Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10790/2008-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/12/2008
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. O título executivo a que se refere o nº2 do artigo 15º do NRAU é de feição complexa, integrado por dois elementos corpóreos: o contrato de arrendamento escrito e o documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
2. Quando o senhorio pretenda operar a resolução do arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas, pode optar por um dos seguintes mecanismos alternativos: a) - a notificação avulsa; b) - ou a notificação por contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo a notificação neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanham, devendo o notificado assinar o original.
3. Quando o mecanismo escolhido pelo senhorio seja o da notificação avulsa, há que atentar na disciplina legal do seu modo de realização, em especial no disposto no artigo 261º do CPC.
4. A notificação, com hora certa, não é admissível no âmbito da notificações avulsas, pelo que não constituirá forma válida de resolver o contrato nos termos dos artigos 1083º, nº 3, e 1084º, nº 1, do CC e do artigo 9º, nº 1, 1ª parte, do NRAU. Nem poderá valer, para o mesmo efeito, como notificação mediante contacto pessoal de solicitador de execução nos termos da 2ª parte do nº 7 do citado artigo 9º, que exige também a notificação feita na pessoa do notificando.
5. A comunicação prevista no nº2 do artigo 15º do NRAU visa obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida.
6. No que respeita à executada fiadora, não resulta do nº2 do artigo 15º do NRAU que lhe devesse ser comunicado o montante em dívida, nem se torna necessário que seja interpelada para o seu pagamento.
Decisão Texto Integral: TEXTO INTEGRAL:

Apelação nº 10790/08 – 7ª Secção

Apelante : (A) …, na qualidade de cabeça-de-casal da herança deixada por óbito de (B)…, residente   29, Rua…,…;

Apelado: - (C) …e (D)…, residentes na Avenida …,nº.., 2º direito, …;

   (Processo de Execução Comum nº 6135/08.4TCLRS do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Loures)

O recurso foi admitido na espécie própria, no efeito e com modo de subida devidos, nada obstando ao conhecimento do respectivo objecto.

As questões suscitadas no presente recurso mostram-se de resolução simples, o que habilita a proferir decisão liminar sumária, ao abrigo dos artigos 700º, nº 1, alínea c), e 705º do CPC.


***   

         I – Relatório

1. (A)…, na qualidade de cabeça-de-casal da herança deixada por óbito de (B)…, veio requerer contra (C) …e (D) …execução para pagamento rendas no montante total de € 8.800,00, alegando, em síntese, que :

         - Por contrato de arrendamento de duração limitada outorgado por escrito particular, em 26/11/2004, entre o ora falecido (B)…, na qualidade de senhorio, e o ora executado (C)…, como inquilino, este se obrigou a pagar a renda mensal de € 400,00, conforme documento de fls. 10 a 16, tendo a executada (D) …intervindo no mesmo como fiadora solidária do inquilino;

         - Como o executado deixasse de pagar as rendas vencidas a partir de Novembro de 2006, a ora exequente requereu a notificação avulsa dos ora executados a comunicar-lhe a rescisão desse contrato e o montante das rendas então em dívida, no montante total de € 4.800,00, tendo aquela notificação sido efectuada em 26/10/2007 mediante a afixação de nota com hora certa, conforme documento de fls. 20 a 26;  

         - Entretanto o arrendatário pagou, em Dezembro de 2007 a quantia de € 1.200,00, que a ora exequente imputou no pagamento dos meses de Dezembro de 2006 e Janeiro de 2007;

         - Em 28-2-2008, a ora exequente instaurou execução para entrega do locado, a qual foi tramitada sob o nº 1453/08.4TCLRS do 4º Juízo Cível de Loures;

         - Estão em dívida as rendas vencidas a partir Janeiro de 2007 a 31 de Outubro de 2007, no montante de € 4.000,00, e as vencidas desde Novembro de 2007 a Outubro de 2008, no valor de € 4.800,00, perfazendo o total peticionado.

         Pede a exequente que se proceda à penhora para o pagamento coercivo das referidas rendas, requerendo ainda, cautelarmente, a dispensa da citação prévia do executado.

