Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
652/05.5TBSSB.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
INDEMNIZAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: A prova do direito de propriedade pode ser feita através da alegação de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, excepto se se verificar a presunção legal da propriedade, resultante da posse ou do registo.

Provada a propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei, entre os quais não figura o de o réu ocupar a coisa abusivamente e sem título (art. 1311º, CC).

Sobre o autor de uma acção de reivindicação impende apenas o ónus de alegar e provar que é proprietário da coisa que reivindica e que esta se encontra em poder do réu. O réu, por sua vez, se quiser evitar a condenação terá de alegar e provar que a sua detenção é legítima e oponível ao autor.

O art. 1305º, do CC confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa pelo que, estando o dono impedido de fruir o prédio e não tendo a parte contrária logrado convencer que o detém com base em título válido, oponível ao proprietário, assiste a este o direito de formular o correspondente pedido de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.

(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. A intentou a presente acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra "B, Lda.", C e D e, alegando ser arrendatário de imóvel, sito na Quinta , pediu a condenação dos RR. no reconhecimento do seu direito de posse sobre o imóvel, bem como na abstenção da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a respectiva utilização.

2. A acção foi contestada. A ré “B, Ldª” alegou ser a proprietária do imóvel, estando registada a seu favor a respectiva aquisição, nunca tendo sido celebrado com o autor qualquer contrato de arrendamento, nem recebido quaisquer «rendas».

Em reconvenção, alegando ser ilícita a ocupação que o autor faz do imóvel, pede:

- Seja declarado que a ré é proprietária do prédio urbano identificado na p.i.;

- Seja o autor condenado a reconhecer o direito de propriedade da ré e a restituir-lhe o imóvel que ocupa;

- Seja o autor condenado, pela ocupação indevida, a pagar à ré a quantia mensal de € 1.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de ocupação do imóvel (1.11.2003) até sua efectiva desocupação;

- Seja o autor condenado a pagar à ré e ao Estado, em partes iguais, a título de sanção pecuniária compulsória, quantia não inferior a € 150,00, diários, até à entrega do imóvel, acrescida de juros, à taxa de 5% ao ano;

- Seja o autor condenado a pagar à ré, pelos danos causados no imóvel por animais, levados pelo A. para o imóvel em causa, a quantia que se vier a apurar em execução de sentença.

3. No despacho saneador foi a ré C absolvida da instância, por ilegitimidade. Por sua vez, conhecendo directamente do pedido formulado, na acção, foi esta julgada improcedente (com fundamento na falta de título válido que legitime a ocupação) e, consequentemente, foram os réus absolvidos do pedido. Desta decisão foi interposto recurso, que subiu em separado, e que confirmou a decisão da 1ª instância.

4. O processo prosseguiu para conhecimento do pedido reconvencional. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que

julgou a reconvenção improcedente e absolveu o autor do pedido.

5. Nas suas alegações, conclui a ré “B, Lda.”:

A Ré/Apelante é proprietária do imóvel sito na Quinta .

Em 14/07/2006, foi remetido às partes notificação do Saneamento do Processo, tendo o Meritíssimo Tribunal a quo proferido "Em face do exposto, não existe qualquer dúvida que nenhum direito assiste ao A. ao ver reconhecido o seu direito a permanecer no imóvel já que inexiste autorização do titular (...)" tendo o pedido do Autor sido julgado improcedente.

A ocupação do imóvel pelo Autor, impediu a Ré/Apelante proprietária, de gozar de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição, que o artigo 1305° do Código Civil e lhe confere, constitui facto ilícito.

A Sentença ora sob impetração padece de inúmeras contradições entre a fundamentação e a decisão, encontrando-se ferida de nulidade nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 668°, do C.P.C., que são as seguintes:

- O Meritíssimo Tribunal a quo refere na Sentença Final que "No caso concreto não resultou demonstrado a que título o A. ocupou (...)" o imóvel.

Ora, nos presentes autos já se encontrava demonstrado — e até decidido pelo Saneador Sentença – que a ocupação do imóvel por parte do Autor o era sem autorização da proprietária, ou seja, que aquela ocupação era ilícita, sem qualquer título válido.

- Acrescenta ainda a Sentença Final, na parte "B) DE DIREITO" que também não resultou demonstrado entre que período é que se verificou a referida ocupação.

