Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4698/11.6TTLSB.L1-4
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
REENVIO DO PROCESSO
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
COMISSÃO DE SERVIÇO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1-O artº 662º, nº 2, alª c ), do CPC rege em geral a modificabilidade da decisão de facto e em particular quanto a tal alínea “quando não constando no processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, (A Relação) repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
2-O princípio da irredutibilidade previsto no artº 129º, nº 1, alª d), do CT, não é violado se se trata de situações laborais reversíveis e os respectivos complementos retributivos só são devidos enquanto essas situações específica se verificarem.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


AA propôs acção com processo comum contra BB, SA.

Pediu:

“a)ser reconhecida natureza retributiva à verba paga ao A. até Fevereiro de 2011, e que ultimamente ascendia a 387,67€;
b)ser declarada ilícita a diminuição da retribuição imposta ao A. a partir de Março de 2011;
c)ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de 3.682,87€, respeitante a retribuição vencida e não paga de Março de 2011 até Novembro de 2011;
d)ser a R. condenada a pagar ao A. as parcelas retributivas que se vençam até á sentença que declare a ilicitude da diminuição;
e)sendo tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o seu vencimento até integral liquidação, acrescida de custas e demais encargos legais.”

Alegou, em síntese: ser sócio do SITESE – Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Comércio, Hotelaria e Serviços, sendo a relação de trabalho informada também pelo AE publicado do BTE nº 32 de 29.08.2010; em Setembro de 1997 foi nomeado para o exercício das funções de Chefe de Bordo e a partir de 01.01.1998 passou a auferir por tal exercício a quantia líquida de 25.000$00, pagos através de “cheques gasolina”, 14 vezes por ano, quantia que em 2001 passou a constar do recibo de vencimento sob a designação de “Isenção de Horário de Trabalho” no montante de 47.865$00 e que se manteve, com diversos aumentos, até Fevereiro de 2011; todavia, esse montante não correspondia a qualquer prestação com essa natureza, já que tinha já contratualmente garantida a isenção de horário de trabalho incorporada na remuneração base; aliás, a R pagou trabalho suplementar em Abril de 2001; em Março de 2011 a R diminuiu tal componente retributiva de 387,67€ para 193,84€, retirando-a por completo, unilateralmente, a partir desse mês, actuação que é ilícita, atenta a garantia consagrada no art.º 129º, nº 1, al. d) do CT (2009); e essa parcela retributiva de 387,67€, até “à presente data” ascende a 3.682,87€.

Ocorreu audiência de partes.

A R contestou alegando, em súmula: a remuneração base mensal não incluía a isenção de horário de trabalho contratualmente prevista e acordada de 18,75%” ou esta percentagem em 2000 passou para 20%; ao longo de todo este período, as partes não reduziram a escrito o acordo relativo ao regime de isenção de horário de trabalho nem a solicitou à entidade competente a regularização desta situação nos termos do DL 409/71, de 27.09, ao tempo em vigor; só em 30.09.2005, é que se estabeleceu o acordo de Isenção de Horário de Trabalho, nos termos do artº 177º do CT/2003, tendo sido efectuada a respectiva comunicação à Inspecção do Trabalho; flui desse acordo que o A aceitou um regime de isenção de horário de trabalho em que se verifica “a não sujeição do trabalhador aos limites máximos dos períodos normais de trabalho”, mediante uma retribuição especial fixada, em 30.09.2005, em 340,34€; o mesmo limitou-se a reduzir a escrito o regime que já vigorava entre as partes pelo menos desde 01.01.2001 e porventura antes com a atribuição das alegadas “senhas de gasolina”, pelo que não havia lugar ao pagamento de trabalho suplementar; e o regime de isenção de horário de trabalho pode terminar a qualquer momento por decisão da empresa ou do trabalhador e a respetiva retribuição não está sujeita ao princípio da irredutibilidade.

Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual se dispensou a selecção da matéria de fato.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença pela qual foi julgada a acção improcedente, e, em consequência, absolvida a R dos pedidos.

