Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1123/19.8YRLSB-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
HONORÁRIOS
REDUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I– Decorrendo do nº 3 do art. 60 da LAV que o processo referente à redução do montante dos honorários ou despesas reveste carácter urgente, correspondendo, aliás, a uma questão que pelos seus efeitos deverá ser rapidamente resolvida, não se vê como possa este Tribunal considerar a hipótese de sobrestar na decisão – o que se nos afigura algo que o legislador não previu nem quis quando desenhou a tramitação do processo, colidindo com a natureza urgente do mesmo determinada na lei.

II– Na apreciação do pedido de redução do montante dos honorários, salvo se coisa diversa for acordada, haverá que atender, fundamentalmente, à complexidade das questões, ao valor da causa e ao tempo despendido e a despender até à sua conclusão, sem prejuízo de outros factores serem ponderados.

III– No caso dos autos os interesses económicos subjacentes ao processo têm um valor elevado; dos elementos de que dispomos resultará que dentro das especificidades características deste tipo de processos (em regra, trabalhosos, configurando matérias especializadas e complexas) este não corresponderá a processo com particular e significativa exigência de estudo e discussão nem a sua tramitação obrigará, em termos relativos, a um alongado dispêndio de tempo – os Senhores Árbitros deverão, todavia, ser remunerados tendo em conta as suas qualificações profissionais relevantes e o grau de especialização que a matéria exige.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:

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I– «F… – Soc. Téc. Med., SA», demandada na acção arbitral necessária despoletada no âmbito da lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro em que é demandante «G… S…, Inc.», veio requerer a redução do montante dos honorários fixados pelo tribunal arbitral constituído.

Pediu a requerente que seja revogado o «despacho arbitral proferido em vinte (20) de março de 2019, que fixou os encargos da ação arbitral no montante total de 57.500,00 EUR (cinquenta e sete mil e quinhentos euros), correspondente ao somatório do montante global de 54.000,00 EUR (cinquenta e quatro mil euros) para os honorários dos Senhores árbitros [18.000,00 EUR para cada árbitro] e do valor de 3.500,00 EUR (três mil e quinhentos euros) para os honorários destinados a remunerar o Senhor secretário, todos acrescidos do imposto sobre o valor acrescentado à taxa legal em vigor, e operada, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 17.º, n.º 3, da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, a redução do valor total dos honorários para o montante total de 32.000,00 EUR (trinta e dois mil euros) [30.000,00 EUR para os Senhores árbitros (10.000,00 EUR para cada um) e 2.000,00 EUR para o Senhor Secretário]» para os seguintes montantes:
- Para o «valor de 32.000,00 EUR (trinta e dois mil euros) – 30.000,00 EUR para os Senhores árbitros (10.000,00 EUR para cada um) e 2.000,00 EUR para o Senhor Secretário, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 17.º, n.º 3, da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro»
- «Na eventualidade de o processo arbitral terminar por acordo, desistência ou inutilidade superveniente da lide, até ao termo do prazo para apresentação da contestação, deve: a) o montante dos honorários ser fixado no valor máximo de 1.500,00 EUR (mil e quinhentos euros) para cada árbitro; b) o montante devido a título honorários do secretário ser fixado no valor máximo de 300,00 EUR (trezentos euros), entendendo-se, na falta de acordo em contrário, que os mesmos serão suportados à razão de 1/2 para a demandante e 1/2 para a demandada se o processo terminar por acordo das Partes, devendo, no entanto, o acordo ser devidamente homologado pelo tribunal arbitral».
- «Caso o processo arbitral termine por acordo, desistência ou inutilidade superveniente da lide, depois de apresentada a contestação, mas antes da prolação da sentença arbitral, deve: a) o montante dos honorários ser fixado no valor máximo de 3.500,00 EUR (três mil e quinhentos euros) para cada árbitro; e b) o montante devido a título de honorários do secretariado ser fixado no valor máximo de 700,00 EUR (setecentos euros); entendendo-se, na falta de acordo em contrário, que os mesmos serão suportados à razão de 1/2 para a demandante e 1/2 para a demandada se o processo terminar por acordo das Partes, devendo, no entanto, o acordo ser devidamente homologado pelo tribunal arbitral».

Ouvidos os Senhores Árbitros por eles foi concluído que «não há elementos suficientes para fixar o valor definitivo dos honorários com base em todos os elementos que o art. 17º, nº 3, da LAV impõe que sejam tidos em conta, pelo que o presente processo de impugnação deve aguardar a decisão final a proferir no processo arbitral».

