Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1010/14.6YYLSB-A.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: LIVRANÇA AVALIZADA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
INTERVENÇÃO DO AVALISTA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 4.1.- Sendo a execução instaurada pelo beneficiário de livrança  subscrita e avalizada em branco, e tendo o avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento, tal como o seu subscritor,  é-lhe permitido opor ao beneficiário a excepção material de preenchimento abusivo do título, cabendo-lhe, porém, o ónus da prova dos factos constitutivos da referida excepção.

4.2  - Para efeitos do referido em 4.1., e porque de excepção material de preenchimento abusivo do título se trata, carece o executado oponente, no seu articulado, de alegar factos concretos - constitutivos - susceptíveis de integrar a excepção de direito material invocada - a do preenchimento abusivo.

4.3. - A lei cambiária não impõe ao portador do título que, previamente ao accionamento do avalista do subscritor, lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que o próprio autorizou, não exigindo de todo e como condição de exigibilidade da obrigação de garantia do avalista de letra emitida em branco, a prévia interpelação deste último.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de LISBOA

1.- Relatório.                                   

Na sequência da instauração de acção executiva movida por A ( BANCO …,SA ), contra,
B ;
C,  e
D, e  com vista à cobrança coerciva da quantia de €39.273.22, proveniente e titulada por LIVRANÇA, vieram os executados B e outros, deduzir oposição à execução, pugnando pela respectiva desobrigação de efectuar o pagamento da quantia exequenda , sendo absolvidos do pedido, e , consequentemente, seja o processo executivo extinto.
1.1. - Para tanto,  alegaram os executados  B e outros, e em síntese, que :
- Tendo a acção coerciva sido proposta apenas contra os executados/avalistas da livrança, que não também contra o subscritor do referido título executivo - a mutuária E ( Sociedade …,SA ) - , existe assim uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento da execução, impondo-se a absolvição dos executados da respectiva instância;
- Tendo a subscritora do título executivo, a mutuária E, sido declarada judicialmente como insolvente, então existe uma inutilidade superveniente da execução,  que não pode prosseguir, em face do disposto no art. 88.°, n.° 1 do CIRE;
- Acresce que, não é sequer o crédito exequendo certo, líquido e, portanto, exigível, logo existe uma inexigibilidade da dívida exequenda;
-  De resto, foi ainda o titulo executivo/LIVRANÇA , porque subscrita em BRANCO, abusivamente preenchido pela exequente , pois que, e desde logo a respectiva data de emissão, não podia - porque na mesma não estava em dívida nenhum capital - corresponder aquela que no titulo foi aposta;
- Ou seja, e em razão do seu  preenchimento abusivo , a livrança e o aval são nulos;
- Acresce também que, não foi sequer o executado/oponente interpelado do preenchimento da livrança, desconhecendo de todo quando devia efectuar o pagamento, impondo-se que previamente ao seu preenchimento o tivesse sido e, não existindo outrossim o acto formal do protesto da livrança, impedido estava a exequente de proceder judicialmente contra os executados .
1.2. - Conclusos os autos para a prolação de despacho liminar [ cfr. artº 732º, do CPC ] , de imediato foi proferida decisão que pôs termo à respectiva instância, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“ Por todo o exposto,
por manifestamente improcedentes, decido, ao abrigo do preceituado no art. 732.°, n.° 1, al. c) do NCPC, indeferir liminarmente os presentes embargos de executado.
Custas pelos embargantes.
Registe e notifique e comunique ao AE.
Lisboa, d.s “
1.3.- Inconformados com o sentenciado indeferimento liminar dos embargos de executado, da referida decisão vieram então os executados/embargantes interpor recurso de apelação, que admitido foi e com efeito devolutivo, formulando na respectiva peça recursória as seguintes  conclusões:
I - O Tribunal «a quo» proferiu sentença de indeferimento liminar dos Embargos de executado apresentados pelos ora Apelantes, ao abrigo do disposto no art. 732º, nº l al. c) do CPC.
II - Tal decisão resultou do facto do Meritíssimo Juiz da 1ª Instância ter considerado manifestamente improcedentes os fundamentos invocados pelos Executados, designadamente, a excepção de ilegitimidade passiva, a inutilidade da lide, a inexigibilidade da obrigação, a nulidade da livrança por preenchimento abusivo e a nulidade do aval, a falta de interpelação dos Executados e a falta de protesto da livrança.
III - Salvo o devido respeito, discordamos de todo desse entendimento, porquanto:
i. Quanto à Excepção de Ilegitimidade Passiva: entendem os Apelantes que, independentemente da responsabilidade solidária dos avalistas, a sociedade subscritora da livrança permanece como sendo a principal devedora, devendo impreterivelmente que ser demandada na execução, devendo ser nesse sentido interpretados os artigos 43º , 47º e 48º da LULL. o que levaria à procedência da excepção dilatória de ilegitimidade passiva e consequente os Executados absolvidos da instância .
ii. Quanto à Inutilidade da lide e inexigibilidade da obrigação: entendem GS Apelantes que a declaração de insolvência da principal devedora, subscritora da livrança, determina não só a suspensão de quaisquer diligências executivas que atinjam os bens integrantes da massa insolvente, como obsta à instauração ou prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores de insolvência, ao abrigo do disposto no nºl do artigo 88º do CIRE e que entender isso de forma diferente seria permitir que ocorresse uma duplicação de pedidos sob o mesmo crédito, o que não pode, obviamente, suceder, sob pena do enriquecimento sem causa do Exequente que reclamou o mesmo crédito no Processo de Insolvência da principal devedora. Existindo, por conseguinte, uma manifesta inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 211° do CPC que impunha uma decisão diversa da proferida, com a consequente extinção da instância e inexigibilidade da obrigação, cujo crédito deve ser aferido junto do Processo de Insolvência e não por via da presente execução, tendo o tribunal «a quo» violado, designadamente, o disposto no art. 88º do CIRE.
iii. Quanto à nulidade da livrança pelo preenchimento abusivo e nulidade do aval: entendem os Apelantes que. tendo a livrança dada à execução sido por si avalizada em branco, o exequente, sem prejuízo do pacto de preenchimento, a preencheu abusivamente, decidindo unilateralmente e a seu bel-prazer todas as indicações constantes da mesma, tudo se passando como se a livrança não estivesse devidamente preenchida com os seus requisitos essenciais, estando, assim, invalidade o título cambiário, que não pode produzir efeitos como livrança, nos termos dos artigos 75º e 76º da LULL, normativos legais estes que o tribunal «a quo» desconsiderou e deviam, salvo melhor entendimento, ter sido aplicados.
