Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6536/05-6
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: DEFEITOS
COMPRA E VENDA
EMPREITADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – O artigo 484.º, número 1 do Código de Processo Civil limita-se a impor ao juiz que considere como confessados os factos alegados pelo demandante, nos casos em que o demandado, válida e eficazmente citado, não os conteste nem intervenha nos autos, nos moldes estatuídos no artigo 483.º do aludido diploma legal.
II – Tais factos, ainda que provados por confissão, podem revelar-se insuficientes para fundar o efeito jurídico perseguido pelo Autor, após a aplicação do respectivo regime jurídico aos mesmos, podendo acontecer também que os referidos factos, apesar de suficientes, não permitem a conclusão ou conclusões jurídicas que aquele pretendia com a propositura da correspondente acção.
III – Sendo a Ré construtora e vendedora do prédio onde se verificaram os vícios alegados pelo Autor e reportando-se os factos a um período de tempo iniciado no final do ano de 1999, é de aplicar à situação dos autos o regime do contrato de empreitada, conforme o estatuído no artigo 1225.º, número 4, do Código Civil, após a sua alteração pelo Decreto-Lei n.º 267/94 de 25/10 (o legislador, perante a cumulação, num mesmo sujeito, das qualidades de empreiteiro e vendedor, privilegia, nesta matéria dos vícios ou defeitos dos prédios, o primeiro estatuto em desfavor do segundo, chamando à colação o regime do contrato de empreitada).
IV – A circunstância do número 1 do artigo 1225.º afirmar que “sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes”, ou seja, que essas normas também se aplicam na íntegra às situações aí elencadas, como ainda porque o artigo 1225.º remete para alguns dos procedimentos e direitos ali consagrados, como é o caso da denúncia, eliminação e indemnização dos defeitos detectados no imóvel destinado a longa duração, como finalmente, porque o seu número 4 nos endossa para os números anteriores, importa uma aplicação geral do regime contido nos artigos 1219.º a 1224.º do Código Civil à situação de defeitos verificada em imóveis construídos pelos seus vendedores.
V – A citação da Ré na acção pode valer como denúncia dos defeitos surgidos no prédio do Autor, nos termos e para os efeitos do artigo 1225.º, número 2, do Código Civil.
VI – É legítimo ao Autor reclamar, conjuntamente com a sua denúncia, a imediata condenação da Ré na eliminação dos vícios em causa, com início dos respectivos trabalhos dentro do prazo máximo de 30 dias após o trânsito em julgado da última decisão judicial de mérito proferida nos autos, mas já não pode pedir a condenação cumulativa da mesma nas demais formas de reparação da situação denunciada, conforme previstas nos artigos 1221.º a 1123.º do Código Civil.
VII – O Autor, na sequência dessa condenação e perante a inoperância da demandada, pode agir em conformidade com o restante regime legal aplicável, instaurando então a competente acção executiva para prestação de facto, aí requerendo o que tiver por conveniente (cf. artigos 933.º a 936.º do Código de Processo Civil) e se mostrar conforme com o regime previsto nos artigos 1219.º e seguintes do Código Civil, sem perder de vista o que a nossa jurisprudência tem vindo a decidir nesta matéria, em casos de manifesta urgência.
(JES)
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

CONDOMÍNIO DO LOTE…, freguesia de…, concelho de Vila Franca de Xira, pessoa colectiva n.º …, representado pela sua Administração, formada por…, residentes, respectivamente, no 1.º andar direito, 1.º andar esquerdo e 1.º andar retaguarda do dito imóvel, intentou, em 10/10/2033 e com pedido de citação prévia, esta acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra …, com sede na Rua…
Pedindo, em síntese, a condenação da Ré nas seguintes prestações e quantias:
a) Pagamento ao Autor da quantia de Euros 6.783,00, a título do custo das obras já realizadas e denunciadas através de notificação judicial avulsa;
b) Pagamento ao Autor dos juros de mora à taxa legal, sobre a referida quantia de Euros 6.783,00, desde a data da citação até ao seu integral pagamento;
c) Reparação e eliminação dos defeitos que surgiram no prédio do Autor após a notificação judicial avulsa da Ré, no prazo máximo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, com continuidade até ao termo das obras, sob pena de, não o fazendo, poder o Autor mandar efectuar tais obras e, neste caso, ser desde já a Ré condenada a pagar ao Autor todas as quantias que este vier a despender com tais obras, com vista à reparação e eliminação dos defeitos supra mencionados, a liquidar em execução de sentença.