O A recorreu.
Concluiu:
(…)

Contra-alegou-se mas sem se formalizarem conclusões.

O processo foi com vista ao MP sendo que o seu parecer foi no sentido da improcedência do recurso.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões a conhecer revertem para o reenvio do processo para 1ª instância, nos termos do artº 662º, nº 2, al c) do CPC, e a natureza da parcela retributiva em debate.

Os factos considerados assentes na sentença são:
“1-O A. foi admitido por conta, ao serviço e sob a direcção da R. em 1977.
2-Actualmente tem atribuída pela R. a categoria profissional de Técnico, auferindo uma retribuição mensal que integra as seguintes quantias: 1.919,94€, processada como vencimento, 116,28€ pagas como diuturnidades, 230,20€ pagas como prémio de assiduidade e subsídio de alimentação no valor diário de 9,13€.
3-O A. é sócio do SITESE - Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Comércio, Hotelaria e Serviços, com o n.º 121344, sendo a relação de trabalho existente entre A. e R. informada, para além da Lei, ainda pelo AE publicado do BTE n.º 32 de 29 de Agosto de 2010.
4-O A. é um trabalhador competente e diligente, sendo assim reconhecido por colegas de trabalho e superiores hierárquicos.
5 - Essa característica tem-lhe permitido progredir no seio da R., quer em termos de categoria, quer em termos de retribuição mensal reconhecida.
6-A progressão tem ainda resultado da entrada em vigor na R. de instrumentos de regulação colectiva de condições de trabalho, como sucedeu em 1995, por efeito da entrada em vigor na R. do regime de carreiras constante do referido AE.
7-Sendo que a partir desse momento o A. passou a ter atribuída a categoria profissional de Técnico, desenvolvendo a sua prestação laboral na área da manutenção.
8-Em 1997 o A. foi nomeado para o exercício das funções de Chefe de Bordo, mantendo a retribuição que à data vinha auferindo.
9-Em Setembro de 1997 o A. apresenta ao seu superior hierárquico à data, Engº CC, a sua demissão do exercício dessas funções, com efeito a partir de 31/12/1997.
10-Em Outubro de 1997, é o A. informado por aquele seu superior da vontade da Administração da R. em que o A. permanecesse no desempenho daquelas funções.
11-Razão porque imediatamente nessa data se inicia um processo negocial entre A. e R., na pessoa do Administrador Engº DD, visando aquele objecto.
12-Em Novembro é alcançado entre A. e R. esse acordo, que para o A. teve como contrapartida a atribuição de uma quantia líquida de 25.000$00, a pagar ao A. por via dos então existentes “cheques gasolina”, a ter efeitos em 1/1/1998.
13-A partir de 1 de Janeiro de 1998, o A. passou a auferir na R. uma retribuição mensal composta para além da remuneração base mensal, que incluía uma isenção de horário de trabalho contratualmente prevista e acordada de 18,75%, e a quantia líquida de 25.000$00, paga ao A. através dos “cheques gasolina”.
14-A quantia líquida de 25.000$00, paga ao A. através dos “cheques gasolina”, era paga ao A. 14 vezes por ano.
15-A R. não passou a exigir ao A. outra prestação que não o trabalho que até à data lhe vinha prestando no local e dentro do horário que existia.

16-Com data de 29.03.1999 o Conselho de Administração da ré enviou ao autor a seguinte comunicação:
Assunto: Remunerações base e acessórias para 1999
Exmo. Senhor
Relativamente ao assunto em epígrafe, informo V. Exa que na sua reunião de 25 de Março de 1999 o Conselho de Administração deliberou atribuir a V. Exa pelo cargo que exerce (Chefe de Serviço Coordenador) uma remuneração base mensal de 267.600$00 (inclui 18,75% de isenção de horário de trabalho) acrescida das remunerações acessórias em vigor na empresa (com eficácia a partir de 1 de Fevereiro de 1999).

Para além das remunerações acessórias constantes do Acordo de Empresa foram-lhe atribuídas mais as verbas seguintes:
- Despesas mensais de telefone até 10.000$00
- Despesas mensais de telemóvel até 7.500$00
- Despesas mensais de deslocação até 25.000$00
Com os melhores cumprimentos,”.

