Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7189/2003-4
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: BANCÁRIO RETORNADO
PENSÃO DE REFORMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- Os instrumentos de regulamentação colectiva estão limitados, na sua aplicabilidade, ao território nacional.
II- Assim, tendo o Autor/trabalhador estado ao serviço do Banco Comercial de Angola, sem qualquer relação laboral, à data da cessação do contrato, com entidade subordinada ao Estado Português, e não tendo ficado provado que os trabalhadores daquele banco foram integrados no Banco- Réu, não lhe é aplicável o ACTV para o sector bancário e, designadamente, o seu subsistema de previdência próprio e a pensão de reforma aí prevista.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

(A) veio instaurar, no Tribunal do Trabalho das Caldas da Rainha, contra o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, SA, a presente acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo a condenação do R. a reconhecer-lhe o direito a receber dele, a título de pensão de reforma por velhice, as mensalidades previstas na clª 139ª do ACTV para o sector bancário publicado no BTE n.º 31, 1ª série de 22/08/90, a pagar-lhe as mensalidades de reforma por velhice desde 7/01/93 e as mensalidades da pensão de reforma por invalidez presumível vincendas, a liquidar, se necessário, em execução de sentença, bem como juros, à taxa legal, a contar da data da citação.
Alegou, para tanto, em síntese e de relevante, que estava ligado, por contrato de trabalho, ao Banco Comercial de Angola, cujo principal accionista era o Banco Português do Atlântico, entretanto incorporado no R. Após a descolonização, os trabalhadores do primeiro banco foram integrados no segundo. Por força do ACTV do sector bancário vigente à data da cessação do seu contrato por sua iniciativa, em 31 de Março de 1977, considernado a data em que atingiu a idade de 65 anos, e tendo em conta que recebe um pensão de reforma do Centro Nacional de Pensão, tem direito a que o Réu lhe pague as reclamadas mensalidades.
Citado, o Réu apresentou contestação, onde, sinteticamente, afirma que é parte ilegítima em virtude de nunca ter mantido com o A. contrato de trabalho, o mesmo tendo acontecido com o Banco Português do Atlântico, que as prestações vencidas se encontram prescritas e que o A. trabalhou em Angola e rescindiu o seu contrato naquele país, razão pela qual é alheio à relação laboral que o mesmo manteve com o Banco Comercial de Angola, não se lhe aplicando o ACTV para o sector bancário vigente em Portugal. Mais afirma que este banco foi objecto de confisco, passando a denominar-se Banco Popular de Angola, e que o Banco Português do Atlântico, na sua qualidade de sócio maioritário, apenas tomou providências no sentido de administrar bens daquele, existentes em Portugal.
Conclui pela improcedência da acção.
O A. respondeu alegando que rescindiu o seu contrato no que respeita à relação que desenvolvia com o Banco Popular de Angola, mantendo-se a que tinha com o Banco Comercial de Angola visto tal instituição bancária não ter sido extinta na ordem jurídica nacional.
Condensada, instruída e julgada a causa foi proferida sentença a declarar improcedente a acção e a absolver Réu do pedido.
Inconformado com o decidido, veio o Autor interpor recurso, que foi admitido, e onde formulou as seguintes conclusões:
1º Os trabalhadores bancários têm um regime de segurança social próprio, substitutivo do regime da segurança social que se caracteriza por ser um sistema público, obrigatório, substitutivo e o seu perfil jurídico - que lhe advém da delegação de tarefas públicas da Segurança Social prevista no artº 69º da Lei 28/84.
2. O sistema de segurança social geral obedece aos princípios da universalidade e igualdade (art° 5º da Lei 28/84) e todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para os cálculos das pensões de velhice e invalidez (art° 65º n° 5 da Constituição).
3º Como acentua o Ac. STJ de 26/9/1990 publicado in AD n° 349 pago 138: "... o sector bancário dispõe, de há muito de um sistema de previdência próprio, admitido a título transitório pelo artº 69º da Lei 26/84, de 14 de Agosto"
4. E, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/7/1997 in Co1.Jur, STJ Ano V, Tomo II, Pag.299 que diz:"...Não podem subsistir dúvidas em que todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector da actividade em que tiver sido prestado.
5. O mesmo douto acórdão acrescenta " diremos até que a simples justiça retributiva implicaria que fosse o réu a suportar os encargos com a reforma do autor pelo tempo em que ele para si trabalhou - pois que foi o réu que beneficiou do trabalho do autor nesse sentido",
6. O Recorrente era trabalhador do Banco Comercial de Angola e, este não só era uma Entidade Bancária Portuguesa (foi entidade bancária portuguesa mesmo depois do seu confisco) como era abrangida pelo especialíssimo regime de segurança Social dos Bancários, pelo que não pode, assim, o Recorrente, deixar de ser titular de um direito perante essa entidade ou perante quem lhe sucedeu.