*
Aduziu a Autora, para tanto e em síntese, o seguinte:
1) A Ré construiu o prédio situado no Lote… 82, freguesia de…, concelho de Vila Franca de Xira;
2) A construção do referido imóvel ficou totalmente concluída no final do ano de 1999, altura em que foi emitida a respectiva licença de utilização (29/12/1999);
3) A Ré, após ter constituído o referido prédio em propriedade horizontal, procedeu à venda das respectivas fracções autónomas, o que aconteceu até finais de 1999, data em que o dito imóvel ficou totalmente habitado;
4) No mencionado prédio começaram a surgir vários defeitos de construção, que originaram, entre outros problemas, infiltrações em várias fracções, nas garagens e noutras partes comuns do mesmo;
5) Foi realizada uma Assembleia de Condóminos no dia 16/9/2002, através da qual foi aprovado um orçamento para se proceder às obras de reparação do imóvel, bem como deliberado que se denunciariam os mencionados defeitos à Ré, dando-lhe a possibilidade de iniciar essas obras até ao dia 10/10/2002, atenta a sua extrema urgência, face à proximidade do Inverno e com a advertência de que se tal não acontecesse, o Autor efectuaria as obras a seu cargo e depois accionaria judicialmente a demandada;
6) Nessa conformidade, foi a Ré notificada através de Notificação Judicial Avulsa de 18/10/2002, para efectuar as obras de reparação de modo a eliminar os vários e graves vícios de construção do edifício, tendo-lhe ainda sido comunicado que, caso não as efectuasse até 10/10/2002, as mesmas teriam início em 11/10/2002, por iniciativa do Autor e conforme orçamento aludido na alínea 5);
7) Não obstante a data indicada para o início das obras, o Autor esperou mais uns tempos para que a Ré procedesse às obras pretendidas, o que nunca veio a acontecer, não tendo a mesma sequer se preocupado em examinar no local os defeitos em causa, o que levou o Autor a adjudicar a reparação destes a uma empresa de construção, que, pela concretização da mesma, reclamou o preço de Euros 6.783,00 (Euros 5.700,00 + IVA a 19%, no valor de Euros 1.083,00), que o demandante pagou;
8) Á data dessa notificação judicial avulsa o prédio apresentava os seguintes defeitos, que foram reparados com a intervenção descrita na alínea anterior:
a) Diversas infiltrações de água nas garagens que originaram o escorrimento de água pelas paredes, causando diversas manchas de humidade ao longo das paredes e acumulação de água nas garagens, como consequência de uma deficiente impermeabilização do terraço de cobertura das garagens;
b) Diversas infiltrações no telhado, provocando longas manchas de humidade nas paredes do último piso consequência de uma deficiente impermeabilização daquele;
9) Após a data da Notificação Judicial Avulsa, surgiram outros vícios no prédio do Autor e que este denuncia, através da presente acção, à Ré:
a) O afastamento do prédio do Autor em relação ao prédio contíguo, por afundamento para poente, com ruptura do isolamento elástico, provocando diversas infiltrações de água entre os prédios;
b) Impossibilidade de abrir as tampas de esgotos das águas junto à porta da garagem, pelo facto de a mesma ter sido construída cerca de 20 cm em sobreposição com aquelas;
c) Construção da rampa da segunda cave de modo deficiente, que impossibilita que todo e qualquer veículo a consiga subir, obrigando ao recurso de um reboque, afim de retirar o veículo que estiver naquele local;
10) Tais defeitos (alínea 9) mantém-se à data da propositura da presente acção e resultam, como os anteriores (alínea 8) de uma má construção do edifício em questão, resultante da falta e/ou inexistência dos materiais essenciais ou da má qualidade daqueles utilizados em tal edificação;
11) A Ré, relativamente à falta de qualidade do imóvel em causa, agiu com dolo, pois ocultou aos compradores esse facto, tendo antes assegurado aos mesmos a realidade oposta;
12) Foi realizada uma Assembleia de Condóminos no dia 06/1/2003, através da qual foi deliberado accionar a Ré a fim de esta liquidar o custo das obras já efectuadas bem como proceder à reparação dos defeitos entretanto surgidos, após a Notificação Judicial Avulsa.
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Citada a Ré, através de carta registada com Aviso de Recepção (fls. 24 e 26), não veio a mesma a apresentar, dentro do prazo legal, a respectiva contestação
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Foi então proferido, a fls. 28, despacho judicial, considerando a Ré regularmente citada e, face à não dedução de oposição dentro do prazo legal ou à sua intervenção nos autos por qualquer outra forma, confessados os factos articulados pelo Autor na sua petição inicial, nos termos do artigo 484.º, número 1 do Código de Processo Civil.
As partes foram notificadas (fls. 29 e 30) para apresentarem alegações escritas, só o tendo feito o Autor, conforme ressalta de fls. 31 e seguintes.
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Foi então proferido, a fls. 36 e seguintes, sentença que, julgando parcialmente procedente a presente acção, condenou a Ré no pagamento ao Autor da quantia de Euros 6.783,00, acrescida dos juros de mora à taxa anual de 4%, vencidos desde 17/10/2003 e vincendos até integral pagamento, absolvendo a demandada do demais peticionado.
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O Autor, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 57, interpor recurso de apelação da mesma, que foi admitido a fls. 58 dos autos.
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O Apelante Autor apresentou alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
1) Dizem respeito as presentes alegações ao recurso interposto pelo Autor, ora recorrente, da Douta Decisão que julgou parcialmente procedente, por provada, a acção declarativa de condenação instaurada contra …;
2) O Autor, na sua Petição Inicial, pedia a condenação da Ré, ora recorrida, a:
a) Pagar-lhe a quantia de €. 6.783,00 (seis mil setecentos e oitenta e três Euros),
b) Acrescida de juros moratórios, a taxa legal, desde a data da citação, até integral pagamento,
c) E ainda a reparar e eliminar os defeitos que entretanto surgiram no prédio identificado na Petição Inicial, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar do transito em julgado da decisão, sob pena de, não o fazendo, o recorrente poder mandar efectuar obras e, neste caso, ser a recorrida, desde já, condenada a pagar-lhe todas as quantias que aquele viesse a gastar com as mesmas, a liquidar em execução de sentença.