17-A R. manteve ao A. a atribuição dos “cheques gasolina” em 1999 e em 2000, sem prejuízo de ter aumentado a remuneração base mensal do A., quer por efeito de alterações salariais decididas, quer por efeito do aumento da percentagem da isenção de horário de trabalho contratual, que em 2000 passou para 20%.

18-Com data de 10.04.2000 o Conselho de Administração da ré enviou ao autor a seguinte comunicação:
Assunto: Alteração da remuneração mensal - 2000
Exmo. Senhor
Decorrente das negociações do Acordo de Empresa para 2000, deliberou o Conselho de Administração proceder às alterações salariais dos trabalhadores que exercem cargos de chefia e que não foram abrangidos pelas normas da cláusula 39ª A.
Assim a sua remuneração global a partir de 1 de Fevereiro de 2000 será a seguinte:
- Remuneração mensal base 299.600$00
- Diuturnidades (se a elas tiver direito) 3.050$00
- Subsidio de almoço, por dia de efectivo trabalho 1.350$00
- Subsídio de pequeno almoço, idem 110$00
- Subsídio de deslocação 25.000$00
- Despesas mensais de telefone (documento) até 10.000$00
- Despesas mensais de telemóvel até 7.500$00
Nos termos das normas legais em vigor a remuneração base inclui o valor da isenção do horário de trabalho, estimada em 20%, como forma de compensar o natural acréscimo de trabalho, em resultado das funções que exerce para além do período normal de trabalho.
Com os melhores cumprimentos”.

19-Em 2001, por forma a regularizar e normalizar a atribuição daquela parcela retributiva paga invocando a designação de “subsídio de deslocação” e por meio de cheques gasolina, passando a mesma a constar do recibo de vencimento do A. e a estar sujeita aos descontos legais, a R. promoveu um gross up da quantia de 25.000$00, isto é, calculou com base nos elementos disponíveis qual o aumento que teria de sofrer para permitir garantir ao A. a continuação da atribuição de uma quantia líquida de 25.000$00, tendo a R. passado a incluir no recibo de vencimento do A. sob a designação de Isenção de Horário de Trabalho, o valor de Esc.:47.865$00, deixando o A. de ter a isenção de horário de trabalho incorporada na remuneração base, que no ano de 2001 aumentou de Esc.299.600$00 para Esc.: 319.100$00.

20-Com data de 03.04.2001 o Conselho de Administração da ré enviou ao autor a seguinte comunicação:
Assunto: Alteração da remuneração mensal - 2001
Exmo. Senhor
Decorrente das negociações do Acordo de Empresa para 2001, deliberou o Conselho de Administração proceder às alterações salariais dos trabalhadores que exercem cargos de chefia e que não foram abrangidos pelas normas da cláusula 39ª A.
Assim a sua remuneração global a partir de 1 de Fevereiro de 2001 será a seguinte:
- Remuneração mensal base 319.100$00
- Diuturnidades (se a elas tiver direito) 3.175$00
- Subsídio de almoço, por dia de efectivo trabalho 1.400$00
- Subsídio de pequeno almoço, idem 130$00
- Isenção de Horário de Trabalho 47.865$00
- Despesas mensais de telefone (documento) até 10.000$00
- Despesas mensais de telemóvel até 7.500$00
Nos termos das normas legais em vigor foi autonomizado o valor da isenção de horário de trabalho, como forma de normalizar a situação referente ao subsídio de deslocação, com eficácia a partir de 01 de Abril de 2001.
Com os melhores cumprimentos”.

