Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9759/08-8
Relator: OCTÁVIA VIEGAS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
MODIFICAÇÃO
ALTERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: -Na propriedade horizontal o estatuto regulador do condomínio é formado pelo título constitutivo da propriedade horizontal e pelo regulamento do condomínio.
-O título constitutivo da propriedade horizontal só pode ser alterado se o mesmo o permitir ou se a assembleia de condóminos aprovar as alterações sem qualquer oposição (art.1419 do CPC).
-O titulo constitutivo da propriedade horizontal não pode ser alterado por meio de sentença judicial, uma vez que o recurso ao instituto do suprimento do consentimento é excepcional e não é admissivel nesta matéria.
-A alteração do título constitutivo da propriedade horizontal está sujeito a escritura pública (formalidade ad substantiam) e deve estar de acordo com as leis e regulamentos de urbanização em vigor, comprovados por documento camarário.
-A alteração do titulo constitutivo da propriedade horizontal está sujeita a registo.
-A fixação do valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, face ao valor total do edifício é estabelecido no título constitutivo da propriedade horizontal, resultando do referido negócio jurídico.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Maria instaurou acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra Condomínio do Edifício, e Outros, alegando em síntese que é proprietária de uma fracção autónoma no prédio dos autos e que apesar de a sua fracção ser mais pequena que as restantes fracções do prédio, paga os mesmos encargos que os restantes Condóminos e pedindo que o título constitutivo da Propriedade Horizontal do “Edifício”, seja alterado, vinculando os 2ª a 13ª RR., por forma a que as permilagens inicialmente atribuídas a cada fracção autónoma passem a espelhar as áreas correctas, e pelas seguintes permilagens Fracção “A”- 20,15/1000; Fracção “C”- 51/1000; Fracções “B”, “D” a “L”- 71,45/1000 e Fracções “M” e “N”- 142,90/1000, tudo num total 1000/1000 e uma vez operada essa alteração, ser o Réu Condomínio do Edifício, denominado “Edifício C” – em especial – condenado a praticar o rateio das despesas de Condomínio de acordo com esses novos valores; e devem os 2ª a 13ª RR., ser, conjuntamente, condenados a devolver à A., os valores, a apurar em execução de sentença, nas proporções referidas no Art. 48º supra, relativos aos valores pagos pela A. em excesso, desde Julho de 1994 até ao presente, acrescidos dos respectivos juros de mora, contados após a citação de cada Réu, e dos valores que a A. ainda houver de pagar em excesso até ao trânsito em julgado desta acção e consequente alteração do título constitutivo da Propriedade Horizontal.
Os Réus contestaram, aceitando parte da matéria de facto alegada na petição, mas pugnando pela improcedência do pedido formulado.
Numa das contestações apresentadas, foi ainda requerida a condenação da Autora como litigante de má fé, e no pagamento de multa e indemnização aos Réus no valor do reembolso das despesas em que incorreram por força da sua defesa na presente acção, incluindo o valor dos honorários dos mandatários que vierem a apurar-se, nos termos dos artºs 456º e 457º do Cód. Proc. Civil.
Foi proferida decisão que julgou a acção improcedente e absolveu os Réus do pedido formulado.