Quanto à nulidade do aval, entendem os Apelantes que, tendo o aval sido por si prestado quando a livrança se encontrava inteiramente em branco, a obrigação cambiária é nula por indeterminabilidade, ao abrigo do disposto no art. 280º nº l da Código Civil, tendo o tribunal «a quo», ao decidir de forma diferente, violado o disposto no citado artigo.
iv. Quanto à falta de interpelação e falta de protesto: entendem os Apelantes, que não tendo sido interpelados, quer do preenchimento da livrança, quer, consequentemente, de qualquer data de vencimento aposta na mesma, local de pagamento, a falta de interpelação constitui preenchimento abusivo da livrança, e que a omissão de protesto por falta de pagamento retira ao exequente a possibilidade de proceder judicialmente contra os Executados, ao abrigo do disposto no artigo 44º ex vi 77º da LULL, artigo esse que foi violado pelo tribunal « a quo » ao decidir como decidiu na sentença recorrida.
IV - Mal andou, pois, o Meritíssimo Juiz «a quo», porquanto, salvo melhor entendimento, as EXCEPÇÕES E fundamentos invocados oportunamente pelas Embargantes deveriam proceder .
 V - Nesta conformidade, o Meritíssimo Juiz « a quo », deveria ter interpretado os artigos 43º, 47º e 49º da LULL, no sentido de conferir procedência à excepção dilatória de ilegitimidade passiva;
VI- Deveria ter aplicado o disposto na alínea e) do art. 277º do CPC. declarando a inutilidade superveniente da lide e a inexigibilidade da dívida exequenda e titula inexequível ( Cfr. arts. 731º, 729º e) e a) do CPC ), porquanto, ao decidir de forma diversa, violou o disposto no nº l da art.º 88º e o art. 2I7º nº4, ambos do CIRE;
VIII - Deveria ter aplicado os arts. 75º e 76º da LULL para a invalidade da titulo cambiário e ter interpretado o art. 10º ex vi art. 77º da LULL no sentido a procedência do fundamenta do preenchimento abusiva da livrança;
IX - Deveria ter interpretado o art. 280º , nº l do CC, no sentido de considerar o aval nulo (porque indeterminável) e não como o fez, pois que, ao fazê-lo, violou o disposto no citado artigo;
X - Deveria, por fim, ter interpretado o art. 44º ex vi 77º da LULL. no sentido de ser necessário o protesto formal e prévio do título cambiária.
XII - Destarte, impunha-se uma decisão diversa da recorrida nos termos no disposto no art. 639, nºs 1 e 2 alíneas a), b) e c) do CPC.
XIII - Deve, pois, a sentença recorrida ser substituída por outra que reconheça a procedência das excepções e fundamentos invocadas pelos Executados/Apelantes, com as legais consequências, determinando-se, para além do demais legal, o levantamento das penhoras efectuadas.
Decidindo nestes termos farão V.gs Ex.cias. como sempre a acostumada JUSTIÇA.
1.4.- Dos autos, não resulta que tenha a apelada/exequente A , apresentado contra-alegações.
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Thema decidendum
1.5. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a  apreciar e a decidir são as seguintes  :
I -  Se deve a sentença apelada ser revogada, sendo substituída por decisão que, julgando os embargos procedentes, seja declarada a extinção in totum da execução, nos termos do disposto no nº 5, do artº 732º, do CPC;
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2.- Motivação de Facto.
Analisada a sentença apelada, não se descobre na mesma quais os fundamentos de facto , sendo que, não olvidando o disposto nos artºs 152º e 154º, ambos do CPC, exigível é que a sentença judicial que indefira liminarmente os embargos de executado, maxime com fundamento na alínea c), do nº1, do artº 732º, do CPC, deva também aproximar-se  da estrutura plasmada no artº 607º, do CPC, integrando no mínimo a fundamentação de facto - maxime com a identificação clara, individualizada e separada, dos factos provados - e de direito, sendo que a separação entre ambas é “ questão que percorre toda a instância processual, desde os articulados, passando pela sentença, até aos recursos”. (1)
É que, como é elementar,o DIREITO aplica-se a factos, e , é necessariamente sobre concreto acervo factual que de seguida importa determinar qual o direito aplicável ao caso em apreço.
Em rigor, portanto, é assim manifesto que não integra a decisão apelada a fundamentação de facto, o que justificava/obrigava a considerá-la nula, nos termos do artº 615º,nº1, alínea b), do CC, e caso o referido vício tivesse sido invocado, que não foi.
Seja como for, tendo em rigor o tribunal a quo efectuado em sede de sentença apelada a uma análise de mérito sem suporte factual fixado ( não discriminando devidamente os pertinentes factos provados), certo é que, como bem se nota em Ac. do TRL (2),“a ausência de decisão sobre a matéria de facto não pode deixar de se entender como a situação - limite da decisão deficiente a que alude o n.º 4 do artigo 712.º do CPC», dispositivo este último que corresponde ao actual artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC em vigor, e o qual , apenas “obriga” todavia à anulação da decisão proferida na 1ª instância quando do processo não constam todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto ( o que não é o caso ).
Na verdade,  como assim se considerou em Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra (3) , “ se a lei concede tal poder [ de anulação ] nos casos em que a decisão sobre a matéria de facto é meramente deficiente ou escassa para decisão de todos os pontos controvertidos da questão de direito, por maioria de razão também o concede quando se verifique uma total ausência da fixação da matéria de facto na sentença”.
Por último, sempre se adianta que, não se olvidando que em causa está uma decisão indeferimento liminar, e , que v.g. se motivada a mesma em fundamento subsumível às alíneas a) e b), do nº1, do artº 732º, do CPC, a questão a resolver é meramente de alegação, não havendo, por regra, necessidade de fixar qualquer matéria de facto, certo é que, estando já em causa fundamento subsumível na alínea c), do mesmo dispositivo, em rigor e por regra está-se como que perante um julgamento antecipado do mérito da causa , assim se justificando com mais acuidade a fixação da factualidade provada.
