Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3850/2005-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: TRANSMISSÃO DE TÍTULO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I - O direito dos herdeiros do aforrista de requererem a transmissão dos certificados de aforro integradores da herança daquele pode ser exercido, como decorre da lei, a partir da morte do mesmo aforrista. Isto porque o direito se constitui com o facto do decesso do aforrista, podendo a partir desse momento ser exercido.
II- O facto de os herdeiros, por circunstâncias alheias à sua vontade, apenas tomarem conhecimento da existência dos certificados de aforro mais de cinco anos volvidos sobre a morte do aforrista, não integra uma situação que suspenda ou interrompa a prescrição.

II- A prescrição em causa só não se teria verificado, se se tivesse suspendido ou interrompido nas situações previstas nos artigos 318º a 327º do CC, que têm de ser entendidas como taxativas e que no caso se não verificam, designadamente por não estamos em face de um caso de força maior.

Decisão Texto Integral: I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A, B, C, D e E intentaram acção declarativa condenação, com processo comum ordinário, contra o INSTITUTO DE GESTÃO DO CRÉDITO PÚBLICO,  alegando, em síntese, que:

Em 1987  F, à data casado  no  regime de  comunhão  geral de  bens com  G,  subscreveu  certificados aforro, sem que mais alguém o soubesse para lá do subscritor;

Faleceu a 11 de Março de 1988 e por morte deste sucederam-lhe os filhos - os quatro primeiros AA - e a esposa, sendo que esta veio a casar com o 5 ° A e, tendo  entretanto falecido, em 26 de Fevereiro 1999, sucedendo-lhe os filhos e o marido - A 5.

Após o óbito do  subscritor dos certificados, a casa de família ficou abandonada, e  só após a morte da mulher do subscritor, e porque os herdeiros decidiram vender a casa, que, por  via  de limpezas  a  que procederam,  descobriram certificados de aforro metidos entre  as páginas da Bíblia  que pertenceu ao aforrista.

Os AA trataram  de junto do  Réu  do  reembolso dos certificados, pois que até à  descoberta dos mesmos certificados, não se pôde iniciar contagem do prazo prescricional,  nos termos do  art. 306° do CC.

Metade  do  valor  dos certificados pertence à falecida G, sendo o valor global dos  certificados 20.407,20 euros.

Pedem a condenação do Réu a pagar-lhes aquela quantia, com juros moratórios, à taxa de 7%,  ao ano desde a citação.

Subsidiariamente peticionam do Réu o reembolso de metade dos certificados por ser pertença da G e em relação à qual - invocam - ainda não decorreu o prazo prescricional para o reembolso, a que acrescem juros moratórios, à taxa de 7% ao ano desde a citação.

O Réu contestou, excepcionando a prescrição e concluindo pela improcedência parcial da acção.

Face à posição do Réu, por despacho proferido nos autos foi sugerido que os AA requeressem junto do Réu o pagamento da meação da Maria do Amparo nos certificados em causa, decidindo-se que a acção ficava assim prejudicada nesta parte do pedido.

Prosseguiram os autos os seus trâmites, sendo proferido despacho saneador e elaborada a especificação e a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, julgando a acção improcedente, por se considerar verificada a excepção da prescrição, absolvendo o réu da parte restante do pedido.

Inconformados com a decisão, vieram os AA interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:

(…)

Não houve contra-alegação.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde foram colhidos os legais vistos, pelo que nada obstando ao conhecimento da apelação, cumpre decidir.

A questão a resolver é a de saber se se verifica, ou não, a prescrição ao direito do reembolso dos certificados de aforro e respectivos juros de mora.

II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.

(…)

III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Nos termos do art. 3º/1 do DL 172-B/86, de 30 de Junho, diploma que autoriza a emissão de certificados de aforro, diz que estes certificados são nominativos, reembolsáveis, só transmissíveis por morte e assentados apenas a pessoas singulares.

E no que respeita à sua transmissão estipula o art. 7.º/1 que “por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de cinco anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efectivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhes deram origem, ou o respectivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado”.

Uma vez decorrido aquele prazo de cinco anos verifica-se a prescrição dos certificados cuja transmissão não tenha sido requerida, conforme estabelece o art. 7º/2: “findo o prazo a que se refere o número anterior, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respectivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição”.

Na douta decisão recorrida entendeu-se que os certificados de aforro que integram o acervo hereditário de F se encontravam prescritos por terem decorrido mais de cinco anos sobre a morte do aforrista, sem que os seus herdeiros tivessem requerido a sua transmissão e o prazo prescricional ter começado a correr com o óbito daquele e não se ter suspendido nem interrompido, por ser irrelevante que aqueles herdeiros desconhecessem a existência daqueles certificados até ao momento em que vieram a ser por eles encontrados.