Ouvida a demandante disse esta manter as considerações por si vertidas anteriormente, rejeitando, ainda, o entendimento de que as questões em discussão na acção arbitral sejam exclusivamente de direito e de manifesta simplicidade.
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II– Nada obsta a que se decida sendo a questão a considerar unicamente a da redução dos montantes fixados a título de honorários.
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III– Resultam dos autos as seguintes circunstâncias de facto:

1– O tribunal arbitral foi instalado em 21 de Dezembro de 2018, sendo constituído pelos Senhores árbitros seguidamente identificados:
a.- Presidente: Prof. Doutor RR..
b.- Árbitro de parte (demandada): Prof. Doutor JM..
c.- Árbitro de parte (demandante): Dra. MM..
2– As regras processuais aprovadas para a tramitação da acção arbitral despoletada pela «G… S…, Inc.» contra a «F… – Soc. Téc. Med., S.A.» são as constantes da acta de instalação documentada a fls. 14 a 16.

3– No que respeita à remuneração dos Senhores árbitros e do Senhor secretário do tribunal arbitral e de encargos com o processo, consta da acta de instalação que:
«d)- A remuneração global dos árbitros e a do secretário será estabelecida por acordo entre as partes e entre estas e os árbitros. Não sendo possível alcançar o acordo, no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da instalação do tribunal arbitral, este fixará os encargos previsíveis da arbitragem, incluindo os honorários dos árbitros e do secretário, assistindo às partes, caso não aceitem a decisão arbitral sobre esta matéria, o direito de, no prazo de 15 (quinze) dias após a notificação daquela decisão, requerer ao tribunal estadual competente, com o conhecimento do tribunal arbitral, a redução dos honorários e demais encargos, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 17.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro;
e)- Os encargos do processo incluem os previstos no n.º 2 do artigo 48.º do Regulamento do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, aprovado em 2 de Dezembro de 2013 e entrado em vigor em 1 de Março de 2014, sendo o seu modo de repartição decidido pelo Tribunal Arbitral;
f)- O provisionamento dos encargos do processo será efectuado pelas partes, cabendo 50% (cinquenta por cento) às Demandantes e 50% (cinquenta por cento) às Demandadas, nos termos acordados entre as mesmas e os árbitros ou, na falta deste, do disposto no artigo 55º do Regulamento do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa.».
4.– As partes - a demandante e a demandada - apresentaram a sua proposta (conjunta) de honorários, através da mensagem de correio electrónico que dirigiram ao tribunal arbitral em 4 de Fevereiro de 2019, documentada a fls. 17, que incluía também a proposta de honorários para outra acção arbitral paralela (acção arbitral EP 2 682 397) com objeto diferente, mas com o mesmo painel arbitral, nos seguintes termos:
 «Ex. ª Senhora Secretária,
Junto envio proposta conjunta de honorários para as duas arbitragens abrangidas pelo despacho abaixo:
A| ação arbitral EP 2 682 397: 48.000,00 EUR (45.000,00 EUR – árbitros + 3.000,00 EUR – secretário)
B| ação arbitral CCP 202: 32.000,00 EUR (30.000,00 EUR - árbitros + 2.000,00 EUR – secretário)
A diferença entre os honorários prende-se com o tipo de direitos invocados em cada uma das arbitragens e as questões que se antecipam sejam levantadas em cada uma delas.
As partes encontram-se ainda a discutir os termos em que os pagamentos se processarão, que farão chegar ao Tribunal com a maior brevidade possível».

5 – O Sr. Presidente do Tribunal Arbitral, em 11 de Fevereiro de 2019 respondeu às partes consoante comunicação documentada a fls. 18 da qual consta:
«Relativamente à presente proposta de honorários, é entendimento dos membros do Tribunal que os valores apresentados são baixos, muito inferiores à proposta inicial apresentada pelos mandatários da Demandante, e não se alcançando justificação para essa discrepância. Além disso, não se encontra prevista a remuneração do Centro de Arbitragem. A este respeito, e por ser uma questão que nos ultrapassa, sugeríamos que para o efeito fosse directamente contactada a direcção do Centro (presentemente assegurada pela Doutora RF., a quem envio igualmente esta mensagem), a fim de se obter o acordo sobre esse ponto».

