Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12886/20.8T8LSB.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: CESSAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NÃO ENTREGA DO LOCADO
INDEMNIZAÇÃO DEVIDA
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - O artº 1045º do CC prevê a indemnização devida pela não entrega do locado aquando da cessação do contrato de arrendamento. É uma indemnização cujo valor se encontra legalmente fixado, correspondendo ao valor das rendas, em singelo, no caso de não ocorrer mora (nº 1), e em dobro, no caso de mora do arrendatário (nº 2).

- O atraso na entrega da coisa locada constitui manifestação de incumprimento do contrato de arrendamento, nos termos dos artigos 762.º e 798.º e ss. do CC, revestindo a indemnização prevista no artº 1045º do CC natureza contratual, pelo que a prescrição está sujeita ao prazo ordinário, de 20 anos (artº 309º do CC).



Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


C intentou ação declarativa de condenação contra E…, pedindo a condenação do Réu no pagamento à A. do montante de € 2.103.776,56, acrescido dos juros de mora vincendos, contabilizados à taxa supletiva legal aplicável aos créditos das empresas comerciais sobre o montante da dívida de capital (€ 1.209.562,16), desde a data da apresentação da ação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que celebrou com o R. um contrato de arrendamento tendo por objeto o prédio urbano sito na Rua M., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo X, por um prazo de dez anos, com início de vigência a 01 de junho de 2000, renovável por períodos de três anos. Através de comunicação escrita datada de 26 de setembro de 2008 e recebida pela A. em 29 de setembro de 2008, o R. denunciou o Contrato com uma antecedência de 120 dias relativamente à data de termo pretendida, tendo assim feito cessar os efeitos do Contrato a 31 de janeiro de 2009. O R. continuou a ocupar o imóvel até ao dia 31 de maio de 2010, data em que procedeu à sua devolução à A.. À data da cessação do Contrato o valor atualizado da renda acordada entre as Partes nos termos do mesmo ascendia a € 53.698,00. O R. pagou à A., entre janeiro de 2009 e dezembro de 2009, o valor total global de € 508.773,84, o qual corresponde à soma do valor (em singelo) de cerca de 9 (nove) rendas. Desde então, a A. tem vindo a diligenciar junto do R. para que este lhe pague, pelo menos, o valor de € 350.394,16, correspondente à soma do valor (em singelo) das rendas que se venceriam de fevereiro de 2009 (mês seguinte ao mês em que se verificou a cessação do Contrato) a maio de 2010 (data em que o R. procedeu à devolução do Imóvel à A.), no valor global de € 859.168,001, deduzido do valor recebido no montante de € 508.773,84. O R. recusou o pagamento solicitado, com o argumento de que “o montante reclamado se refere a um período em que havia já sido denunciado o contrato de arrendamento respeitante ao espaço em questão, pelo que inexiste suporte contratual para proceder ao pagamento”. O R. estava obrigado a restituir o imóvel à A. a 1 de fevereiro de 2009, dia imediatamente seguinte à data em que se verificou a cessação do Contrato. Não tendo restituído o imóvel à A. na referida data, o R. constitui-se em mora no cumprimento da obrigação de restituição o Imóvel, nos termos e para os efeitos do artigo 805º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, desde o dia 1 de fevereiro de 2009 até ao dia 31 de maio de 2010, data em que procedeu à sua devolução à A. O R. é, pois, devedor à A., a título de indemnização nos termos do artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil, do montante correspondente ao valor do dobro das rendas que se venceriam de fevereiro de 2009 a maio de 2010.

O R. apresentou contestação por exceção e por impugnação.

Arguiu a exceção de prescrição, nos termos do disposto no artº 310º, al. b) e d) do CC, uma vez que o pretenso crédito respeita a rendas entre 1 de fevereiro de 2009 e 31 de maio de 2010 e respetivos juros de mora, a ação foi instaurada em 22/06/2020 e o R. foi citado em 02/07/2020, não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão do prazo prescricional de 5 anos. No mais, alegou que de dezembro de 2009 a abril de 2010, deixou de efetuar o pagamento das rendas referentes aos meses de janeiro de 2010 a maio de 2010 e desenvolveu esforços no sentido de entregar as chaves do imóvel locado à proprietária e esta sempre se escusou a recebê-las. A A. colocou o R. numa situação de impossibilidade de cumprimento da obrigação de entrega do locado e fez a A. incorrer em mora. As rendas do ano de 2009 foram pagas pelo R., como se admite na p.i..