Inconformada, Maria apelou, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações:

i) A A., ora Apelante, instaurou a presente acção para obter a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio que nos autos está em causa, onde é titular da fracção “C” correspondente ao rés do chão direito;
ii) O título constitutivo da propriedade horizontal atribui a essa fracção a permilagem de 70/1000, idêntica àquela que é atribuída às fracções “B” e “D” a “L”, mas tal fracção tem uma área inferior a todas as outras;
iii) Não obstante ter suscitado o problema em causa junto da assembleia de condóminos e ter chegado até a ser aprovada deliberação que reduziu a permilagem da sua fracção para 51/1000, essa deliberação não foi depois aprovada atenta a oposição de apenas uma condómina;
iv) O Art.° 1419° do Código Civil determina que “o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos”;
v) A norma em questão estabelece a forma exigida para a alteração do título e a maioria necessária para que prevaleça tal deliberação, mas apenas quando essa alteração seja efectuada extrajudicialmente;
vi) Dela não resulta que seja apenas aquela, a forma pela qual se possa efectuar a alteração, pois, não tem o carácter restritivo que apenas adviria se nela fosse consagrado que “o título constitutivo da propriedade horizontal (só ou apenas) pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos”;
vii) Nada impede que, não existindo o necessário acordo de todos os condóminos, tal consentimento seja, quando existirem razões ponderosas de justiça que fundamentem a alteração que se pretende obter, seja suprido através de acção judicial;
viii) Por essa razão, se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1992.03.05 que “na falta de acordo de todos os condóminos, o título constitutivo da propriedade horizontal só judicialmente pode ser alterado” (C.J., 1992, tomo II, pag. 117) no mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça por Acórdão de 1998.11.12 admitindo que “o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por sentença” (JSTJ00035242JtIj.net);
ix) O espírito da norma, de proteger a estabilidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal evitando o prejuízo dos condóminos será totalmente defraudado em situações semelhantes àquela que está em causa nos autos em que um único voto impediu a deliberação de alteração (pontos 10. e 11. do relatório de facto constante da decisão) e em que essa alteração, atenta a divergência de áreas, se destinada apenas a reflectir a realidade das fracções que integram o condomínio pondo fim a uma situação manifestamente injusta;
x) A recusa em alterar o título constituiu assim uma situação de abuso de direito em que o exercício por parte de qualquer dos condóminos do direito que estes têm em negar o acordo a essa alteração contraria a finalidade desse direito;
xi) Uma vez que a necessidade de que todos os condóminos dêem o seu consentimento se destina a salvaguardar o direito destes em não verem, em seu prejuízo, ser alterada a posição relativa que detêm, tendo que submeter-se a essa alteração determinada por maioria e que poderá alterar aquilo que é a realidade do imóvel, quando a alteração pretendida corresponde à realidade do imóvel é evidente que a recusa de consentimento, sem fundamento e contrariando a justiça material inerente às relações de condomínio, excede a finalidade económica e social do direito;
xii) Não estabelecendo a lei qual a sanção adequada para o acto viciado por abuso de direito, haverá, que perante o caso concreto, aferir qual será essa sanção, pelo que, “uma vezes haverá lugar à reparação natural, nomeadamente, através da através da remoção do que se fez com abuso de direito” (Fernando Cunha e Sá, “Abuso de Direito, Almedina, 1997, pag. 647);
xiii) E essa reparação natural que deverá ser, face a tudo quanto se invocou, adequada a sancionar o comportamento de recusa, ficando alterado título constitutivo da propriedade horizontal;
xiv) Essa é a razão que leva Abílio Neto a defender que “a especificidade da vida em condomínio, com todas as restrições daí decorrentes, levam-nos a pensar que, nomeadamente em situações de manifesto abuso de direito, em que o interesse colectivo é sacrificado a determinado interesse singular, sem sustentação objectiva e razoável, não pode deixar de ser submetido a apreciação judicial, a fim de, se for caso disso, ser suprida a recusa de consentimento oposto pelo condómino a uma projectada modificação do título constitutivo da propriedade horizontal (...) de tal modo que a decisão proferida seja, ela própria declarativa - constitutiva da modificação do estatuto real do condomínio...” C’Manual da Propriedade Horizontal”, 3.~ edição, Ediforum 2006, pag. 102);