Contrariamente a esta afirmação, resulta por confissão do Autor, aceite pela Ré/Apelante, que a ocupação do imóvel por aquele se iniciou em 1 de Novembro de 2003 (art. 6° da P.I.) e mesmo que assim não fosse entendido, consta da fundamentação da mesma Sentença Final "A) DE FACTO", no ponto 5, da matéria assente "Em Dezembro de 2003, o J declarou ter para entrega ao A., na morada referida em A), um frigorifico e máquina de lavar (...)", pelo que, resulta provado à saciedade que se o Autor não ocupava o imóvel desde Novembro de 2003, pelo menos, desde Dezembro do mesmo ano, ocupava certamente.

- Não se compreende o sentido da expressão proferida pelo mesmo Tribunal quando faz constar na Sentença Final "nem sequer permite a conclusão de que foi perturbado qualquer direito da R."? Pois, encontrando-se provada a propriedade da Ré/Apelante; encontrando-se fixado por Saneador Sentença que "nenhum direito assiste ao a. ao ver reconhecido o seu direito a permanecer no imóvel já que inexiste autorização do titular", pelo que, no modesto entendimento da ré/apelante só se pode concluir pela violação do direito de propriedade daquela, direito este que vem consagrado no art. 62°, da constituição da república portuguesa, bem como, no art. 1305°, do Código Civil.

Consta ainda da referida Sentença Final que "não foi alegado, nem demonstrado, que com tal ocupação, a R. tivesse sofrido um qualquer prejuízo". Ora mais uma vez, não pode a Ré/Apelante conformar-se com tal afirmação plasmada na Sentença final, pois a mesma invocou e provou que era a proprietária do imóvel constando tal facto corno assente na fundamentação quer do Saneador Sentença, quer da Sentença Final, voltando o Meritíssimo Tribunal a quo a reforçar tal facto, também na parte "B) DE DIREITO" da Sentença Final, a indemnização requerida pela Ré/Apelante foi peticionada devido à perturbação do direito pleno de uso e fruição que qualquer proprietário tem sobre um imóvel de sua pertença, consagrado no art. 1305° do C.C.

E, por último, consta na referida Sentença que "A prova de tais factos cabia à R. já que os mesmos são constitutivos do direito por si invocado – art. 342° do Cod. Civil.

Não tendo a R. demonstrado os factos em que fundamentou o seu pedido, deve o mesmo improceder."

Mais uma vez, e salvo sempre o devido respeito, que é muito, a Ré/Apelante alegou e provou os factos integradores do seu direito de

Indemnização – como em cima já bastas vezes ficou demonstrado, e que a fim de se evitar urna maior prolixidade, pouparemos o Colendo Tribunal a mais uma discriminação dos mesmos –, quanto muito poder-se-á discutir que não logrou provar o quantum do seu direito de indemnização.

Face às supra descritas e flagrantes desconformidades entre a fundamentação e a decisão da Sentença, só se poderá decidir pela nulidade da mesma, pois os factos dados como provados eram idóneos e eficientes para ter dado lugar a outra decisão a condenação do Autor no pagamento de uma indemnização pela ocupação ilícita que fez de um imóvel da propriedade da Ré/Apelante, que não a proferida em completa dessincronia com a factualidade constante na matéria assente, pois, atendendo aos fundamentos indicados pelo Meritíssimo Tribunal a quo deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na Sentença.

A violação que o Autor fez do direito de propriedade é susceptível de causar danos os quais são indemnizáveis de harmonia com o princípio da responsabilidade aquiliana, independentemente de qualquer interpelação.

Num recente acórdão do Magnifico Supremo Tribunal de Justiça, de 29/03/ 2001, cujo sumário está acessível através de ITIJ (Rel. Sousa Inês), refere-se que "a ocupação ilícita de uma fracção autónoma causadora de dano para o proprietário, que consiste em ter sido temporariamente privado do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso e fruição, origina a obrigação de indemnizar", subjaz a este aresto a consideração de que a mera privação do uso e fruição constitui um dano de natureza patrimonial, separando a questão da quantificação dos prejuízos. O mesmo entendimento foi adoptado no Acórdão também do magnifico S.T.J., de 11/07/00, in B.M.J. 499/220, onde se refere explicitamente, a respeito da retenção de urna parte de um prédio relativamente à qual caducara o contrato de arrendamento, que "a ocupação abusiva constitui de per si um prejuízo que o proprietário sofre, um dano" (Sublinhado nosso). Assim, é pacifico na doutrina e jurisprudência o entendimento de que em situação de privação do proprietário de um bem, traduzido na perda patrimonial que constitui de per si o impedimento de uso pelo seu dono do que emerge um dano concreto indemnizável, deste modo, estão descritos nos autos os danos, que se traduziram na privação do uso, e terá de se concluir pela obrigação do Autor de indemnizar a Ré/Apelante pelos factos que praticou e que impediram esta última de usar o imóvel ocupado ilicitamente por ele Autor. Por isso, devia ter sido fixada a indemnização pelos danos causados pelo Autor desde a data da ocupação do imóvel – data esta de ocupação que foi confessada pelo Autor, no seu art. 6°, da Petição Inicial no, bem como, aceite pela Ré, no art. 28°, da sua Contestação/Reconvenção ou em alternativa a data como assente no ponto 5 da fundamentação –, nos termos do disposto nos artigos 483°, n.º 1, 562° a 564° e 566°, n. ° 1, todos do Código Civil.