Conclui pela procedência da exceção de prescrição e sua absolvição do pedido e pela improcedência da ação.

A A., notificada para responder à exceção, silenciou.

Com dispensa de realização de audiência prévia foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a ação, por via da procedência da exceção de prescrição e, consequentemente, absolveu o R. do pedido e condenou a A. nas custas.

*

A A. interpôs recurso desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1.- Na douta Sentença sob recurso, entendeu o Tribunal a quo julgar improcedente a presente ação, em virtude da procedência da exceção de prescrição e, consequentemente, absolver o Réu do pedido.
2.- É firme entendimento da Recorrente que a Sentença sob recurso, para além de se revelar contraditória nos seus termos, assenta numa incorreta interpretação da causa de pedir e do pedido efetuado pela Autora na Petição Inicial e, consequentemente, numa incorreta aplicação do direito aos factos alegados. Em suma, constata-se:
3.- Que a Sentença sob recurso tem como objeto, única e exclusivamente, a apreciação e decisão da procedência da exceção de prescrição invocada pelo Réu, mas dá como provados factos que (a) não foram objeto de prova nos autos, (b) não foram alegados pelo Réu para fundamentação da exceção invocada e (c) não relevam para a apreciação da referida exceção.
4.- A verificação de uma contradição na identificação / incorreta interpretação da causa de pedir e do pedido subjacente aos presentes autos, esclarecendo-se, quanto a este último e como resulta com absoluta clareza da Petição Inicial, que o mesmo corresponde à condenação no pagamento, pelo Réu à Autora, de um determinado montante a título de indemnização pelo atraso do Réu na restituição do Imóvel (e não a título de rendas).
5.- A verificação de uma incorreta aplicação do direito aos factos alegados.
6.- No que concerne aos factos dados como provados na Sentença sob recurso, cumpre referir que todos os factos dados como provados, com exceção do facto n.º 11, segunda parte e do facto n.º 12 resultam quer da Petição Inicial, quer da Contestação, pelo que, estando ambas as Partes de acordo relativamente aos mesmos, não merecem qualquer censura.
7.- O facto n.º 11, segunda parte e o facto n.º 12 consubstanciam factos que foram apenas alegados pelo Réu na sua Contestação, não tendo este logrado fazer qualquer prova dos mesmos.
8.- Não tendo tais factos sido objeto de prova, não poderiam ter sido dados como provados na Sentença sob recurso.
9.- E nem se diga que o facto de a Autora não ter respondido à exceção invocada pelo Réu na Contestação teve como efeito a confissão dos referidos factos.
10.- Mesmo que se considere que tal ausência de resposta é suscetível de consubstanciar uma confissão, a mesma teria sempre apenas por objeto os factos alegados para fundamentação da verificação da exceção invocada.
11.- Uma leitura atenta dos artigos 1.º a 15.º da Contestação, através dos quais o Réu efetuou a sua defesa por exceção, permite concluir que:
12.- No artigo 1.º, o Réu procedeu apenas à correta identificação do pedido efetuado pela Autora na Petição Inicial.
13.- Os únicos factos alegados pelo Réu para fundamentar a verificação da exceção invocada foram-no no artigo 13.º da Contestação, correspondendo a datas processuais, pelo que nada havia a dizer pela Autora acerca das mesmas.
14.- Todos os demais artigos contêm matéria de direito e/ou conclusões, insuscetíveis de confissão.
15.- Pelo que não se poderia de forma alguma concluir que a Autora confessou os factos em referência (facto n.º 11, segunda parte e facto n.º 12 da Contestação).
16.- A acrescer ao facto de não terem sido objeto de prova nem de confissão, cumpre ainda referir que, contrariamente ao alegado na Sentença sob recurso, tais factos não têm qualquer interesse para a decisão da exceção invocada pelo Réu (pelo que certamente o Réu não os invocou para esse efeito).
17.- Razão pela qual, tendo a Sentença sob recurso como único objeto a apreciação e decisão de tal exceção, também por esta razão não poderiam os factos em referência ter sido dados como provados.
18.- Refira-se ainda que, tendo uma eventual confissão apenas por objeto os factos alegados para fundamentação da verificação da exceção invocada e nunca, como é evidente, qualificações jurídicas/matéria de direito, também nunca se poderia concluir que, pelo facto de não ter respondido à exceção invocada pelo Réu, a Autora confessou a verificação de tal exceção no caso concreto.
19.- Em face do exposto, dúvidas não poderão subsistir de que os factos n.º 11, segunda parte e n.º 12 da Contestação não poderiam ter sido dados como provados na Sentença sob recurso, pelo que deverão estes concretos pontos da matéria de facto ser corrigidos em conformidade, eliminando-os da matéria de facto dada como provada.