6– Na sequência, na falta de novo acordo entre as partes para apresentação conjunta, a demandada apresentou aos Srs. Árbitros o requerimento documentado a fls. 19-21 no qual propôs que:
«2.- Os honorários dos árbitros serão fixados em 30.000,00 EUR (trinta mil euros) – 10.000,00 EUR (dez mil euros) para cada árbitro –, valor a que acrescerá o imposto sobre o valor acrescentado (‘IVA’) à taxa legal em vigor.
3.- A remuneração do secretário será fixada em 2.000,00 EUR (dois mil euros), valor a que acrescerá o IVA à taxa legal em vigor».

7– A demandante apresentou também a proposta de honorários consoante mensagem de correio electrónico documentada a fls. 21-v, dela constando:
«A| ação arbitral EP 2 682 397: valor global de 64.000,00 EUR (60.000,00 EUR - árbitros +4.000,00 EUR – secretário)
B| ação arbitral CCP 202: valor global de 64.000,00 EUR (60.000,00 EUR - árbitros + 4.000,00 EUR – secretário)».

8– Por despacho arbitral proferido em 20 de Março de 2019 foram fixados os encargos da acção arbitral no montante total de 57.500,00 EUR  correspondente ao somatório do montante global de 54.000,00 EUR para os honorários dos Senhores árbitros [18.000,00 EUR para cada árbitro] e do valor de 3.500,00 EUR  para os honorários destinados a remunerar o Senhor secretário, todos estes valores acrescidos do imposto sobre o valor acrescentado à taxa legal em vigor.

9– O tribunal arbitral determinou naquele despacho arbitral que «Se o processo arbitral terminar por acordo, desistência ou inutilidade superveniente da lide, caberá ao Tribunal, ouvidas as partes, fixar o montante dos honorários dos Árbitros e do Secretariado, tomando em consideração a actividade processual desenvolvida pelo tribunal arbitral no âmbito do processo arbitral».

10– O tribunal arbitral determinou também, no mesmo despacho, de 20 de Março de 2019, que os encargos fixados «(…) serão devidos, na percentagem de 20%, pela Demandante, com a apresentação da Petição Inicial (ou seja, de imediato, uma vez que a apresentação desta peça processual já teve lugar) e, na percentagem de 20%, pela Demandada, com a apresentação da Contestação. O valor restante será devido, em partes iguais, por cada uma das partes (30%) no prazo de trinta (30) dias a contar da notificação do despacho arbitral que designe a(s) data(s) para a realização da audiência de discussão e julgamento».

11– Na acção arbitral a demandante invoca os direitos de propriedade industrial (‘DPI’) emergentes do certificado complementar de proteção n.º 202  que tem como bases a patente de invenção europeia n.º 0 915 894 e a autorização de introdução no mercado concedida para o medicamento «Truvada®»

12– O título de propriedade industrial do qual emergem os DPI invocados pela demandante tem averbado a pendência de acção tendente à declaração de nulidade do CCP 202, acção que correu termos no processo nº 384/16.9YHLSB pelo 1.º juízo do tribunal da propriedade intelectual, do qual foi interposto recurso para este Tribunal, ali sendo A. a sociedade «T… P… - Prod. Farm., Lda» e ré a sociedade «G…. S…, Inc. e outro(s)».
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IV– 1- Como vimos, demandante e demandada apresentaram uma inicial proposta conjunta de honorários, em Fevereiro de 2019, indicando o valor de 30.000,00 € para os árbitros e de 2.000,00 euros para o secretário, justificando então a diferença entre os honorários indicados para esta acção e os indicados para uma outra, com o mesmo painel de árbitros e a que igualmente então aludiam com «o tipo de direitos invocados em cada uma das arbitragens e as questões que se antecipam sejam levantadas em cada uma delas».

Na sequência, o Sr. Presidente do Tribunal Arbitral respondeu às partes dizendo ser entendimento dos membros do Tribunal que os valores apresentados eram baixos.

As partes não conseguiram novo acordo para apresentação conjunta. A demandada manteve uma proposta de honorários dos árbitros no valor global de 30.000,00 €, ou seja, 10.000,00 € para cada árbitro, e de 2.000,00 € referentes a honorários do secretário, sem prejuízo de a esses valores acrescer o IVA; a demandante referiu o valor global de 64.000,00 €, dos quais 60.000,00 € referentes aos árbitros e 4.000,00 € relativos ao secretário.