xv) Deste modo, a douta decisão deveria ter julgado a acção procedente decidindo, pela alteração do título com finalidade constitutiva, nos termos do Art.° 40 do C.P.C.;
xvi) Mas, ainda que assim não se entendesse, sempre existe uma nulidade parcial do tftulo constitutivo da propriedade horizontal, por força da demonstrada divergência entre as permilagens fixadas e a real dimensão das fracções;
xvii) O Art° 1418° do C.C. obriga a que “no título constitutivo da propriedade horizontal” sejam “especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma a que estas fiquem devidamente individualizadas” e que seja “fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio”, sendo cominada de nulidade a falta de qualquer das especificações mencionadas;
xviii) A especificação em permilagem desconforme com a realidade corresponde integra ainda nulidade em causa, pois quando é exigido que seja fixado o valor relativo de cada fracção, essa fixação deverá obedecer àquela realidade;
xix) E não existindo a correspondência referida, nem sequer existindo uma aproximação entre as áreas reais e as permilagens fixadas, não pode considerar-se ter sido cumprida a especificação exigida e o título será nulo, nulidade que pode ser arguida a todo o tempo, e que se argui para todos os efeitos legais;
xx) A nulidade arguida é meramente parcial (vd. a esse respeito, Abílio Neto, obra citada, pag. 80) e deverá ser suprida judicialmente através da alteração do título que se peticionou;
xxi) O pedido efectuado de devolução dos valores pagos pela Apelante não depende necessariamente da procedência do pedido de alteração do título, sendo certo, contudo, que a procedência do primeiro pedido determinará necessariamente a procedência do pedido de devolução, pelo que, atenta a procedência desse primeiro pedido de alteração do título, de acordo com aquilo que antes se expôs, deverá também esse outro ser julgado procedente;
xxii) Mas, ainda que assim não fosse, sempre deveria o pedido de devolução ser julgado procedente face ao instituto do enriquecimento sem causa, porquanto, a não poder ser alterado o título, e tendo a Apelante pago os valores de condomínio e despesas de acordo com uma permilagem sem correspondência com a realidade, sofre um empobrecimento correlativo ao enriquecimento dos seus condóminos;
xxiii) Esse empobrecimento, como se viu, não tem causa jurídica, na medida em que se funda unicamente numa fixação de permilagem divergente face à realidade, que contraria até as normas relativas à propriedade horizontal;
xxiv) A Apelante não tem também, caso lhe seja negada a possibilidade poder obter judicialmente a alteração do título, qualquer outro meio de obter o ressarcimento, pelo que, sempre o pedido que formulou deverá ser julgado procedente;
xxv) Decidindo em contrário a douta sentença violou, para além das disposições já antes citadas os Art°s 286°, 289º e 292°, 334°, 473º e sgts., 1418° e 1419°, todos do C.C..
Termina dizendo que deve ser revogada a decisão e substituída por outra que julgue procedentes os pedidos da Apelante.

Vera e Rita contra-alegaram apresentando as seguintes conclusões:
1ª Em termos de direito, devem ser aceites as conclusões das alegações da recorrente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por uma decisão que julgue procedente o primeiro pedido da apelante, com as restrições constantes da conclusão seguinte.
2ª - Em termos de facto, não pode aceitar-se a conclusão II das alegações da recorrente, uma vez que as fracções B e C, para todos os efeitos com áreas equivalentes, devem receber o mesmo tratamento em termos de permilagem.
3ª Quanto ao segundo pedido da recorrente na sua P.I., as recorrentes remetem para o que escreveram na contestação e nos artigos 3° e 4° das respectivas conclusões, o que tudo se dá aqui por reproduzido.
Condomínio do Edifício e outros condóminos apresentaram contra-alegações de que resultaram as seguintes conclusões:
A) A autora e ora recorrente instaurou a acção declarativa acima indicada contra todos os restantes condóminos e contra a Administração do condomínio do “Edificio C”, pedindo a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, com o argumento de que a sua fracção, sendo embora mais pequena do que as outras, pagava exactamente os mesmos encargos que as fracções pertencentes aos outros condóminos.