3) Não obstante o alegado pelo Autor, o Mmo. Juiz "a quo" julgou improcedente o pedido do Autor identificado na alínea c);
4) O Meritíssimo Juiz "a quo" não teve em conta o princípio constante no art.º 484° do C.P.C. que prescreve o seguinte no seu n.º 1: "Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor";
5) A recorrida apesar de ter sido regularmente citada para contestar no prazo legal, aliás conforme consta do despacho de fls. 28 dos autos, para além de não o ter feito, nem sequer procedeu à junção aos presentes autos de qualquer procuração a favor de mandatário judicial, o que denota por parte da recorrida uma manifesta admissão dos factos. E consequentemente, mediante a aplicação do supra mencionado princípio, a uma confissão de toda a matéria fáctica alegada pela recorrente na sua petição inicial;
6) Aliás, a recorrida, no acto da citação foi devidamente advertida de que com a respectiva citação a mesma ficava constituída no ónus de contestar ou de responder, e que em consequência, o incumprimento de tal ónus acarretava a respectiva admissão como confessados os factos alinhados na petição inicial;
7) No entanto, lamentavelmente tal não foi o entendimento do Meritíssimo Juiz "a quo", não fazendo a aplicação ao caso em apreço de umas das regras jurídicas elementares, violando assim, com todo o devido respeito, o princípio do dispositivo previsto no art.º 264.º do C.P.C. e ainda o principio do contraditório constante do art.º 30 do aludido diploma legal;
8) Na verdade, o Meritíssimo Juiz "a quo " ao proferir tal decisão entra manifestamente em contradição com o despacho de fls. 28 dos autos cujo teor é o seguinte:
"A ré apesar de regularmente citada, não deduziu qualquer oposição, não constituiu mandatário, nem interveio de qualquer forma no processo, tendo a citação sido feita com observância das formalidades legais.
Assim, julgo confessados os factos articulados pela autora na petição inicial, nos termos do art. ° 484° n.º ° 1 do Código de Processo Civil";
9) O Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" ao não aplicar o princípio constante do art.º 484.º n.º 1 do C.P.C., desvirtuou integralmente a realização da Justiça ao nível processual, visto que nem sequer estamos perante nenhuma das excepções constantes do art.º 485° do supra citado diploma legal, tendo violado aquele preceito legal;
10) Em suma, o Meritíssimo Juiz "a quo" deveria, perante a não contestação da acção pela recorrida, julgar totalmente procedente, por provada – mediante confissão dos factos – a respectiva acção;
11) Nesta conformidade, da douta decisão, relativamente ao segundo pedido formulado, que consiste na reparação e eliminação dos defeitos que entretanto surgiram no prédio identificado na acção, o Meritíssimo Juiz "a quo" entendeu que mesmo não seria de proceder;
12) Ora, mais uma vez, o Meritíssimo Juiz "a quo", com todo o devido respeito, não procedeu à correcta aplicação da lei no tocante ao segundo pedido formulado pela recorrente em sede de petição inicial;
E isto porque,
13) O Meritíssimo Juiz "a quo " conforme resulta de parte da decisão que se encontra supra transcrita, procedeu à aplicação do regime jurídico da empreitada regulada nos art.º 1225.º e seguintes do Código Civil, para solucionar a presente situação;
14) Ora, entendemos que à presente situação não é aplicável o regime jurídico do contrato de empreitada, pelo que a reparação dos defeitos em causa tem que ser resolvida à luz das normas reguladoras do contrato de compra e venda de coisas defeituosas regulado no art.º 913.º e seguintes do Código Civil;
15) Face ao supra exposto, dúvidas não subsistem que o regime jurídico aplicável à situação em apreço é o constante do art.º 913° e seguintes do Código Civil;
16) Perante a não aplicação do aludido regime jurídico, violou o Mmo. Juiz "a quo" aquela disposição legal;
17) Ora, não restando dúvidas que o regime jurídico aplicável é o da compra e venda de coisas defeituosas, cumpre referir que existem certas situações legalmente previstas em que a denúncia não é exigida, conforme consta do art.º 91.6° n.º 1 do Código Civil ao prever que: "O comprador deve denunciar ao vendedor o vicio ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo”;
18) No caso concreto, e conforme foi alegado em sede de petição inicial, e não contestado, todas as anomalias do prédio resultaram de uma má construção do edifício em questão, resultante da falta e/ou inexistência de materiais essenciais na construção do prédio e da utilização de materiais de má qualidade na referida construção, tendo sido os representados do Autor mantidos em erro pela Ré, que com eles agiu dolosamente, pois ocultou a falta de qualidade do imóvel, que não lhe podia ser estranha uma vez que é construtora;
19) Em suma, e uma vez que em caso de dolo a lei não impõe o ónus de denunciar os defeitos, deveria o Meritíssimo Juiz "a quo " ter proferido decisão no sentido de julgar totalmente procedente, por provada, a respectiva acção, por aplicação do regime jurídico constante do art.º 913° e 916° n.º 1 "in fine" do Código Civil;
20) Não obstante, mesmo que assim, V. Exas., não venham a entender, o certo é que seja ou não aplicável o regime jurídico da empreitada, seja ou não aplicável o regime jurídico da compra e venda, a denúncia não está sujeita a qualquer formalidade especial, podendo ate ser verbal;
21) Aliás, a denúncia pode ser feita através de notificação judicial avulsa ou por meio de citação para a acção. Que foi o caso dos autos, sendo que, obviamente, com a denúncia, sempre se pede a reparação e a eliminação dos defeitos, que foi o que o Autor peticionou através do pedido referido na alínea c);
22) Pelo que, não se entende a decisão do Mmo. Juiz "a quo", sendo a mesma, manifestamente, violadora dos artigos 916.º, 217.º e 219.º do Código Civil e do principio da economia processual.