É neste contexto que surge o despacho impugnado, proferido em 20 de Março de 2019, fixando o montante global de 54.000,00 € para os honorários dos Senhores árbitros (18.000,00 € para cada árbitro) e o montante de 3.500,00 € para os honorários destinados a remunerar o senhor secretário, todos estes valores acrescidos de IVA.

Naquela decisão o Tribunal Arbitral menciona que os valores decididos tiveram «em conta as posições individuais que lhe foram comunicadas» nada mais sendo dito sobre as concretas razões em que se alicerçou para chegar aos valores fixados.

Segundo a demandada os temas que se antecipam como constituindo o objecto da discussão reconduzem-se exclusivamente a questões de direito, não se vislumbrando necessidade de produção de prova e não se perspectivando muitas mais diligências; além de que as questões de direito, de fundo, vêm sendo “abundante e repetidamente” discutidas, concluindo que a intervenção que se perspectiva vir a ser desenvolvida pelo Tribunal Arbitral é «substancialmente simplificada» e que a fixação de honorários em 57.500,00 € é desproporcional. Acrescenta a demandada que a demandante atribuiu à acção, na p.i., o valor de 30.000,01 € e que num processo julgado no tribunal estadual o valor das custas processuais finais raras vezes ultrapassa os 1.200,00 €; e que ela, demandada, não tem qualquer proveito económico, visto a introdução no mercado não se encontrar autorizada pelo INFARMED, tendo de socorrer-se de outras receitas que não das da comercialização do produto (ao contrário da demandante) para o contencioso em causa; bem como que os interesses económicos associados a um e outro produto não são comparáveis.

A demandante, por seu turno, refere que o que determinará a realização de audiência de julgamento é a apreciação da excepção referente à validade do CCP 202 invocada pela demandada, caso a mesma venha a ser dirimida pelo Tribunal Arbitral (não concedendo, embora, que este Tribunal tenha competência para tal).

Os Senhores Árbitros salientaram a circunstância de (no momento da sua resposta, em Junho de 2019) estar em curso a troca de articulados entre as partes, inexistindo elementos que permitam antever qual o tempo despendido ou a despender com o processo, bem como que o valor deste processo ainda não foi fixado.

Tais circunstâncias estariam na base do seu entendimento de que não haveria elementos suficientes para fixar o valor definitivo dos honorários, devendo aguardar-se a decisão final a proferir no processo arbitral.

Prof. Dr. J.M. (aliás, árbitro de parte no processo arbitral aqui em causa), em artigo denominado «Algumas notas sobre a determinação e fixação dos custos da arbitragem, incluindo os honorários dos Juízes-Árbitros» ([1]) referia que nos casos das arbitragens necessárias, em que as partes «não subscrevem qualquer convenção de arbitragem, nem conseguem consensualizar um montante (mínimo e máximo) de honorários a submeter ao acordo dos juízes-árbitros, é mais frequente a fixação unilateral dos honorários e dos demais encargos pelo próprio Tribunal Arbitral. Ora, esta circunstância torna mais comum a impugnação destes valores junto do tribunal de 2.ª instância (Tribunal da Relação) que desfruta de jurisdição no local da arbitragem. A reapreciação do Tribunal da Relação deverá tomar em consideração e densificar os critérios de quantificação previstos no n.º 2 do artigo 17.º da actual lei de arbitragem (“complexidade das questões decididas, valor da causa e o tempo despendido ou a despender com o processo arbitral até à conclusão deste”). Dado, porém, que esta impugnação não tem que ser efectuada após a prolação da decisão arbitral que ponha termo ao processo — conhecendo, ou não, o fundo da causa, diferentemente do que sucede com o recurso (se as partes o tiverem previsto na convenção de arbitragem ou ele resulte da própria lei que regula a composição arbitral necessária do litígio) ou com a anulação da decisão arbitral —, pode suceder que a impugnação do montante dos honorários, entretanto fixados logo a seguir à instalação do Tribunal, ocorra numa fase prodrómica da ação arbitral, por exemplo, antes da audiência preliminar (ou audiência prévia), ou seja, logo após a fase dos articulados, aí onde o tribunal já disponha de elementos ponderosos para fixar os limites quantitativos desses encargos. Nestas hipóteses, o Tribunal da Relação competente, a mais da audição dos próprios juízes árbitros — sob a cominação da prática de nulidade processual susceptível de influir no exame ou na decisão desta questão incidental (artigo 195.º, n.º 1, do CPC de 2013; idem, artigo 201.º, n.º 1, do CPC de 1961) —, deverá actuar com particular cautela nas situações em que a acção não termina no saneador. Com efeito, a Relação corre o risco de decidir alicerçada na apreciação de factos e actos processuais in faciendo, por conseguinte, com uma visão incompleta ou deficiente da actividade processual (e da respectiva complexidade) que irá desenrolar-se até à decisão final e da complexidade superveniente que a causa possa vir a revelar. Daí que, à semelhança do que alguns tribunais arbitrais têm vindo a fazer, o Tribunal da Relação pode sobrestar na apreciação da questão dos honorários fixados (uma espécie de “costs reserved”, expediente frequentemente utilizado na arbitragem voluntária) até ao momento em que termine a actividade processual do Tribunal Arbitral».