Para a hipótese meramente académica de assim se não considerar, ter-se-ia verificado um enriquecimento sem causa no património do Autor, ao usufruir de um imóvel sobre o qual não detinha quaisquer direitos de uso ou fruição, atribuídos pela verdadeira proprietária, retirando um beneficio para si proveniente da ingerência que fez sobre direitos e bens alheios.

Também desta forma haveria lugar a indemnizar a Ré/Apelante o bastante para determinar o ressarcimento através da única via possível, isto é, mediante a atribuição de urna compensação em dinheiro, com o que se consegue o duplo objectivo de colocar no património da Ré/Apelante urna prestação pecuniária correspondente ao valor de uso do prédio ocupado e, ao mesmo tempo, evitar a manutenção na esfera jurídica do Autor dos ganhos que alcançou, sem qualquer legitimidade, à custa da Ré/Apelante.

Como está anteriormente demonstrado o Autor não tem qualquer direito que lhe permitisse a ocupação do imóvel. No entanto, nas situações em que tal vínculo existe, ou seja, exista um contrato de arrendamento valido entre proprietário e ocupante, uma vez findo o contrato, por qualquer causa, o locatário é legalmente obrigado a pagar ao locador uma indemnização à forfait, nos termos do art. 1045°, do C.C., em medida correspondente à renda convencionada, a qual é elevada ao dobro em caso de mora, tratando-se de uma obrigação de génese legal que nem sequer está dependente da prova da existência de uma utilização lucrativa que o proprietário daria ao locado, bastando a falta de cumprimento oportuno da obrigação de restituição do bem. Assim, e por maioria de razão, se o ordenamento jurídico protege as situações anteriormente descritas, não se encontra motivo algum para uma diferenciação de tratamento que acabasse por beneficiar terceiros alheios ao contrato de arrendamento, apesar de a sua actuação provocar na esfera jurídica da proprietária os mesmos reflexos que, face ao disposto no art. 1045°, do C.C., justificam a indemnização à forfait, por isso, não pode deixar de se reconhecer à Ré/Apelante o direito de indemnização peticionado.

A indemnização deverá ser equivalente ao valor da renda mensal pelo qual o imóvel poderia ser arrendado, multiplicando-se pelo número de meses, até efectiva entrega do imóvel pelo Autor. Ora, o Autor ocupou o imóvel em 1 de Novembro de 2003, até 24 de Junho de 2008, data em que entregou o imóvel livre e devoluto à Ré/Apelante.

Entendeu o Meritíssimo Tribunal a quo que não resultou provado o valor peticionado pela Ré/Apelante. No entanto, esta fez-se acompanhar entre outra de uma testemunha que tinha como actividade profissional a mediação imobiliária, bem como, alegou em plena Audiência de discussão e Julgamento um facto público e notório que foi a publicação de reportagem na Revista ROTAS de Julho de 2007, onde constavam que os preços praticados pela Ré/Apelante que iam de € 80,00 a € 120,00 por pessoa, diariamente. Por aplicação de um mero cálculo matemático pode comprovar-se que a utilização mensal do imóvel ocupado indevidamente pelo Autor, no mínimo, importou num prejuízo para a Ré/Apelante de € 2.400,00.

De harmonia com o disposto no n.º 1, do art. 524°, do C.C., depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, ora, tendo sido encerrada a discussão do presente processo em 15 de Janeiro de 2008, o documento que ora se junta foi publicado no Suplemento 52 fins-de-semana, da Revista Sábado, publicada em 20 de Março de 2008, pelo que, é o mesmo superveniente ao encerramento da discussão.

Também resulta do conteúdo da referida reportagem que os preços praticados pela Ré/Apelante para o arrendamento diário da vivenda – objecto da ocupação indevida do Autor – é de € 120,00, pelo que, mais uma vez por simples calculo matemático podemos constatar que o prejuízo mensal da Ré/Apelante é de € 3.600,00 (Doc.1, que se junta a final).