Nestes termos, deverá ser alterada a Douta Decisão recorrida em consonância com os fundamentos supra expostos, no sentido de ser julgada totalmente procedente a acção instaurada pelo Autor contra a Ré, nomeadamente, quanto ao que aqui interessa ser a Ré condenada no pedido peticionado pelo Autor sob a alínea c), como a de Direito e da Justiça!
*
A Ré, na sequência da correspondente notificação, não apresentou contra-alegações dentro do prazo legal.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS

Da discussão da causa e face à confissão dos factos articulados pelo Autor na sua petição inicial e aos documentos juntos aos autos, ficaram provados os seguintes factos (a sentença do tribunal recorrido não faz uma enumeração integral dos mesmos e a redacção daqueles que elenca não é formalmente coincidente com a que deixamos abaixo transcrita):
1) A Ré construiu o prédio situado no Lote…, freguesia de …, concelho de Vila Franca de Xira;
2) A construção do referido imóvel ficou totalmente concluída no final do ano de 1999, altura em que foi emitida a respectiva licença de utilização (29/12/1999);
3) A Ré, após ter constituído o referido prédio em propriedade horizontal, procedeu à venda das respectivas fracções autónomas, o que aconteceu até finais de 1999, data em que o dito imóvel ficou totalmente habitado;
4) No mencionado prédio começaram a surgir vários defeitos de construção, que originaram, entre outros problemas, infiltrações em várias fracções, nas garagens e noutras partes comuns do mesmo;
5) Foi realizada uma Assembleia de Condóminos no dia 16/9/2002, através da qual foi aprovado um orçamento para se proceder às obras de reparação do imóvel, bem como deliberado que se denunciariam os mencionados defeitos à Ré, dando-lhe a possibilidade de iniciar essas obras até ao dia 10/10/2002, atenta a sua extrema urgência, face à proximidade do Inverno, e com a advertência de que se tal não acontecesse, o Autor efectuaria as obras a seu cargo e depois accionaria judicialmente a demandada;
6) Nessa conformidade, foi a Ré notificada através de Notificação Judicial Avulsa de 18/10/2002, para efectuar as obras de reparação de modo a eliminar os vários e graves vícios de construção do edifício, tendo-lhe ainda sido comunicado que, caso não as efectuasse até 10/10/2002, as mesmas teriam início em 11/10/2002, por iniciativa do Autor e conforme orçamento aludido na alínea 5);
7) Não obstante a data indicada para o início das obras, o Autor esperou mais uns tempos para que a Ré procedesse às obras pretendidas, o que nunca veio a acontecer, não tendo a mesma sequer se preocupado em examinar no local os defeitos em causa, o que levou o Autor a adjudicar a reparação destes a uma empresa de construção, que, pela concretização da mesma, reclamou o preço de Euros 6.783,00 (Euros 5.700,00 + IVA a 19%, no valor de Euros 1.083,00), que o demandante pagou;
8) Á data dessa Notificação Judicial Avulsa o prédio apresentava os seguintes defeitos, que foram reparados com a intervenção descrita na alínea anterior:
c) Diversas infiltrações de água nas garagens que originaram o escorrimento de água pelas paredes, causando diversas manchas de humidade ao longo das paredes e acumulação de água nas garagens, como consequência de uma deficiente impermeabilização do terraço de cobertura das garagens;
d) Diversas infiltrações no telhado, provocando longas manchas de humidade nas paredes do último piso consequência de uma deficiente impermeabilização daquele;
9) Após a data da Notificação Judicial Avulsa, surgiram outros vícios no prédio do Autor:
d) O afastamento do prédio do Autor em relação ao prédio contíguo, por afundamento para poente, com ruptura do isolamento elástico, provocando diversas infiltrações de água entre os prédios;
e) Impossibilidade de abrir as tampas de esgotos das águas junto à porta da garagem, pelo facto de a mesma ter sido construída cerca de 20 cm em sobreposição com aquelas;
f) Construção da rampa da segunda cave de modo deficiente, que impossibilita que todo e qualquer veículo a consiga subir, obrigando ao recurso de um reboque, afim de retirar o veículo que estiver naquele local;
10) Tais defeitos (alínea 9) mantém-se à data da propositura da presente acção e resultam, como os anteriores (alínea 8) de uma má construção do edifício em questão, resultante da falta e/ou inexistência dos materiais essenciais ou da má qualidade daqueles utilizados em tal edificação;
11) A Ré, relativamente à falta de qualidade do imóvel em causa, ocultou aos compradores esse facto, tendo antes assegurado aos mesmos a boa qualidade do edifício;
12) Foi realizada uma Assembleia de Condóminos no dia 06/1/2003, através da qual foi deliberado accionar a Ré a fim de esta liquidar o custo das obras já efectuadas bem como proceder à reparação dos defeitos entretanto surgidos, após a Notificação Judicial Avulsa (alínea 9);
13) O Autor comunica à Ré os defeitos descritos na alínea 9), bem como reclama junto dela a sua reparação, através da citação ocorrida no quadro da presente acção.