Estes fundamentos – a que no requerimento que apresentam os Senhores Árbitros aderem - mostram-se, sem dúvida, substancialmente razoáveis, não se discutindo a sua plausibilidade.

Em termos processuais, temos, todavia, dificuldade em, neste momento, conciliar o sobrestar na apreciação da questão dos honorários fixados com os termos e tempos previstos na lei.

Atento o nº 8 do art. 3 da lei 62/2011, de 12-12, haverá que ter em consideração o regime geral da arbitragem voluntária.

Prevê o nº 2 do art. 17 da lei 63/2011, de 14-12 (LAV) a fixação pelos árbitros do montante dos honorários e despesas. No caso que nos ocupa essa fixação já ocorreu por decisão de 20 de Março de 2019.

A demandada discordou, aplicando-se então o nº 3 daquele art. 17 que dispõe: «No caso previsto no número anterior do presente artigo, qualquer das partes pode requerer ao tribunal estadual competente a redução dos montantes dos honorários ou das despesas e respectivos preparos fixados pelos árbitros, podendo esse tribunal, depois de ouvir sobre a matéria os membros do tribunal arbitral, fixar os montantes que considere adequados».

Registam-se divergências sobre o prazo em que a parte discordante poderá requerer ao tribunal a redução dos montantes dos honorários e despesas, uma vez que a lei nada diz. José Miguel Júdice ([2]) sustenta que será o prazo de 10 dias, por aplicação do prazo geral do processo civil, a não ser que os árbitros determinem um prazo superior, referindo que os árbitros podem suspender o processo até a decisão do Tribunal estatal e qualquer deles pode recusar continuar a servir como árbitro se discordar da decisão judicial; Manuel Pereira Barrocas considera que será o de 60 dias, atento o prazo para o pedido de anulação de decisões arbitrais, Menezes Cordeiro concorda que será aquele prazo de 10 dias ([3]).

Diz a lei que o tribunal, depois de ouvir sobre a matéria os membros do tribunal arbitral, poderá fixar os montantes que considere adequados.

Decorrendo do nº 3 do art. 60 da LAV que o processo referente à redução do montante dos honorários ou despesas reveste carácter urgente.

Na perspectiva de Marta Alves Vieira ([4]) atentas «as perturbações que podem resultar de uma questão tão sensível como esta para partes e árbitros, será útil que a questão dos honorários seja resolvida tão depressa quanto possível». Também Menezes Cordeiro ([5]) quando discorre sobre o prazo de formulação do requerimento de redução alude a «um tema que, a todos os títulos, tem de ser rapidamente resolvido», referindo mesmo, a propósito da suspensão do processo, que «não faria sentido prosseguir um processo sem os árbitros saberem, sequer, se vão ser pagos pelo seu trabalho e se podem realizar as despesas que entendam minimamente necessárias».