21-A partir de 1/1/2001, a R. não formulou junto da entidade competente o requerimento previsto no nº 2 do art.º 13º do DL n.º 409/71, de 27 de Setembro, nem cuidou de obter do A. a declaração de concordância legalmente exigida.
22-O pagamento da quantia a título de Isenção de Horário de Trabalho não impediu a R. de pagar ao A. trabalho suplementar, como ocorreu em Abril de 2001.
23-A partir de 1/1/2001 a R. passou a pagar ao A., mensalmente com as restantes prestações, 14 vezes por ano (por conseguinte paga nas retribuições de férias e subsídio de férias e natal), uma retribuição mensal que, para além da remuneração base, incluía uma componente designada de Isenção de Horário de Trabalho, que em 2002 ascendia a 252,35€; em 2003 nos meses de Jan, Fev a 252,35€; nos meses de Mar a Dez 339,02€; em 2004: nos meses de Jan a Dez a 339,02€; em 2005: nos meses de Jan a Set a 339,02€; nos meses de Set a Dez a 340,34€; em 2006: nos meses de Jan a Dez a 340,34€; em 2007: nos meses de Jan a Abr a 341,36€; nos meses de Mai a Dez a 360,36€; em 2008: nos meses de Jan a Abr a 341,36€; nos meses de Mai a Dez a 360,36€; em 2009: nos meses de Jan a Fev a 360,36€, nos meses de Mar a Dez a 376,86€; em 2010: nos meses de Jan a Fev a 376,86€ e nos meses de Mar a Dez ascendia a 387,67€.
24-Com data de 17.04.2002 o Conselho de Administração da ré enviou ao autor a seguinte comunicação:
“Assunto: Alteração da remuneração mensal - 2002
Exmo. Senhor
Decorrente das negociações do Acordo de Empresa para 2002, deliberou o Conselho de Administração proceder às alterações salariais dos trabalhadores que exercem cargos de chefia.
Assim a sua remuneração global a partir de 1 de Fevereiro de 2002 será a seguinte:
- Remuneração mensal base 1682.36€
- Diuturnidades (se a elas tiver direito) 16.31€
- Subsidio de almoço, por dia de efectivo trabalho 7.23€
- Subsídio de pequeno almoço, idem 0.70€
- Isenção de Horário de Trabalho 252.35€
- Despesas mensais de telefone (documento) até 50.00€
- Despesas mensais de telemóvel até 37.50€
Com os melhores cumprimentos”.

25-Por despacho do Conselho de Administração da ré de 20.0.2003, proferido na sequência de Informação do Director de Pessoal, de 19/02/2003, foi aprovado o pagamento, com efeitos desde 2001, das diferenças apuradas do valor atribuído pela isenção do horário de trabalho, em relação a um conjunto de trabalhadores, cujos valores auferidos a título de Isenção de Horário de Trabalho, entre os quais o A., eram inferiores ao mínimo estabelecido na lei (1h de 50% x 22 dias), tendo o autor recebido no mês de Março de 2003, a título de diferenças salariais de Isenção de Horário de Trabalho desde 1.01.2001, a quantia de 2.406,98€.

26-Em 30 de Setembro de 2005, A. e R. formalizaram por escrito o acordo de Isenção de Horário de Trabalho, como previsto no art.º 177º do Código do Trabalho, tendo sido efectuada a respectiva comunicação à Inspecção do Trabalho, sendo nessa data a remuneração por IHT no montante de € 340,34.
27-A designada Isenção de Horário de Trabalho manteve-se até Fevereiro de 2011, não obstante alterações funcionais de que foi destinatário o A.
28-Em 17/2/2011 a R. deliberou retirar ao A. a designada de Isenção de Horário de Trabalho, com o argumento de que tal prestação correspondia a uma prestação conferida ao abrigo do regime e procedimento previsto no art.º 177º do Código do Trabalho, que vigoraria até que uma das partes o denunciasse, como ocorrera nessa data.
29-Em Março/11 a R. diminuiu aquela componente retributiva de 387,67€ para 193,84€, retirando-a por completo a partir daquela data, o que se mantém até à data.
30-As funções de Chefe de Bordo, também designadas Chefe de Departamento APEX, eram exercidas pelo ora autor em comissão de serviço, a qual foi cessada pela ré por deliberação do seu Conselho de Administração de Março de 2011”.
O recorrente apela ao reenvio do processo nos termos do artº 662º, nº 2, alª c ), do CPC para ampliação da matéria de fato, “designadamente se esclarecendo, das funções exercidas pelo A. desde 1997 até 2011 tal como alegado pelo A. nos artigos, designadamente nos artigos 5º a 7º da .p.i.”