III – OS FACTOS E 0 DIREITO

É pelas conclusões dos recursos que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 690.º e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
O Autor e apelante impugna a sentença proferida pelo tribunal a quo, defendendo, em síntese, o seguinte:
1) Que o mesmo fez uma incorrecta aplicação do disposto no artigo 484.º, número 1 do Código de Processo Civil, no que respeita aos factos por ele articulados na sua petição inicial e considerados confessados pelo despacho de fls. 28, face à não contestação da acção pela recorrida, apesar de pessoal e regularmente citada, conforme ressalta de fls. 24 e 26 dos autos, pois tal confissão implicava, por provada, a total procedência, da presente acção;
2) Que foi efectuada uma incorrecta interpretação das normas jurídicas aplicáveis à situação dos autos, impondo o regime jurídico delas constante a procedência da segunda pretensão formulada pelo demandante e recorrente.
Abordando a primeira questão suscitada pelo apelante, importa chamar à colação o artigo 484.º, número 1 do Código de Processo Civil, que estatui o seguinte:

1. Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.

Pretende o Autor extrair do teor deste dispositivo legal uma consequência jurídico – processual que, salvo o devido respeito, uma interpretação, ainda que meramente literal do mesmo, manifestamente não permite.
Esta regra limita-se a impor ao juiz que considere como confessados os factos alegados pelo demandante, nos casos em que o demandado, válida e eficazmente citado, não os conteste nem intervenha nos autos, nos moldes estatuídos no artigo 483.º do aludido diploma legal.
Tais factos, ainda que provados por confissão, podem revelar-se insuficientes para fundar o efeito jurídico perseguido pelo Autor, após a aplicação do respectivo regime jurídico aos mesmos, podendo acontecer também que os referidos factos, apesar de suficientes, não permitem a conclusão ou conclusões jurídicas que aquele pretendia com a propositura da correspondente acção.
Bastará recordar o regime adjectivo que, no âmbito do processo sumário e sumaríssimo e até 1996 vigorou, em que se permitia, no caso da revelia absoluta do Réu regularmente citado, a imediata condenação no pedido deduzido pelo Autor, sem uma prévia apreciação, de facto e de direito, dos fundamentos da causa, sistema esse que sofreu progressiva e forte contestação por parte de diversos sectores do mundo jurídico, começando os tribunais, por outro lado e face aos casos concretos que eram chamados a decidir, a restringir a aplicação daquele regime, excluindo do âmbito de aplicação do mesmo diversas situações que ofendiam mais a sensibilidade jurídica do intérprete e aplicador do direito.
Perante a progressiva constatação de que a chamada “condenação de preceito” trazia mais inconvenientes do que vantagens, pelas frequentes injustiças que, no caso concreto, consentia, veio esse instituto processual a ser arredado do nosso processo civil (e do nosso processo de trabalho, a partir de 1/1/2000), passando a impor-se ao juiz, na situação em apreço e sem prejuízo da confissão dos factos articulados pelo Autor, a apreciação de facto e de direito dos mesmos, podendo tal operação intelectual confirmar/aderir ou não aos fundamentos dessa mesma natureza invocados na petição inicial e, nessa medida, julgar procedente, total ou parcialmente, ou mesmo improcedentes, na íntegra, os pedidos formulados na acção (cf., por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3/12/1998, em que foi relator o Juiz-Desembargador Evangelista Araújo, processo 0060116: “O reconhecimento previsto no artigo 784 do CPC "...quando os factos reconhecidos por falta de contestação determinem a procedência da acção..." equivale à cominação semi-plena”).
Logo, pelos motivos expostos, não colhem os argumentos do apelante quanto a uma incorrecta aplicação do regime contido no número 1 do artigo 484.º do Código de Processo Civil.
Passemos agora a analisar a segunda questão levantada pelo recorrente e que se prende com a definição do regime legal aplicável – tendo a sentença recorrida entendido que era o que regulava o contrato de empreitada e que se mostra contido nos artigos 1225.º e seguintes do Código Civil, ao passo que o Autor defende ser o do contrato de compra e venda, previsto nos artigos 913.º e seguintes do mesmo texto legal, muito embora tenha sido com base na aplicação daquele outro regime que o primeiro pedido e causa de pedir formulados, obtiveram provimento –, bem como na possibilidade do comprador do prédio (pois são vícios verificados num imóvel que estão em causa nos autos) proceder à denúncia dos defeitos nele verificados, bem como à reclamação da sua reparação e eliminação, através da citação efectuada numa acção proposta também para esse efeito.
Entrando na análise da primeira dúvida exposta e tendo em atenção que se acha provado que a Ré foi a construtora e vendedora do prédio onde se verificaram os vícios alegados pelo Autor, reportando-se os factos a um período de tempo iniciado no final do ano de 1999, importa ponderar o estatuído no artigo 1225.º do Código Civil, após a sua alteração pelo Decreto-Lei n.º 267/94 de 25/10, que reza o seguinte:
Artigo 1225º
(Imóveis destinados a longa duração)
1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2. A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221º.