7. O facto do trabalhador ora Recorrente não ter sido Sindicalizado em nenhuma das entidades subscritoras da Convenção Colectiva de Trabalho e o facto de não ter prestado trabalho em Portugal Continental, não o afasta deste " seguro social" universal (como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 1990, publicado in A.D. n° 349, ano XXX, pago 138), público obrigatório e substitutivo que é a Segurança Social Bancária inserida na Convenção Colectiva para o sector Bancário.
8. Não existiu uma aquisição no sentido invocado, pelo que o art° 37º n° 1 do DI 49408 de 24/11/1969 pelo que não poderá ser chamado à colação, para justificar a transmissão da relação de trabalho que o Recorrente tinha para com o Banco Comercial de Angola para o Banco Popular de Angola.
9. E não se transmitindo para este os direitos e obrigações emergentes da relação de trabalho, estes permaneceram " adormecidos no acervo do complexo de direitos e obrigações do Banco Comercial de Angola", acordando quando se tomaram exigíveis, isto é, com a idade da reforma por velhice do trabalhador.
10.Ao contrário do que a douta sentença ora recorrida refere não se trata de discutir a eventual caducidade, ou não, do contrato de trabalho. Do que se trata é de saber se um trabalhador que tenha cessado as suas funções no Sector Bancário, onde existe inserido na convenção colectiva um seguro social de natureza pública, obrigatório e substitutivo - por isso universal - tem, ou não, direito ao correspondente tempo de serviço para efeitos do cálculo da sua pensão de reforma.
O Réu, nas suas contra-alegações, concluiu pela manutenção da sentença impugnada.
Foram corridos os vistos legais.
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Na 1ª instância considerou-se provada a seguinte factualidade, que assim se considera fixada:
1 – O Banco Comercial Português incorporou, por fusão, o Banco Português do Atlântico.
2 – O A. entrou ao serviço do Banco Comercial de Angola, sob as suas ordens e direcção, a tempo inteiro, em 2/12/67.
3 – O A. exerceu as suas funções e tarefas, cumprindo horário de trabalho diário e semanal, funções e tarefas sempre desempenhadas nas instalações do referido banco, na sua agência de Luanda.
4 – O mencionado banco, que exigia a execução pessoal dessas funções e tarefas por parte do A., fornecia-lhe também o material e os instrumentos de trabalho, necessários á execução das mesmas.
5 – Na execução dessas funções e tarefas o A. estava sujeito às orientações impostas pelo banco, donde emanavam as ordens e os parâmetros de execução da prestação do trabalho e a quem o A. prestava obediência.
6 – O Banco Português do Atlântico era o principal accionista do Banco Comercial de Angola.
7 – O A. rescindiu unilateralmente o contrato de trabalho em 31/03/77, em Angola.
8 – O A. nasceu a 7/01/28.
9 – O A. possui uma pensão de reforma por velhice, cuja pensão, no montante de 41.150$00, é paga pelo Centro Nacional de Pensões.
10 – O Banco Comercial de Angola foi confiscado e designado Banco Popular de Angola, na sequência da Lei 70/76 de 5/11.
11 – Á data desse confisco, decretado pela referida lei, existiam bens situados em Portugal, que passaram a carecer de administração.
12 – O Banco Português do Atlântico, como sócio maioritário do Banco Comercial de Angola, SARL, requereu judicialmente que se procedesse á nomeação judicial de um ou mais sócios residentes em Portugal, pedido esse que foi julgado procedente.
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Cumpre apreciar e decidir.
O inconformismo do recorrente, integrante do objecto da apelação (que, como é sabido, se nos apresenta delimitada pelas conclusões da respectiva alegação de recurso- artºs 648º, nº 3, e 690º, nº 1, do Cod. Proc. Civil), reconduz-se, basicamente, à questão da aplicabilidade da contratação colectiva vigente para o sistema bancário.
Desde já adiantamos que não merece qualquer censura a sentença sob recurso, que abordou tal questão com a profundidade e rigor adequados e se socorreu irrepreensivelmente das normas jurídicas aplicáveis ao caso.
Nas suas alegações, o Autor não contraria minimamente a respectiva fundamentação(nem se vislumbra como o poderia fazer), limitando-se a pouco mais do que considerações gerais sobre o direito à pensão de reforma.
Daí que não fosse despropositado o recurso ao mecanismo previsto no artº 713º, nº 5, do C.P.C., confirmando, sem mais, a sentença de 1ª instância.
Por isso nos limitaremos a breves considerações, sem qualquer inovação em relação ao que já foi dito na sentença, a qual, como se disse, abordou correctamente a questão e decidiu acertadamente.
Conforme resulta dos autos, enquanto o Autor propugna pela aplicação, ao seu caso concreto, do disposto na clª 139ª do ACTV para o sector bancário, e assim ver reconhecido o direito, que invoca, à pensão de reforma peticionada, já que trabalhou, até de 1977, num Banco sediado em Angola, e que os trabalhadores desse banco, cujo principal accionista era o Banco Português do Atlântico, foram integrados neste após a descolonização, o Réu contrapõe que a contratação colectiva vigente em Portugal não se aplica ao A., na medida em que este executou o seu contrato de trabalho em Angola, local onde também lhe pôs termo, e para um banco com o qual não tem qualquer relação de conexão.
