Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1544/13.0T2AVR.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
AGENTE VINCULADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - Pretendendo os autores provar que a instituição de crédito ora ré entregou a terceiro as passwords de acesso às suas contas aí abertas e não esclarecendo a ré a quem foram entregues as password, assim impossibilitando os autores de provar este facto, deve inverter-se o ónus da prova ao abrigo do artigo 344º nº2 do CC.
- Tendo celebrado com os autores um contrato de prestação de serviços auxiliares de investimento na sequência da acção de prospecção realizada pelo seu agente vinculado e tendo permitido que os seus clientes, ora autores, outorgassem procurações a favor do agente vinculado para este gerir as suas contas, entregando as passwords de respectivo acesso ao agente vinculado, a ré incorreu em responsabilidade civil perante os autores pelos danos que estes vieram a sofrer com a actuação do agente vinculado.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.

DC… e esposa MC… intentaram acção ordinária contra O…, SA alegando, em síntese, que, na sequência de acção de prospecção desencadeada pelo agente vinculado da ré, assinaram com esta o contrato que juntam, no âmbito do qual abriram duas contas junto da ré e outorgaram ambos procuração que entregaram à ré, onde autorizavam o representante do agente vinculado da ré, nessa qualidade, a dar ordens para operações relativas a valores mobiliários nas referidas contas, após o que a ré, em vez de remeter as respectivas passwords de acesso e de negociação aos autores, que ficaram sem acesso às suas contas, saldos e movimentos, sem a sua autorização, remeteu-as ao agente vinculado, permitindo que o mesmo tomasse decisões de investimento em nome ou por conta dos investidores.

Mais alegaram que efectuaram depósitos nas duas contas no valor total de 45 000,00 euros, mas, não tendo acesso às suas contas, nunca a ré lhes prestou qualquer informação sobre os seus movimentos e sobre transacções realizadas pelo agente vinculado, feitas à revelia dos autores, até que receberam um telefonema de uma colaboradora da ré que os informou que as contas apresentavam um saldo negativo total de 13 540,38 euros, tendo então solicitado o envio dos extractos e, depois de a ré lhes ter enviado novos códigos de acesso às suas contas, é que puderam constatar os vários investimentos ruinosos efectuados pelo agente vinculado.

Alegaram ainda que o contrato assinado aquando da abertura das contas contém cláusulas pré-definidas que são abusivas e nulas e que a ré abusivamente penhorou a carteira de títulos dos autores junto da ré, como garantia do pagamento do saldo negativo das contas, mas este saldo é da sua responsabilidade e do agente vinculado, já que não proibiu este de tomar decisões de investimento em nome dos clientes, recebendo comissões sobre as operações financeiras efectuadas nas contas dos autores, desadequadas ao seu perfil e sem nada fazer para os proteger, assim desrespeitando directivas comunitárias e várias disposições do Código dos Valores Mobiliários.

Concluíram pedindo a condenação da ré a ressarcir os autores no valor de 45 000,00 euros acrescido de juros legais, a reconhecer que lhe é imputável o saldo negativo de 13 540,38 euros, a transferir todo o dossier de títulos dos autores para a conta bancária destes junto do Banco Best e a pagar-lhes, a título de indemnização por danos não patrimoniais, uma quantia a fixar pelo Tribunal e a ser entregue a uma instituição de solidariedade social. 

A ré contestou arguindo a excepção de prescrição por, não havendo dolo ou culpa grave da sua parte, já ter decorrido o prazo previsto no artigo 324º nº2 do CVM; por impugnação, alegou que nunca procedeu a qualquer movimentação das contas dos autores e que estes, nos termos do clausulado do contrato celebrado, nunca solicitaram quaisquer informações relativas aos elementos constantes nas suas contas, nem extractos relativos às mesmas, conferindo os autores poderes a um representante para gerir as suas contas, aprovando a actuação deste, tendo acesso às suas contas e ordenando eles próprios transferências dessas contas para outras em outras instituições e não sendo verdade que os autores não deram consentimento para o envio das passwords ao seu mandatário, já que este não poderia fazer as operações constantes da procuração sem ter acesso às contas.

Mais alegou que o resultado da actuação dos autores e do seu representante não é imputável à contestante, a quem não incumbia o dever de impedir que o agente vinculado exercesse outras actividades para além da prospecção de clientes para a ré, sendo esta a única que o agente vinculado exercia para a ré e que, logo que teve conhecimento de reclamações apresentadas contra o agente vinculado, denunciou o contrato com este celebrado.

Concluiu pedindo a procedência da excepção da prescrição e a improcedência da acção e, em reconvenção, a condenação dos autores a pagar-lhe a quantia de 13 798,94 euros acrescida de juros de mora.

Os autores replicaram, opondo-se à excepção de prescrição e à reconvenção.

No despacho saneador foi admitida a reconvenção e relegada para final a decisão sobre a excepção de prescrição, bem como foram os autores convidados a liquidar o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, tendo estes apresentado requerimento a liquidar o referido pedido em 10 000,00 euros.

Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que decidiu:

 - julgar procedente a excepção de prescrição e, em todo o caso, a acção inteiramente improcedente por não provada, absolvendo-se a ré do pedido;

 - julgar o pedido reconvencional procedente por provado, condenando-se os autores a pagarem à ré 13 798,94 euros, acrescidos de juros de mora às taxas legais desde a data da citação até pagamento

                                                        

Inconformados, os autores interpuseram recurso e alegaram, formulando conclusões com os seguintes argumentos:

   - Os factos que os recorrentes imputam à recorrida – a) de forma activa, por acção, o facto de a recorrida ter remetido ao seu Agente Vinculado, as passwords de acesso às suas contas; b) de forma passiva, por omissão, o facto de a recorrida não ter controlado nem fiscalizado a actividade desenvolvida pelo seu agente vinculado – consubstanciam a violação do artigo 294º-C, nº1, al b) e c) do Código dos Valores Imobiliários.

   - Promovendo, como efectivamente aconteceu, que o seu Agente Vinculado actuasse e tomasse decisões de investimento em nome ou por conta dos investidores recorrentes, o que está expressamente vedado ao agente vinculado, nos termos do artº 294º-A, nº3, al c) do CVM.

   - Por outro lado, o Intermediário Financeiro responde por quaisquer actos ou omissões do agente vinculado no exercício das funções que lhe foram confiadas nos termos do artº 294º-C, nº1, al a) do CVM, pelo que, nestes termos, a recorrida responde por quaisquer actos ou omissões do seu agente vinculado no exercício das funções que lhe foram confiadas.

   - A recorrida, no caso sub judice, não orientou a sua actividade no sentido da legítima protecção dos interesses dos clientes, ora recorrentes, violando, assim, o disposto no artº304º, nº1 do CVM e actuando com dolo e culpa grave, encontrando-se reunidos os pressupostos da responsabilidade da recorrida.

   - Pelo que está a recorrida obrigada a indemnizar os recorrentes pelos danos causados em consequência da violação dos deveres respeitantes ao exercício da sua actividade que lhe é imposta pelo CVM (artº 304º-A, nº1 do CVM).

   - Nestes termos e nos melhores de direito, deve pois proceder o presente recurso e, em consequência disso ser revogada a sentença recorrida.

                                                       

A apelada ofereceu contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.

                                                          

Já neste Tribunal da Relação foi proferido o seguinte despacho:

Tendo em atenção o objecto da presente acção e recurso, afigura-se necessária, para a boa decisão da causa, a junção aos autos dos seguintes elementos:

- contrato escrito celebrado entre a ré e o seu agente vinculado D…, Lda e comunicação de denúncia do mesmo contrato;

- informação sobre quantos acessos e passwords foram disponibilizados para as duas contas dos autores e a junção da comunicação escrita (ou comunicações escritas) com a identificação do respectivo destinatário (ou respectivos destinatários), mediante a qual a ré enviou a password (ou passwords) de acesso às duas contas dos autores;

- no caso de ter havido mais do que um acesso e comunicação de password, a informação de qual deles acedeu às duas contas dos autores.

Assim, ao abrigo do artigo 662º nº2 b) do NCPC, notifique a ré apelada para informar e juntar os documentos acima referidos (…)”.

Tendo a ré apelada reclamado para a conferência, veio o despacho a ser confirmado em conferência.

Veio então a recorrida juntar o contrato de prospecção de serviços de intermediação financeira celebrado com o seu agente vinculado e a carta de denúncia do mesmo contrato, datada de 22/10/2010

Informou ainda a recorrida que não tem qualquer comunicação escrita com o envio das passwords relativas à conta dos recorrentes, apenas foi fornecida uma password para cada conta dos recorrentes, tendo a mesma sido alterada via plataforma de negociação, como se vê de documento que também junta e não é possível à recorrida dar a informação pretendida sobre quem teve acesso à conta dos recorrentes.

Foi então proferido novo despacho nos seguintes termos:

(…) ao abrigo do artigo 662º nº2 b) do NCPC, notifique-a para esclarecer:

 - Qual foi o meio utilizado para fornecer as passwords e a identificação de quem as recebeu.

 - Se foi por comunicação escrita, porque razão não existe registo da mesma.

 - Se não foi por comunicação escrita, qual foi o meio utilizado para fornecer as passwords e qual a forma por que foi registado e identificada a pessoa que as recebeu.

 - Como é que há conhecimento de que apenas foi fornecida uma password para cada uma das contas dos recorrentes”.

Depois de ter requerido prazo, que foi concedido, para o efeito, veio a requerida responder, informando que, após consultar quer o seu arquivo documental, quer o seu arquivo telefónico: “Não tendo a recorrida comprovativo de comunicação escrita, e apesar de não ter registo telefónico, pode informar este douto Tribunal que de acordo com os procedimentos internos da empresa a password de acesso terá sido fornecida telefonicamente.

Não tendo sido possível, até pelo lapso de tempo entretanto decorrido, localizar o contacto telefónico onde tal facto tenha sido consumado, não é possível identificar o destinatário de tal informação.