Sublinha essa necessidade devido à circunstância do tribunal a quo ter feito improceder o pedido “por entender que a quantia ultimamente paga sob a designação de isenção de horário de trabalho, tinha essa efectiva essa natureza, ou seja, visava compensar o A. por uma especial disponibilidade que aquelas funções pressupunham, constituindo, como tal, uma retribuição especial, que poderia cessar logo que terminasse o regime de comissão de serviço pressuposto ao exercício das respectivas funções”

Mas no mesmo passo não deixa de lhe ocorrer que “essa conclusão é manifestamente contrariada pela factualidade assente, e mesmo que assim não se entendesse, não se mostra suportada em factualidade suficiente que a comprove”.

O citado preceito rege em geral a modificabilidade da decisão de facto e em particular quanto a tal alínea “quando não constando no processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, (A Relação) repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”. 
 
E certo é que o número anterior (nº 1) fixa-se obviamente no dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Face a estes termos legais é oportuno dizer que se for como a recorrente afirma no citado parágrafo de que “a conclusão é manifestamente contrariada pela factualidade assente, e mesmo que assim não se entendesse, não se mostra suportada em factualidade suficiente que a comprove”, então a questão é mesmo totalmente alheia a essa faculdade, já que patentemente respeita à direta subsunção dos fatos ao direito com a consequente apreciação de mérito que no ver do recorrente deverá ser a seu favor.

O mesmo mecanismo legal não tem decididamente também a finalidade de permitir uma dada interpretação dos fatos e de seguida do direito que se entende aplicável.

Mas acresce que nem o recorrente aponta em concreto o vício e tão pouco a prova que permitisse a anulação da sentença tendo em vista o reenvio.  

E se a razão está na “adequada fundamentação da realidade em causa, designadamente se esclarecendo, das funções exercidas pelo A. desde 1997 até 2011 tal como alegado pelo A. nos artigos, designadamente nos artigos 5º a 7º da .p.i”, necessário seria que o recorrente as tivesse alegado já que até aqui teria esse ónus, ou, pelo principio da aquisição da prova, a recorrida o tivesse feito.

Ora, dos factos alegados pelas partes não vislumbramos essa possibilidade e seria sempre sob pena da violação do princípio do dispositivo (artºs 5º, 607º, nº 4, e 608º do CP) que ocorreria o reenvio.
(…)

Nestes termos deve ser indeferida a pretensão do recorrente inicialmente assinalada, sendo certo que o recorrente também não impugna em sentido estrito tal decisão e também as conclusões do tribunal a quo retiradas dos factos para subsunção ao direito podem ser objecto dessa impugnação.

Dito isto a questão essencial.

Na sentença quanto à prestação em causa retira-se efetivamente a conclusão de que:
“… no caso presente ficou provado que a razão concreta da atribuição ao autor em 1.1.1998 da quantia mensal (14 vezes por ano) de 25.000$00, paga mediante senhas de gasolina, radicou na sua nomeação para o exercício das funções de Chefe de Bordo, a qual era exercida em comissão de serviço, tendo-lhe a referida verba sido atribuída após o mesmo ter apresentado a sua demissão das referidas funções, para as quais fora nomeado mantendo a mesma retribuição de Técnico. (cfr. números 7 a 12 e 30 da matéria de facto provada).

Assim, parece insofismável que a retribuição em causa foi atribuída ao ora autor pela ré em razão do exercício daquelas funções de chefia.

Provou-se também que em 2001 tal remuneração, por razões de regularização fiscal, passou a integrar o recibo de vencimento e que passou a ser paga sob a designação de Isenção de Horário de Trabalho, sendo sob esta designação paga a quantia de 47.865$00 e deixando o autor de ter incorporado na remuneração base o valor da isenção de horário de trabalho, que em 2000 ascendia a 20% dessa remuneração base. (cfr. números 17 a 20 da matéria de facto provada).