Na verdade, sendo a manifesta improcedência apenas uma espécie do género inviabilidade da contestação, caracterizada por respeitar à contestação em si e ao próprio mérito da oposição, então por oposição manifestamente improcedente deve considerar-se a oposição a que falta, ostensivamente, alguma das condições indispensáveis para que o tribunal a possa acolhê-la,  isto é, que por razão atinente ao fundo da causa, não tem -  a oposição -  patentemente, probabilidade de êxito,  em suma, quando não possa haver dúvida sobre a inexistência de factos constitutivos do fundamento alegado ou sobre a existência, relevada pelo próprio executado, de factos impeditivos ou extintivos desse mesmo fundamento [ cfr. douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (4) ]
Em razão do acabado de aduzir, suprindo a omissão da primeira instância, e para a economia da presente apelação, importa considerar como PROVADA a seguinte FACTUALIDADE:
2.1.-  O título dado à execução é uma LIVRANÇA, cuja cópia consta de fls. 72 verso, e aqui se dá por integralmente reproduzida.
2.2. - Da LIVRANÇA dada à execução consta a data de emissão de 28/9/2009, com vencimento em 28/9/2013, e a importância de 38.561,80€;
2.3. - A LIVRANÇA indicada em 2.1., subscrita por E, foi avalizada pelos executados [ através de assinaturas que apuseram no anverso do título ou parte anterior do documento ] que , e em razão da outorga - em 28/9/2009 , entre exequente/mutuante e E  - , de um contrato de EMPRÈSTIMO, de 100.000,00€ e com vencimento em 28/9/2014;
2.4. - A LIVRANÇA dada à execução foi subscrita por E, em titulação e como garantia de pagamento do capital referido em 2.3., juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos;
2.5. - A LIVRANÇA indicada em 2.1 foi subscrita por E, em BRANCO, tendo em sede de acordo de preenchimento [ inserido no contrato de EMPRÉSTIMO, identificado em 2.3. ] ficado convencionado que o exequente ficava autorizado a preenchê-la, designadamente no que se refere às datas de emissão e de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes do contrato de empréstimo referido em 2.3. , e caso se verifique o incumprimento por parte do mutuário ;
2.6.- No âmbito do acordo de preenchimento referido em 2.5., foi convencionado que podia o mutuante/exequente promover o desconto da livrança e utilizar o seu produto para cobrança dos seus créditos, caso assim o entendesse ;
2.7.- Do contrato de empréstimo referido em  2.3. ficou a constar, e assim foi pelos seus outorgantes convencionado, que :
“ O BANCO poderá resolver o contrato, mediante comunicação escrita dirigida ao mutuário, tornando-se imediatamente exigível toda a divida e proceder à execução das garantias prestadas, se v.g.:
i) O mutuário cessar pagamentos ou ser declarado insolvente, por sua iniciativa ou dos sus credores;
2.8.-  O contrato de empréstimo identificado em 2.3. e o acordo de preenchimento identificado em 2.5. foram ambos assinados pelos executados/avalistas .
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3.- Se deve a decisão apelada ser revogada, sendo substituída por decisão que, julgando os embargos procedentes, seja em consequência declarada a extinção in totum da execução, nos termos do disposto no nº 5, do artº 732º, do CPC.
Todas as questões suscitadas pelos executados nos embargos que deduziram, a saber, i) a ilegitimidade passiva, ii) a inutilidade superveniente da lide, iii) a inexigibilidade da obrigação exequenda, iv) a nulidade da livrança por preenchimento abusivo, v) a falta de interpelação dos Executados e vi) a falta de protesto da livrança, tendo sido pelo tribunal a quo, e em sede de despacho liminar, prontamente desatendidas, porque consideradas inconsistentes e de todo indefensáveis, voltam pelos executados a ser suscitadas no âmbito do objecto da apelação interposta.
Em rigor, é entendimento dos apelantes que qualquer uma das referidas questões merecia uma decisão/resolução diversa, porque pertinentes e de alguma forma todas elas ancoradas em apropriado e atendível fundamento legal.
Vejamos, de imediato, se em relação a todas as questões acima identificadas, incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento, estando o conhecimento do lado dos apelantes.
3.1. - Da ilegitimidade passiva
Nesta matéria, entendem os Apelantes que, independentemente da responsabilidade solidária dos avalistas, a sociedade subscritora da livrança permanece como sendo a principal devedora, razão porque deve a mesma ser impreterivelmente demandada na execução, o que resulta de resto de uma correcta/adequada interpretação dos artigos 43º , 47º e 48º , todos da LULL, ou seja, forçosa e inevitável é assim a procedência da excepção dilatória de ilegitimidade passiva e consequente absolvição dos Executados da instância coerciva.
Não tendo o tribunal a quo assim o entendido, para tanto discorreu - na sentença apelada - nos seguintes termos :
“ Nos termos previstos nos § 1.° e 2.° do art. 47.° da LULL ( aplicável ex vi do respectivo art. 77.°), os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas são solidariamente responsáveis para com o portador, que tem o direito de os accionar individual ou colectivamente.
 Estamos, pois, perante obrigações solidárias, geradoras de situações de litisconsórcio voluntário ( cfr. art. 32.° do NCPC ), cuja preterição não determina a ilegitimidade passiva dos demandados, como parecem pretender os embargantes, que são, assim, parte legítima.”
Ora, adiantando desde já o nosso veredicto, e em face do disposto no artº 47º da LULL, por si só, afigura-se-nos ( e salvaguardado sempre o devido respeito) ser manifesta a absoluta falta de fundamento da oposição - nesta matéria - dos apelantes, podendo de alguma forma  e inclusive considerar-se que , neste âmbito, temerário não é sequer ajuizar-se que a oposição assenta em fundamento cuja manifesta inexistência não pode/deve ser ignorada.