20.- No Requerimento Inicial que deu origem aos presentes autos, a Autora peticionou, única e exclusivamente, a condenação do Réu no pagamento do montante correspondente ao valor do dobro das rendas que se venceriam de fevereiro de 2009 a maio de 2010 [deduzido do valor pago pelo Réu à Autora no período compreendido entre janeiro de 2009 e dezembro de 2009], a título de indemnização pelo atraso na restituição do Imóvel, nos termos e para os efeito do disposto no artigo 1045.º, n.º 2 do Código Civil (“CC”), acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos (cfr. artigos 20.º a 25.º da Petição Inicial).
21.- Tal pedido é inclusivamente identificado, de forma clara, pelo Réu na sua Contestação, na qual, pese embora a argumentação jurídica utilizada pelo Réu para fundamentar a verificação, no caso concreto, da exceção de prescrição tente reduzir, de forma confusa e incoerente, o pedido da Autora a um mero pedido de pagamento de rendas – o que bem se compreende, uma vez que só assim poderia invocar a pretendida exceção de prescrição –, o Réu acaba mais do que uma vez por admitir que o peticionado pela Autora corresponde efetivamente a uma indemnização (cfr. artigos 1.º, 37.º, 49.º e 50.º da Contestação).
22.- Todavia, na douta Sentença sob recurso, ao seguir de perto a narrativa e a argumentação veiculadas pelo Réu, a Meritíssima Juiz a quo incorre precisamente no mesmo raciocínio deturpado em que este incorreu, demonstrando tanto uma incorreta interpretação do pedido efetuado pela Autora (e, eventualmente até, do conteúdo da norma constante do artigo 1045.º, n.º 2 do CC), como uma contradição na respetiva identificação.
23.- Por um lado, a Meritíssima Juiz a quo admite que o pedido efetuado pela Autora corresponde a uma indemnização. Todavia, por outro lado, para justificar a procedência da exceção de prescrição, reduz, de forma igualmente confusa e incoerente, o pedido da Autora a um mero pedido de pagamento de rendas.
24.- Em face do exposto, dúvidas não poderão subsistir de que o pedido efetuado pela Autora na Petição Inicial corresponde, única e exclusivamente, ao pagamento, pelo Réu, de uma indemnização pelo atraso na restituição do Imóvel, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1045.º, n.º 2 do Código Civil, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos.
25.- E, consequentemente, de que a Meritíssima Juiz a quo não compreendeu corretamente o pedido efetuado pela Autora na Petição Inicial (e até, eventualmente, o conteúdo da norma constante do artigo 1045.º, n.º 2 do CC), tendo incorrido em manifestas contradições na identificação do mesmo ao longo da Sentença sob recurso.
26.- Aqui chegados, torna-se claro e evidente não poder senão concluir-se que, não correspondendo o pedido objeto dos presentes autos ao pagamento de rendas pelo Réu, mas sim de uma indemnização, a fundamentação deduzida pela Meritíssima Juiz a quo para fundamentar a sua decisão de verificação, no caso concreto, da exceção de prescrição não pode proceder, na medida em que consubstancia uma incorreta aplicação do direito aos factos sub judice.
27.- A norma legal ao abrigo da qual é decretada a procedência da referida exceção – o artigo 310.º, alínea b) do CC – dispõe que “prescrevem no prazo de cinco anos: (…) b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez; (…)”.
28.- Por outro lado, não existe qualquer dúvida, quer na Doutrina, quer na Jurisprudência, de que as normas contidas no artigo 1045.º do Código Civil se reportam efetivamente a uma indemnização, de natureza contratual. É, aliás, o que resulta indubitavelmente da respetiva redação.
29.- Tendo em conta, por um lado, que o artigo 310.º, alínea b) do CC se aplica, única e exclusivamente, a rendas e alugueres e, por outro lado, que, conforme já demonstrado à saciedade supra, o pedido objeto dos presentes autos corresponde a uma indemnização pelo atraso na restituição do Imóvel (e não a rendas ou alugueres), mostra-se claro e evidente que, contrariamente ao sustentado na Sentença sob recurso, tal preceito legal não tem qualquer aplicação ao caso concreto, porquanto o mesmo não se subsume no respetivo âmbito de aplicação.
30.- Tratando-se o pedido objeto dos presentes autos de uma indemnização de natureza contratual, tem aplicação ao mesmo, no que concerne à respetiva prescrição, o artigo 309.º do CC, o qual prevê um prazo de prescrição de 20 anos, prazo este que não se encontra decorrido no caso concreto.
31.- Em face do exposto, dúvidas não poderão subsistir de que o artigo 310.º, alínea b) do CC não tem aplicação ao caso concreto, porquanto o pedido objeto dos presentes autos não corresponde a rendas ou alugueres, razão pela qual não poderia ter sido considerada procedente a exceção perentória de prescrição invocada pelo Réu.
32.- Termos em que se conclui que andou mal o Tribunal a quo ao julgar improcedente a presente ação e absolver o Réu do pedido, em virtude da procedência da exceção de prescrição, pelo que deverá ser dado provimento ao presente Recurso e, consequentemente, ser revogada por este Venerando Tribunal a Sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por Acórdão que (i) declare a improcedência da exceção de prescrição e (ii) ordene que os presentes autos prossigam os seus normais trâmites até final.”