Pode todavia a recorrida informar que apenas foi fornecida uma password para cada uma das contas do recorrente em virtude de tal constar dos registos de acesso à plataforma electrónica da empresa”.

                                                       

As questões a decidir são:

I) Alteração da matéria de facto.

I) Responsabilidade civil da ré.

II) Quantias reclamadas pelos autores. 

                                                             

FACTOS.

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados e não provados:

Factos provados.

1 – Na sequência de acção de prospecção desencadeada por D…, Lda, agente vinculado da ré, em Abril de 2010, os autores procederam à abertura de duas contas junto da ré, tendo-se esta obrigado à prestação do serviço de registo e depósito de Valores Mobiliários, sendo que o exercício de direitos de subscrição só seria efectuado após solicitação ou ordem expressa do cliente.

2 – O autor dirigiu à ré o escrito de que se mostra junta cópia a fls 41 (doc 24), datado de 8-4-2010, em que, designadamente, consta:

Assunto: autorização de movimentação de conta

Venho pela presente autorizar Dr AO… em representação da empresa D…, Lda, com o NIF … a dar ordens para operações relativas a valores mobiliários registados ou depositados, a registar ou a depositar, na minha conta junto dessa Sociedade Corretora.

Fica contudo expressamente vedado à D…, Lda ordenar a transferência de valores mobiliários ou dinheiro, para outras contas ou outras instituições.

3 – A autora dirigiu à ré o escrito de que se mostra junta cópia a fls 42 (doc 25), datado de 8-4-2010, em que, designadamente, consta:

Assunto: autorização de movimentação de conta

Venho pela presente autorizar Dr AO… em representação da empresa D…, Lda, com o NIF … a dar ordens para operações relativas a valores mobiliários registados ou depositados, a registar ou a depositar, na minha conta junto dessa Sociedade Corretora.

Fica contudo expressamente vedado à D…, Lda ordenar a transferência de valores mobiliários ou dinheiro, para outras contas ou outras instituições.

4 – As transacções/compras e vendas atinentes às contas tinham lugar através de uma plataforma on line confidencial, não sendo identificável quem tem acesso às mesmas em cada momento.

4 – O autor efectuou dois depósitos na sua conta depósito à ordem de nº32142 junto da ré, no valor total de 15 000,00 euros (docs 26 e 27).

5 – Em 05/07/2010, o autor efectuou um reforço de depósito na sua conta depósito à ordem nº32142 junto da ré, de 5 000,00 euros (doc 28).

6 – A autora efectuou três depósitos na sua conta depósito à ordem de nº32143 junto da ré, no valor total de 20 000,00 euros (docs 29, 30 e 31).

7 – Em 05/07/2010, a autora efectuou um reforço na sua conta depósito à ordem de nº32143, junto da ré, através de dois depósitos num total de 5 000,00 euros (dos 32 e 33).

8 – Em 27/04/2010, os autores transferiram 1002 títulos Petrobras e 188 títulos da SunPower, para a sua carteira de títulos junto da ré, conforme docs 34 e 35.

9 – Em 10 de Maio de 2010, o autor solicitou à ré, através do escrito de que se mostra cópia a fls 141, por si assinado, a transferência de 4 308,54 euros para conta de que era titular em instituição bancária.

9 – Em 10 de Maio de 2010, a autora solicitou à ré, através do escrito de que se mostra cópia a fls 142, por si assinado, a transferência de 3 559,49 euros para conta de que era titular em instituição bancária.

10 – Em finais de Setembro de 2010, a conta de depósito à ordem nº32142 do autor tinha um saldo negativo de 11 053,86 euros (docs 36 a 40).

11 – Em finais de Setembro de 2010, a conta depósito à ordem nº32143 da autora tinha um saldo negativo de 2 486,52 euros (docs 41 a 44).

12 – A ré não remeteu aos autores extracto ou suporte documental das suas contas.

13 – Em 22-10-2010, após ter tomado conhecimento das reclamações apresentadas contra D…, Lda, a ré denunciou o contrato de agente vinculado que havia celebrado com esta.

14 – A acção deu entrada em 15-7-2013.

15 – A ré foi citada em 18-7-2013.

Factos não provados.

- que a ré, sem autorização dos autores, haja remetido as passwords de acesso e de negociação à D…, Lda;

- que não as tenha remetido aos autores;

- que os autores não tenham tido acesso às suas contas, saldos, movimentos e aplicações;

- que a ré nunca tenha prestado aos autores informação ou esclarecimento antes e após a negociação de instrumentos financeiros;

- que em finais de Setembro de 2010 0 autor haja recebido um telefonema de uma colaboradora da ré que o informou de que a sua conta de depósito à ordem nº32141 tinha um saldo negativo de 11 053,86 euros e que a conta de depósito à ordem nº32143 da autora tinha um saldo negativo de 2 486,52 euros;

- que os autores tenham solicitado extractos das suas contas;

- que a ré tenha enviado novos códigos de acesso às contas;