Neste contexto e considerando a natureza urgente que foi conferida ao processo, não se vê como possa este Tribunal considerar a hipótese de sobrestar na decisão – o que se nos afigura algo que o legislador não previu nem quis quando desenhou a sua tramitação, colidindo com a natureza urgente do processo determinada na lei.
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IV– 2- Teremos, assim, de decidir a questão que nos foi colocada com os elementos de que ora dispomos, pese embora a penúria dos mesmos – o que se agrava por o Tribunal Arbitral não desenvolver as razões concretas em que se alicerçou quando estabeleceu os valores dos honorários.
A lei refere que o Tribunal deverá fixar os montantes que considere adequados. Segundo Menezes Cordeiro ([6]) estaremos aparentemente perante um poder discricionário do Tribunal o qual decide sem recurso, sem que tal permita concluir por uma decisão arbitrária.
Face ao disposto nos nºs 2 e 3 da LAV, na apreciação do pedido de redução dos montantes dos honorários, salvo se coisa diversa for acordada, há que atender, fundamentalmente, à complexidade das questões, ao valor da causa e ao tempo despendido e a despender até à sua conclusão.
Menezes Cordeiro ([7]) refere outros factores não considerados na lei, mas também a ponderar, como a alocação de serviços, de pessoal e de instalações, a responsabilidade inerentes às questões a decidir, bem como a incompatibilidade que os árbitros podem ter ao aceitar uma arbitragem, implicando, eventualmente, limitações ao nível da respectiva vida profissional.
José Miguel Júdice ([8]) refere que é «essencial que os árbitros quando forem notificados pelo Tribunal da Relação actuem como se de um processo judicial se tratasse – como aliás se trata – e carreassem para ele toda a informação necessária a uma boa decisão»; bem como que «é muito importante que se comece a criar um conjunto de procedimentos e uma corrente jurisprudencial que permita a previsibilidade».
Revertamos para o caso dos autos.
Sabemos que o local estabelecido para a Arbitragem foi o «Centro de Arbitragem da Universidade Católica Portuguesa», incluindo os encargos do processo os previstos no nº 2 do art. 48 do Regulamento do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa (assim, os encargos administrativos do processo e as despesas com a produção de prova) sendo o seu provisionamento efectuado pelas partes – tudo isto consoante acta de instalação do tribunal.
No que concerne ao valor da causa sabemos que foi indicado o de 30.000,00 €, mas obviamente ele não corresponderá à utilidade económica do pedido - como decorre da alínea a) das regras acordadas quando da instalação do tribunal arbitral o objecto do litígio consiste «no exercício dos direitos de propriedade industrial que emergem da Patente Europeia nº 0998480 e do Certificado Complementar de Protecção nº 202 (…) relativamente a medicamentos genéricos incluindo, mas sem limitar, os medicamentos genéricos objecto do pedido de Autorização de Introdução no Mercado (AIM), publicado com referência de publicação, em 20 de Maio de 2018, os quais compreendem Tenofovir Disopoxil Fumarato + Emtricitabina, sob a forma farmacêutica de comprimido revestido por película, nas dosagens de 200 mg + 245 mg».

Aliás, na mesma circunstância foi estabelecido que «O valor da arbitragem será fixado pelo Tribunal Arbitral».

Não resulta dos autos que aquele valor haja sido fixado, mas sempre será superior a 30.000,01 €… Não poderemos, assim, atender a este valor e, muito menos, ao valor total das custas que sendo aquele o valor as partes suportariam num Tribunal Judicial (a que alude a demandada) até porque os custos da arbitragem têm em termos práticos pressupostos diferentes.

Temos como certo, todavia, que os interesses económicos subjacentes ao processo têm um valor elevado.

No que à complexidade das questões concerne e ao, de certo modo, conexo tempo despendido ou a despender, as partes parecem assentar em que no que concerne aos factos fundamento da acção os mesmos não carecerão de produção de prova, radicando as divergências no que respeita à matéria da excepção deduzida respeitante à invalidade do título de propriedade industrial invocado (matéria que teria sido apreciada em processo que correu termos pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, mas se encontra em recurso nesta Relação, e em que é A. «TEVA Pharma» e R. a ora demandante e outros).

Em termos de direito suscitar-se-ão dúvidas sobre a possibilidade de o Tribunal Arbitral apreciar a excepção invocada, podendo entender-se que o Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer da excepção da nulidade.

Trata-se, todavia, de processo contestado com efectiva dedução de matéria de excepção, havendo neste caso, consoante decidido quando da instalação do Tribunal Arbitral, lugar a réplica; os árbitros se, findos os articulados, entenderem que podem proferir decisão sem prova adicional poderão fazê-lo, após ser dada oportunidade às partes para produzirem alegações escritas; se o processo houvesse de prosseguir será elaborado guião com os temas de prova, precedido dos factos assentes, vindo a seguir-se posteriormente a audiência de produção de prova e as alegações das partes.

Consoante salienta José Miguel Júdice ([9]) este tipo de processos trata de matérias altamente especializadas e complexas em que a análise de temas científicos e o estudo de documentos técnicos é essencial.