O apelado apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
A – Prescritas as rendas, nos termos do artg. 310º, alínea b) do Cód. Civil, que a Autora alega serem devidas, a peticionada indemnização e juros não são exigíveis, porquanto estão igualmente prescritos.
B – A factualidade dada como provada na 2ª parte do artg. 11º e no artg. 12º da fundamentação da sentença entronca na exceção deduzida pelo Réu,
C – Não relevando, todavia, uma vez que o direito às rendas e à peticionada indemnização estão prescritos.
D – A sentença que julgou procedente a exceção de prescrição não é contraditória nos seus termos e efetuou correta interpretação da causa de pedir e do pedido deduzido pela Autora, devendo, em consequência, ser mantida. Pelo exposto, manifesta razão tem o Mmº Juiz a quo, cuja decisão – claramente legal, douta e justa – deve ser mantida nos seus precisos termos.”

A sentença recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
1.-No âmbito da sua actividade, a A. adquiriu o prédio urbano sito na Rua M., concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo X, cfr. Docs. 1 e 2 que se juntam e cujo teor se dá por integralmente reproduzido
2.-Através de escritura pública outorgada a 14 de marco de 2001, a A. celebrou com o R. um contrato de arrendamento tendo por objecto o Imóvel referido em 1, por um prazo de dez anos, com início de vigência a 01 de Junho de 2000, renovável por períodos de três anos; Cfr. Doc. 3 que se junta
3.-No contrato de arrendamento está referido que o mesmo se considera iniciado em 1 de Junho de 2000 e durará pelo prazo de 10 anos, ou seja, teria o seu fim em 31 de Maio de 2010;
4.-A renda mensal acordada entre as Partes nos termos do Contrato ascendia a EUR 42.397,82, actualizável anualmente com base no coeficiente legalmente aplicável para o arrendamento do comércio, indústria ou profissão liberal (Cfr. Doc. 3).
5.-O Imóvel destinava-se à instalação e funcionamento de serviços públicos a serem prestados pelo R., tendo sido ali instalados os serviços da C..
6.- Através de comunicação escrita datada de 26 de Setembro de 2008 e recebida pela A. em 29 de Setembro de 2008, o R. denunciou o Contrato com uma antecedência de 120 dias relativamente à data de termo pretendida, nos termos e para os efeitos do artigo 1098.º, n.º 3, alínea a), do Código Civil (Cfr. Doc 4 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido
7.-Esta comunicação destinava-se a produzir efeitos a 31 de Janeiro de 2009 (120 dias após a presumível recepção da comunicação);
8.-Através de comunicação escrita datada de 24 de Novembro de 2008 e recebida pela A. em 25 de Novembro de 2008, o R. confirmou a denúncia do Contrato (promovida através da carta datada de 26 de Setembro de 2008 junta como Doc. 4) e a data da respectiva produção de efeitos (31 de Janeiro de 2009) (Cfr. Doc 5 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
9.- Em 31 de Maio de 2010, o R. procedeu à entrega das chaves à A.; Cfr. Doc. 6, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido
10.-À data da cessação do Contrato o valor actualizado da renda acordada entre as Partes nos termos do mesmo ascendia a EUR 53.698,00.