- que os autores desconhecessem os movimentos e aplicações financeiras atinentes às contas;

- que os autores não tenham familiaridade com investimentos financeiros;

- que a ré tenha penhorado a carteira de títulos dos autores;

- que AO…, em representação do agente vinculado da ré D…, Lda, tenha actuado e tomado as decisões de investimento que conduziram ao saldo negativo de 13 540,38 euros nas contas dos autores;

- que a ré tenha tido conhecimento de que essas decisões foram tomadas por AO…, em representação do agente vinculado da ré D…, Lda, em nome e por conta dos autores e nisso tenha consentido;

- que operações financeiras com origem na D… tenham provocado a perda do capital investido e o saldo negativo;

- que os investimentos financeiros operados tenham consistido em CFD´S e que estes sejam desadequados ao perfil de risco dos autores;

- que a actuação da ré tenha gerado desgaste psicológico na pessoa dos autores.

                                                            

ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I) Alteração da matéria de facto.

Nas suas alegações de recurso, os apelantes não impugnam a decisão sobre a matéria de facto.

Estabelece, porém, o artigo 662º do CPC, com a redacção introduzida pela Lei 41/2013 de 26/6, que veio substituir o antigo artigo 712º, no seu nº1, que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem uma decisão diversa” e, no seu nº2, que “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) (….); b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova”.

Assim, diferentemente do que sucedia com o anterior artigo 712º, actualmente o artigo 662º nº1 permite a alteração oficiosa da matéria de facto, como resulta da alteração do verbo “pode”, para o verbo “deve”.

Nos presentes autos os autores alegam que a ré enviou as passwords de acesso às suas contas ao representante do seu agente vinculado, que foi sempre este que acedeu às contas, não tendo os autores tido acesso às mesmas e que foi através do acesso e das operações realizados pelo referido representante que ocorreu o saldo negativo nas mesmas contas.

Cabia aos autores o ónus de provar estes factos, nos termos do artigo 342º nº1 do CC.

Acontece que a prova desta matéria constitui tarefa impossível para os autores, pois, caso seja verdadeira a sua versão, não têm como demonstrar que a password não lhes foi entregue e foi entregue a terceira pessoa.

Nem se diga que os factos constantes nos pontos 9 dos factos provados na sentença demonstram que a versão dos autores não é verdadeira e que tiveram acesso às suas contas.

Aí o que consta é que no dia 10 de Maio de 2010 os autores pediram à ré, através de escritos por si subscritos, que fossem transferidas quantias das suas respectivas contas para outras contas no Banco Best (4 308,54 euros e 3 559,49 euros, respectivamente).

Destes pedidos apenas resulta que os réus, por motivo não apurado e irrelevante para os autos, quiseram ter os referidos valores disponíveis noutra instituição de crédito e apresentaram os requerimentos para o efeito (requerimentos que tinham de ser por ambos pessoalmente apresentados, já que a procuração outorgada ao agente vinculado exclui expressamente a possibilidade de o procurador ordenar a transferência de valores para outras contas ou instituições); mas estes pedidos não demonstram que nessa data os autores tivessem conhecimento do real saldo existente nas contas e das operações que aí estavam a ser realizadas.  

Ao contrário dos autores, a ré está em posição de esclarecer a dúvida sobre os factos acima referidos, pois, sabendo (ou devendo saber) a quem entregou a password, facilmente pode demonstrar se a versão dos autores é ou não verdadeira.

Ora, desde o início, na contestação, a ré assumiu uma postura ambígua sobre esta matéria, não negando que entregou a password a terceiro, mas também não o admitindo expressamente, alegando que não tem fundamento o alegado na petição inicial no sentido de que não foi dado o consentimento para a entrega da password ao representante, pois tal consentimento se retira da necessidade que o representante teria de ter passwords para executar o que consta nas procurações – implicitamente reagindo apenas contra a alegada falta de consentimento dos autores (artigos 32º, 33º, 34º e 69º e 70º da contestação).

Fica-se, assim, com a convicção de que a ré não impugna que entregou as passwords à pessoa indicada pelos autores na procuração, impugnando apenas a falta de consentimento dos autores (por causa da procuração), mas acabando, afinal, no mesmo articulado de contestação, mais adiante, por impugnar vários artigos da petição inicial, entre os quais os que contêm esta matéria.

Não cumpriu, pois, a ré a obrigação, imposta no artigo 490º nº1 do CPC (à data em vigor, correspondente ao actual artigo 574º) de tomar posição definida perante os factos articulados na petição inicial.

Em julgamento, manteve-se a indefinição sobre as circunstâncias e medidas de controlo tomadas para a entrega das passwords de acesso às contas dos autores.

Ouvida a prova testemunhal produzida em julgamento, verifica-se que, efectivamente, os autores não lograram fazer prova da entrega das passwords ao agente vinculado, pois as duas testemunhas que apresentaram não tinham conhecimento directo sobre os factos ocorridos pessoalmente com eles.

