Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
47/12.4YUSTR.L1-3
Relator: VASCO FREITAS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
DIREITO COMUNITÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I-Para efeitos da norma do art. 8º, do DL 192/2000, de 18/08, que transpôs o art. 6º, nº 3, 1º período, da Diretiva 1999/5/CE, de 09/03/1999, a expressão “pessoa responsável pela colocação dos aparelhos no mercado comunitário”, deve ser interpretada de acordo com a doutrina europeia, de forma a considerar como responsável pela colocação no mercado dos aparelhos de rádio e de terminais de telecomunicações o agente económico que os introduz no mercado comunitário pela primeira vez.
II-Ao responsável pela colocação no mercado não lhe é exigível que elabore a declaração de conformidade e que verifique ele próprio a conformidade do aparelho com os requisitos essenciais. Trata-se apenas de lhe exigir que proporcione ao consumidor, juntamente com o aparelho, o recebimento efetivo da declaração de conformidade, fornecendo-a com a indicação dos requisitos essenciais (art. 8º, b), do DL 192/2000), os quais consistem na proteção da saúde e da segurança do utilizador (art. 4º, nº 1, a), deste diploma).
III- Para efeitos da contra-ordenação pp pelo art. 33º, nº 1, m) por violação do art. 28º, nº 3, do DL 192/2000, de 18/08, a exigência de versão em língua portuguesa para a documentação, manuais de informação e instruções não se aplica aos aparelhos de rádio e terminais de telecomunicações. E estando o direito das contra-ordenações, como direito sancionatório que é, sujeito ao princípio da legalidade (art. 2º do RGCO), não é legítimo que o intérprete recorra à interpretação e menos ainda à analogia, para suprir as lacunas do legislador, donde, a conduta imputada à arguida não é susceptível de ser sancionada, por falta de tipicidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I RELATÓRIO

Em auto de contra-ordenação que correu termos junto ICP – ANACOM foi aplicada a “SS... Ldª” devidamente identificada nos autos, a coima única de € 31 250 pela prática de cinco contr a-ordenações: uma p. e p. pelo art. 33º, nº 1, b), por violação do art. 7º, nº 1, ambos do DL 192/2000, de 18/08 (coima parcelar de € 15 000); uma p. e p. pelo art. 33º, nº 1, c), por violação do art. 8º, b), do DL 192/2000, de 18/08 (coima parcelar de € 4 000); uma p. e p. pelo art. 33º, nº 1, m), por violação do art. 28º, nº 3, do DL 192/2000, de 18/08 (coima parcelar de € 4 000); uma p. e p. pelo art. 33º, nº 1, s), por violação do Anexo III, nº 5 e do DL 192/2000, de 18/08 (coima parcelar de € 3 250); uma p. e p. pelo art. 33º, nº 1, q), por violação do Anexo II, nº 5, por remissão do anexo III, nº 1, do DL 192/2000, de 18/08 (coima parcelar de € 5 000).

Não se conformando com tal decisão, a recorrente impugnou-a judicialmente, nos termos do artº 59º do DL nº 433/82, de 27/10 (Regime Geral das Contra-Ordenações, adiante designado como RGCO).

Remetido o recurso ao 1º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão foi o mesmo admitido, realizado julgamento foi proferida decisão que a douta sentença sob recurso, a qual condenou a arguida na coima única de € 2 500 resultante do cúmulo de duas coimas: uma pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 33º, nº 1, c) e nº 3, do DL 192/2000, de 18/08 (coima parcelar de € 2 493,99); outra pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 33º, nº 1, m) e bº 3, do DL 192/2000, de 18/08 (coima parcelar de € 2 493,99).

Inconformada com essa decisão, a recorrente interpôs recurso, pretendendo a sua revogação, para tal apresentando as seguintes conclusões:

“I.Vem a ora RECORRENTE condenada pela prática dos ilícitos contra-ordenacionais previstos e punidos nos termos dos artigos 8.º, alínea b), 28.º, n.º 3, e 33.º, n.º 1, alíneas c) e m), e n.º 3, do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto.