B) Pretendia a recorrente obter a condenação dos outros proprietários na referida alteração, rectificando-se a permilagem que caberia à sua fracção para 5 1/1000, não indicando porém o modo de cálculo de semelhante valor.
C) Uma vez conseguida a desejada rectificação, pretendia ainda a recorrente obter a condenação conjunta dos outros condóminos a devolverem à autora os valores que teria pago a mais, segundo a nova permilagem encontrada, desde a data em que tinha adquirido a fracção, ou sejam desde Julho de 1994 até ao presente, acrescidos de juros de mora.
D) O Mmo. Juiz do tribunal “a quo” proferiu despacho saneador-sentença, nos termos do qual recordou o regime do art° 14190 n° 1 do Código Civil e o entendimento da Doutrina e da Jurisprudência no sentido de que “não é possível modificar o título constitutivo por meio de decisão judicial, já que a única forma de essa modificação operar é através de escritura pública outorgada por todos os condóminos”.
E) A autora adquiriu a fracção de que é proprietária a 18 de Julho de 1994 (Doc. n° 15 da p.i.), directamente a Nuno, que foi o construtor e único outorgante da escritura de constituição da propriedade horizontal, sem que nessa altura e nos anos seguintes tivesse reclamado de qualquer suposta injustiça na divisão das despesas do condomínio, resultantes da igualdade da permilagem das fracções “B” a “L” inclusive.
F) Acresce que o “Edificio C”, já existia desde 12 de Janeiro de 1987, como se pode verificar da escritura de constituição da propriedade horizontal junta como Doc. n° 4 da p.i., ou sei a, a fracção que a Autora adquiriu já contribuía para as despesas do condomínio, segundo a permilagem fixada pelo próprio vendedor (e teoricamente prejudicial a este), há mais de sete anos.
G) Todos os restantes condóminos, que se foram sucedendo na titularidade das respectivas fracções, acataram as permilagens fixadas na propriedade horizontal, desde a sua constituição, não lhes tendo ocorrido a ideia de mandar medi-las para ver se algumas deviam pagar mais e outras menos e assim criar desigualdades num edificio onde, por contrato, todos se encontravam em situação de igualdade.
H) quer o outorgante da escritura de constituição da propriedade horizontal, com quem a recorrente contratou directamente a compra e venda da sua fracção e se inteirou dos seus direitos e obrigações como condórnina, quer todos os outros condóminos, desejaram que o condomínio fosse estabelecido e se mantivesse numa situação de total igualdade entre todos os condóminos, independentemente das áreas exactas de cada fracção.
L) inclusivamente as fracções “M” e “N” têm permilagens exactamente correspondentes ao dobro das fracções dos pisos inferiores porque, nesses pisos, não existe divisão entre lado esquerdo e direito que constituem um único apartamento.
J) Sucede, porém, que além dos rés-dos-chãos, há mais fracções desiguais entre si, desde logo as fracções ~‘M” e “N” que têm o dobro da permilagem das inferiores mas cujas áreas não são iguais, ou as fracções “D” e ‘~E” que têm parte de logradouro ao contrário das restantes (V. ponto 4 da matéria de facto julgada provada, constante da sentença recorrida, que reproduz a escritura de constituição da propriedade horizontal).
K) A aceitar-se o argumento da recorrente, teria que se mandar medir rigorosamente todo o prédio e fixar novas permilagens para cada fracção, em função das respectivas áreas, em lugar da solução simplista e igualmente injusta que a autora queria que tivesse sido aprovada pela assembleia de condóminos de 17 de Julho de 2002 (V. ponto 10 dos factos provados na sentença recorrida e em que persiste no art° 12° da p.i.), na qual pretendia reduzir a sua permilagem a 51, enquanto todas as restantes fracções teriam 73 e as duas últimas o dobro, ou seja, 146.