         A exequente baseia a execução no título executivo constituído pelo contrato de arrendamento invocado e pela certidão comprovativa da realização da sobredita notificação avulsa.     

         2. Foi proferido despacho de indeferimento liminar imediato do requerimento executivo com fundamento na manifesta falta de título executivo, por se considerar que não se verifica a comunicação a que se referem os artigos 9º e 15º, nº 2, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).

         3. Inconformada com tal decisão, a exequente recorre dela, formulando conclusões que se sumariam nos seguintes termos:

1ª – O título dado à execução foi o contrato e o documento comprovativo da notificação ao arrendatário e à fiadora através de solicitador na modalidade de citação com hora certa;

2ª – A comunicação ao arrendatário do montante em dívida podia ser efectuada por qualquer meio, sendo, para tanto, idónea a afixação de uma notificação judicial com hora certa, na porta da casa da respectiva morada constante do contrato de arrendamento e para a qual também deveriam ser enviadas as cartas que se destinassem aos fins previstos no artigo 9º do NRAU;

3ª – A motivação subjacente ao despacho recorrido – falta de menção da forma como foi apurado que os notificandos residem efectivamente no local onde foi afixado o edital – sempre seria desnecessária posto que tal notificação fora precedida de despacho judicial a ordenar a sua realização nos termos requeridos;

4ª – Acresce que a lei não obriga o agente da notificação judicial avulsa a mencionar como apurou que o citando reside ou trabalha efectivamente no local indicado, nem essa indagação deverá ser sindicada oficiosamente, só podendo ser apreciada a sua eventual irregularidade mediante reclamação do interessado e presumindo-se, até prova em contrário, a validade de tal acto;

5ª – Além disso, tratava-se do local arrendado pelo notificando para a sua casa de habitação, onde está contratualmente obrigado a residir permanentemente;

6ª – Assim sendo, não pode dizer-se que é manifesta a falta de título executivo, uma vez que se trata de título complexo, formado pelo contrato de arrendamento e pela comunicação ao arrendatário, feita através de notificação judicial avulsa com hora certa, cuja efectivação está demonstrada nos autos;

7ª – O despacho recorrido infringiu o disposto no artigo 812º, nº 2, alínea a), do CPC, pelo que deve ser revogado, ordenando-se o prosseguimento da execução.

         4. Os executados não foram citados para os termos do recurso e da acção, dado ter sido requerida, cautelarmente, a dispensa de citação prévia.              

         Cumpre apreciar e decidir.

         II – Fundamentação

A questão a resolver consiste em saber se os documentos dados à execução constituídos pelo contrato de arrendamento de fls. 10-16 e a certidão comprovativa da notificação judicial avulsa de fls. 20 a 26 reúnem os requisitos necessários e suficientes para serem dotados de exequibilidade quanto à obrigação de pagamento das rendas em causa. 

O nº 1 do artigo 45º do CPC consigna que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da execução. E de entre as espécies de títulos taxativamente previstas no nº 1 do artigo 46º, no que aqui releva, destacam-se :

   - os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético – alínea c) do nº 1;

- os documentos a que por disposição especial, seja atribuída força executiva - alínea c) do nº 1.

         Por sua vez, o nº 2 do artigo 15º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprovou o NRAU, prescreve que o contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento da renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida. Trata-se, por conseguinte, de uma disposição especial que, para efeitos de cumprimento coercivo das rendas, confere exequibilidade ao contrato de arrendamento condicionada à apresentação do mencionado comprovativo.     

         Desde logo, poder-se-ia discutir se o contrato de arrendamento escrito constitui, por si só, título executivo, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 46º do CPC, para a cobrança coerciva da renda, uma vez que dele consta já a constituição daquela obrigação de prestação pecuniária em montante determinado e até sujeita a prazo certo, que dispensa a prévia interpelação do devedor, como decorre lapidarmente dos artigos 805º, nº 2, alínea a), 1039º, nº 1, e 1041º, nº 1, do CC. Ou se, diversamente, face ao preceito inovador do nº 2 do artigo 15º da Lei nº 6/2006, o contrato de arrendamento para os efeitos considerados só é dotado de exequibilidade naquelas condições, o que traduziria, de certa maneira, quanto àquela espécie de título, uma restrição do âmbito latitudinário dos requisitos gerais de exequibilidade dos documentos particulares previstos na citada alínea a) do nº 1 do artigo 46º.