Em face desta factualidade, afigura-se como normal que a quantia de 25.000$00 que em 1.01.1998 era paga em senhas de gasolina, sem sujeição aos descontos legais, tenha sido integrada no vencimento e incorporada no montante atribuído a título de Isenção de Horário de trabalho, agora autonomizado da remuneração base, embora sem diminuição desta, que até aumentou nesse ano (cfr. nº 20 da matéria de facto provada), pois, tal incorporação não desvirtua a natureza especial daquela retribuição, inicialmente paga mediante senhas de gasolina, visto que a mesma foi atribuída em razão do exercício do cargo de chefia em comissão de serviço.

Assim, em face da factualidade provada, há que concluir que a retribuição em causa tem natureza de retribuição especial e como tal não está sujeita ao princípio da irredutibilidade previsto no art.º 129º, nº 1, al. d) do Código do Trabalho de 2009.

Como referem Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e Nunes de Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, Lex, pags. 214-215, “uma vez terminado o regime de isenção, o trabalhador perderá o direito à retribuição especial que lhe era inerente, sem que essa perda possa ser considerada como uma baixa de retribuição (…). A única excepção geralmente admitida à reversibilidade da isenção respeita aos casos em que esse regime tenha sido expressamente convencionado no contrato de trabalho, caso em que se exige a concordância do trabalhador para o seu termo”.

No mesmo sentido pode ver-se o decidido no Acórdão da Relação Lisboa de 25.10.2000, proferido no proc. 0077674, disponível em www.dgsi.pt/jtrl, no qual foi elaborado o seguinte sumário doutrinal:
 “I-Resultando o regime de isenção de horário de trabalho do próprio contrato de trabalho e não duma fixação unilateral do mesmo determinada pela entidade patronal, só um novo acerto de vontades das duas partes poderá pôr-lhe termo.
II-Nestes casos - e sejam quais forem as razões invocadas para uma tal alteração do contrato - a entidade patronal não pode unilateralmente fazer cessar o regime de isenção de horário praticado pelo trabalhador, nem pode retirar o correspondente suplemento retributivo.
III-Nas demais situações, a isenção de horário de trabalho é, por natureza, uma situação reversível, podendo cessar por iniciativa unilateral da entidade patronal, que se exprime em regra, por omissão do pedido de renovação dirigido à entidade competente.”

Em face da factualidade provada, não oferece dúvidas a consideração de que a quantia aqui reclamada pelo trabalhador foi-lhe atribuída em função do exercício de funções específicas que legalmente deixou de exercer por vontade da entidade empregadora.

Assim, podia a ré suprimir-lhe a quantia que comprovadamente auferia em razão do exercido das referidas funções. Neste sentido pode ver-se também o decidido no Acórdão da Relação Lisboa de 09.04.2008, proferido no proc. 312/2008- 4, disponível em www.dgsi.pt/jtrl, no qual se escreve: “Como é generalizadamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, a irredutibilidade da retribuição não é impeditiva da supressão de certas atribuições patrimoniais conexas com determinadas condições específicas do modo de prestação de trabalho, quando essas condições específicas sejam também elas suprimidas. É o que acontece com inúmeras prestações que são contrapartida de situações laborais reversíveis, e que, se bem que frequentemente, pelo carácter regular e periódico com que são pagas, possam ser qualificadas como complementos retributivos, só são devidas enquanto a situação específica de que são contrapartida se verificar (a menos que, por terem sido contratualmente estabelecidas, não haja acordo das partes quanto à eliminação da parcela retributiva correspondente a essa especificidade). É o caso, por exemplo de subsídios de turno, de isenção de horário de trabalho, de risco, de transporte de valores, etc…”.

Liminarmente não podemo-nos afastar esta solução. Com ela concordamos na medida em que  se fez uma adequada subsunção dos factos ao direito.

Provou-se efetivamente tanto a comissão de serviço do recorrente como a retribuição especial paga a título ou sob a forma de Isenção de Horário de Trabalho, havendo uma relação de causa e efeito entre ambas já que a segunda dependente das funções exercidas pelo recorrente nessa comissão de serviço como Chefe de Bordo.