A testemunha AG… relatou factos que se passaram consigo e com o representante do agente vinculado em causa, iguais aos que são alegados pelos autores na presente acção, descrevendo como, desta forma, perdeu o seu dinheiro.

A testemunha JC…, profissional bancário do Banco Best, relatou como o agente vinculado em causa foi colaborador desse banco, tendo sido rescindido o contrato por terem descoberto que ele tinha também um contrato com a ora ré, violando a sua obrigação de exclusividade; esclareceu ainda que, no seu banco, não admitem procurações a favor dos agentes vinculados, nem lhes entregam passwords, por estes estarem impedidos de exercer uma actividade de intermediação autónoma.

Por seu lado, as testemunhas apresentadas pela ré, HS… e AL…, ambos seus funcionários, relataram que a D…, Lda foi contratada como agente vinculado para prospecção e angariação, explicaram que o acesso às contas se faz através de uma plataforma on line, não sendo possível saber-se quem está a aceder, apenas se sabendo que será quem tem a password e esclareceram que as passwords são entregues aos clientes ou a quem os representa, mas não sabendo em concreto, neste caso, a quem foi entregue a password.

A testemunha AL… declarou ainda que os autores apareceram como clientes da ré por via da prospecção deste agente e que, quanto à entrega das passwords, só podia dizer “em geral” que as passwords são dadas telefonicamente aos clientes ou ao seu procurador e que neste caso o cliente manifestou vontade de ter um procurador, podendo ter sido ou ao cliente ou ao procurador e tendo a ré entendido que o facto de ele ser o agente vinculado que fez a angariação não era impedimento para a representação, pois partiu do princípio que este teria comunicado aos clientes quais eram os limites da sua actuação.

Mais esclareceu esta testemunha que a ré rescindiu o contrato com o agente vinculado em causa, por vir a saber que estava registado junto de outras entidades, que havia queixas contra ele e por existir um alerta da CMVM contra a D…,Lda.

Já neste Tribunal da Relação, como se descreve no relatório supra, continuou a dificuldade em apurar-se quais as circunstâncias em que foram entregues as passwords, tendo a ré primeiro impugnado a decisão que determinou a sua notificação para prestar colaboração e só à segunda notificação tendo informado que, segundo os procedimentos da instituição, as passwords terão sido entregues por telefone, sem que exista registo da entrega e da identificação de quem a recebeu.

Toda esta postura da ré não é aceitável, ao impedir os autores de fazer prova de um facto que poderia ter esclarecido facilmente.

Desde logo se estranha o procedimento que a ré alega ser o seguido para a entrega de passwords, pelo telefone e sem registo da identificação de quem a recebeu, tendo em atenção que a password de acesso a uma conta constitui a forma de acesso à mesma e só deve ser entregue ao respectivo titular e com todas as cautelas necessárias para que não caia nas mãos de terceiro.

É assim que, no âmbito dos contratos relativos a cartões de débito, estabelece o aviso 11/2001 de 6/11 do Banco de Portugal, no seu artigo 11º, que “a entrega aos titulares, quer do cartão quer do respectivo código, se for caso disso, deve ser rodeada de especial cuidado, devendo ser adoptadas adequadas regras de segurança que impeçam a utilização do cartão por terceiros”.

Tais regras de segurança, aqui contempladas para a entrega de cartões de débito, são as mesmas que presidem à entrega de qualquer password, nomeadamente para aceder a uma conta no âmbito de um contrato como aquele que está em discussão nos autos.

As regras de segurança, com a identificação (e registo dessa identificação) da pessoa que recebe a password, destinam-se primacialmente, como é de fácil compreensão, à protecção do titular da conta, para que esta não seja devassada por terceiros.

Mas as regras de segurança também protegem a própria instituição de crédito que, ao identificar e registar a identificação de quem recebe o código, fica salvaguardada de ser acusada de ter entregue a password à pessoa errada.

O procedimento de entrega dos códigos, informado pela ré, não só não protege os interessados, como, ao não identificar a pessoa que os recebeu, tem como consequência impedir os autores de demonstrar a veracidade da sua versão e, sendo-lhe imputável, justifica a inversão do ónus da prova ao abrigo do artigo 344º nº2 do CC, por força do qual “há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”.

Assim e atendendo ainda ao acima citado artigo 662º nº1 do CPC, deverá ser alterada a matéria de facto, considerando-se provado que a ré entregou as passwords a AO…, representante do agente vinculado D…, Lda, que ficou com acesso às contas dos autores.

Ficando provado este facto e tendo sido fornecida apenas uma password para cada uma das contas (informação prestada pela ré a fls 543) e face ainda ao conteúdo das procurações outorgadas pelos autores (pontos 2 e 3 dos factos), é de presumir, ao abrigo do artigo 349º do CC, que não foram remetidas passwords aos autores, que os autores não tiveram acesso às suas contas, saldos, movimentos e aplicações, que os autores desconheciam os movimentos e aplicações financeiras atinentes às contas, que AO…, em representação do agente vinculado da ré D…, Lda, actuou e tomou as decisões de investimento que conduziram ao saldo negativo de 13 540,38 euros nas contas dos autores, que a ré tomou conhecimento de que essas decisões foram tomadas por AO…, em representação do agente vinculado da ré D…, em nome por conta dos autores e nisso consentiu, que operações financeiras com origem na D…. provocaram a perda do capital investido e o saldo negativo, factos estes que serão retirados do elenco dos factos não provados.