         Em todo o caso, não é essa a questão nuclear do presente recurso, mas sim a de saber se os documentos dados à execução reúnem os requisitos de exequibilidade previstos no nº 2 do artigo 15º da Lei nº 6/2006, mais precisamente, se a certidão da notificação avulsa junta a fls. 25 e 26 se deve considerar comprovativa da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida.

         Estamos pois em face de um título executivo de feição complexa integrado por dois elementos corpóreos: o contrato de arrendamento escrito e o documento comprovativo da sobredita comunicação. 

         Já que não se levantam dúvidas relativamente ao contrato, fixemo-nos na análise da referida certidão de notificação avulsa.

         Antes de mais, há que ter presente que, no artigo 15º do NRAU, não se define a espécie de comprovativo a que faz referência, pelo que importa, por ora, atentar no disposto no artigo 9º da mesma lei, no qual se encontra a disciplina sobre as formas de comunicação legalmente exigidas entre as partes.  

         Assim, no que releva para o caso, o nº 1 do predito artigo 9º consigna que salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção. E o nº 2 do mesmo normativo estatui que as cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.

         Porém, o nº 7 do mesmo artigo 9º prescreve que a comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do nº 1 do artigo 1084º do CC, é efectuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal do advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original. Por seu lado, o nº 1 do artigo 1084º do CC dispõe sobre o modo de operar a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento com fundamento na mora do arrendatário superior a três meses no pagamento da renda, impondo que se faça por comunicação à contraparte em que, fundamentalmente, se invoque a obrigação incumprida.

         Desse quadro normativo decorre que, quando o senhorio pretenda operar a resolução do arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas, pode optar por um dos seguintes mecanismos alternativos: a) - a notificação avulsa; b) - ou a notificação por contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo a notificação neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanham, devendo o notificado assinar o original.

         Quando o mecanismo escolhido pelo senhorio seja o da notificação avulsa, como sucede no caso vertente, há que atentar na disciplina legal do seu modo de realização, em especial no disposto no artigo 261º do CPC.

         Ora, o nº 1 do artigo 261º determina que a notificação avulsa se faça, com precedência de despacho prévio, através de solicitador de execução, designado para o efeito pelo requerente ou pela secretaria, ou por funcionário de justiça, nos termos do nº 8 do artigo 239º, na própria pessoa do notificando, à vista do requerimento, entregando-se ao notificando o duplicado e cópia dos documentos que o acompanhem. E o nº 2 do mesmo artigo 261º manda que se lavre certidão do acto, que é assinada pelo notificado. Estabelece-se portanto aqui um regime específico da notificação avulsa, que não por remissão genérica para as regras da citação.  

         Deste modo, do sobredito preceito legal resulta que a notificação avulsa se efectua mediante contacto pessoal, ou seja, na própria pessoa do notificando, o que significa que não pode ser substituída pelas formas equiparadas a citação pessoal, como são os casos de citação postal e citação em domicílio convencionado previstos, respectivamente, nos artigos 236º e 237º-A do CPC, e da citação em hora certa prevista no artigo 240º do mesmo diploma. 

         Com efeito, na versão originária do CPC, o artigo 261º, nº 1, em conjugação com o artigo 257º, nº 1, que, por sua vez, remetia para o artigo 241º do CPC, permitia que a notificação avulsa fosse feita pelo funcionário judicial acompanhado de um agente da autoridade ou da força pública, sem a presença do notificando, quando houvesse indícios de que este se procurava subtrair à diligência.