É que, além de resultar expressis verbis do art. 47.° da LULL, que os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador, tendo este o direito de accionar todas essas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem porque eles se obrigaram, acresce ainda que  também do artº 32 da LULL resulta que “o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, sendo que a sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma”, ou seja, sendo a responsabilidade do avalista solidária com a do avalizado - mas não subsidiária ou sequer acessória do mesmo -, é todavia tal responsabilidade própria, autónoma e independente da do avalizado, de tal modo que ela se mantém mesmo que a obrigação deste último seja considerada nula ( por motivos que nada a tenham a ver com vícios de forma).
Ou seja, tendo o portador do título de crédito o direito, que não o dever, de accionar todos os obrigados cambiários, individual ou colectivamente, é óbvio que ainda que não demande todos os co-obrigados, é manifesta a legitimidade daqueles que o forem, não existindo neste âmbito e por força da lei uma  qualquer situação de litisconsórcio necessário passivo.
Dito de uma outra forma [ cfr. v.g. José A. Engrácia Antunes (5) ],o portador do título de crédito pode accionar em juízo, à sua escolha, todos, alguns ou apenas um qualquer dos obrigados  ( sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas ), sendo que, além do mais,  não existe sequer e com propriedade uma solidariedade passiva, porque em causa não está em causa uma mesma obrigação cambiária com vários devedores, mas sim várias obrigações cambiárias autónomas de conteúdo idêntico.
Improcedem assim as conclusões recursórias atinentes à questão da  ilegitimidade passiva.
3.2. - Da Inutilidade da lide .
Insistem os apelante no sentido de que, em razão da declaração de insolvência da principal devedora, subscritora da livrança, e tendo presente o disposto no nº l do artigo 88º do CIRE [ “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência ; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes “ ], e porque a entender-se o contrário, ocorreria uma inaceitável duplicação de pedidos sob o mesmo crédito, então forçoso é que considerar que existe uma inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277° do CPC.
Ora, relativamente à questão ora em análise , discorreu - para a desconsiderar - o tribunal a quo  nos seguintes termos :
“ Desde logo, porque a declaração de insolvência terá ocorrido em data anterior à instauração da execução, pelo que a inutilidade daí decorrente seria, quanto muito, originária e não superveniente.
Depois, porque terá sido, precisamente, por entender que a instauração da execução contra a insolvente era - originariamente - inútil ou até impossível (em face do art. 88.°, n.° 1 do CIRE), que a exequente não instaurou execução contra a devedora principal.
 Finalmente, porque a declaração de insolvência da devedora principal não exonera os demais obrigados cambiários, que continuam vinculados ao pagamento da livrança exequenda, na medida das obrigações próprias que assumiram.”
Não justificando a resolução da questão ora em análise o acrescento de mais considerações, porque de todo não necessárias - tão ostensiva é a irrazoabilidade do entendimento dos apelantes , e  porque em causa estão obrigações cambiárias autónomas -  , e  ,  ademais, porque é o nº l , in fine, do artigo 88º do CIRE , claro em expressar que a declaração de insolvência, obstando é certo ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência , não obsta ao prosseguimento da  execução contra os outros executados, havendo-os , também nesta parte a improcedência da apelação se impõe.
3.3. - Da pretensa inexigibilidade da dívida exequenda.
Insistindo que o crédito exequendo não é certo, nem liquido e exigível, e porque importa do mesmo conhecer junto do processo de insolvência da principal devedora - a E -, também em razão do referido argumento impetram os apelantes a revogação da decisão apelada.
Ora, relativamente à questão da pretensa inexigibilidade da dívida exequenda ,  e fazendo nossas as considerações plasmadas da sentença apelada , também a sua improcedência é manifesta/ostensiva.
É que, como se refere na sentença apelada, a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor. No caso vertente, a livrança exequenda tem aposta uma data de vencimento, que já se verificou, sendo, portanto, exigível.
Em suma , tendo presente a factualidade assente em 2.2. e 2.3. da fundamentação de facto do presente Acórdão, não se alcança de todo como considerar que o crédito exequendo não é certo, nem líquido, nem exigível.
Ademais, e como bem se chama à atenção em Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra (6), não apenas não está o credor/cambiário obrigado a reclamar o crédito no processo de falência de uma sociedade subscritora de uma letra ou livrança (dada à execução) , como, o facto de o não ter feito, em nada belisca o seu direito de procurar obter a satisfação integral desse crédito junto das pessoas que avalizam o cumprimento da obrigação contraída por aquela, quer demandando-as individualmente, quer colectivamente, e independentemente de respeitar a ordem pela qual se obrigaram.
É que, a não reclamação do crédito no processo onde foi decretada a falência da subscritora da livrança, apenas tem como consequência para a exequente uma diminuição das possibilidades de ver satisfeito o seu crédito, tendo sido eliminado um dos ( vários )  “elos” da cadeia de garantes do mesmo.
Em suma, bem andou portanto o tribunal a quo em não atender à pretensa questão da inexigibilidade da dívida exequenda.
3.4. - Da nulidade da livrança pelo preenchimento abusivo e nulidade do aval.
Relativamente à questão ora em sindicância, outrossim pelo tribunal a quo totalmente desconsiderada, é entendimento dos apelantes que in casu existe um efectivo preenchimento abusivo do título de crédito dado à execução, sendo também inquestionável a nulidade do aval no mesmo aposta, pois que, tendo o mesmo sido prestado quando a livrança se encontrava inteiramente em branco, a obrigação cambiária é nula por indeterminabilidade, ao abrigo do disposto no art. 280º nº l da Código Civil.
Ora, também relativamente às questões ora em apreço/sindicância , é entendimento deste tribunal que a decisão apelada não justifica quaisquer reparos
Senão, vejamos.
Como ressalta do relatório do presente Ac. e, outrossim, da factualidade provada, manifesto é que o incidente de natureza declarativa e/ou oposição à execução deduzida pelos apelantes , dirige-se para processo de execução comum que lhe foi instaurado pela apelada com base em livrança que foi subscrita/sacada pela E, ou seja, a referida livrança  é, para todos os efeitos e in casu, o título executivo a que alude o artº 10º , nº5 , do CPC, vigente à data da propositura da acção coerciva ( o qual reza que “ Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva “ ).