11.-De Dezembro de 2009 a Abril de 2010, o R. deixou de efectuar o pagamento das rendas referentes aos meses de Janeiro de 2010 a Maio de 2010 e desenvolveu esforços no sentido de entregar as chaves do imóvel locado à proprietária;
12.-A proprietária e ora autora escusou-se a recebê-las;
13.-A efectiva entrega das chaves do locado à proprietária efectivou-se em 31 de Maio de 2010, na data do termo inicial do contrato de arrendamento, caso não tivesse sido antecipadamente denunciado pelo IGFEJ;
14.-As rendas respeitantes ao período de Fevereiro de 2009 a Dezembro de 2009, no valor de €590.678,00) já se encontram pagas;
15.-O R. recusou o pagamento solicitado, com o seguinte argumento (Cfr. Doc. 7, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais): "Com efeito, verifica-se que o montante reclamado pela C… se refere a um período em que havia já sido denunciado o contrato de arrendamento respeitante ao espaço em questão. (…)". "(…) porque o contrato havia já cessado, inexiste suporte contratual para proceder ao pagamento, (…)".
16.-A presente acção deu entrada em juízo em 22.6.2020 e o R. foi citado em 2.7.2020.

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Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante, e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1.-Da impugnação da decisão de facto
2.-Da prescrição do direito ao crédito previsto no artº 1045º do CC

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1.-Da impugnação da decisão de facto
Entende a apelante que os factos nºs 11 (2ª parte) e 12 não podiam ter sido dados como provados, pois apenas foram alegados pelo R. na sua contestação, encontram-se sujeitos a prova, não dizem respeito à exceção de prescrição e são irrelevantes para a sua decisão.
A decisão recorrida fundamentou os factos que elencou como provados na prova documental e na confissão da A.
Na contestação o R. arguiu a exceção de prescrição de rendas e juros, ao abrigo do disposto no artº 310º, b) e d) do CC. Nesta peça o R. separou a matéria respeitante à prescrição, que elencou sob os artºs 1º a 15º, da matéria de impugnação (artºs 16º a 52º).

Os factos provados sob os nºs 11 e 12 foram alegados pelo R., respetivamente, nos artºs 21º e 22º da contestação, com o seguinte teor:
21º- De Dezembro de 2009 a Abril de 2010, o R. deixou de efectuar o pagamento das rendas referentes aos meses de Janeiro de 2010 a Maio de 2010 e desenvolveu esforços no sentido de entregar as chaves do imóvel locado à proprietária.
22º- A proprietária e ora autora sempre se escusou a recebê-las.”

Verifica-se que não só o R. não os incluiu na matéria da exceção, como os factos em causa não dizem respeito à prescrição e são irrelevantes para o seu conhecimento. Na verdade, tais factos prendem-se com impugnação motivada, no sentido defendido pelo R. de que as quantias peticionadas não são devidas porquanto foi a A. que incorreu em mora.

Se os factos alegados nos artºs 21º e 22º da contestação tivessem sido especificados na parte relativa à exceção de prescrição, em obediência ao disposto no artº 572, al. c) do CPC, a falta de impugnação pela A., que foi notificada para se pronunciar quanto à prescrição, teria os efeitos consignados no artº 574º, nº 2, ex vi do artº 587º, nº 1 do CPC. Mas não é este o caso.