         Todavia, com o claro objectivo de eliminar a aplicação do regime estabelecido no artigo 257º às notificações avulsas, o Dec.-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, que introduziu a chamada Reforma Intercalar do Processo Civil, deu nova redacção ao nº 1 dos artigos 261º e 257º, passando a exigir que a notificação avulsa fosse feita na própria pessoa do notificando[1]

         A partir dessa inovação, deixou de ser sustentável a tese de Alberto dos Reis, segundo a qual, não exigindo a lei que a diligência fosse feita na própria pessoa do notificando, poder-se-ia aplicar analogicamente as disposições que regulavam a citação, nomeadamente as respeitantes à citação com hora certa[2]. Com a nova redacção dos preceitos em foco, nas palavras de Lebre de Freitas e outros, “o facto de nem a notificação em pessoa diversa ou por afixação de nota de notificação nem a forma edital serem admissíveis pode levar à necessidade de recorrer à propositura duma acção …”.

         No caso vertente, a ora agravante requereu a notificação avulsa do arrendatário e sua fiadora, mediante solicitador de execução, para operar a resolução do contrato de arrendamento em referência, com fundamento na falta de pagamento de rendas, ao abrigo do disposto nos artigos 1083º, nº 3, e 1084º, nº 1, do CPC, na redacção introduzida pela Lei nº 6/2006, e simultaneamente para comunicar aos notificandos as rendas em dívida vencidas, desde Novembro de 2006 a 31 de Outubro de 2007, no montante global, que era então de € 4.800,00. A notificação acabou por ser efectuada, em 26-10-2007, sob a forma de notificação com hora certa, como se alcança da certidão de fls. 17-26.

         Ora, na linha do acima exposto, essa forma de notificação, com hora certa, não é admissível no âmbito da notificações avulsas, pelo que não constituirá forma válida de resolver o contrato nos termos dos artigos 1083º, nº 3, e 1084º, nº 1, do CC e do artigo 9º, nº 1, 1ª parte, do NRAU. Nem poderá valer, para o mesmo efeito, como notificação mediante contacto pessoal de solicitador de execução nos termos da 2ª parte do nº 7 do citado artigo 9º, que exige também a notificação feita na pessoa do notificando.   

         Porém, daí não se poderá, sem mais, concluir que aquela notificação não possa valer para efeitos da cobrança coerciva das rendas já vencidas.

         Na verdade, o nº 2 do artigo 15º do NRAU que dispõe sobre esta matéria não especifica o modo de comunicação exigível, nem parece ser-lhe aplicável o regime contido no artigo 9º da mesma Lei, já que tal regime se circunscreve literalmente aos casos de cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras. A ser assim, ter-se-á de recorrer às disposições gerais dos negócios jurídicos.

         Vejamos então.

         Nesta sede, em primeiro lugar, importa observar que não se afigura clara a razão pela qual o nº 2 do artigo 15º do NRAU exige para a exequibilidade do contrato de arrendamento com vista à acção de pagamento de renda, o comprovativo da comunicação. Não é por certo para demonstrar a constituição da dívida exequenda, já que ela emerge do próprio contrato. Não poderá ser também para operar a interpelação, visto que, tratando-se de obrigação pecuniária de montantes determinados e de prazo certo, tal interpelação está dispensada nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 805º do CC. Daí que a única razão que se descortina é a de obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a tendencial vocação duradoura do contrato.   

         Assim sendo, como cremos que seja, a comunicação em causa traduz-se numa declaração de ciência receptícia que terá de constar, pelo menos de suporte escrito, como, por exemplo, o envio de carta registada ao arrendatário. Nestas circunstâncias, nos termos do artigo 224º, nº 1 e 2, do CC, a declaração torna-se eficaz não só quando chegue ao poder do destinatário, mas também nos casos em que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.

         Em iguais circunstâncias, afigura-se que uma notificação mediante solicitador de execução com hora certa, ainda que não valendo como notificação avulsa, oferecerá as mesmas garantias de segurança que a expedição de uma carta registada.

         No caso presente, essa notificação foi efectuada no próprio arrendado, que era também o domicílio do arrendatário constante do contrato, o que indicia que o não recebimento da comunicação se afigura, por ora, imputável ao destinatário, tornando, em princípio, a declaração receptícia eficaz. Tais indícios saem ainda, de certo modo, reforçados pelo facto de, segundo o alegado no requerimento executivo, o arrendatário lhe ter pago, em Dezembro de 2007, portanto já após a sobredita notificação, a quantia de € 1.200,00.