Inquestionável é, assim, que o título executivo que suporta a execução intentada pela apelada mais não é do que um título de crédito pelo qual o emitente ( subscritor ) promete incondicionalmente o pagamento a determinada pessoa ( o tomador ), ou à ordem desta,  de uma determinada quantia em dinheiro. (7)
Por outra banda, pacífico é, também, que o pagamento do título executivo/livrança que suporta a acção executiva, foi pelos executados/ora apelantes garantido por AVAL incompleto ( ou em branco - cfr. item 2.2. ), que o mesmo é dizer, sem estar ainda completamente preenchida, o que a LULL permite/admite ( cfr. Artºs  10º  e 77º da LULL ), pois basta que nela exista a assinatura de, pelo menos um dos obrigados cambiários ( subscritor, avalista ou endossante ) e que tal assinatura tenha sido feita com a intenção de contrair uma obrigação cambiária, existindo ou podendo existir um acordo - expresso ou tácito - de preenchimento . (8)
Ou seja , ainda que lhe falte algum dos requisitos do Artº 75º da LULL,  estando portanto incompleta, se porém num título que contenha a designação – impressa e expressa - de “Livrança” é aposta - com intenção de contrair uma obrigação cambiária - uma assinatura , está dado um passo decisivo para que possa surgir uma obrigação cambiária, sendo que o título de crédito em causa apenas adquire plena eficácia/ eficiência quando, ulteriormente, for preenchido com as indicações em falta. (9)
Em suma , sendo válida, a livrança em branco apenas produzirá os seus efeitos próprios como título de crédito que incorpora um direito a uma prestação pecuniária, com seu preenchimento integral, ou seja, quando da mesma constem todos os requisitos legais essenciais constantes do artº 75º, da LULL” (10),  mas , então , os efeitos do preenchimento retroagem, em princípio, à data em que foi passada  (11).      
Isto dito, e dispondo o artº 10º, da LULL, que “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados , não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”, é óbvio que a livrança em branco deve ser completada de harmonia com os acordos realizados,  pois que , a assim não ocorrer, verifica-se então uma situação que é conhecida/chamada de preenchimento abusivo.
Por outro lado, também o artº 17º da LULL, refere que “ As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”.
Tal equivale a dizer que, entrando uma livrança em circulação,  e em razão dos princípios de literalidadeabstracção  [ o titulo de crédito é independente da “causa debendi “]  e autonomia que caracterizam as obrigações cambiárias, incorporando portanto a livrança uma obrigação abstracta que se destaca da relação subjacente que motiva a sua subscrição  (12) , apenas no domínio das relações imediatas [ ou seja, no domínio das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, isto é , nas relações nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente das convenções extracartulares ], pode o demandado invocar/opor – em sede de defesa – excepções fundadas na obrigação causal ou nas relações pessoais, maxime arguir o preenchimento abusivo.
Porque in casu, e como resulta manifesto da factualidade assente, encontra-se a livrança que sustenta a execução no domínio das relações imediatas, desde logo porque não chegou a entrar em circulação, tendo ainda a respectiva subscritora e Avalistas/oponentes outorgado o pacto de preenchimento [ cfr. item 2.8., qual celebração conjunta - trilateral - do acordo de preenchimento (13) ], é pacífico que nada obstava a que os oponentes/embargantes , no âmbito da oposição à execução, viessem  - como o vieram a fazer  - excepcionar o seu preenchimento abusivo, invocando que foi a livrança  completada pela ora apelada  contrariamente aos acordos realizados. (14)
Já no tocante à temática do ónus da prova da excepção do preenchimento abusivo , é consensual – na jurisprudência e na doutrina – o entendimento de que é ao accionado que incumbe alegar e provar , em sede de oposição à execução [ ou seja, no articulado a que aludem os artºs 728º e 731º, do CPC ] , os factos que lhe permitem comprovar o preenchimento abusivo, desde logo que interveio no pacto de preenchimento, questionando então e v.g. a obrigação exequenda, e afirmando nomeadamente a sua inexistência e/ou o seu excesso  ( cfr. art. 342º, nº 2 Código civil ), pois que, como bem se salienta em Ac. do STJ de 30/9/2010 (15) , tal alegação desempenha então “ a função de excepção no confronto com o direito que o exequente pretende fazer valer na execução, assim fazendo (…) uma oposição de mérito à execução”.
             De igual modo, também em Ac. do STJ de 28/2/2013 (16), e aderindo-se a entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação de Coimbra (17), é o nosso mais Alto Tribunal incisivo e categórico em sustentar que, pretendendo o oponente à execução invocar o preenchimento de forma abusiva de uma livrança, porque alegadamente nela aposta um montante superior ao devido , é a ele que incumbe provar os factos dos quais se extrai o abuso, e isto porque a “ inexistência da dívida titulada pela letra e o preenchimento abusivo desta são factos impeditivos do direito invocado pelo exequente, pelo que, nos termos do artº 342º, nº 2, do C. Civil, o respectivo ónus da prova compete ao executado, ou seja àquele contra quem o direito é invocado”.
              É que, podendo é certo o executado, no domínio das relações imediatas , opor factos relacionados com a relação obrigacional subjacente ou causal ( v.g. que a letra dada à execução foi abusivamente preenchida ) , incumbe-lhe porém provar os factos dos quais se extrai o abuso , ou seja, “ o valor probatório da letra terá de ser ilidido por aquele a quem se exige o cumprimento da obrigação, mostrando que essa letra, que foi assinada quando o título estava em branco, não se acha preenchida em conformidade com o ajustado entre o sacador e o aceitante“, sendo que, “a inexistência da dívida titulada pela letra e o preenchimento abusivo desta são factos impeditivos do direito invocado pelo exequente, pelo que, nos termos do artº 342º, nº 2, do C. Civil., o respectivo ónus da prova compete ao executado, ou seja àquele contra quem o direito é invocado”. (18)
              Alinhando por semelhante raciocínio, também a doutrina especializada , mais exactamente o Prof. José Lebre de Freitas (19) , considera que a violação do pacto de preenchimento, ao configurar uma falsidade material do título, retirando-lhe, na medida do que for desrespeitado, a eficácia probatória, obriga a que impenda sobre quem a invoca – no caso o Oponente - a prova desse facto impeditivo ( ilisão do valor probatório – art. 378º cit.).