II.Ao confirmar a responsabilidade contra-ordenacional da ora RECORRENTE, a sentença recorrida incorreu em diversos erros na aplicação do direito, nomeadamente conferindo um sentido às normas aplicáveis que não se afigura conforme ao Direito da União Europeia (UE).

III.A sentença recorrida evidencia ainda deficiências, em particular, no que respeita (i) à noção de “responsável pela colocação no mercado” para efeitos de aplicação da obrigação prevista no artigo 8.º, alínea b), e, bem assim, da obrigação resultante do 28.º, n.º 3, ambos do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de Agosto.

IV.Bem como no tocante (ii) ao próprio conteúdo da primeira obrigação acima referida, uma vez que a RECORRENTE, na qualidade de distribuidora grossista (que adquiriu os equipamentos com a marcação “CE” no âmbito de uma transacção intra-comunitária) remeteu ao ICP-ANACOM, quando para tal solicitada, a declaração de conformidade emitida pelo fabricante — circunstância que, no entanto, não foi considerada pelo Tribunal a quo.

V.Resulta patente a oposição entre o entendimento sustentado na decisão recorrida e decisões anteriores proferidas sobre a mesma questão por outros Tribunais, quer nacionais, quer da Jurisdição da União Europeia.

VI.Oposição que se revela (i) na determinação de quem pode ser autor e, nessa medida, responsável pela prática do ilícito contra-ordenacional, previsto e punido nos termos conjugados dos artigos 8.º, alínea b), e 33.º, alínea c), e n.ºs 2 e 3,do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de Agosto; e, bem assim, (ii) na interpretação que o Tribunal de Justiça (da União Europeia) tem vindo a fazer das normas harmonizadas constantes da Directiva 1999/5/CE.

VII.A afirmação da responsabilidade da ora RECORRENTE pela colocação no mercado dos equipamentos de rádio, para efeitos do disposto no artigo 8.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto, e a confirmação da sua condenação pela prática do ilícito contra-ordenacional previsto nos termos do artigo 33.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, do mesmo diploma, contraria frontalmente a decisão vertida na sentença - já transitada - proferida pelo 4.º Juízo Criminal do TRIBUNAL JUDICIAL DE MATOSINHOS, no âmbito do processo que correu os seus termos sob o n.º 7306/11.1TBMTS.

VIII.Neste processo, o TRIBUNAL JUDICIAL DE MATOSINHOS absolveu a aí arguida da prática de um ilícito contra-ordenacional idêntico ao apreciado nos presentes autos, com fundamento na circunstância de a mesma não deter a qualidade de “responsável pela colocação no mercado” — qualidade que, de acordo com esta sentença, apenas pode ser reconhecida às entidades que introduzem os equipamentos no mercado único europeu - e, por essa razão, não lhe ser exigível o cumprimento da obrigação vertida no artigo 8.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto.

IX.A necessidade de uma interpretação do direito nacional conforme ao direito da UE é uma realidade profusamente consagrada na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (através de qualquer dos seus tribunais, seja o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral ou mesmo o Tribunal da Função Pública - v. artigo 19.º do Tratado da União Europeia) e dos Tribunais nacionais, incluindo os nossos Tribunais superiores, como o Supremo Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Administrativo.

X.Também a nossa Doutrina e Jurisprudência nacionais têm desde há muito sustentado que a interpretação conforme resulta de uma adequada interpretação hermenêutica da Constituição.

XI.À luz das principais linhas interpretativas sustentadas pela Jurisprudência e Doutrina da União Europeia, impõe-se concluir que a sentença recorrida não respeita a jurisprudência do Tribunal de Justiça, conduzindo a uma solução não amiga do Direito da União Europeia e incompatível, quer com uma correcta interpretação do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto, quer com a adequada aplicação dos princípios da prevalência na aplicação e do efeito directo ou imediato do direito da UE, tal como sancionado pela nossa Constituição (artigo 8.º, n.º 4).

XII.A norma aplicada pela sentença recorrida, por interpretação dos artigos 8.º, alínea b), e 33.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto, segundo a qual «o importador grossita é responsável pela colocação no mercado dos equipamentos de rádio, estando, nessa qualidade, obrigado a garantir a existência em cada unidade destes equipamentos da respectiva declaração de conformidade» é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição - critério normativo inconstitucional que o Tribunal a quo aplicou.