L) Sucede ainda que o comportamento anterior da própria autora contradiz os seus pedidos, pois desde a data da aquisição da sua fracção, em Julho de 1994, até à assembleia de condóminos de 19 de Março de 2001 (V. pontos 7 a 9 dos factos provados na sentença recorrida), ou seja, durante sete anos e enquanto foi vivo o vendedor Nuno, não há registo de qualquer reclamação da autora.
M) Foi só na assembleia de 19 de Março de 2001 (V. ponto dos factos provados na sentença recorrida) que a autora, pela primeira vez, suscitou a questão da alteração da propriedade horizontal e mesmo assim fora da ordem de trabalhos, o que implicou o seu agendamento para a assembleia ordinária do ano seguinte, já que não foi convocada qualquer assembleia especial para deliberar sobre este ponto.
N) De 2002 até à propositura da acção, ou seja, durante quatro anos, a autora também nada fez, conformando-se com a divisão fixada na escritura de constituição e não impugnando as deliberações posteriores à deliberação de 17 de Julho de 2002 (V. art°s 29° a 31º da p.i.).
O) O pedido da autora contra a administração é especialmente absurdo, tendo em consideração que foi o seu próprio filho, Francisco, quem em sua representação, exerceu a administração durante um certo período até ao segundo trimestre de 1999, sem jamais ter colocado a questão de a propriedade horizontal se encontrar bem constituída, nem sequer como ponto da ordem de trabalhos das assembleias de condóminos.
P) O título constitutivo da propriedade horizontal não sofre de qualquer vício que implique a sua nulidade, mesmo que parcial, ao contrário do defendido pela recorrente (ponto 5 das alegações, págs. 6 e 7).
Q) De facto, o título constitutivo identifica devidamente, as partes integrantes de cada uma das fracções, individualizando-as, tendo por isso merecido a concordância da Notária do Cartório Notarial, onde foi outorgada a escritura.

R) Do mesmo modo, nesse documento se fixa o valor relativo de cada fracção, expresso em permilagem, conforme impõe o art° 1418° do Cód. Civil.
S) Mesmo que fosse alterada agora a propriedade horizontal do edificio, nunca poderia a autora ver julgado procedente um pedido de reembolso da sua contribuição para as despesas passadas do condomínio, já que nunca poderia ser-lhe atribuído efeito retroactivo.
T) Só no caso em que a autora tivesse direito à rectificação pretendida e os pagamentos tivessem sido efectuados segundo uma permilagem errada, o que não foi o caso, é que a autora poderia eventualmente ter direito ao reembolso do excedente pago durante os últimos três anos, mas até para isso teria que ter pedido subsidiariamente a condenação dos réus no valor do seu enriquecimento sem causa (V. prazo prescricional do art° 482° do Cód. Civil), o que não sucedeu.
U) Pretende agora a recorrente demonstrar (V. último parágrafo de fis. 3 das suas alegações) que nada impede que o acordo dos condóminos não possa ser judicialmente suprido através de acção judicial. Para tanto, entende a recorrente, por um lado que se encontram verificadas razões ponderosas de justiça, que não identifica, e por outro que a oposição de um ou mais condóminos constitui uma situação de abuso de direito que pode ser removida.
V) Ora, no caso em apreço, não está de forma alguma preenchida uma situação de abuso de direito, pelo contrário, pois quer o outorgante da escritura de constituição da propriedade horizontal, com quem a recorrente contratou directamente a compra e venda da sua fracção e se inteirou dos seus direitos e obrigações como condómina, quer todos os outros condóminos, desejaram que o condomínio fosse estabelecido e se mantivesse numa situação de total igualdade entre todos os condóminos. Inclusivamente as fracções “M” e “N” têm permilagens exactamente correspondentes ao dobro das fracções dos pisos inferiores porque, nesses pisos, não existe divisão entre lado esquerdo e direito que constituem um único apartamento.
W) O Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não outras, salvo se a lei lho permitir ou impuser o seu conhecimento (art° 660º n° 2 do Cód. Proc. Civil). Por isso o Mmo. Juiz do tribunal “a quo” não podia senão ter proferido a sentença que proferiu, de tão evidente a improcedência dos pedidos da autora face aos argumentos invocados.