Mais recentemente, também Carolina Cunha (20), explicando que o título em branco é por norma utilizado como uma prestação de garantia num contexto de relativa incerteza  , pois que o direito de crédito não se mostra ainda inteiramente definido  [ o que tudo aponta corresponder à situação dos autos ] , vem reiterar que a formulação adoptada pelo artº 10º, da LU, aponta para a atribuição ao subscritor do titulo do ónus de provar tanto a desconformidade do conteúdo inserido com a vontade por si manifestada, como a má fé ou falta grave do adquirente.
E, tal solução, acrescenta ainda Carolina Cunha (21) , explica-se deste modo : “quem voluntariamente emite uma letra incompleta suporta o risco inerente a essa actuação - o risco da inserção de um conteúdo não coincidente com a sua vontade - a menos que se verifique em particular desmerecimento na posição do portador-adquirente por a uma actuação ser passível de um juízo de censura ético-jurídica “.
Logo, conclui a mesma autora, o “ ónus da prova recai sobre o subscritor em branco, é ele quem terá de provar, desde logo, que a letra foi preenchida contrariamente à vontade por si manifestada “ . (22)                
Em face de tudo o acabado de expor, forçoso era que, logo em sede de articulado – o qual se destina à impugnação dos requisitos do título executivo e do direito substancial do exequente, em termos idênticos aos da posição assumida pelo contestante em processo comum de declaração - de oposição à execução, viessem os executados alegar  ( para os poderem provar ) factos reveladores do preenchimento abusivo da livrança em branco, v.g. factos demonstrativos de não serem devidas determinadas quantias que através do título executivo pretende a exequente cobrar-lhes coercivamente, ou factos reveladores v.g. de que algum ou alguns dos elementos ( v.g. data e lugar do saque ) essenciais do titulo foram objecto de preenchimento pela exequente em total desrespeito dos acordos alcançados/outorgados  .
Mas atenção.
Porque como vimos já, a inexistência da dívida titulada pela letra e o seu preenchimento abusivo são factos impeditivos ,  ou seja , integram matéria de excepção cujo ónus de alegação e prova incumbe ao executado/oponente ( cfr. artº 342º,nº2, do CC ) , a este não lhe basta – em sede de oposição – apenas impugnar motivadamente a existência do crédito exequendo [ alegando v.g. que o montante aposto no titulo é exagerado ou superior ao devido ], ou alegar a incorrecção e/ou desadequação das datas no mesmo apostas quanto à data de emissão e de vencimento , antes lhe incumbe  alegar [ através de factos concretos ] factualidade que, uma vez provada, permita ao Julgador concluir que , em relação aos elementos referidos, existe efectivamente um preenchimento abusivo do titulo, porque ultimado/concretizado em inobservância/desrespeito do anteriormente acordado. (23)
              É que, convém não olvidar, a oposição a uma execução não equivale ou não se assemelha a uma contestação a uma petição inicial de uma qualquer acção judicial declarativa, antes corresponde a uma impugnação que é dirigida para acção cuja causa petendi se alicerça num título executivo , ou seja, num “ documento escrito constitutivo ou certificativo de obrigações que, mercê da força probatória especial de que está munido, torna dispensável o processo declaratório para certificar a existência do direito do portador e a que é conferida força executiva, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva (art. 703.º, n.º 1, do CPC) “ .  (24)
                 Em síntese, incumbindo ao exequente – no articulado de contestação à oposição - a prova do contrato de preenchimento da letra em branco - , é  já sobre o executado que incide o ónus de alegação e prova – através de factos concretos constitutivos da excepção (25) - da excepção de direito material do preenchimento abusivo, como facto impeditivo ou extintivo do direito da exequente.
   Aqui chegados, e incidindo finalmente sobre o concreto ( maxime em sede de alegação ) , tudo aponta para que a exequente/apelada , invocando como título executivo uma livrança que pelos executados/oponentes foi avalizada em branco , logrou alegar e provar o que lhe competia, ou seja, que com base em  Contrato de Preenchimento de Título Cambiário identificado em 2.5. , estava autorizada a preenchê-lo/completá-lo, designadamente no que se refere às datas de emissão e de vencimento, ao local de pagamento e aos valores , até ao limite das responsabilidades emergentes do contrato de empréstimo referido em 2.3. , e caso se verificasse o incumprimento por parte do mutuário.
Ou seja, com fundamento no Contrato de Preenchimento de Título Cambiário identificado em 2.5., assistia portanto à exequente, e tendo por objecto as obrigações pelos demais obrigados cambiários assumidas no Contrato identificado em 2.3. ( contrato de EMPRÉSTIMO ), preencher a livrança em branco no tocante à data da sua emissão e de vencimento, ao local de pagamento e aos valores devidos.
Tendo a apelada, prima facie, cumprido o que lhe era exigível, o certo é que e ao invés, já os apelantes, tudo indica que ficaram muito aquém do que lhes era exigido,  e , desde logo, em sede de alegação, pois que, como bem se chama à atenção da decisão apelada, limitam-se a alegar, de forma conclusiva e com recurso a conceitos vagos e indeterminados, que a livrança padece de "vícios insanáveis", que o exequente a preencheu de forma "leviana, precipitada e aleatória", "abusiva e arbitrária", "falsa, de infidelidade evidente'', e que a autorização de preenchimento foi "manifestamente extravasada" e "atropelou e corrompeu os mais elementares princípios da boa-fé contratual" .
No essencial, portanto, quedaram-se os executados/apelantes pela mera impugnação motivada, que não pela alegação de factualidade capaz de, uma vez provada, conduzir à prova de facto impeditivo/extintivo do direito da apelada.
É que, pressupondo um preenchimento abusivo a demonstração, através de factos, de uma desconformidade entre o acordado entre o credor e o avalizado e/ou avalista, e o conteúdo inserido no titulo,  é vero que uma mera impugnação motivada mostra-se de todo incapaz  para o referido efeito.
De resto, e no que à data de emissão do titulo concerne [ o de 28/9/2009  ], porque coincidente com a data do contrato de EMPRÉSTIMO [ também outorgado em 28/9/2009  ], é caso para dizer que, pelo menos em termos tácitos é de admitir que existia o acordo das partes no sentido de que  nada obstava a que coincidisse a mesma com a data em que o título é entregue ao Banco embargado como garantia do contrato de empréstimo (26),  e  , ademais, como se refere na sentença recorrida,  e em face do silêncio das partes quanto à concreta data de emissão a inscrever, sempre a melhor solução é de fazer coincidir essa data com a data em que o título foi subscrito.