O direito à pensão de reforma é um direito constitucional politicamente inviolável, colocando-se entre os direitos fundamentais do homem.
O fundamento da tutela do direito à pensão por invalidez, velhice e sobrevivência reside no interesse público de garantir a todos os cidadãos os meios indispensáveis que lhes permitam o gozo efectivo dos direitos civis e políticos, sempre que se verifique a situação de necessidade por razões de idade, velhice, invalidez ou morte do trabalhador.
Em Portugal, o sector bancário dispõe, há muito tempo, de um subsistema de previdência próprio, em que a prestação da segurança social é entregue à própria entidade patronal, que assume os respectivos encargos, não por força de um contrato, mas a título de seguro social.
Como se refere na sentença, o ACTV de 1978, publicado no BTE nº 18/76, apenas entrou em vigor em 15 de Maio de 1978 – ver a sua clª 3ª, sendo que o Autor rescindiu o seu contrato de trabalho em 31 de Março de 1977. Logo por aqui se verificaria a sua inaplicabilidade.
Além de que, como resulta da sua clª 1ª, essa aplicabilidade limitava-se ao território português, o que mais não é do que um corolário do princípio geral da contratação colectiva, nos termos do qual os instrumentos de regulamentação colectiva estão limitados, na sua aplicabilidade, ao território nacional.
Por outro lado, a aplicação retroactiva do mencionado ACTV, prevista na sua cláusula 162ª, está naturalmente limitada aos trabalhadores bancários que prestavam a sua actividade profissional em território português à data da entrada em vigor do mesmo- como se viu, 15/5/78.
O A. iniciou funções ao serviço do Banco Comercial de Angola, SARL, de que o Banco Português do Atlântico, SA era o principal accionista, em 2 de Dezembro de 1967. Aquele primeiro banco foi objecto de confisco por meio da Lei nº 70/76, de 5 de Novembro, publicada no Diário da República de Angola, I Série, de 10/11/76 (doc nº 2 junto com a contestação), passando a designar-se Banco Popular de Angola.
Como se salienta na sentença, o A. continuou ao serviço do Banco Popular de Angola desde a data do confisco até à da rescisão, ocorrida em 31/03/77, e nesta data não tinha qualquer relação de trabalho estabelecida com alguma entidade subordinada ao Estado Português. E designadamente com o Banco Português do Atlântico, que era o principal accionista do Banco Comercial de Angola, tendo personalidade jurídica perfeitamente distinta deste e não sendo, como tal, entidade patronal do Autor.
Na data da rescisão, Angola era já um território independente - cfr. Acordo publicado no Diário do Governo, I Série- Suplemento, de 28/1/75.
Citando novamente a sentença sob censura, o confisco é um acto de transferência do direito de propriedade para o Estado, um acto praticado à luz do “ius imperii”.
Com a prática de tal acto a relação laboral do A. deixou de ter conexão com Portugal, na medida em que este continuou ao serviço do Banco Angolano.
E não se diga que o A. não rescindiu com o Banco Comercial de Angola e que a relação que tinha com este se manteve, pois, em Angola, este Banco, passou a denominar-se conforme sobredito e o A continuou o seu desempenho até à data da rescisão para o banco com a nova denominação e proprietário. Não coexistiam ali dois bancos, mas apenas um cuja titularidade passou a ser do Estado Angolano e apenas um para o qual o A passou a prestar a sua actividade- o Banco Popular de Angola.
Não restam, pois, dúvidas, que à data da rescisão o A. mantinha um único vínculo laboral – o que o ligava ao Banco Popular de Angola, circunstância impeditiva, também ela, de se lhe aplicar a contratação colectiva que propugna e, logo, de imputar alguma responsabilidade ao já extinto Banco Português do Atlântico e, por via deste, ao R..
O Autor alegou, também, que os trabalhadores do Banco Comercial de Angola, onde ele próprio se incluía, foram integrados no Banco Português do Atlântico.
Tal matéria de facto foi incluída no quesito 1º, que foi objecto de resposta negativa, sendo que o ónus da prova competia ao Autor.
Finalmente, e como refere o Réu, ao Autor também não aproveita o Despacho Normativo nº 210/77, de 29 de Outubro, que garantiu aos trabalhadores portugueses que continuaram ao serviço da banca em Angola e Moçambique “ a integração no sistema bancário nacionalizado português, desde que verificadas as condições indicadas no presente despacho”. É que à data da publicação desse despacho, já o Autor não era trabalhador bancário, por entretanto ter rescindido o seu contrato.
Pelo que falecem as conclusões do recurso.
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Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento à apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 21/01/04

Ramalho Pinto
Duro Mateus Cardoso
Guilherme Pires