X) Veja-se que, na p.i., nem a nulidade parcial do título, nem o pretenso abuso de direito, nem o enriquecimento sem causa, constituem causa de pedir, não tendo em coerência sido formulados os respectivos pedidos, nem mesmo subsidiariamente. Não pode, por isso, a recorrente, em sede de recurso de apelação, tentar ampliar o objecto da acção à procura de pretensos argumentos que nem existem, nem tão pouco foram oportunamente invocados.
Terminam dizendo que deve ser mantida a decisão recorrida.

Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
Questões a decidir:
- se o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser alterado sem acordo de todos os condóminos e sem ser por escritura pública;
- Em caso afirmativo, se face à matéria provada o título constitutivo deve ser alterado nos termos requeridos pela Autora;
- Se a Autora tem direito à restituição das quantias pedidas, pagas a título de comparticipação nas despesas de conservação e fruição das partes comuns.

Antunes Varela, (RLJ Ano 108º, pag. 58), "depois da lei (que inclui várias regras supletivas, a par de outros preceitos de carácter imperativo) são o título constitutivo (sobretudo quando proceda de negócio jurídico) - bem como o regulamento, que formam o estatuto regulador do condomínio".
Nos termos do art. 1414 do Código Civil as fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.
Nos termos do art. 1415 do C.C. só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para ou para a via pública.
No caso dos autos o prédio está sujeito ao regime da propriedade horizontal, que foi constituída por escritura pública, obedecendo ao disposto no art. 1417, nº1 do C.Civil

Dispõe o art.1418, nº1, do C. Civil que no título constitutivo estão especificadas as partes do edifício correspondentes às diversas fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio.
Nos termos do art. 1419, nº1 do Código Civil, sem prejuízo do disposto no nº3, do art.1422-A, (relativo à junção e divisão de fracções autónomas do mesmo edifício) o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos.
O titulo constitutivo da propriedade horizontal é um acto modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm eficácia real” Henrique Mesquita, RDES, XXIII, nota 41, pág. 94, citado por Aragão Seia, Propriedade Horizontal, pág. 24.. Num prédio constituído em propriedade horizontal a posição jurídica dos respectivos titulares não é a mesma que a dos proprietários de prédios que não estão sujeitos à propriedade horizontal. No prédio constituído em propriedade horizontal existem partes próprias e partes comuns.
Nas partes próprias, em propriedade horizontal, existem limitações ao poder de alterar o seu conteúdo e objecto.
Na propriedade horizontal há um interesse relevante do colectivo dos titulares das fracções que se sobrepõe aos interesses individuais, manifestado num título constitutivo. O título constitutivo da propriedade horizontal estabelece as regras pelas quais se vão reger os diversos interesses, sujeitos a um regime próprio de relações, poderes e deveres, encargos e fruições de que gozam aqueles ( arts. 1420 e 1422 do CC).(Cfr. Oliveira Ascensão, in Direitos Reais, 1971, pg. 498).
Não está na disponibilidade de um ou de vários dos titulares das fracções, os condóminos, só por si, procederem à alteração do título de constituição desse tipo de propriedade, a menos que o título assim o tenha previsto desde o início, anteriormente à primeira alienação. (arts. 1419.º e 1422.º--A, n.º3).

Para que o título constitutivo seja alterado é necessário que o mesmo o permita ou a assembleia de condóminos se pronuncie e aprove as alterações sem qualquer oposição. O art.1419 tem m carácter imperativo.