Por fim, resta conhecer da invocada NULIDADE da obrigação cambiária, ao abrigo do disposto no art. 280º nº l da Código Civil, e com o fundamento de que o AVAL é prestado ainda quando a livrança se encontrava inteiramente em branco.
Ora, também neste conspecto nenhum reparo se justifica dirigir à sentença recorrida, e isto porque, como bem explica Carolina Cunha (27) , há muito que a jurisprudência repõe a questão nos seus devidos termos, ou seja, não é verdade que o negócio cambiário enferme de tal nulidade na medida em que a obrigação ( melhor, a vinculação embrionariamente assumida através da assinatura ) se possa dizer determinável nos termos do pacto de preenchimento, o que geralmente sucede, pois que, a determinabilidade advém do facto de se conhecer, ab initio qual o montante da dívida garantida ( o valor global do mútuo, bem como dos juros e penas contratuais aplicáveis) e de se saber que o subscritor em branco responderá pela parte dela que, á data do incumprimento do contrato fundamental, estiver em dívida.
É que, e em rigor, o que o artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil , considera nulo , é o negócio cujo objecto seja indeterminável, não impedindo já a que seja o mesmo , ainda que indeterminado, porém apenas determinável,  isto é, podendo desconhecer-se, num momento anterior, qual o seu teor, ainda assim existe um critério [ maxime os termos do acordo/pacto de preenchimento ] para proceder à determinação” - Cfr. MENEZES CORDEIRO (28).
Consequentemente, existindo in casu um pacto de preenchimento outorgado, e no qual de resto participaram os embargantes/avalistas, o negócio cambiário integra um objecto que é determinável , logo, cai por terra  o entendimento recursório atinente à nulidade do aval .
3.5. - Da falta de interpelação e falta de protesto
Por último, questionam os recorrentes o acerto da decisão apelada relativamente às invocadas a falta de interpelação e de protesto, questões  que, respectivamente, acarretam , quer o preenchimento abusivo da livrança, quer  a impossibilidade de a embargada/apelada poder accionar judicialmente os executados.
Ambas as questões ora em sindicância foram pelo tribunal a quo, recorda-se, também desatendidas, a primeira, com o fundamento de que nas obrigações cambiárias incorporadas em livranças, o devedor entra em mora se não efectuar o pagamento até à data fixa que no título tiver sido aposta , ou seja, nas livranças pagáveis em data fixa, o vencimento opera-se nessa data, não carecendo de haver interpelação,  e  , a segunda, com base no entendimento uniforme da jurisprudência no sentido de que, atendendo a que o avalista responde da mesma maneira que a pessoa por si afiançada, não existe a obrigatoriedade legal imposta ao portador do título de lavrar previamente protesto, com vista a poder exercer os seus direitos contra aquele [ cfr. artºs 32º,I e 53º, I , ambos da LULL ] .
Porque subscrevemos, sem reservas, ambos os acima aludidos entendimentos, de resto aqueles que vêm merecendo a concordância da maioria [ ainda que contrariada v.g. por Paulo Sendin e Evaristo Mendes (29) , e Carolina Cunha (30) ] da doutrina de “renome” e com mais autoridade (31) , e , bem assim, da quase uniformidade da jurisprudência das instâncias e do Supremo Tribunal de Justiça (32), também as duas últimas questões recursórias devem improceder.
De resto, e não se olvidando que a questão da necessidade da interpelação tem sido objecto de decisões diversas maxime da 2ª instância, é nossa convicção que a  posição -  e que subscreve o entendimento da desnecessidade da interpelação -  que tem vindo a ser sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, praticamente de forma uniforme, é aquela que melhor atende à natureza do aval como uma efectiva garantia autónoma (não é uma fiança), qual verdadeiro negócio cambiário, dândi origem a uma obrigação autónoma, e nos termos do qual o respectivo dador não se limita a responsabilizar-se pela pessoa por quem dá o aval, antes assume a responsabilidade do pagamento da letra [ ou seja, o aval é uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular ] .
É assim que, não há muito tempo, e em douto Acórdão de 25-05-2017 (33), veio o STJ a sublinhar/defender/concluir  que :
“(…)
III- O aval é o acto pelo qual uma pessoa estranha ao título cambiário, ou mesmo um signatário (art. 30.º da LULL), garante por algum dos co-obrigados no título, o pagamento da obrigação pecuniária que este incorpora. O aval é uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular.
IV - Intervindo no pacto de preenchimento e estando o título no domínio das relações imediatas, o executado/embargante/avalista pode opor ao exequente/embargado a violação desse pacto de preenchimento.
V - No caso, o avalista pode opor ao credor exequente as excepções no que concerne ao preenchimento abusivo da livrança, mas, antes de o portador do título o completar, não é condição de exequibilidade do mesmo, que o credor/exequente informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular, de que o primeiro não foi parte.
VI - A lei cambiária não impõe ao portador do título que antes de accionar o avalista do subscritor lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que o próprio autorizou.
VII - A certeza, a liquidez e a exigibilidade da dívida incorporada no título cambiário, em relação ao qual foi acertado pacto de preenchimento, nos termos do art. 10.º da LULL, alcança-se após o preenchimento e completude do título que, assim, se mostra revestido de força executiva”.
Em suma, decaindo os apelantes em todas as conclusões recursórias, a apelação merece improceder in totum.
                                                           ***
4 -  Concluindo ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
4.1.- Sendo a execução instaurada pelo beneficiário de livrança  subscrita e avalizada em branco, e tendo o avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento, tal como o seu subscritor,  é-lhe permitido opor ao beneficiário a excepção material de preenchimento abusivo do título, cabendo-lhe, porém, o ónus da prova dos factos constitutivos da referida excepção.
4.2  - Para efeitos do referido em 4.1., e porque de excepção material de preenchimento abusivo do título se trata, carece o executado oponente, no seu articulado, de alegar factos concretos - constitutivos - susceptíveis de integrar a excepção de direito material invocada - a do preenchimento abusivo.
