalmente, a morte ou a incapacidade para o trabalho deverão filiar-se causalmente na lesão, perturbação ou doença.

De tal forma que, se esse elo causal se interromper em algum dos momentos do encadeado fáctico acima descrito, não poderemos sequer falar – pelo menos em relação àquela morte ou àquela incapacidade – em «acidente de trabalho»[4].

Porém, a montante dessa verificação cumulativa destes pressupostos, torna-se imperioso, desde logo, que o evento possa ser havido como “acidente”, o que exige a sua produção ocasional, súbita e com origem externa.

Como se refere no Acórdão do STJ de 28/3/2007[5] “... a noção de acidente de trabalho se reconduz a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, que provoca directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador, encontrando-se este no local e no tempo de trabalho, ou nas situações em que é consagrada a extensão do conceito de acidente de trabalho”.

E ainda, como refere o acórdão desta secção de 24-03-2010[6]:
 “I- Perante o conceito legal estabelecido no art. 6º n.º 1 da LAT, para que um determinado evento possa ser considerado acidente de trabalho, tem, antes de mais, de se tratar de um verdadeiro acidente, ou seja, de um acontecimento ou evento de carácter súbito, na medida em que inesperado na vida do trabalhador por conta de outrem ou equiparado, enquanto no exercício da sua actividade profissional ou por causa dela, acontecimento que seja, directa ou indirectamente, gerador de consequências danosas no corpo ou na saúde do trabalhador, ao ponto de, no mínimo, reduzirem a sua capacidade de trabalho ou de ganho;
II- Por regra, o evento lesivo ou acidente, tem origem numa causa exterior – na medida em que estranha à constituição orgânica da vítima – e violenta. No entanto, nem o acontecimento exterior directo e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente (como acidente de trabalho). A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias.”
Feitos estes considerandos, vejamos se in casu estamos perante um acidente de trabalho em sentido jurídico.
Não restam dúvidas em como se verificam os dois primeiros elementos que caracterizam o acidente como de trabalho: o malogrado BBB encontrava-se a laborar numa obra que a sua entidade patronal estava a executar, portanto estava no seu local de trabalho, e estava no “tempo de trabalho”, no âmbito das tarefas que estava a desempenhar.
Mas, como vimos, nem todo o sinistro verificado no local e tempo de trabalho é acidente de trabalho, pois, “para além de se relacionar com o tempo de trabalho, torna-se necessária a existência de uma causa adequada entre o acidente e o trabalho”[7]/[8]
Noutras palavras, “A responsabilidade objectiva emergente de acidente de trabalho baseia-se no risco que é inerente ao exercício de toda e qualquer actividade profissional, fazendo recair sobre o empregador, que com ela beneficia, a obrigação de reparar os danos correspondentes. Assim, a referência a um acontecimento externo tem apenas em vista excluir do âmbito dos acidentes de trabalho situações em que a lesão que provocou a incapacidade ou morte não se relaciona com a actividade desenvolvida sob a autoridade de outrem, ou seja, nas situações em que o dano decorre de uma realidade que apenas diz respeito ao trabalhador, a denominada causa endógena, e nada tem a  ver com a actividade desenvolvida.”[9]. Como afirma Carlos Alegre [10]trata-se de “actos totalmente estranhos à missão e, portanto, estranhos à autoridade patronal …”
Assim, falamos de acidente de trabalho quando ocorre um acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado.
“Súbito, sobretudo para distinguir o acidente de trabalho de doença profissional, já que esta pressupõe, por natureza, uma causa lenta, insidiosa e progressiva ou uma actuação continuada ou repetida de um agente, também “violento” e exterior ao próprio doente. Claro que na expressão “violento” devem incluir-se certas formas de agressão aparentemente destituídas de qualquer violência, no sentido de algo estrondoso que o termo comporta na linguagem comum. Violento é afinal tudo o que “viola” o equilíbrio orgânico, quer seja uma queda, uma explosão, quer uma situação particularmente angustiante, ou de trabalho excessivo que faça, por exemplo, desencadear um ataque cardíaco ou uma perturbação mental[1[11]].
A natureza súbita ou continuada da causa tem, assim, grande importância, pois é aí que reside a distinção entre acidente de trabalho e doença profissional.
Esta subitaneidade, porém, deve ser entendida não em sentido absoluto, mas sim em sentido de evento de “duração curta e limitada”. Qualquer evento, seja ele qual for, sempre terá uma duração qualquer, maior ou menor. O súbito, em termos absolutos, ou seja, o instantâneo, são meras abstracções.