4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/5/2003, em que foi relator o Juiz Conselheiro Salvador da Costa, processo n.º 03B420, refere o seguinte, acerca desta disposição legal:
“O artigo 1225.º do Código Civil, segundo a alteração decorrente do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, prescreve, além do mais que aqui não releva, que, sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, o vendedor do imóvel destinado a longa duração, que o tenha construído, modificado ou reparado, se no decurso do prazo de cinco anos ou do de garantia convencionada, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação ou por erro na execução dos trabalhos, apresentar defeitos, é responsável pelo prejuízo causado aos terceiros adquirentes (n.ºs 1 e 4). (…)
Tendo em conta que o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, ao invés do que acontecia no pretérito, estendeu o regime da responsabilidade pelos defeitos da construção imputáveis ao empreiteiro ao vendedor construtor face aos terceiros adquirentes, a conclusão é no sentido de que, nessa parte, se configura como inovador.”
Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/5/2006, em que foi relator o Juiz Conselheiro Nuno Cameira, processo n.º 06A940
“Deve aplicar-se ao caso … o regime jurídico dos defeitos da obra no contrato de empreitada, como a Relação decidiu, e não o regime da compra e venda de coisa defeituosa. (…) resulta com nitidez, numa palavra, que a ré não agiu na veste de um particular simples dono duma obra, mas sim na qualidade de verdadeira construtora-vendedora, de alguém que exerce a actividade lucrativa de construção e venda de imóveis. Assim, por ter sido (no sentido exposto) a construtora das moradias vendidas aos autores, ficou sujeita ao regime legalmente instituído no art.º 1225º (e não nos art. °s 916º/917º) para os imóveis destinados a longa duração”.
Tendo em atenção os factos provados e acima referenciados, o que defendem estes dois Arestos do Supremo Tribunal de Justiça e o que, impressivamente, determina o artigo 1225.º, número 4 do Código Civil, afigura-se-nos que bem andou o tribunal recorrido ao aplicar à situação dos autos o regime do contrato de empreitada.
È certo que se poderia defender, numa interpretação restritiva desse preceito, que o legislador não quis aplicar, a casos como o dos autos em toda a sua extensão, o regime dos defeitos da obra contemplado nos artigos 1219.º e seguintes mas somente os aspectos expressamente referenciados no artigo 1225.º, mas esse dispositivo legal não permite essa leitura, não só porque, no seu número 1, afirma que “sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes”, ou seja, que essas normas também se aplicam na íntegra às situações aí elencadas, como ainda porque o artigo 1225.º remete para alguns dos procedimentos e direitos ali consagrados, como é o caso da denúncia, eliminação e indemnização dos defeitos detectados no imóvel destinado a longa duração, vindo confirmar igualmente a sua aplicação, abarcando, portanto, o número 4 do artigo em análise todo esse quadro legal (o legislador, perante a cumulação, num mesmo sujeito, das qualidades de empreiteiro e vendedor, privilegia, nesta matéria dos vícios ou defeitos dos prédios, o primeiro estatuto em desfavor do segundo, chamando à colação o regime do contrato de empreitada).
Definido o regime legal aplicável, resta-nos saber se o Autor e recorrente podia obter ganho de causa relativamente ao pedido formulado em segundo lugar pelo Autor e que é do seguinte teor:
Reparação e eliminação dos defeitos que surgiram no prédio do Autor após a notificação judicial avulsa da Ré, no prazo máximo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, com continuidade até ao termo das obras, sob pena de, não o fazendo, poder o Autor mandar efectuar tais obras e, neste caso, ser desde já a Ré condenada a pagar ao Autor todas as quantias que este vier a despender com tais obras, com vista à reparação e eliminação dos defeitos supra mencionados, a liquidar em execução de sentença”.
Convirá realçar, como bem faz a decisão impugnada, a fls. 42, que o construtor/vendedor das “fracções autónomas de edifício por ele construído responde civilmente pelos defeitos de construção verificados nas partes comuns do mesmo edifício, nos exactos termos em que responde pelos defeitos de construção verificados nas respectivas fracções”, remetendo, a esse propósito, para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/6/2002, em www.dgsi.pt.
No que respeita ao regime específico constante dos artigos 1219.º e seguintes, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/10/2006, em que foi relator o Juiz Conselheiro Urbano Dias, processo n.º 06A2753, afirma o seguinte:
“No âmbito de um contrato de empreitada não se pode invocar a sua resolução e peticionar indemnização pelo chamado interesse contratual negativo se a obra foi entregue pelo empreiteiro e os vícios só foram detectados posteriormente a essa mesma entrega.
Neste caso, o dono da obra poderá ser indemnizado pelo chamado interesse contratual positivo, necessário se tornando a prova de ter percorrido o “iter” indicado nos art.°s 1221.º e 1222.º do Código Civil.”
Também o Acórdão do mesmo Tribunal Superior de 11/01/2007, em que foi relator o Juiz Conselheiro Custódio Montes, processo n.º 06B4564 e se encontra publicado em www.dgsi.pt afirma o seguinte:
(…) 3. Demonstrando-se que a obra foi realizada integralmente mas com defeitos, ocorre cumprimento defeituoso que não incumprimento parcial, sendo aplicável ao caso o regime específico dos art.°s 1218.º e seguintes, designadamente, a caducidade prevista nos art.°s 1224.º, 1 e 1225.º, 3 do CC.