A primeira expressa no ponto 30 dos factos assentes da sentença: “As funções de Chefe de Bordo, também designadas Chefe de Departamento APEX, eram exercidas pelo ora autor em comissão de serviço, a qual foi cessada pela ré por deliberação do seu Conselho de Administração de Março de 2011”.

A segunda resultante da conjugação da matéria dos pontos nºs 8 a 13 e 17 a 20: em 1997 o A. foi nomeado para o exercício das funções de Chefe de Bordo, mantendo a retribuição que à data vinha auferindo; em Setembro de 1997 o A apresenta ao seu superior hierárquico à data, Engº CC, a sua demissão do exercício dessas funções, com efeito a partir de 31/12/1997; em Outubro de 1997, é o A. informado por aquele seu superior da vontade da Administração da R. em que o A. permanecesse no desempenho daquelas funções; razão porque imediatamente nessa data se inicia um processo negocial entre A e R, na pessoa do Administrador Engº DD, visando aquele objecto; em Novembro é alcançado entre A e R esse acordo, que para o A teve como contrapartida a atribuição de uma quantia líquida de 25.000$00, a pagar ao A por via dos então existentes “cheques gasolina”, a ter efeitos em 1/1/1998; a partir de 1 de Janeiro de 1998, o A. passou a auferir na R. uma retribuição mensal composta para além da remuneração base mensal, que incluía uma isenção de horário de trabalho contratualmente prevista e acordada de 18,75%, e a quantia líquida de 25.000$00, paga ao A. através dos “cheques gasolina”; a R. manteve ao A. a atribuição dos “cheques gasolina” em 1999 e em 2000, sem prejuízo de ter aumentado a remuneração base mensal do A, quer por efeito de alterações salariais decididas, quer por efeito do aumento da percentagem da isenção de horário de trabalho contratual, que em 2000 passou para 20%; com data de 10.04.2000 o Conselho de Administração da ré enviou ao autor … comunicação: Assim a sua remuneração global a partir de 1 de Fevereiro de 2000 será a seguinte: Remuneração mensal base 299.600$00 …. Subsídio de deslocação 25.000$00…. Nos termos das normas legais em vigor a remuneração base inclui o valor da isenção do horário de trabalho, estimada em 20%, como forma de compensar o natural acréscimo de trabalho, em resultado das funções que exerce para além do período normal de trabalho. (…); em 2001, por forma a regularizar e normalizar a atribuição daquela parcela retributiva paga invocando a designação de “subsídio de deslocação” e por meio de cheques gasolina, passando a mesma a constar do recibo de vencimento do A e a estar sujeita aos descontos legais, a R. promoveu um gross up da quantia de 25.000$00, isto é, calculou com base nos elementos disponíveis qual o aumento que teria de sofrer para permitir garantir ao A a continuação da atribuição de uma quantia líquida de 25.000$00, tendo a R passado a incluir no recibo de vencimento do A. sob a designação de Isenção de Horário de Trabalho, o valor de 47.865$00, deixando o A de ter a isenção de horário de trabalho incorporada na remuneração base, que no ano de 2001 aumentou de 299.600$00 para 319.100$00; e, com data de 03.04.2001 o Conselho de Administração da ré enviou ao autor a … comunicação: (…) Assim a sua remuneração global a partir de 1 de Fevereiro de 2001 será …. remuneração mensal base 319.100$00 …. Isenção de Horário de Trabalho 47.865$00 … Nos termos das normas legais em vigor foi autonomizado o valor da isenção de horário de trabalho, como forma de normalizar a situação referente ao subsídio de deslocação, com eficácia a partir de 01 de Abril de 2001. (…).

Ou seja ainda, desde início das funções da categoria profissional exercida em comissão de serviço não só o recorrente beneficiava de retribuição de isenção de horário de trabalho como a inicial compensação de senhas de gasolina no montante de 25.000$00 é integrada nessa retribuição que é autonomizada da retribuição base e que para não ser prejudicado o recorrente beneficia de um aumento para o montante inicial enquanto tal de 47.865$00 mantendo-se a renumeração base com um aumento de valor.