É, por isso, que para Adrien Sachet[2[12]], acidente de trabalho é o acontecimento anormal, em geral súbito, ou pelo menos de duração curta e limitada, que acarreta uma lesão à integridade ou à saúde do corpo humano.
Para o Prof. Cunha Gonçalves[3[13]], “a subitaneidade do facto com os seus dois elementos – a imprevisão e a limitação de tempo – é a característica essencial do acidente, pois não pode ser assim designada uma lesão que, embora produzida no decurso do trabalho, foi lenta e progressiva. Ainda que a lesão possa agravar-se pouco a pouco, a causa é que será, sempre, súbita: golpe, queda, hérnia, queimadura, pancada, explosão, entalação, etc.”[14]
No presente caso, BBB de enfarte do miocárdio, por ateroscleróse coronária cardíaca e generalizada grave. Esta constitui causa de morte natural.
O sinistrado era portador de doença do miocárdio (músculo cardíaco), aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave, decorrente de um aporte inadequado de oxigénio, devido a presença de ateromas nas artérias coronárias, artéria aorta e artéria abdominal.
Apresentava ainda um quadro de cardiomegália, isto é um crescimento do tamanho do coração em proporções anormais, sobretudo à custa de um aumento do ventrículo esquerdo, com hipertrofia concêntrica estenosante, ou seja, uma cardiomiopatia hipertrófica, que é uma doença primária do miocárdio caracterizada pela hipertrofia do ventrículo esquerdo. Tratava-se de uma hipertrofia ventricular concêntrica, situação em que se verifica uma diminuição da cavidade ventricular, associada a aumento da espessura miocárdica. Trata-se de patologia que tem uma causa genética.
As pessoas portadoras de cardiomiopatia estão continuamente em risco de sofrerem uma arritmia, uma morte súbita cardíaca ou ambas.
O falecimento do trabalhador ocorreu, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5), quando este transportava manualmente uma prancha própria para andaime, com um outro trabalhador de seu nome (…), o qual seguia na frente e o falecido na rectaguarda.
Dos factos provados não resulta que o enfarte do miocárdio de que foi vítima o marido da Autora se tenha devido a qualquer evento súbito, violento e de ordem exterior ao mesmo. Na verdade, resulta da matéria de facto que o sinistrado estava em plena actividade laboral, executando as suas funções, quando teve um enfarte agudo do miocárdio e faleceu.
Portanto, não ocorreu, nos termos da lei um acidente juridicamente relevante para efeitos da LAT.
Mas ainda que assim não se entendesse, só através do funcionamento da presunção prevista no artigo 10º nº1 da LAT, se poderia eventualmente estabelecer o nexo de causalidade entre a morte ocorrida no local e tempo de trabalho e o acidente de trabalho.
Esta presunção, no entanto, como supra referidos é uma presunção iuris tantum e, como tal, pode ser ilidida, mediante prova em contrário (art. 350º, n.º 2 do Cód. Civil). E, no caso em apreço, foi isso que sucedeu. De facto, resultaram provados os factos descritos sob os nºs  6 a 11, e 15 a 21 e 26 dos provados.
Ou seja, a morte do sinistrado foi devida a enfarte do miocárdio, causado por factores de ordem endógena, que não têm qualquer relação de conexão com o trabalho desempenhado pela vítima, naquele dia, mas sim com a doença degenerativa de que padecia e anterior ao episódio de que resultou a sua morte.
Do que resulta da matéria de facto provada, o enfarte que vitimou BBB foi o culminar de um processo, mais ou menos lento de doença do miocárdio (músculo cardíaco), aterosclerose coronária cardíaca e generalizada grave, e ainda de cardiomiopatia hipertrófica, não tendo a Autora e Apelante feito prova de que no dia 27 de Junho de 2014, ocorreu um qualquer evento súbito, de natureza exógena, que tivesse sido determinante para o desencadeamento daquele enfarte, não obstante a existência daquela doença. Tão pouco conseguiu demonstrar que o trabalho prestado pela vítima naquele dia e nos dias anteriores, ou que as condições em que era prestado esse trabalho, tivessem causado aquela doença, ou que o enfarte do miocárdio tivesse sido determinado por aquele trabalho e pelas condições em que esse trabalho era prestado ao longo da vigência do seu contrato de trabalho.
Quanto à questão dos exames médicos levados a efeito no âmbito da Medicina do Trabalho, resultou provado, no que respeita à detecção da patologia que afectava a vítima, que os exames mais especificamente destinados à detecção desta patologia, nomeadamente o ecocardiograma, não incorporam o leque de exames complementares de rotina concretizados no âmbito das avaliações de vigilância dos programas de Higiene e Segurança do Trabalho no contexto da medicina do trabalho., apenas sendo realizados quando existe sintomatologia que suscite qualquer suspeita.