4. Apesar de o empreiteiro ter reconhecido os defeitos, o dono da obra tem de exigir a sua eliminação no prazo de um ano, sob pena de caducidade desse direito.
5. Mas mesmo que esse direito não tivesse caducado, o dono da obra, para exigir do empreiteiro o valor dos trabalhos em falta, tem primeiro que obter a sua condenação à prestação de facto, não podendo, antes disso, exigir-lhe o respectivo valor ou aquilo que pagou a terceiro para lhos eliminar.” (cf., também a doutrina e os Arestos do Supremo Tribunal de Justiça indicados na sentença recorrida, a fls. 44 e 47 e que são os proferidos nas seguintes datas: 14/03/95, em BMJ n.º 445, págs. 464 e seguintes e 10/10/2002, 15/05/2003, 11/11/2003 e 09/03/2004, em www.dgsi.pt).
Como bem se afirma na sentença recorrida, “resulta que a lei, tendo em vista salvaguardar os interesses do dono da obra, sem onerar demasiadamente os interesses do empreiteiro (e vendedor, no nosso caso), consagrou um sistema sucessivo de direitos a exercer pelo dono da obra (aqui terceiros e compradores) que não pode, como regra, substituir-se ao empreiteiro na eliminação dos eventuais defeitos da mesma”, dizendo ainda que “o direito à indemnização em substituição da reparação dos defeitos não pode ser exigido autonomamente, mas apenas em complemento do direito à eliminação dos defeitos, a título de ressarcimento do prejuízo excedente” (fls. 47 e 44).
Ora, sendo este o quadro de aplicação do regime legal contido nos artigos 1219.º e seguintes do Código Civil, pode a citação da Ré na presente acção valer como denúncia dos defeitos surgidos após a notificação judicial avulsa e, nessa medida, ser a demandada condenada no segundo pedido formulado pelo Autor?
Pensamos que, a partir dos factos dados como assentes nas alíneas 9) a 13) – defeitos existentes e verificados após a notificação judicial avulsa –, do regime legal acima definido (artigos 1220.º e 1221.º do Código Civil) e do silêncio da Ré, é legítimo ao Autor reclamar, conjuntamente com a sua denúncia, a imediata condenação da apelada … na eliminação dos vícios em causa, com início dos respectivos trabalhos dentro do prazo máximo de 30 dias após o trânsito em julgado da última decisão judicial de mérito proferida nos autos, pois tal sentença mostra-se suportada de facto e de direito nos elementos constantes dos autos e traduz-se no desenvolvimento pela demandada de uma conduta legalmente devida, determinada e, por se traduzir numa prestação de facto fungível, susceptível de realização coactiva mediante a instauração da competente execução (artigos 933.º e seguintes do Código de Processo Civil).
Já no que respeita aos demais pedidos, afigura-se-nos que a sua dedução e consideração, em termos decisórios, não pode merecer acolhimento, por o regime legal em vigor não o permitir.
Olhando para o estatuído nos artigos 2.º e 4.º do Código de Processo Civil, verificamos que a protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar, podendo, entre a acção adequada ao respectivo direito, declarar-se a sua mera existência ou inexistência, autorizar-se uma modificação na ordem jurídica ou condenar-se na prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito.
Não nos deparamos, nas palavras de Castro Mendes, “Direito Processual Civil”, Volume II, lições de 1978/79, edição da AAFDL, páginas 313 e no que toca à segunda pretensão do Autor, com um pedido único, determinado, certo ou fixo e líquido, mas antes e em rigor, com uma cumulação de pedidos sucessivos e condicionados, pelo menos em parte, à conduta futura e hipotética (ainda que previsível) da Ré, o que afasta, desde logo, a sua classificação como pedidos alternativos ou subsidiários (artigos 468.º e 469.º do Código de Processo Civil), não o podendo igualmente qualificar como um pedido genérico ou de prestações vincendas, nos termos e para os efeitos dos artigos 471.º e 472.º do Código de Processo Civil, dado os efeitos jurídicos procurados não se reconduzirem a qualquer uma das situações ali previstas, sendo certo que, ainda que assim se não fosse, não se mostram verificados todos os requisitos e pressupostos de que o legislador faz depender a admissibilidade e procedência dos mesmos.
Resta-nos analisar tal pedido à luz do artigo 662.º do Código Civil, para dizer que não nos encontramos, no que respeita, pelo menos, a algumas das pretensões formuladas – precisamente as que nos encontramos a apreciar –, perante direitos concretamente existentes, embora ainda não vencidos (cf. Castro Mendes, obra citada, página 338).
Ainda a respeito do artigo 662.º do Código de Processo Civil, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora no seu “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, págs. 174 e 175 dizem o seguinte: “O artigo 662.º, segundo o qual a inexigibilidade da obrigação, no momento em que a acção é proposta, não obsta à condenação do réu (sem prejuízo do prazo fixado para o cumprimento), pode, à primeira vista, dar a impressão de contrariar o requisito do interesse processual.