Pelo que parece, no modesto entendimento, da Ré/Apelante que a importância de € 1.000,00/mês peticionada a título de indemnização pela ocupação indevida que foi efectuada pelo Autor é mais do que razoável, bem como se encontra mais do que provada.

Na eventualidade do Meritíssimo Tribunal a quo entender que a prova carreada para os autos não foi a suficiente para formar a sua convicção, então deveria ter ordenado que fosse efectuada indagação oficiosa, nos termos do n.º 4, do art. 380°, do C.P.C., nomeadamente na determinação da realização de urna perícia, procurando assim o Tribunal suprir a insuficiência de prova através de uma sua iniciativa afim de determinar o (matam da obrigação de indemnizar.

Poderia ainda ter o Meritíssimo Tribunal a quo, sendo certa a existência de danos e não se tendo apurado, com precisão e certeza, a quantidade de tais danos e correlativa reparação, condenado no que se liquidar em execução de sentença, nos termos do n.º 2, do art. 661°, do C.P.C., no entanto, limitou-se a decidir que não foi provado o valor.

E esta seria apenas em Ultimo caso, "não sendo possível fixar o valor exacto dos danos a indemnizar, não deve esse facto excluir a efectivação do direito à indemnização, pois compete ao tribunal a sua fixação segundo um juízo de equidade face às circunstâncias do caso concreto" (R.P. 13/12/90, C.J. 1990, 5° 216).

Podendo-se dizer que o recurso à equidade constitui um critério residual que só será aplicável desde que dos factos provados se tenha como demonstrada a existência de danos e quando estiverem esgotadas as possibilidades de determinação do valor desses danos, esta jurisprudência prende-se com a aplicação do art. 566°, n.º 3 do C.C.

Assim, é só quando se entendesse, por mera hipótese, que se encontravam esgotados todos os meios susceptíveis de permitir determinar o valor exacto dos danos, estando provados os danos o Tribunal teria de julgar equitativamente o seu valor o que no nosso modesto entender não será de aplicar, pois quaisquer dos métodos anteriormente referidos, serão métodos capazes de produzir convicção bastante neste Colendo Tribunal.

6. Nas contra-alegações pugna-se pela manutenção da decisão recorrida.

7. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

8. Está provado que:

1 – Consta declarado na Conservatória de Registo Predial sob a ficha n°, freguesia do, relativamente ao prédio urbano designado, a propriedade do mesmo a favor da 1ª R., B, desde 9/10/2003 – al.A);

2 – G emitiu um cheque ao portador, no valor de € 500,00 – al.B);

3 – O A. depositou na CGD  quantia de € 250,00 relativa a renda de casa do mês de Março de 2005, relativa ao imóvel referido em A) – al.C);

4 – O BC atestou a emissão de um cheque em nome do A., em 2004/01/06, em 2004/03/05, em 2004/05/06 e 2004/07/08, cada um no valor de € 500,00, em termos e condições que resultam de fls. 40 a 43 do procedimento cautelar a estes autos apenso – al.D);

5 — Em Dezembro de 2003, o J declarou ter para entrega ao A., na morada referida em A), um frigorifico e máquina de lavar em termos e condições que resultam de 11s.47 do procedimento cautelar a estes autos apenso — al.E);

6 — A P  SA facturou em nome do A. na morada referida em A), consumos de telecomunicações referentes a Fevereiro de 2004 — al.F);

7 — O A. tinha cães que sujaram, pelo menos numa ocasião, o imóvel identificado em A).

8.1. Está ainda provado que:

Desde 1 de Novembro de 2003, o autor ocupa o imóvel sito na Quinta  (por não ter sido expressamente impugnado).

Tendo sido impedido de entrar e permanecer no referido imóvel, o autor requereu providência cautelar de restituição provisória de posse, a qual foi decretada, tendo sido restituído à sua posse em 1/6/2005 (cf. apenso A).

9. Das nulidades da sentença

9.1. Alega a recorrente que a sentença é nula, nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 668°, do C.P., por haver contradição entre a fundamentação e a decisão.

Sem razão.

Na verdade, aquela nulidade consiste numa contradição intrínseca da sentença, qual seja a de os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, em termos logicamente inequívocos, a uma conclusão oposta ou diferente da adoptada, contradição que não se vislumbra na sentença recorrida, sendo certo que a nulidade em análise não se confunde, naturalmente, com a questão de saber se aquela padecerá de algum erro na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, errou na indagação de tal norma ou na sua interpretação.