Salienta-se que, na contestação, o R. apenas individualizou a exceção de prescrição. De igual modo, o despacho que determinou a notificação da A. para o exercício do contraditório consignou expressamente a exceção de prescrição.

E a decisão recorrida apenas se pronunciou sobre a exceção de prescrição, julgando-a procedente.

A decisão de exceção proferida no despacho saneador apenas pode consignar os factos que, nessa fase processual, se podem considerar provados, v.g. por via de documentos ou por admissão por acordo.

Uma vez que a falta de resposta da A. à exceção de prescrição é irrelevante quanto à matéria factual que extravasa a respetiva especificação, não podiam os factos constantes do nº 11, 2ª parte e nº 12 ser considerados provados, pelo que, na procedência da impugnação da decisão de facto se determina a sua eliminação do elenco dos factos provados.

2.-Da prescrição do direito ao crédito previsto no artº 1045º do CC

Pugna a apelante pela não aplicação do disposto no artº 310º, al. b) do CC, por não estarem em causa rendas, mas indemnização nos termos do artº 1045º do CC.
A sentença recorrida julgou procedente a exceção de prescrição arguida pelo R., ao abrigo do disposto no artº 310º, al. b) e d) do CC, nos seguintes termos:
“Nos termos do disposto no artigo 310.º, alínea b) do Código Civil as rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez, prescrevem no prazo de cinco anos. Igual prazo é previsto na alínea d) do citado preceito legal no que se refere aos juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos. (…)
Da factualidade apurada é evidente que, em face dos preceitos legais invocados, que a A. não agiu tempestivamente contra o réu, no sentido de cobrar as rendas que alega estarem em atraso.
Se um direito não for exercido durante um certo período de tempo, definido pela lei, fica o mesmo prescrito o que não significa que o direito não exista (se existir), porém, deixa de poder ser exercido ou, sendo-o, pode essa excepção ser invocada pela parte contrária o que aconteceu no caso sub judice.
O instituto da prescrição, constitui uma espécie de sanção para a inércia dos titulares desses direitos (art.º 304.º do Código Civil).
Em face do exposto, por procedência da excepção de prescrição, há que absolver o R. do pedido já que à data da propositura da presente acção há muito que se encontrava extinto por prescrição o direito ao pagamento das quantias reclamadas o mesmo acontecendo com os juros que, a serem devidos, prescritos também estariam. Cfr. arts. 576º, nºs 1 e 3 do C.P.C.”.

A.e R., mediante escritura pública outorgada a 14 de março de 2001, celebraram um contrato de arrendamento tendo por objeto o prédio urbano sito na Rua M., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo X, de que a primeira é proprietária, por um prazo de dez anos, com início de vigência a 01 de junho de 2000, renovável por períodos de três anos e com início em 1 de junho de 2000. Através de comunicação escrita datada de 26 de setembro de 2008 e recebida pela A. em 29 de setembro de 2008, o R. denunciou o contrato, para produzir efeitos a 31 de janeiro de 2009. Em 31 de maio de 2010, o R. procedeu à entrega das chaves à A.. No locado o R. instalou os serviços da C.. O R. não pagou “as rendas” de dezembro de 2009 a abril de 2010, referentes aos meses de janeiro de 2010 a maio de 2010. As rendas respeitantes ao período de fevereiro de 2009 a dezembro de 2009, no valor de € 590.678,00, já se encontram pagas.
Para apreciar a exceção de prescrição do direito da A., importa proceder à qualificação do crédito reclamado na ação.