Deverá também retirar-se do elenco dos factos não provados que os autores não solicitaram extractos das suas contas, pois dos documentos de fls 147 a 153 e de fls 154 a 164, se verifica que foram enviados extractos aos autores abrangendo todo o período desde o início do contrato até fim de Outubro de 2010, alterando-se o facto 12 nessa conformidade.

Também, tendo os autores sido classificados no contrato celebrado com a ré (fls 385 e seguintes) como “não profissionais”, será retirado dos factos não provados que os autores não tinham familiaridade com investimentos financeiros, o mesmo se fazendo com o facto de que os autores não sentiram desgaste psicológico com a actuação da ré, facto notório que decorre necessariamente de se tomar conhecimento da perda de um capital de 45 000,00 euros e de se ter uma dívida de mais de 13 000,00 euros, incluindo-se estes dois factos nos factos provados.  

Para uma melhor qualificação dos factos, deverão ainda ser consignadas algumas das cláusulas do contrato celebrado entre os autores e a ré, que está a fls 385 a 392 e do contrato celebrado entre a ré e a D…, junto pela ré a fls 525 a 529 (este na sequência da notificação que lhe foi feita pelo presente Tribunal da Relação).

Tudo visto, acrescenta-se aos factos provados os seguintes:

1-A- O contrato de prospecção de serviços de intermediação financeira que a ré havia celebrado com D…, Lda, na qualidade, respectivamente, de intermediário financeiro e de prospector, é o que consta a fls 525 a 528, com data de 10/02/2010, onde a segunda se obrigou a prestar à primeira serviços de prospecção de clientes dirigida à celebração de contratos de intermediação ou à recolha de elementos sobre clientes actuais ou potenciais relativos à actividade de intermediação financeira desta.

1-B- Na cláusula 2ª do contrato de prospecção referido em 1-A foi estipulado, no seu nº1, que o prospector (a) exercerá uma actividade meramente de prospecção não dispondo de quaisquer poderes para a celebração de quaisquer contratos em nome da O…,SA, nem podendo, em qualquer caso, delegar noutras pessoas os poderes que lhe foram por esta conferidos (b) não poderá actuar ou tomar quaisquer decisões de investimento em nome dos investidores, ficando inibido, em absoluto, de praticar quaisquer actos que traduzam  a intervenção directa nas actividades de intermediação financeira (c) não receberá, a seu favor ou de terceiros, a qualquer título, quaisquer importâncias dos investidores, seja em dinheiro, cheque, transferência bancária ou por qualquer outro meio; no nº2 estipulou-se que o prospector deverá (…) (b) entregar documento escrito ao Cliente contendo quanto aos limites a que está sujeito no exercício dos serviços objecto do presente contrato (…).

1-C- O contrato que os autores celebraram com a ré na sequência da acção de prospecção da D…, Lda e no âmbito do qual abriram as duas contas referidas em 1 é o que consta a fls 385 e seguintes, com data de 13/04/2010, denominado “contrato de registo e depósito”, que tem por objecto a abertura de conta de registo de valores mobiliários pela ré, com obrigação de prestação de serviços de registo e de depósito de valores mobiliários (cláusula 1ª), onde os autores foram classificados como “não profissionais”, beneficiando do maior nível de protecção nos termos da legislação DMIF (cláusula 2ª ), sendo reconhecido pelos clientes autores que a actividade de transacção de valores mobiliários envolve risco de perca de capital (cláusula 3ª) e contendo as obrigações da ré e dos autores nas cláusulas 6ª e 7ª, respectivamente e as consequências de incumprimento das partes na cláusula 14ª .  

16- A ré, sem autorização dos autores, remeteu as passwords de acesso às contas destes à D…, Lda.

17- Não foram remetidas passwords aos autores.

18- Os autores não tiveram acesso às suas contas, saldos, movimentos e aplicações.

19- Os autores desconheciam os movimentos e aplicações financeiras atinentes às contas.

20- AO…, em representação do agente vinculado da ré D…, Lda, actuou e tomou as decisões de investimento que conduziram ao saldo negativo de 13 540,38 euros nas contas dos autores.

21- A ré tomou conhecimento de que essas decisões foram tomadas por AO…, em representação do agente vinculado da ré D…, em nome por conta dos autores e nisso consentiu.

22- Operações financeiras com origem na D… provocaram a perda do capital investido e o saldo negativo.

23- Os autores não tinham familiaridade com investimentos financeiros.

24- Os autores sentiram desgaste psicológico com a actuação da ré.

Por seu lado, o ponto 12 dos factos ficará com a seguinte redacção:

12- A ré não remeteu aos autores extracto ou suporte documental das suas contas antes de Outubro de 2010, só o tendo feito depois de verificado o saldo negativo de 13 540,38 euros.