Relativamente à invocada tensão arterial muito elevada que o sinistrado tinha em 03-12-2013, segundo resulta da fundamentação da matéria de facto levada a efeito pela primeira instância, “ aquando da consulta de medicina do trabalho que teve lugar a 03-12-2013, a tensão arterial era elevada, tendo sido inclusivamente encaminhado (aconselhado a ir) para o serviço de urgência para medicação de crise hipertensiva o que optou (o falecido) por não fazer.” Portanto, apenas com base neste facto (que aliás não resulta do elenco dos provados), não se vislumbra que possa ser assacada qualquer responsabilidade pela detecção e prevenção da doença de que padecia a vítima aos médicos da Medicina do Trabalho.

Aliás, sempre se dirá, na senda do acórdão desta Relação já citado, de 10-10-2007, que, “mesmo que os recorrentes tivessem conseguido demonstrar – e já vimos que não conseguiram – que o trabalho na empresa e as condições em que era prestado esse trabalho, causavam à vítima stress profissional e que este stress determinou o aparecimento e o desenvolvimento da aterosclerose coronária que lhe causou o enfarte do miocárdio, nunca poderíamos concluir pela existência de um acidente de trabalho, mas sim pela existência de uma doença profissional, por cujos danos é responsável a CNPRP e não as recorridas.”

Improcede, pois, na sua totalidade, o recurso interposto.
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V–Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar improcedente o recurso interposto pela Autora, AAA.
Custas a cargo da Autora.
Registe.
Notifique.


Lisboa, 24-10-2018


(Paula de Jesus Jorge dos Santos)
(1ª adjunta – Paula Sá Fernandes)
(2º adjunto – José Feteira)
***


[1]Ac. STJ de 19-11-2008, Proc. 08S2466, e Ac Rel Lisboa de 19-05-2010, no âmbito da anterior LAT, mas com inteira aplicação à presente situação, face à similitude das normas legais aplicáveis.
[2]Mesmo acórdão.
[3]Como escreve o Prof. Pedro Romano Martinez:
“Não se trata de uma presunção da existência do acidente, mas antes uma presunção de que existe nexo causal entre o acidente e a lesão ocorrida” . In Direito do Trabalho, 4.ª edição, página 861, nota 2.
[4]Vitor Ribeiro – Acidentes de Trabalho – Reflexões e notas práticas, pág. 219-220.
[5]Proc 06S3957.
[6]Proc 3326/06.1TTLSB.L1-4.
[7]Pedro Romano Martinez  - Direito do Trabalho – 4º edição –, pág. 850.
[8]Como se afirma no Acórdão do STJ de 14-04-2010 –Proc. 59/05.0 TTVCT.S1 – “A simples constatação da morte da trabalhadora no local e tempo de trabalho não faz presumir a existência de um acidente de trabalho.”
[9]Acórdão da Relação Lisboa de 10-11-2010 – Proc. 383/04.3 TTGMR.L1-4.
[10]Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” – 2º edição – pág. 47.
[11]Cfr. Vitor Ribeiro, Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, pág. 208; Melo Franco, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Suplemento ao BMJ – Direito do Trabalho – 1979. – Nota de rodapé do citado acórdão
[12]Vide Tratado Teórico e Prático da Legislação sobre Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Vol. I, pág. 261. Nota de rodapé do citado acórdão
[13]Cfr. Responsabilidade Civil pelos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Coimbra Editora, 1988. Nota de rodapé do citado acórdão
[14]Acórdão da Relação de Lisboa de 10-10-2007 – Processo 5705/2007-4.