Compulsada a petição inicial verifica-se que a A. peticionou indemnização pela não entrega do locado aquando da cessação do contrato de arrendamento que terá ocorrido em 31/01/2009, ao abrigo do artº 1045º do CC, tendo computado a indemnização reclamada, nos termos do nº 2 do citado preceito legal. Tal resulta nomeadamente dos seguintes artigos da p.i.:
9.- Acontece que, não obstante a verificação da cessação do Contrato a 31 de janeiro de 2009, promovida, como vimos, pelo próprio R. através da carta datada de 26 de setembro de 2008 junta como Doc. 4, a verdade é que este continuou a ocupar o Imóvel até ao dia 31 de maio de 2010, data em que procedeu à sua devolução à A.
18.- O R. estava, assim, obrigado a restituir o Imóvel à A. a 1 de fevereiro de 2009, dia imediatamente seguinte à data em que se verificou a cessação do Contrato, o que não se verificou.
19.- Não tendo restituído o Imóvel à A. na referida data, o R. constitui-se em mora no cumprimento da obrigação de restituição o Imóvel, nos termos e para os efeitos do artigo 805º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, desde o dia 1 de fevereiro de 2009 até ao dia 31 de maio de 2010, data em que procedeu à sua devolução à A.
20.- O R. é, pois, devedor à A., a título de indemnização nos termos do artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil, do montante correspondente ao valor do dobro das rendas que se venceriam de fevereiro de 2009 (mês seguinte ao mês em que se verificou a cessação do Contrato) a maio de 2010 (data em que o R. procedeu à devolução do Imóvel à A.), no valor global de EUR 1.718.336,002.
21.- Ao valor em causa deverá ser deduzido o valor pago pelo R. à A. no período compreendido entre janeiro de 2009 e dezembro de 2009, acima referenciado no artigo 11º supra, no montante de EUR 508.773,84.”

E o R. assim o entendeu, tendo esgrimido argumentos no sentido de que não se constituiu em mora na obrigação de entrega do locado e que foi a A. que impediu o cumprimento dessa prestação, daí decorrendo que não tem direito à indemnização peticionada (cfr. artºs 24º a 35º da contestação), defendendo que a A. “não agiu tempestivamente contra o réu, no sentido de cobrar as respectivas rendas em atraso”, aduzindo ainda que “o seu cumprimento não é exigível ao réu, como o não será qualquer indemnização que pudesse decorrer do seu alegado não cumprimento”.

Também na alegação de recurso o R. refere-se “às rendas e indemnização”.

Cremos, assim, que é entendimento do R. que o montante a que alude o artº 1045º, nº 1 do CC se reporta a rendas, que seriam devidas até à restituição do locado, enquanto o valor previsto no nº 2 do citado preceito legal se refere a indemnização pela mora no cumprimento dessa obrigação e que, estando aquelas prescritas, nos termos do artº 310º, al. b) do CC, também estaria prescrita a mencionada indemnização.

Perante a causa de pedir e pedido formulados na ação impõe-se concluir que a A. não peticiona rendas em atraso, mas indemnização pela não restituição do locado na data da cessação do contrato, ao abrigo do artº 1045º do CC.

Pode dizer-se que a fonte da obrigação – indemnização – é a não restituição imediata do locado após a cessação do contrato. Isto é, “a causa de pedir da presente acção emerge do disposto no artigo 1081.º, n.º 1, do CC, de acordo com cuja previsão, da cessação do contrato decorrem desde logo para o arrendatário as obrigações de: i) desocupar o locado; ii) efectuar a sua entrega; e iii) efectuar as reparações que lhe incumbam, conjugado com o disposto no artigo 1087.º do citado diploma legal.” Ac. R.E. de 16/06/2016, in www.dgsi.pt

A obrigação de restituir a coisa locada findo o contrato resulta, ainda, dos deveres gerais que impendem sobre o arrendatário – artº 1038º, al. j) do CC.

Diversamente, se viesse peticionado o pagamento de rendas, a fonte da obrigação seria o próprio contrato de arrendamento, a violação do dever essencial do arrendatário, enquanto contrapartida da cedência do gozo do locado, o que necessariamente pressuporia a sua vigência – e a p.i. assenta inequivocamente na sua extinção. Extinção que o R. não impugnou. E dos factos provados resulta que, mediante a comunicação escrita recebida pela A. em 29/09/2008 o R. denunciou o contrato com efeitos a 31/01/2009, o que se mostra conforme com o disposto no artº 1100º do CC, na redação então vigente.