                                                           

II) Responsabilidade civil da ré.

Fixados os factos, haverá que aplicar o direito e apreciar se dos mesmos se pode concluir que há responsabilidade civil da ré perante os autores.

Dos autos, nomeadamente do teor do contrato celebrado entre a ré e a D… e do contrato celebrado entre a ré e os autores, resulta que a ré é uma instituição de crédito que actua como intermediário financeiro, prestando serviços aos investidores que pretendem actuar no mercado de capitais, nos termos dos artigos 289º e 293º do CVM (Código dos Valores Mobiliários, constante do DL 486/99 de 13/11, que sofreu várias alterações, entre as quais as introduzidas pelo DL 357-A/2007 de 31/10 que, para além do mais, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº2004/39/CE relativa aos mercados de instrumentos financeiros, DMIF, que visa a harmonização da legislação europeia sobre a criação de mercado único europeu de serviços financeiros).

Os serviços prestados pelo intermediário financeiros são os definidos nos artigos 289º nº1 a) e 290º do CVM, consistindo, entre outros, na recepção, transmissão e execução de ordens para actuar no mercado, gestão de carteiras, consultoria para investimento e ainda os serviços auxiliares dos serviços e actividades de investimento, previstos nos artigos 289º nº1 b) e 291º do mesmo código, entre os quais o registo e depósito de valores mobiliários, concessão de crédito para realização de operações sobre valores mobiliários, elaboração de estudos de investimento, análise financeira ou outras recomendações genéricas relacionadas com operações em instrumentos financeiros, tudo serviços que pressupõem a celebração de um contrato entre o intermediário financeiro e o investidor com o pagamento de comissões como contrapartida.

Por seu lado, o artigo 292º do CVM prevê que a actividade de publicidade e prospecção dirigidas à celebração de contratos de intermediação financeira ou à recolha de elementos sobre clientes actuais ou potenciais só podem ser realizadas por intermediário financeiro autorizado ou por agente vinculado, este último nos termos previstos nos artigos 294-A a 294-D do mesmo código.

A actividade do agente vinculado vem contemplada no artigo 294º-A, prevendo o nº1 os serviços que pode prestar em representação do intermediário financeiro: prospecção de clientes e recepção e transmissão de ordens, colocação e consultoria sobre instrumentos financeiros ou sobre serviços prestados pelo intermediário financeiro; prevê, por seu lado o nº3 do mesmo artigo 294-A as actividades vedadas ao agente vinculado, entre as quais actuar ou tomar decisões de investimento em nome ou por conta dos investidores, receber ou entregar dinheiro sem autorização do intermediário financeiro, ou actuar por conta de mais do que um intermediário financeiro.

Provou-se que em Fevereiro de 2010, ao abrigo do artigo 294º-B, a ré, na qualidade de intermediário financeiro, celebrou com a D…, Lda, na qualidade de agente vinculado, um contrato de prospecção de serviços de intermediação financeira que esta se comprometeu a realizar, mediante o pagamento de contrapartida (contrato de fls 525 e seguintes).

Neste contrato, para além de ficarem expressamente definidas as funções atribuídas ao agente vinculado, foram consignadas as proibições legais acima referidas, impedindo-se o agente vinculado de actuar ou tomar decisões de investimento em nome ou por conta dos investidores e de receber dinheiro dos investidores a qualquer título.

 Na sequência da acção de prospecção desenvolvida pela D… no âmbito do referido contrato, foram angariados os autores, que, em Abril de 2010, acabaram por celebrar com a ré um contrato escrito (documento de fls 385 e seguintes) de serviços auxiliares de investimento, de registo e depósito, previsto no artigo 291º a) do CVM, mediante o qual a ré abriu duas contas, uma em nome de cada um dos autores e obrigou-se à prestação de serviços de registo e depósito de valores mobiliários, obrigando-se os autores, em contrapartida, a pagar as comissões e preços dos serviços.

Ao serem angariados pela D… com a celebração do contrato de registo e depósito, os autores entregaram à ré duas procurações, autorizando o representante desta sociedade para, nessa qualidade, dar ordens para operações relativas a valores mobiliários registados ou depositados, a registar ou a depositar nas contas abertas junto da ré, que, por sua vez, entregou a esta sociedade, seu agente vinculado, as passwords de acesso à contas dos autores, os quais não as receberam e não tiveram acesso directo às mesmas.

Com acesso às contas dos autores, entre Abril e Outubro de 2010 a D…, agente vinculado da ré, realizou operações das quais resultaram um saldo negativo para os autores de 13 540,38 euros.

Estabelece o artigo 294º-C a responsabilidade do intermediário financeiro pela actuação do seu agente vinculado, prevendo, no seu nº1, que o intermediário financeiro responde por quaisquer actos ou omissões do agente vinculado no exercício das funções que lhe foram confiadas, deve controlar e fiscalizar a actividade do agente vinculado e deve adoptar as medidas necessárias para evitar que o exercício pelo agente vinculado de actividade distinta da prevista no nº1 do artigo 294º-A possa ter nesta qualquer impacto negativo.