A constituição da propriedade horizontal e as suas posteriores alterações, caso ocorram, por forma a garantir a sua conformidade às leis e regulamentos em vigor, são objecto de sindicalização e licenciamento pela autoridade camarária. A lei exige que a escritura de alteração do título constitutivo de propriedade horizontal não pode ser feita sem a junção de documento camarário comprovativo de que a alteração ao título constitutivo está de acordo com os correspondentes requisitos legais.(art. 60.º-1 do C. Notariado)
A única entidade competente para gerir a Urbanização é a Câmara Municipal e é essa a entidade pública a que se refere o artº. 1415º do Cód. civil.
A Câmara Municipal é a única entidade competente para definir a composição de um edifício, o destino de cada fracção ou parte comum do mesmo e isso tem de ser fixado no projecto de construção aprovado e depois vistoriado.
A alteração ao título constitutivo da propriedade horizontal é feita por escritura pública que altera o título anterior.
A escritura pública é uma formalidade ad substantiam, indispensável para a validade da alteração ao título constitutivo da propriedade horizontal, conforme resulta do disposto nos arts. 220.º, 371.º e 1419.º do CC.) e está sujeito a registo (art.º 62, n.º 1, do Código do Notariado e art. 2.º-1-b) do CRP) (Aragão Seia, A Propriedade Horizontal, pág. 55 e seguintes) (Borges de Araújo, Propriedade Horizontal - Constituição por Negócio Jurídico, pág. 40, citado por Moitinho de Almeida em Propriedade Horizontal, pág. 27.), deste último preceito resulta ser praticamente obrigatório o registo da constituição da propriedade horizontal
O registo visa proteger a confiança de terceiros que fica salvaguardada, dado essas alterações se aplicarem a futuros proprietários das fracções. O quadro legal da propriedade horizontal não se limita à protecção dos condóminos originários e iniciais, abarca um leque mais vasto.
Conforme vem sendo jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a modificação do título consti­tutivo da propriedade horizontal por meio de sentença judicial não é legalmente admissível.

O tribunal não pode determinar alteração ao título constitutivo da propriedade horizontal, mesmo no âmbito duma acção de suprimento de consentimento, uma vez que o recurso a este instituto é excepcional
O valor de cada fracção relativamente ao valor total do edifício, expresso em percentagem ou permilagem é estabelecido no título constitutivo da propriedade horizontal (art. 1418 do CC), resultando do referido negócio jurídico.
Da fixação desse valor relativo da fracção face ao valor total do edifício resultam direitos e obrigações para os titulares das respectivas fracções pelo que a alteração do valor da fracção relativamente ao total do prédio, por afectar direitos dos titulares das fracções só pode ser alterado por unanimidade da assembleia de todos os condóminos do edifício.
Nos termos do art. 1424 do Código Civil, salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções (nº1). Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovado sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação (nº 2) .
«Salvo disposição em contrário» refere-se ao modo, à medida, à proporção da repartição dos encargos entre os condóminos: são pagos em proporção do valor das suas fracções, salvo disposição em contrário.
Nos termos do art.1430 do Código Civil a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.
Nos termos do art. 1433 do Código Civil as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado (nº1). No prazo de 60 dias contado da deliberação pode qualquer condómino propor acção de anulação da deliberação social ( nº4).
Não resulta da matéria provada nos autos que as quantias que a Apelante pagou a título de comparticipação nas despesas de conservação e fruição das partes comuns tenham sido superiores ao decidido em assembleia de condóminos ou que tendo sido decidido em assembleia de condóminos, essas decisões tenham sido contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados.
Neste caso a Apelante teria que solicitar a anulação das referidas deliberações. Também não resulta dos factos provados que tal tenha acontecido.
Assim, improcede o recurso quanto ao pedido de alteração da permilagem da fracção da Apelante face ao valor da totalidade do prédio, pois tal não é possível quanto à decisão judicial e improcede também o recurso quanto à questão das restituição das quantias que a Apelante entende ter pago a mais, a título de comparticipação nas despesas de conservação e fruição das partes comuns.
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Lisboa 28/5/2009.
Octávia Viegas
Ruída Ponte Gomes
Carlos Marinho