As partes não divergem quanto à data da cessação do contrato (cfr. artigos 6º a 9º da p.i. e artigos 20º a 25º da contestação).
Tendo operado eficazmente a denúncia do contrato de arrendamento em 31/01/2009, a partir desta data, naturalmente, não são exigíveis rendas.

O artº 1045º do CC, com a epígrafe “indemnização pelo atraso na restituição da coisa”, prevê a indemnização devida pela não entrega do locado aquando da cessação do contrato de arrendamento. É uma indemnização cujo valor se encontra legalmente fixado, correspondendo ao valor das rendas, em singelo, no caso de não ocorrer mora (nº 1), e em dobro, no caso de mora do arrendatário.

Todavia, por ter o legislador fixado o valor do prejuízo decorrente para o senhorio do atraso na restituição da coisa locada, em montante correspondente ao valor da renda (ou ao seu dobro), não se retira que a obrigação do arrendatário é de pagamento de rendas nem confere à compensação tal natureza. Apenas se determinou o quantum indemnizatório, considerando que o prejuízo em que incorre o senhorio pela indisponibilidade da coisa locada é equivalente ao valor do respetivo uso, ou seja, a renda estipulada no contrato, afastando-se as regras gerais dos artºs 562º e s. do CC para o seu cálculo.

O artº 310º do CC estabelece que:
“Prescrevem no prazo de cinco anos:
a)- As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b)- As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c)- Os foros;
d)- Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e)- As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f)- As pensões alimentícias vencidas;
g)- Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.

“As razões justificativas das prescrições de curto prazo do artº 310º, do C.C. são a da protecção da certeza e segurança do tráfico, a conveniência de se evitarem os riscos de uma apreciação judicial a longa distância, principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos e, “last but not the least”, evitar que o credor deixasse acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento, procurando-se obstar a situações de ruína económica” Ac. R.L. de 09/05/06, in www.dgsi.pt.

Não estando em causa o pagamento de rendas, não está a indemnização peticionada sujeita ao prazo de prescrição curto previsto no artº 310º, al. b) do CC.

A obrigação de entrega do locado após cessação do contrato de arrendamento emerge de obrigações contratuais, com respaldo na lei – cfr. artºs 1038º, al. i), 1081º, 1045.

“(…) as consequências legais resultantes do incumprimento das obrigações assumidas mercê desse vínculo não se dissolvem com a extinção do contrato, antes perduram enquanto as obrigações decorrentes do mesmo não se encontrem cumpridas. Assim acontece com a indemnização prevista no apontado artigo 1045.º, n.º 1, do CC. (…)

Tudo se passa, portanto, como se o contrato se prolongasse até à entrega da coisa arrendada, devendo o arrendatário continuar a pagar a renda convencionada, agora a título da indemnização prevista no artigo 1045.º do CC, uma vez que, caso assim não acontecesse aquele continuaria a usufruir do local arrendado sem satisfazer a contrapartida contratualmente acordada, em clara situação de enriquecimento sem causa que o citado preceito visa prevenir. (…)

Assim, pelas razões expostas, consideramos que a indemnização pelo atraso na restituição da coisa prevista no artigo 1045.º do CC tem natureza contratual, não se lhe aplicando o prazo de 3 anos a que alude o artigo 498.º do CC” Ac. R.E. citado.

O atraso na entrega da coisa locada constitui manifestação de incumprimento do contrato de arrendamento, nos termos dos artigos 762.º e 798.º e ss. do CC, revestindo a indemnização prevista no artº 1045º do CC natureza contratual Neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, 2ª edição, vol. II, pág. 370, pelo que a prescrição está sujeita ao prazo ordinário, de 20 anos (artº 309º do CC) – prazo que não havia decorrido à data da citação do R. na presente ação.

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão na parte respeitante à indemnização, substituindo-se pela seguinte:
- julga-se improcedente a exceção de prescrição relativamente à indemnização peticionada, determinando-se o prosseguimento dos autos nesta parte, se a tal nada mais obstar.
Custas a cargo do apelado.


Lisboa, 7 de Outubro de 2021


Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço


Ac. R.E. de 16/06/2016, in www.dgsi.pt
Ac. R.L. de 09/05/06, in www.dgsi.pt
Ac. R.E. citado
Neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, 2ª edição, vol. II, pág. 370