         Esta solução mostra-se, pelo menos, sustentável em relação às rendas que se venceram na vigência do contrato e contempladas na dita notificação avulsa, mas já não parece defensável quanto às rendas porventura devidas desde a resolução do contrato até à restituição do locado, a titulo de indemnização, nos termos do artigo 1045º do CC, na medida em que essa indemnização pressupõe a validade e eficácia da declaração resolutória operável nos termos do nº 7 do artigo 9º do NRAU.

         Assim, quanto às rendas que, segundo a exequente, se teriam vencido a partir de Novembro de 2007 até Outubro de 2008, no montante total de € 4.800,00, não se sabe, por ora, se são devidas enquanto tal na presumível vigência do contrato ou se serão devidas, a título de indemnização decorrente da sua resolução, já que se desconhece se a questão da validade e eficácia dessa resolução foi questionada no âmbito do processo de execução para entrega do locado, ignorando-se qual o estado ou desfecho desse processo. Acresce que as referidas rendas não poderiam sequer ser atendidas, enquanto rendas vencidas na vigência do contrato, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 15º do NRAU, uma vez que não foram contempladas na liquidação constante da notificação feita pelo solicitador de execução em 26/10/2007.    

            No que respeita agora à executada fiadora, não resulta do nº 2 do artigo 15º do NRAU que lhe devesse ser comunicado o montante em dívida, nem se torna necessário que seja interpelada para o seu pagamento, porquanto, como fiadora que é, responde pelas rendas vencidas do afiançado, independentemente de interpelação, como decorre do preceituado no artigo 634º do CC[3].

         De tudo isto, dir-se-á que poderá ser uma solução discutível, o que não se enjeita. De qualquer modo, mesmo que o seja, ter-se-á então de reconhecer, no limite, que não estamos, quanto às rendas vencidas desde Janeiro de 2006 até 31 de Outubro de 2007, perante um caso de manifesta falta ou insuficiência do título executivo que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 812º, nº 2, alínea a), do CPC, importe indeferimento liminar, sendo certo que aos executados sempre assistirá o direito de deduzir oposição à execução, questionando, nomeadamente, a validade e a eficácia do acto comprovativo do requisito da comunicação feita ao arrendatário. 

         Já quanto às rendas reportadas ao período decorrido entre Novembro de 2007 e Outubro de 2008, desconhecendo-se, como se desconhece, se  a final operou ou não a resolução do contrato e não estando elas liquidadas no comprovativo da comunicação ao arrendatário junta aos autos, não poderão ser atendidas no objecto da presente execução, por manifesta insuficiência do título executivo, nessa parte, sem prejuízo de a exequente, poder vir a reclamá-las, ainda no decurso desta acção, por via de cumulação sucessiva, desde que fundada em título executivo bastante. 

         Termos em que a apelação procede parcialmente.

     

         III – Decisão

         Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação e revoga-se o despacho recorrido na parte em que indeferiu o requerimento executivo quanto às rendas vencidas desde Janeiro de 2007 a 31 de Outubro de 2007, ordenando-se que o tribunal recorrido mande prosseguir os termos legais do processo nessa parte, mantendo-se, no mais, a decisão impugnada.

         Custas pela exequente na proporção do respectivo decaimento e sem custas na parte que lhe é favorável, dado que os executados não deram causa ao recurso nos termos que se têm por aplicáveis da alínea g) do nº 1 do artigo 2º do CCJ.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2008

O Juiz Relator

Manuel Tomé Soares Gomes

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[1] Neste sentido, vide Cardona Ferreira, Dec.-Lei nº 242/85, de 9 de Julho (Refornma Intercalar do Processo Civil) – Notas Práticas, pag. 33.
[2] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pag. 743; no sentido exposto, vide Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 2008, pag. 501, último parágrafo da nota 4.
[3] Sobre este ponto, vide ac. da Rel. de Lisboa, de 4/7/1991, CJ Ano XVI, Tomo 4º., pag. 167.