Por entendimento diverso se batem os Apelantes, defendendo que, por força da redacção e ratio do preceituado no art. 306º do CC, a contagem do prazo prescricional só se inicia com o conhecimento e possibilidade do exercício do direito, por a lei ser explícita ao dizer que o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido. E para o direito poder ser exercido, fundamental é que seja conhecido. Se assim não fosse, sempre o prazo se suspenderia, no caso em apreço, por força da impossibilidade de fazer valer o direito, como resulta do art. 321° do mesmo CC.

Ora, não parece que aos Apelantes assista razão.

Não é susceptível de controvérsia que o art. 306º/1 do CC estipula que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”. O que é questionável é saber quando é que no caso dos autos o direito podia ser exercido. E a interpretação parece que não poderá ser outra diferente da seguida na sentença recorrida. Com efeito, o direito dos herdeiros do aforrista de requererem a transmissão dos certificados de aforro integradores da herança daquele pode ser exercido, como decorre da lei, a partir da morte do mesmo aforrista. Isto porque o direito se constitui com o facto do decesso do aforrista, podendo a partir desse momento ser exercido.

Seguindo-se Menezes Cordeiro “diz-se que há prescrição quando alguém se pode opor ao exercício dum direito pelo simples facto de este não ter sido exercido durante determinado prazo fixado na lei. Para que haja prescrição é necessário a verificação dos seguintes requisitos: a) um direito não indisponível; b) que possa ser exercido; c) mas que o não seja durante certo lapso de tempo fixado na lei; d) e que não seja isento de prescrição”[1].

Ora, no caso ocorrem todos os requisitos para que a prescrição se deva haver por verificada, por estarmos em face de um direito disponível, que podia ser exercido a partir da morte do autor da herança e que, de facto, não o foi durante o prazo de cinco anos estabelecido na lei, sendo que o direito em causa não está isento de prescrição, antes a lei a afirma. E a prescrição em causa só não se teria, eventualmente, verificado, se se tivesse suspendido ou interrompido nas situações previstas nos artigos 318º a 327º do CC, que têm de ser entendidas como taxativas e que no caso se não verificam. Designadamente não estamos em face de um caso de força maior (art. 321º do CC), entendido enquanto acontecimento, da natureza ou do homem, geralmente imprevisível, e que sempre se configure como inevitável, em si mesmo e nas suas consequências.

O facto de os Apelantes, por circunstâncias alheias à sua vontade, apenas tomarem conhecimento da existência dos certificados de aforro mais de cinco anos volvidos sobre a morte do aforrista, não integra um caso de força maior, um caso que tenha ocorrido como inevitável acontecimento, pois que bem podia ter sucedido que tal evento se não tivesse verificado. Bastava que o aforrista em vida tivesse dado conhecimento aos seus herdeiros da existência dos certificados ou, tal não tendo acontecido, que estes mais cedo tivessem feito a descoberta dos mesmos, quiçá com uso dos mesmos meios com que mais tarde os haveriam de encontrar. A circunstância de a descoberta ter sido feita tardiamente não integra uma situação de impedimento de fazer valer o direito por motivo de força maior, mas apenas uma situação que obstou, de facto, ao exercício do direito, mas por motivo que para a lei não releva, ainda que digno de compreensão por estar ligado às contingências da vida.

E em favor de entendimento contrário não se pode invocar o disposto no art. 498º/1 do CC, relativamente ao direito a indemnização por facto ilícito, que estabelece que tal direito prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, pois que neste caso particular a lei dá relevo ao conhecimento - que mais não é que o conhecimento dos danos sofridos e indemnizáveis, devidos por conduta ilícita - como momento a quo para contagem do prazo prescricional, o que não acontece com a prescrição do direito à transmissão dos certificados de aforro, cuja contagem do prazo a lei manda fazer por referência à morte do aforrista.

Do que se conclui que no caso em apreço se verificou a prescrição ao direito do reembolso dos certificados de aforro acima aludidos, não se podendo, por isso, reconhecer direito aos Apelantes aos mesmos certificados.

Nem se vê que os Apelantes tenham também direito a juros de mora sobre os certificados de aforro que lhes foram pagos pelo Apelado, não só por parecer que não existe mora que lhe seja imputável, como, sobretudo, porque nos termos do art. 15º, al. b) do DL 172-B/86, acima citado, o reembolso dos certificados de aforro deve ser efectuado por valor determinado em função de taxas de juros estabelecidas pelo Ministro das Finanças, o que significa que até efectivo reembolso deverão ser contabilizados os juros devidos.

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

IV.  DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão recorrida.

Custas nas instâncias pelos apelantes.

Lisboa, 5 de Maio de 2005.

FERNANDO PEREIRA RODRIGUES

FERNANDA ISABEL PEREIRA

MARIA MANUELA GOMES

 


[1] In Dir. Obrig., 1980, 2º, 115.