9.2. A ré/recorrente pede, em reconvenção, que seja declarado que a ré é proprietária do prédio urbano identificado na p.i. e que o autor seja condenado a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o dito imóvel e restituir-lho, livre de pessoas e bens.

A este respeito, a sentença recorrida é completamente omissa, o que consubstancia a nulidade, por omissão de pronúncia, prevista no art. 668º, nº1, al. d), do CPC, cujo conhecimento está, todavia, dependente de arguição pelo interessado. Não sendo esse o caso dos autos (na verdade, a ré limita o conhecimento do objecto do recurso à questão da indemnização pela privação do uso), não pode a nulidade cometida ser suprida por esta Relação, como permitiria o disposto no art. 715º, do CPC.

10. Do pedido de indemnização

A ré/recorrente pede, em reconvenção, que o autor seja condenado pela ocupação indevida do imóvel, de que é proprietária, a pagar-lhe a quantia mensal de € 1.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de ocupação do imóvel até sua efectiva desocupação.

O tribunal a quo considerou não estar provado a que título o autor ocupava o imóvel pertencente à ré, pelo que julgou improcedente o pedido.

Ora bem.

A prova do direito de propriedade poderá ser feita através da alegação de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, excepto se se verificar a presunção legal da propriedade, resultante da posse ou do registo.

No caso que analisamos, a ré alega ser proprietária do imóvel ocupado pelo autor e junta certidão da conservatória do registo predial da qual consta que a aquisição do imóvel reivindicado está registada a seu favor (cf. factos provados). Beneficia, pois, da presunção (não ilidida) resultante do registo, pelo que é de considerar incontestada a sua qualidade de proprietária, facto que, aliás, o próprio autor reconhece expressamente na petição inicial.

Sendo assim, provada a propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei, entre os quais não figura o de o réu ocupar a coisa abusivamente e sem título (art. 1311º, CC).

Ou seja: sobre o autor de uma acção de reivindicação impende apenas o ónus de alegar e provar que é proprietário da coisa que reivindica e que esta se encontra em poder do réu. O réu, por sua vez, se quiser evitar a condenação terá de alegar e provar que a sua detenção é legítima e oponível ao autor.[1] [2]

Ora, in casu, é patente que o réu não logrou fazer a prova de que beneficia de título válido que legitime a ocupação, pelo que a detenção do imóvel não pode deixar de considerar abusiva.

Nestes termos, considerando o teor das conclusões do recurso que, como sabemos, delimita o seu objecto, a única questão que importa agora apreciar consiste em saber se tem fundamento o pedido de condenação em determinada quantia a título de indemnização (pela privação do uso).

A resposta não pode deixar de ser afirmativa.

Na verdade:

O art. 1305º, do CC confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa pelo que, estando a ré impedida de fruir o prédio e não tendo o autor logrado convencer que o detém com base em título válido oponível ao proprietário, assiste à ré o direito de formular o correspondente pedido de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação[3].

Nesta matéria, acolhemos a tese que defende que o ressarcimento não está dependente da prova, em concreto, de prejuízo efectivo, sendo suficiente a prova da mera privação temporária do uso.

É esta privação do uso que constitui um dano de natureza patrimonial, indemnizável nos termos do art. 483º, do CC.

Sucede que não consta dos factos provados o período de tempo que durou a utilização abusiva, nem sequer o valor locativo do imóvel ocupado pelo réu (o que constitui um valor de referência a ter em conta pelo tribunal na fixação da indemnização), daí que se deva relegar para liquidação a fixação do montante da indemnização (art. 661º, nº2, do CPC).

11. Nestes termos, concedendo parcial provimento ao recurso, acorda-se em condenar o autor a pagar à ré/recorrente a quantia que se vier a apurar em liquidação, correspondente ao valor locativo do imóvel, desde o início da ocupação, isto é, desde 1/11/2003, até à sua efectiva entrega à ré/recorrente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da decisão liquidatária até integral pagamento.

Custas pelas partes na proporção do decaimento.

Lx., 6 de Outubro de 2009

Maria do Rosário Morgado

Rosa Ribeiro Coelho

Maria Amélia Ribeiro


[1] Como sublinha Henrique Mesquita, RLJ, ano 125º, 94 e ss., quando o reivindicante actua contra um detentor ilegítimo, não tem de provar a ilegitimidade da detenção: é ao réu que incumbe alegar e provar que detém a coisa com base num título oponível ao proprietário.
[2] cf. Neste sentido, o Ac. STJ de 8/10/2002, www.itij.pt/jstj.
[3] cf. Ac. Rel. Lx de 1/7/2003 (www.itij/jtrl), de que fomos relatora.