Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1510/14.8TMLSB-A.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: DÍVIDAS ENTRE CÔNJUGES
DIVÓRCIO
INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
PASSIVO
PARTILHA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - As dívidas dos cônjuges entre si não devem ser relacionadas no inventário para partilha dos bens do casal subsequente ao divórcio.
II - Mas esse passivo tem de ser considerado no momento da partilha.
III - Por isso, justifica-se a suspensão da instância no inventário após a realização a conferência de interessados, até que seja proferida decisão transitada em julgado nos autos de prestação de contas que correm por apenso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
Nos autos de inventário para partilha de bens subsequente ao divórcio em que são interessados J… e M…, instaurados por esta em 16/06/1993, foi realizada conferência de interessados em 23/03/2018 em que houve adjudicação e licitação de verbas, constando da acta:
«Questionados sobre a existência de outros créditos de compensação para objecto além dos que são objecto da acção de prestação de contas pendente, ambos os interessados reconheceram que a questão dos créditos de compensação que lhe são devidos já está a ser dirimida no âmbito da ação de prestação de contas pendente, devendo, por assim ser, a decisão que resultar da mesma reflectir-se na partilha a realizar no âmbito dos presentes autos.
De seguida, pela Mma Juiz, foi proferido o seguinte
Despacho
Confere-se aos interessados os prazo de 10 (dez) dias, considerada a prejudicialidade de tal questão, pendente de decisão no apenso de prestação de contas, para se pronunciarem a respeito da suspensão da instância, a esta altura, como fundamento nos termos do artigo 272º do Código de Processo Civil.».
*
O interessado J… requereu o prosseguimento dos autos com elaboração do mapa de partilha e termos subsequentes.
A interessada M….requereu a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão final nos autos de prestação de contas.
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Em 22/11/2019 foi proferido o seguinte despacho:
«Porque o crédito reconhecido à requerente dos autos de prestação de contas deve ser considerado na forma à partilha de molde a que a respetiva compensação opere na meação do ex-cônjuge, declara-se suspensa a instância até que seja proferida decisão transitada em julgado nos autos de prestação de contas, apenso D) - cfr. artigos 269º, nº 1, alínea c), e 272º, nº 1, do Código de Processo Civil.».
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Inconformado, apelou o interessado J…, terminando a alegação com estas conclusões:
A) O art. 272º nº 1 do CPC tem o seu accionamento condicionado à existência de uma questão numa causa que se mostra essencial para a decisão da segunda, algo que não ocorre no caso vertente.
B) Sendo que, para mais, a questão de compensação entre cônjuges é colateral ao inventário, nunca sendo prejudicial ou determinando a sua sustação.
C) E mesmo que assim se não considere, o estado dos autos (em fase de elaboração do mapa de partilha) faz chamar à colação o nº 2 do art. 272º do CPC.
D) A decisão recorrida viola, salvo melhor opinião, os comandos legais assinalados nas presentes conclusões de recurso.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida.
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A interessada M…. contra-alegou, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é:
- se inexiste fundamento legal para a suspensão da instância
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III - Fundamentação
Para sustentar a sua discordância alega o apelante:
«Em primeiro lugar, se o crédito por compensação deve ou não se relacionado na partilha subsequente a divórcio é matéria que não colhe absoluta unanimidade (ainda que Cristina M. Araújo Dias, Do regime da responsabilidade por dívidas dos cônjuges. Problemas, críticas e sugestões, Coimbra Editora, 2009, págs. 929/930, nota 1592 se pronuncie favoravelmente, já, em posição claramente contraria se manifesta Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. III, 4ª ed., Almedina, 1991, pág. 392).».
Vejamos então o que, na parte que ora interessa, escreveu Lopes Cardoso em “Partilhas Judiciais” (teoria e Prática), Vol III, Livraria Almedina Coimbra, 1980, pág. 391/392/393:
«564. A relacionação do passivo
Ao cabeça-de-casal competirá também relacionar o passivo.
Mas que passivo?
(…)
E as dívidas dos cônjuges entre si?
Como é sabido, no decurso da sociedade conjugal algumas vezes os cônjuges se tornam reciprocamente devedores entre si e tal situação verifica-se sempre que por bens próprios de um deles se dá pagamento, total ou parcial a dívidas da exclusiva responsabilidade do outro, ou quando, tratando-se de dívida da responsabilidade solidária de ambos, um dos cônjuges satisfez voluntariamente maior quantia que o outro (Cód. Civ., art. 1695º -1).
De igual modo, surgirá crédito de um sobre o outro nas hipóteses previstas nos arts. 1682º-4 e 1681 da lei substantiva.
Nos casos considerados, pendente o matrimónio persiste a inexigibilidade dos créditos, passando estes a ser exigíveis tão somente após a sua dissolução ou, melhor dizendo, na subsequente partilha, a não ser que vigores o regime de separação.
A execução desta disciplina não impõe que na partilha se dê pagamento ao cônjuge credor do que o outro cônjuge lhe está devendo; estes créditos não respeitam ao património comum mas ao património individual do cônjuge credor, constituindo, em contrapartida, elemento negativo do cônjuge devedor. Assim, não deverão ser objecto de relacionação, isto mau grado deverem ser considerados no momento da partilha para serem satisfeitos na conformidade do disposto no art. 1689º-3 do Código Civil.
Adiante se dirá como o pagamento de faz, por força de que bens e em que momento; aqui só importa referir a respectiva relacionação.
564. Ritologia
(…)
 Particularmente no que respeita ao passivo relacionado, é seguro que à conferência de interessados, então constituída apenas por os cônjuges ou por o sobrevivo (…) compete deliberar sobre a sua aprovação e forma do seu pagamento.
Quer quanto a esse passivo, quer quanto ao particular de um dos cônjuges ou do que reciprocamente exista entre eles, a lei civil disciplina a responsabilidade dos bens do casado por o respectivo pagamento, do mesmo passo que determina os bens que por este respondem. Assim:
a) pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges (…);
b) pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges (…);
c) pelas dívidas dos cônjuges entre si respondem os bens que constituem a meação do cônjuge devedor no património comum; mas não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor (art. 1689º nº 3).».
No caso concreto não está em causa uma questão sobre relacionação de bens. Portanto, é óbvio que a referência doutrinária feita pelo apelante não tem pertinência.
Relevante é sim, a parte em que Lopes Cardoso indica como se faz o pagamento e em que momento, das dívidas dos cônjuges entre si.
Assim, e concordando com este autor, tal passivo não é relacionado mas tem de ser considerado no momento da partilha. Por isso, bem andou a 1ª instância ao ordenar a suspensão da instância até que seja proferida decisão transitada em julgado no apenso de prestação de contas, ao abrigo do disposto no art. 272º nº 1 do Código de Processo Civil.
*
IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 07 de Maio de 2020
Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos
Ana de Azeredo Coelho