4.3. - A lei cambiária não impõe ao portador do título que , previamente ao accionamento do avalista do subscritor, lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que o próprio autorizou, não exigindo de todo e como condição de exigibilidade da obrigação de garantia do avalista de letra emitida em branco, a prévia interpelação deste último.
                                                           *
5.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de LISBOA, em , não concedendo provimento à apelação interposta por B  e outros ;
5.1. - Confirmar a sentença da primeira instância e que indeferiu liminarmente os embargos de executado deduzidos pelos ora apelantes.
                                                           *
Custas pelos executados/apelantes .
                                                         ***
(1) Cfr. Abrantes Geraldes, em texto-base de intervenção nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de Janeiro de 2014, e acessível em sítio da internet.
(2)  Cfr. Acórdão de 21/5/2009, Proc. nº 6425/2008-6, e in www.dgsi.pt
(3) Cfr. Acórdão de 19/2/2013, Proc. nº 618/12.9TBTNV.C1, e in www.dgsi.pt
(4) Cfr. Acórdão de 05-03-2013, Proc. nº 295/04.0TBOFR-C.C1, e in www.dgsi.pt.
(5) In Os Títulos de Crédito, uma introdução, 2ª Edição, pág. 100 e segs..
(6) Acórdão de 08-07-2008, Proc. nº 729/06.0TBILH-A.C1 e in www.dgsi.pt .
(7) Cfr. José A. Engrácia Antunes, in Os Títulos de Crédito, uma introdução, 2ª Edição, pág. 109
(8) Cfr. José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 65.
(9) Cfr. Vaz Serra ,in  BMJ 61º, pág. 264, e Abel Pereira Delgado, in Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, Anotada, 4.ª Edição, 1980, págs. 61 e segs. .
(10) Cfr. José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 68.
(11) Cfr. José Oliveira Ascenção, in Direito Comercial, Lisboa,1992, Vol. III, 117.
(12)  Cfr. Abel Pereira Delgado, ibidem, pág. 95.
(13) Cfr. Carolina Cunha, in Manual de Letras e Livranças, 2016, Almedina, págs. 189.
(14) Cfr. Acórdão do STJ de 19-06-2007, Proc. nº 07A1811, e de 14-12-2006, Proc. nº 06A2589, sendo Relator de qualquer um deles SEBASTIÃO PÓVOAS, e in www.dgsi.pt
(15)  In Proc. nº 2616/07.5TVPRT-A.P1.S1, sendo Relator ALBERTO SOBRINHO, e in www.dgsi.pt.
(16)  Proc. nº 981/09.9 TBPTM-B.E2.S1 e in  www.dgsi.pt.
(17) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21-03-2006, Proc. nº 395/06, e in www.dgsi.pt.
(18)  Cfr. Ac. referido na nota que antecede.
(19)  In “A Falsidade no Direito Probatório”, págs. 132/133.
(20) In “Manual de Letras e Livranças, 2016, Almedina, págs. 165 e segs..
(21)  Ibidem, pág. 179.
(22)  Ibidem, pág. 180 e 186.
(23) Cfr. Acórdão do STJ de 24/10/2006, Proc. nº 06A2470, sendo Relator NUNO CAMEIRA, e in www.dgsi.pt.
(24) Cfr. Acórdão do STJ de 24/11/2016, Proc. nº 2222/10.7TBGDM-C.P1.S1, sendo Relator ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA , e in www.dgsi.pt
(25) Cfr. Acórdão do STJ de 23/9/2010, Proc. nº 4688-B/2000.L1.S1, sendo Relator LOPES DO REGO, e Acórdão do STJ de 17/4/2008, Proc. nº 08A727, sendo Relator SILVA SALAZAR, ambos in www.dgsi.ptb.
(26) Cfr. Acórdão do STJ de 4-05-2004, Proc. nº 04A1044, sendo Relator AZEVEDO RAMOS, e in www.dgsi.pt.
(27) In “Manual de Letras e Livranças, 2016, Almedina, págs. 195 e segs..
(28) In Impugnação Pauliana-Fiança de Conteúdo Indeterminável, CJ, Ano XVII, Tomo III, pág. 61, por sua vez citado em Ac. do STJ de  02-12-2008, Proc. nº 08A3600, sendo Relator PAULO SÁ, e in www.dgsi.pt.
(29) In A Natureza do Aval e a Questão da Necessidade ou Não De Protesto Para Accionar o Avalista Do Aceitante, Almedina, 1991, pág.s 61 e segs. .
(30) In Manual de Letras e Livranças, 2016, Almedina, págs. 163.
(31) Cfr. v.g. Abel Pereira Delgado, in LULL, ANOTADA, 4.ª ed., pág. 161, Prof. Fernando Olavo,in 4 ROA, pág.s 190 e segs. , Prof. J.G. Pinto Coelho, in Lições de Direito Comercial, 2º Vol., Fasc. V , As Letras, Lisboa, 1965, págs. 18 e segs.. e Prof. Ferrer Correia, in Lições de Direito Comercial , Vol. III, Letra de câmbio, Coimbra, 1975, págs. 211 e segs..
(32) Cfr. v.g. , de entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-03-2010, Proc. 82/09.0TBNLS.C1 ; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-09-2010, Proc. 2093/04.2TBSTB-A.L1-1 ; Acórdão do STJ de 30.09.2003, Proc. nº 03A2113, sendo Relator MOREIRA ALVES; Acórdão do STJ de 9.09.2008, Proc. nº 08A1999, sendo Relator AZEVEDO RAMOS; Acórdão do STJ de 23-04-2009, Procº nº 08B3905, sendo Relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e Acórdão do STJ de 10.09.2009, Procº nº 380/09.2YFLSB, Relatado por Lopes do Rego  e Acórdão do STJ de 29.10.2009, Procº nº 2366/07.2TBBRR-A.S1, Relatado por SANTOS BERNARDINO , e todos eles disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj.
(33) Proferido no Proc. nº 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1, sendo Relator FONSECA RAMOS e disponível in http://www.dgsi.pt/jstj
                                                           ***
LISBOA, 15.03.2018
              
António Manuel Fernandes dos Santos  ( O Relator)

Eduardo Petersen Silva ( 2º Adjunto)

Cristina Isabel dos Santos Neves ( 2ª Adjunta