De resto o recorrente negoceia e formaliza por escrito com a recorrida, em 30.09.2005 ainda acordo de Isenção de Horário de Trabalho, como previsto no art.º 177º do Código do Trabalho/2003, tendo sido efectuada a respectiva comunicação à Inspecção do Trabalho e sendo nessa data a remuneração por IHT no montante de 340,34€. Daí que o recorrente dominava os termos desse acordo segundo tal normativo que fixava então as condições de isenção de horário de trabalho:

“1-Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações:
a)Exercício de cargos de administração, de direcção, de confiança, de fiscalização ou de apoio aos titulares desses cargos;
b)Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites dos horários normais de trabalho;
c)Exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia.
2-Podem ser previstas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho para além das indicadas nas alíneas do número anterior.
3-O acordo referido no n.º 1 deve ser enviado à Inspecção-Geral do Trabalho”.
Norma idêntica à constante do artº 13º do DL 409/71 de 27.09, diploma este que segundo o nº 2 do respetivo artº 1º estabelecia o regime a aplicar ao trabalho prestado às empresas concessionárias de serviço público e às empresas públicas.

Tal artº 13º tinha o seguinte conteúdo: “(Isenção de horário de trabalho)
1.Poderão ser isentos de horário de trabalho, mediante requerimento das entidades patronais, os trabalhadores que exerçam cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização.
2.(…)”

Recorde-se que a designação de Chefe de Bordo ou de Chefe de Departamento APEX que cabia à categoria profissional do recorrente além do mais faz apelo pelo menos a cargo de confiança, de fiscalização ou de apoio aos titulares dos cargos da administração da empresa ou sua direcção.

Assim sendo a retribuição em causa não estando sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição poderia ser cessada com a cessação das funções respectivas que lhe deram caso.

E ademais nem a integração de prestações altera a natureza de uma enquanto remuneratória da isenção de horário e mesmo que assim não fosse nem a retirada da inicial paga com senhas de gasolina seria susceptível de violar o dito princípio, pois como se afirmou na jurisprudência citada deve ser considerada como contrapartida de “situações laborais reversíveis, e que, se bem que frequentemente, pelo carácter regular e periódico com que são pagas, possam ser qualificadas como complementos retributivos, só são devidas enquanto a situação específica de que são contrapartida se verificar”.

Não se podendo assim afirmar como o recorrente que “tratava-se de parcela retributiva destinada a retribuir ao A. pelo exercício da sua prestação laboral, desenvolvida no local e no horário pré-destinado e tinha como única contrapartida o trabalho prestado. A designação de Isenção de Horário de Trabalho, correspondeu a uma mera opção de designação administrativa, que não acarreta a descaracterização da natureza daquela parcela como sendo efectivamente retribuição” ou “Assim sendo, como indesmentível e sem margem para dúvidas resulta da matéria dada por provada, resulta evidente que a prestação de Esc. 25.000$00 atribuída em Novembro de 1997 constituiu um efectivo e definitivo aumento da retribuição do A., que não mais poderia ser-lhe retirado…”.

Refere também o recorrente que “ao longo do período em que viu ser-lhe paga aquela prestação continuou a cumprir um horário de trabalho, e sempre que realizava trabalho suplementar o mesmo era-lhe pago como tal”.

Até se provou o segundo quanto a Abril de 2001 e que a R não passou a exigir ao A outra prestação que não o trabalho que até à data lhe vinha prestando no local e dentro do horário que existia-
Contudo, por si só, tal não determina também que se deva alterar a natureza e finalidade da prestação.

Pelo sobredito deve improceder o recurso, confirmando-se a sentença. 

Decisão:

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a sentença.
Custas pelo recorrente.
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O acórdão compõe-se de 18 folhas, com os versos não impressos.
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Lisboa,01/06/2016



Eduardo Azevedo
Celina Nóbrega
Paula Santos
Decisão Texto Integral: