Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ AUGUSTO RAMOS | ||
Descritores: | ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES INCUMPRIMENTO MAIORIDADE LEGITIMIDADE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/09/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
Sumário: | I – O artigo 181º, n.º 1, da O.T.M., aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, confere ao progenitor a quem o filho foi confiado legitimidade para, através desse incidente, exigir do outro o cumprimento coercivo da obrigação de pagamento das prestações de alimentos vencidas e não pagas. II - As prestações de alimentos vencidas e não pagas no decurso da menoridade não deixam de ser relativas à situação do menor por este ter atingido a maioridade. III - Apesar do filho ter atingido a maioridade, o progenitor a quem deviam ter sido entregues as prestações de alimentos, vencidas e não pagas no decurso da menoridade do filho, não deixa de ter legitimidade para, através do incidente em apreço, exigir do outro o cumprimento coercivo da obrigação de pagamento dessas prestações. F.G. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na secção cível da Relação de Lisboa: I – Relatório C deduziu, em 4 de Junho de 2007, este incidente de incumprimento da regulação do poder paternal contra R pedindo o pagamento da quantia de € 9.000,00, respeitante às prestações de alimentos em dívida, acrescida de juros legais. Para tanto, em síntese, alegou que, segundo foi fixado no regime do poder paternal relativo ao menor M ficou o requerido obrigado a entregar-lhe, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 150,00, mas o requerido de Junho de 2002 a Maio de 2007 não pagou qualquer quantia. O requerido, na sua alegação, concluiu, além do mais, por a requerente dever ser considerada parte ilegítima. Para o efeito, em síntese, alegou que foi determinado pelo tribunal que procedesse à entrega de € 150,00 mensais a título de pensão de alimentos devida ao menor M mas este, nascido a 4 de Fevereiro de 1989, já perfez 18 anos de idade e assim, deixando de ser menor de idade e de estar abrangido pelo poder paternal dos seus progenitores, cessou o direito de representação da requerente que deve ser considerada parte ilegítima. A requerente, alegando que efectivamente o M completou 18 anos de idade em Fevereiro de 2007, veio reduzir o pedido para a quantia de € 8.550,00. O Ministério Público foi de parecer de que a requerente carece de legitimidade para deduzir o incidente. Considerou para o seu parecer, em síntese, que o M atingiu a maioridade em 4 de Fevereiro de 2007, que desde então a requerente deixou de representar o seu filho, que a pensão de alimentos fixada na regulação do poder paternal e devida até o filho atingir a maioridade é estabelecida em favor deste e é ele que é credor da mesma, designadamente de eventuais prestações alimentícias que não tenham sido pagas, pelo que, tendo o M plena capacidade de exercício de direitos como já acontecia aquando da instauração do incidente, se verifica a excepção dilatória da ilegitimidade da requerente. Foi depois proferido despacho que julgou verificada a excepção da ilegitimidade da requerente e absolveu o requerido da instância. Nele, essencialmente, ponderou-se o seguinte: «Conforme certidão de fls. 8 dos autos de regulação de que o presente incidente depende, o filho M perfez dezoito anos, atingindo a maioridade, em 4/2/2007. É, assim, capaz para exercer os seus direitos, tendo legitimidade activa para o presente incidente. A requerente é parte ilegítima. A ilegitimidade singular é insuprível. Cumpre decidir em conformidade devendo o filho do requerido, se o quiser, instaurar pessoalmente novo incidente.» Deste despacho interpõe a requerente este recurso de agravo apresentado as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1ª- É assim destituído de fundamento (legal, jurisprudencial e doutrinal) o entendimento de que é parte ilegítima em incidente de "incumprimento da prestação de alimentos devidos a menor, nos termos do art.° 181. ° da OTM," a mãe requerente, por o filho ter atingido a maioridade; 2ª- E que deve ser o filho, que já atingiu a maioridade, a reclamar as quantias devidas a título de pensão de alimentos que deveriam ser pagas à mãe (conforme acordo paternal), no período em que este foi menor; 3ª- Não obstante as prestações pedidas, reportarem-se às prestações de alimentos nunca pagas à mãe, até este ter atingido a maioridade, devidas por acordo do poder paternal homologado judicialmente; 4ª-Tal entendimento não tem qualquer cabimento legal, pois o montante da pensão de alimentos mensal devido ao menor até este atingir a maioridade, que o pai estava obrigado a pagar à mãe mensalmente, indispensável ao sustento, habitação e vestuário e instrução e educação e alimentos do menor são pagos à mãe, a fim de evitar que a progenitora suporte as despesas com o menor sozinha; 5ª- Pelo que não faz qualquer sentido o despacho em crise concluir que: "... devendo o filho do requerido, se o quiser, instaurar novo incidente" pois o filho é que seria parte ilegítima ao reclamar pensões de alimentos devidas à mãe; 6ª- Pois foi esta sozinha que suportou todos os encargos com o menor, pelo que as prestações da pensão de alimentos não pagas pelo pai, a esta e só à mãe são devidas, e não ao filho que agora já é maior; 7ª- Pelo que face ao exposto não deverá ser considerada parte ilegítima no incumprimento da prestação de alimentos devidos a menor, nos termos do artigo 181° da O.T.M. a mãe, apenas porque o filho atingiu a maioridade. Termos em que pede a revogação da decisão recorrida. O requerido contra-alegou concluindo assim: 1ª- Bem andou o Ex.mo Sr. Magistrado do Tribunal “a quo” em relevar a ilegitimidade processual da requerente; 2ª- Pois que a presente acção deu entrada em juízo já após o Mickael ter completado os 18 anos de idade; 3ª- Sendo certo que a decisão recorrida faz apelo ao próprio menor (que já o não é), para, querendo, ser o mesmo a intentar a acção pelo “alegado” incumprimento alimentício!; 4- Devendo ser rejeitado o recurso, por ser manifestamente improcedente; Foi proferido despacho a sustentar a decisão recorrida. II- Fundamentação Face ao descrito desenvolvimento processual e perante as conclusões da alegação da recorrente a questão deste recurso é apreciar se a maioridade do filho retira à requerente legitimidade para exigir pagamento das prestações de alimentos vencidas e não pagas pelo pai durante a menoridade do filho. A requerente alega que o requerido, pelo regime do poder paternal fixado para o menor M ficou obrigado a entregar-lhe, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 150,00, que não pagou desde Junho de 2002 a Maio de 2007 no montante de € 9.000,00. Depois, porque o menor completou 18 anos de idade em Fevereiro de 2007, veio reduzir o pedido de pagamento das prestações vencidas de € 9.000,00 para € 8.550,00. Como a redução do pedido não chegou a ser admitida cumpre apurar se, das prestações de alimentos vencidas e não pagas de Junho de 2002 a Maio de 2007, a requerente tem legitimidade para exigir o pagamento das prestações vencidas durante a menoridade do filho, ou sejam as vencidas de Junho de 2002 a Janeiro de 2007. É certo, de acordo com o disposto nos artigos 130º e 1905º, n.º 1, do Código Civil, que com a maioridade se adquire plena capacidade de exercício de direitos e que os alimentos fixados na regulação do exercício do poder paternal são devidos ao filho. Contudo cumpre ponderar que o progenitor a quem se encontra confiado o filho suporta, na normalidade do dia a dia, as despesas necessárias a prover a segurança, saúde, educação e sustento do menor. Assim bem se pode entender que se «o filho maior não requer a realização coactiva da prestação alimentar contra o progenitor que a ela estava obrigado, tem de aceitar-se que o progenitor que dele cuidou e lhe prestou, exclusivamente, alimentos, provendo ao seu sustento, segurança, saúde e educação na medida das suas capacidades (citado artigo 1879º) durante a sua menoridade, possa tornar efectivas as prestações em dívida, mesmo que fixadas em sentença proferida durante a menoridade do alimentando, ao abrigo da figura da sub-rogação legal de harmonia com o disposto o artigo 592º, n.º 1, do Código Civil»[1]. Certo, visto o disposto nos artigos 397º, 1906º, n.º 2, e 2005º, n.º 1, 1ª parte, do Código Civil, é que para cumprir com a sua obrigação deve o outro progenitor entregar o montante de prestação alimentícia ao progenitor a quem está confiado o filho. Consequentemente no artigo 181º, n.º 1, da O.T.M., aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, estabelece-se, além do mais, que se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo. Confere-se, portanto, ao progenitor a quem o filho foi confiado legitimidade para, através desse incidente, exigir do outro o cumprimento coercivo da obrigação de pagamento das prestações de alimentos vencidas e não pagas. As prestações de alimentos vencidas e não pagas no decurso da menoridade não deixam de ser relativas à situação do menor por este ter atingido a maioridade. Efectivamente cumpre ponderar que nada justifica que o filho, atingida a maioridade, deva beneficiar do pagamento dos montantes correspondentes às prestações de alimentos vencidas e não pagas no decurso da sua menoridade e que, precisamente, se destinam a ressarcir as despesas havidas para prover à sua segurança, saúde, educação e sustento durante a sua menoridade. Consequentemente, apesar do filho ter atingido a maioridade, o progenitor a quem deviam ter sido entregues as prestações de alimentos, vencidas e não pagas no decurso da menoridade do filho, não deixa de ter legitimidade para, através do incidente em apreço, exigir do outro o cumprimento coercivo da obrigação de pagamento dessas prestações. De todo o modo reconhecer-se, como se reconhece, à requerente legitimidade para deduzir o incidente de incumprimento relativo às prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do filho, mesmo depois deste ter atingido a maioridade, é «solução que, além do apoio legal referido, se considera mais adequada à realidade da vivência que envolve a problemática do cumprimento no tocante às prestações alimentares e, por isso, mais justa»[2]. III- Decisão Pelo exposto acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso e assim, revogando a decisão recorrida nessa medida, deve esta decisão ser substituída por outra que reconheça legitimidade à requerente para deduzir o incidente apenas no tocante às prestações de alimentos vencidas e não pagas durante a menoridade do M. Custas pelo recorrido na proporção correspondente a € 8.400,00 e na proporção restante pela recorrente: artigo 446º, n.º 3, do Código do Processo Civil. Processado em computador. Lisboa, 9.12.2008 José Augusto Ramos João Aveiro Pereira Rui Moura ______________________________ [1] Cfr. Ac. R.L., de 5/12/2002, C.J. 2002, V, 90. [2] Cfr. Ac. R.L., de 5/12/2002, C.J. 2002, V, 90. |