Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8838/2004-6
Relator: URBANO DIAS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
CAUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: O art. 356º do CPC apenas permite que o juiz, após o recebimento de embargos com restituição provisória de posse, fixe caução, no caso de o embargado o requerer.
O juiz não tem um poder discricionário para a fixação da caução, antes deve ter em linha de conta o risco de desaparecimento da coisa ou, ainda, no montante do dano resultante da entrega, e em respeito absoluto pelo princípio do contraditório;
Estando em causa a restituição de bens imóveis, em princípio, não há necessidade de fixar caução.
Decisão Texto Integral:   Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


  1 – Nos autos de execução de sentença promovidos por M. Almeida e outros contra L. Veríssimo e outros, pendente no 5º juízo Cível de Oeiras, D. João V – Sociedade Imobiliária Lª deduziu embargos de terceiro, pedindo a restituição provisória da posse dos lotes de terreno para construção com os nºs 3, 5 e 14, e que tal restituição não ficasse condicionada ao pagamento de caução.

  2 – O Mº juiz a quo indeferiu in limine os embargos, mas tal decisão foi revogada pelo Tribunal da Relação que ordenou que se realizassem as diligências probatórias nos termos do art. 354º do C.P.C..

3 – Na sequência da decisão do Tribunal da Relação, o Mº juiz a quo acabou por receber os embargos, sujeitando embora a embargante à prestação de caução de 18.000.000$00 com o argumento de que a embargante não produziu prova que pudesse fazer concluir que nos prédios em causa não foram acrescentadas benfeitorias no valor de dezenas de milhar de contos.

  4 – A embargante não se conformou com a decisão que fixou a caução e dela agravou para esta instância, pedindo a sua revogação, tendo rematado as suas alegações com as respectivas conclusões nas quais suscitou as seguintes questões:

- a decisão recorrida pode causar-lhe danos irreparáveis porquanto está a pagar juros elevados ao BNC;

- não pode parar as obras nos lotes em causa;

- a diligência da entrega da posse ou não restituição da mesma pode ter como consequência a antecipação do vencimento dos empréstimos concedidos e a execução judicial por parte do BNC;

- goza da presunção derivada do art. 7º do C.R.Predial da propriedade dos referidos imóveis a seu favor.

  5 – O Mº juiz a quo sustentou a sua posição.

  6 – Cumpre, ora, decidir.

  O que importa saber é se a decisão recorrida este devidamente fundamentada ou se, pelo contrário, o Mº juiz a quo não devia ter fixado a caução que fixou.

  Vejamos.

  Com relevo para a decisão do presente recurso, importa salientar os seguintes factos:

- a embargante fundamentou a sua pretensão de restituição provisória de posse sobre os lotes em causa, dizendo ser proprietária dos mesmos, juntando, para tanto, cópia das certidões de escrituras de compra e venda e certidões dos registos de aquisição;

- No auto de entrega lavrado a 12 de Abril de 2000, consta, além do mais, que os lotes cuja restituição foi pedida pela ora agravante forma objecto de entrega e que o lote nº 14 tem uma casa em construção;

- aos embargos foi atribuído o valor de 42.000.000$00.

  O Direito

  O art. 356º do C.P.C. prescreve que “o despacho que receba os embargos determina a suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto aos bens a que dizem respeito, bem como a restituição provisória da posse, se o embargante a houver requerido, podendo, todavia, o juiz condicioná-la à prestação de caução pelo requerente”.

Comentando este preceito legal, Lebre de Freitas e Outros afirmam o seguinte:

  “A restituição tornou-se, assim, possível sem caução, o que não deve ser entendido no sentido de ser dispensada quando a prova obtida conduza à forte convicção da existência do direito de fundo do embargante ( … ), mas no de dever ser ponderado o risco de o bem penhorado vir a desaparecer ou perder valor em consequência da restituição, …, e dever ser ponderada também a consequência que a perda do eventual rendimento do bem, enquanto correm os embargos, pode ter na satisfação do direito da pessoa a favor de quem é feita a apreensão ou entrega. No caso de bem imóvel, o risco de desaparecimento ou perda do valor normalmente não existirá;…”[1]

  Por sua vez, Salvador da Costa salienta – e bem - que a obrigação de prestar caução, no caso de o juiz a determinar, é cumprida através do incidente a que alude o art. 990º, com a implementação do contraditório através da notificação do embargado, seguindo-se, com as necessárias adaptações, os termos do processo especial correspondente.

  E acrescente: “ pensamos, porém, que face ao princípio do pedido, o juiz não tem o poder discricionário de impor ou fixar caução, e que só a pode arbitrar se o embargado lho requerer”.

  Em relação ao montante da caução, entende este ilustre Conselheiro que, tendo em consideração que a restituição provisória de posse sobre os bens … não implica o levantamento da penhora ou arresto, deve o mesmo assentar no risco do desaparecimento, desvalorização ou perda de rendimento no confronto com o valor dos direitos de crédito que implicaram a apreensão e, ainda, que, na hipótese de restituição provisória de posse dos bens apreendidos em acção executiva para entrega de coisa certa ou procedimento cautelar, o valor da caução deve ser determinado com base no previsível dano resultante do atraso na sua entrega.[2]

  Dos ensinamentos supra referidos, podemos, ora tirar as seguintes conclusões:

 - o art. 356º do C.P.Civil apenas permite que o juiz, após o recebimento de embargos com restituição provisória de posse, fixe caução, no caso de o embargado o requerer ;

- o juiz não tem um poder discricionário para a fixação da caução, antes deve ter em linha de conta o risco de desaparecimento da coisa ou, ainda, no montante do dano resultante da entrega, e em respeito absoluto pelo princípio do contraditório;

- estando em causa a restituição de bens imóveis, em princípio, não há necessidade de fixar caução.

  Perante isto e tendo em linha de conta o que foi decidido e as questões suscitadas pela agravante, somos forçados a concluir que o Mº juiz  a quo fixou a caução de 18.000.000$00 sem qualquer base legal para fundamentar a sua decisão[3].

  Na verdade, a decisão de fixar à embargante caução deveria ter em conta o princípio do pedido, ou seja, não deveria fixar a mesma sem que o embargado o tivesse pedido.

  Por outro lado, não deveria o Sr. Juiz ter fixado o montante da caução sem que antes houvesse lugar ao processamento correspondente ao incidente de caução previsto no art. 990º do C.P.Civil.

  A tudo isto, acresce que em causa estão bens imóveis, o que significa que não há o risco de desaparecimento dos bens penhorados.

  Em suma, não se vislumbra razão para, em face dos elementos que constam dos autos, fixar à ora agravante a caução de 18.000.000$00, razão pela qual a decisão proferida tem de ser revogada.

  Procede, desta forma, a tese da agravante, muito embora por razões totalmente diferentes das explanadas nas alegações.

  7 –       Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se, no provimento do agravo, revogar a decisão impugnada.

  Sem custas.

        Lisboa, aos 11-11-04

Urbano Dias
Gil Roque
Sousa Grandão

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[1] In Código de Processo Civil Anotada, Volume 1º, pág. 624.
[2] In Os Incidentes da Instância 3ª edição -, pág. 212 e ss..
[3] Tudo indica que na fixação dos referidos 18.000.000$00 o Mº juiz a quo teve em conta os valores pelos quais os imóveis foram adquiridos pela ora agravante, mas nada a este respeito é dito no despacho recorrido.