No presente caso é manifesto que a actuação da ré preenche a previsão deste artigo 294º-C.

Na verdade, ao aceitar as procurações dos autores a favor do seu agente vinculado e ao entregar-lhe as passwords das contas dos autores, a ré permitiu que este tivesse total controle dos investimentos e das decisões sobre os mesmos, correndo o risco que viesse a actuar e a tomar decisões de investimento em nome dos autores, como efectivamente veio a suceder, recebendo muito provavelmente contrapartidas por essa actividade e assim violando quer as disposições legais acima indicadas, quer as cláusulas do próprio contrato de prospecção.

É certo que os clientes do intermediário financeiro, neste caso da ré, poderão fazer-se representar por procurador.

Mas, no que diz respeito às passwords, seria sempre mais prudente entregá-las não ao procurador, mas sim ao cliente (que depois poderia dispor delas e disponibilizá-las a quem entendesse), sendo certo que, a admitir-se a entrega das passwords a um procurador, teria sempre de constar na procuração que este está especialmente autorizado para receber passwords, o que não sucede no caso dos autos.

Por outro lado, a representação dos investidores nos contratos celebrados com os intermediários financeiros não deve abranger a representação por agentes vinculados, sob pena de a promiscuidade de actividades que daí resulta criar situações proibidas pelo artigo 294º-A nº3, como aconteceu no caso dos autos.       

Nem se pode dizer que foi da vontade dos autores operar esta representação e que os prejuízos lhe são imputáveis, tendo em conta que os autores estão classificados no contrato como “não profissionais” e são beneficiários do nível máximo de protecção e que o intermediário financeiro se deve reger pelos princípios previstos no artigo 304º do CVM, com a obrigação de, não só agir de boa fé, mas também de proteger os interesses dos clientes numa área em que a maioria das pessoas não tem formação nem conhecimentos e em que corre risco de perda dos valores investidos.

Para além da actuação atrás descrita, que pôs em risco os valores investidos pelos autores, a ré, sabendo qual era o nível de qualificação dos autores e que o seu procurador era um agente vinculado, cuja actividade estava sujeita a limites, nada fez ao longo de meses para averiguar a causa do valores negativos que foram surgindo e para alertar os autores e impedir os prejuízos que foram aumentando, até atingirem um saldo negativo de mais de 13 000,00 euros.

Não pode, assim, deixar de se concluir que a ré agiu com culpa grave e que a sua actuação não beneficia do prazo mais curto prescrição, de dois anos, previsto no artigo 324º nº2 para os casos em que não há dolo nem culpa grave, improcedendo a excepção de prescrição.

Tendo a ré incumprido o contrato por violação dos seus deveres de protecção dos autores investidores ao permitir a actuação descontrolada do agente vinculado, vigora cláusula 14ª do contrato de registo e depósito celebrado entre as partes, que, no seu nº4, prevê a faculdade de resolução imediata do contrato, havendo que interpretar desta forma o pedido de restituição do prestado por parte dos autores (artigos 432º nº1 e 433º do CC).   

                                                            

III) Quantias reclamadas pelos autores.

Devendo a ré restituir aos autores o prestado, está obrigada a pagar-lhes o valor do capital entregue, de 45 000,00 euros, deduzido os montantes que foram transferidos para contas de outra instituição, a pedido dos autores em Maio de 2010, no valor global de 7 868,03 euros (pontos 9 dos factos provados), ou seja, deverá pagar 37 131,03 euros, bem como restituir a carteira de títulos transferida pelos autores.

No que diz respeito à indemnização por danos não patrimoniais, estando a ré obrigada a indemnizar os danos causados pelo seu incumprimento contratual (artigo 798º do CC) e merecendo o desgaste psicológico dos autores a tutela do direito nos termos do artigo 496º do CC, entende-se ser adequado o montante pedido de 5 000,00 euros para cada um dos autores, 10 000,00 euros no total, face aos valores envolvidos, a gravidade da culpa da ré e o tempo entretanto decorrido.

                                                         

DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, se decidindo:

A) Julgar improcedente a excepção de prescrição e parcialmente procedente a acção e condenar a ré a:

     1) pagar aos autores a quantia de 37 131,97 euros (trinta e sete mil cento e trinta e um euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros desde a citação, até integral pagamento;

     2) pagar aos autores a quantia de 10 000,00 euros (dez mil euros);

   3) devolver aos autores a sua carteira de títulos, transferindo-a para a conta do Banco ... identificada na petição inicial.

B) Declarar que o saldo negativo das contas dos autores é imputável à ré e julgar improcedente a reconvenção, absolvendo os autores do respectivo pedido.

                                                            

Custas da apelação e da acção na proporção dos vencimentos e da reconvenção pela ré.

                                                          

          2016-07-07      

                              

        Maria Teresa Pardal

                                                               

     Carlos Marinho

       Anabela Calafate