Importa advertir, porém, que esse preceito (como resulta ­do seu texto, da sua localização e dos respectivos trabalhos preparatórios), só vale para a sentença. Não é aplicável, nem ao despacho liminar, nem ao despacho saneador.
Se, pela simples leitura da petição, o juiz verificar que o autor pede a condenação do réu numa prestação ainda não vencida, deve indeferir liminarmente a petição, (art. 474.º, c), in fine). Se chegar a essa conclusão logo depois dos articulados, deve indeferir a pretensão do autor no despacho saneador: e deve fazê-lo, não absolvendo o réu simplesmente da­ instância, mas absolvendo-o do pedido (sem prejuízo do dis­posto no art. 673. ° e n.º 4 do art. 510.º).
A consagração de doutrina diferente para a elaboração da sentença (saltando sobre a falta de violação do direito do autor no próprio momento em que a sentença é proferida) explica-se apenas por uma razão de economia processual. É melhor a solução de aproveitar o processo, condenando o autor a pagar as respectivas custas e os honorários do advo­gado do réu, quando este apenas conteste fundadamente a exi­gibilidade da obrigação, do que a de absolver nessa altura o réu do pedido, para forçar o autor a propor mais tarde nova acção.” (ver, neste mesmo sentido, os outros Autores e jurisprudência indicados em notas a tal transcrição: Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, V, 1952, pág. 72 e seguintes (“Portanto, na altura destes dois despachos o juiz tem de observar, não as normas excepcionais insertas no artigo 662.º, mas as normas gerais e comuns; se, ao lavrar o despacho do artigo 481.º, o magistrado veri­fica que a obrigação ainda não está vencida, deve indeferir in limine a petição, com fundamento no n.º 3 do artigo; se, no despacho sanea­dor se certificar de que a obrigação era inexigível à data da propositura da acção, deve absolver o réu do pedido») e a anotação de Vaz Serra ao acórdão do S. T. J., de 30-4-1976, na R. L. J., ano 110, pág. 160 e ANSELMO DE CASTRO, Direito processual Civil, Volume I, 1981, pág. 121, Jacinto Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 1969, página 236 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/06/94, publicado em CJSTJ, II, 290 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 31/10/1994, sumariado em www.dgsi.pt.jtrp.0012518).
Logo, não é possível aplicar o disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil ao caso dos autos e relativamente às pretensões do demandante em análise, pois não só a Ré não contestou a acção como ainda porque a mesma foi decidida na fase do despacho saneador.
Dir-se-á ainda que a procedência imediata desta segunda parte do pedido complexo em estudo não é susceptível de execução ou mesmo liquidação prévia, pois, por se revelar dependente de condutas, contingências e variáveis futuras, diversas e relativamente imprevisíveis, a sentença correspondente não constitui título executivo (cf. artigos 45.º e seguintes do Código de Processo Civil) nem as respectivas prestações são compatíveis com a sua mera determinação ou quantificação através do incidente previsto nos artigos 378.º e seguintes do mesmo diploma legal.
Julgamos que o Autor, para obter provimento nos moldes por ele perseguidos, deverá, na sequência da denúncia efectuada nos autos, através do acto de citação da Ré e da condenação desta a reparar os defeitos em causa no prazo máximo de 30 dias após ocorrer trânsito em julgado da sentença e face à (provável) inoperância da demandada, agir em conformidade com o restante regime legal aplicável, instaurando então a competente acção executiva para prestação de facto, aí requerendo o que tiver por conveniente (cf. artigos 933.º a 936.º do Código de Processo Civil) e se mostrar conforme com o regime previsto nos artigos 1219.º e seguintes do Código Civil, sem perder de vista o que a nossa jurisprudência tem vindo a decidir nesta matéria, em casos de manifesta urgência (ver, por exemplo, o que ficou dito na sentença recorrida, com o qual se concorda, bem como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/1272005, relator: Juiz Conselheiro Azevedo Ramos, processo 05A3423 e o Acórdão do mesmo Tribunal Superior, de 11/01/2007 em www.dgsi.pt).
Logo, pelos motivos expostos, concedendo-se parcial provimento ao recurso interposto, decide-se revogar parcialmente a sentença recorrida no que respeita ao segundo pedido formulado pelo Autor e apelante contra a Ré e apelada, procedendo-se à imediata condenação da demandada na eliminação dos vícios em causa, com início dos respectivos trabalhos de reparação dos mesmos dentro do prazo máximo de 30 dias após o trânsito em julgado do presente Acórdão.

IV – DECISÃO

Por todo o exposto e tendo em conta o artigo 713.º do Código do Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por CONDOMÍNIO…, e, nessa medida, revogando-se em parte a sentença final proferida pelo tribunal da 1.ª instância, determinar-se, em sua substituição e no que toca ao segundo pedido formulado, o seguinte: condenar a Ré … na eliminação dos vícios descritos na alínea 9) da matéria de facto, com início dos respectivos trabalhos de reparação dos mesmos dentro do prazo máximo de 30 dias após o trânsito em julgado do presente Acórdão.

Custas do recurso pelo Apelante, na proporção do decaimento e que se fixa em 2/5.

Notifique e Registe.


Lisboa, 8 de Março de 2007




(José Eduardo Sapateiro)

(Carlos Valverde)

(Granja da Fonseca)