Das exposições constantes dos autos, parece, porém, resultar que dentro das especificidades características deste tipo de processos, com as aludidas características e, em regra, trabalhosos, este não corresponderá a processo com particular e significativa exigência de estudo e discussão nem a sua tramitação obrigará, naquela relatividade, a um alongado dispêndio de tempo.

Refira-se que foi estabelecido quando da instalação do tribunal Arbitral que em princípio a decisão arbitral seria proferida no prazo máximo de doze meses a contar da assinatura da acta da instalação.

Todavia, mesmo que a produção de prova pericial e testemunhal seja mínima sempre haverá que analisar articulados e documentos, bem como ponderar as alegações das partes e aplicar as regras atinentes o que nunca será despiciendo exigindo tempo e preparação. Isto, sendo embora os senhores Árbitros neste tipo de processos escolhidos entre pessoas com as qualificações profissionais e o grau de especialização que a matéria exige - a serem remuneradas tendo em conta essas circunstâncias.

Em nosso entender deve concluir-se, tal como no acórdão deste Tribunal de 6-2-2014 ([10]) que «“o sinalagma entre serviços prestados no âmbito destes autos e a respectiva contrapartida monetária, a pagar pelas partes” seja de ponderar “à luz de critérios de proporcionalidade, equidade, justiça diluídos pela noção de adequação à quantificação e qualificação dos actos processuais levados a cabo”».

Neste contexto, considerando as circunstâncias apontadas e os aludidos critérios de proporcionalidade e equidade afigura-se-nos adequado fixar os honorários devidos a cada um dos Senhores Árbitros em 15.000,00 € e de honorários para o Secretariado em 3.000,00 (num valor global de 48.000,00 € de honorários), valores acrescido do IVA em vigor.

Sem prejuízo do esclarecimento constante do despacho proferido no sentido de que as despesas com a gravação da prova e respectiva transcrição (a ocorrer) e os honorários dos assessores técnicos que eventualmente venham a assistir o Tribunal Arbitral não estão compreendidos na remuneração do secretário ou do Centro de Arbitragem da Universidade Católica.

Entendendo-se não ser de fixar desde já o valor referente aos honorários na eventualidade de o processo arbitral vir a terminar por acordo, desistência ou inutilidade superveniente da lide uma vez que o Tribunal Arbitral não determinou para o efeito quaisquer quantias, antes declarando que se o «processo arbitral terminar por acordo, desistência ou inutilidade superveniente da lide, caberá ao Tribunal, ouvidas as partes, fixar o montante dos honorários dos Árbitros e do Secretariado, tomando em consideração a actividade processual desenvolvida pelo tribunal arbitral no âmbito do processo arbitral».
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V– Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o pedido, fixando-se os honorários devidos a cada um dos Senhores Árbitros em 15.000,00 € e os honorários para o Secretariado em 3.000,00, num valor global de 48.000,00 € (quarenta e oito mil euros) de honorários, valores acrescidos do IVA em vigor.
Custas pelas partes na proporção do respectivo decaimento.
Fixa-se ao presente processo o valor de 48.000,00 €.
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Lisboa, 26 de Setembro de 2019


Maria José Mouro
Sousa Pinto                                                                     
Jorge Vilaça


[1]A que se pode aceder em www.riedpa.com, nº1– 2014, pags.  25-26.
[2]Ver a «Lei da Arbitragem Voluntária Anotada», Almedina, 2018, pag. 68, e «Fixação dos Honorários dos Árbitros» - «Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, nº 6 (2013), pags. 139-166, neste segmento na pag. 164.
[3]Ver «Tratado da Arbitragem», Almedina, 2015, pags. 183-184.
[4]Em «A competência dos Tribunais Estaduais na Arbitragem. Anotação ao artigo 59º da Lei da Arbitragem Voluntária», Revista Themis, ano XVII – Nºs 30/31- 2016, pag. 170.
[5]Obra citada, pag. 184.
[6]Obra citada, pags. 184-185.
[7]Obra citada, pag. 180.
[8]Em «Fixação dos Honorários dos Árbitros» - «Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, nº 6 (2013), pags. 139-166, neste segmento na pag. 161.
[9]No citado «Fixação dos Honorários dos Árbitros», pag. 160.
[10]Ao qual se poderá aceder em www.dgsi.pt, processo 1068/13.5YRLSB-6.