XIII.O Tribunal de Justiça já se tem pronunciado várias vezes sobre a interpretação das normas da Directiva 1999/5/CE e das demais normas europeias destinadas a assegurar a realização do mercado interno e a protecção do consumidor ou, o que não é o mesmo, do utilizador (como é o caso do regime da responsabilidade civil do produtor por produtos defeituosos) e, por isso, é possível extrair da sua jurisprudência a solução a dar ao caso concreto, designadamente no que respeita à aplicação, por efeito directo, do artigo 8.º da Directiva n.º 1999/5/CE - que impede a interpretação do Tribunal a quo, que legitimou a apreensão dos equipamentos e impôs uma sanção contra-ordenacional à ora RECORRENTE - e, bem assim, à noção de “responsável pela colocação no mercado”.

XIV.Foi, precisamente, na ponderação destes três elementos - o conceito de “responsável pela colocação no mercado” resultante da Directiva 85/374/CEE, as restantes normas da Directiva 1999/5/CE (em particular, aquelas que resultam do seu artigo 8.º e do Anexo II) e a imposição de uma interpretação destas normas à luz de um ordenamento que tem como filosofia normativa a eliminação de obstáculos à livre circulação de mercadorias e o assegurar do efectivo reconhecimento mútuo entre legislações - que a sentença proferida pelo 4.º Juízo Criminal do TRIBUNAL JUDICIAL DE MATOSINHOS concluiu que o distribuidor grossista, que importa dentro do mercado interno (comunitário) não podia ser considerado responsável pela colocação no mercado dos equipamentos de rádio, absolvendo-o do ilícito contra-ordenacional por que fora condenado.

XV.A sentença recorrida sustentou uma interpretação distinta, situando-se, por essa razão, num ponto diametralmente oposto ao do Tribunal de Justiça, cuja Jurisprudência tem interpretado especificamente as normas contidas na Directiva 1999/5/CE - cfr., entre outros, Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção), de 20 de Junho de 2002, Radiosistemi Srl contra Prefetto di Genova, procs. apensos C-388/00 e C-429/00, Colect., 2002, I, pp. 5845; Acórdão Tribunal de Justiça (Sexta Secção), de 8 de Maio de 2003, ATRAL SA contra Estado Belga, proc. C-14/02, Colect., 2003, I, pp. 4431; Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 30 de Abril de 2009, Lidl Magyarország Kereskedelmi bt contra Nemzeti Hírközlési Hatóság Tanácsa, proc. C-132/08, Colect., 2009, I, pp. 3841; e Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 11 de Setembro de 2003, Safalero Srl contra Prefetto di Genova, proc. C-13/01, Colect., 2003, I,. 8679, este último, reconhecendo o direito a uma tutela jurisdicional efectiva sobre a possibilidade de impugnar uma coima e demonstrar a incompatibilidade da norma nacional aplicada com o direito da EU.

XVI.Os equipamentos de rádio objecto do presente processo foram legitimamente comercializados noutro Estado membro, pelo fabricante, e, além disso, foram objecto de um procedimento de avaliação de conformidade e de marcação CE (cfr. artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto).

XVII.É também inequívoco, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que não houve por parte da arguida, ora RECORRENTE, qualquer violação dos seus deveres de informação.

XVIII. A Directiva 1999/5/CE, ao formular as exigências de prestação de informações, é clara quanto às situações em que tal pode ou deve ocorrer (cfr. Anexo II).

XIX.Deste modo, contrariamente à decisão vertida na sentença recorrida, numa interpretação conforme ao Direito da UE (tanto na sua versão legislada, como nas normas que têm por fonte a Jurisprudência do Tribunal de Justiça):

a.À ora RECORRENTE não podia ser reconhecida a qualidade de responsável pela colocação no mercado dos equipamentos de rádio por si adquiridos, ao fabricante, no mercado comunitário, não podendo ter praticado as contra-ordenações por que foi acusada e condenada;

b.Enquanto grossista, a ora RECORRENTE tem de assegurar a comercialização de equipamentos que ostentem — ou melhor dito, tenham aposta — a necessária marcação “CE”;

c.Tratando-se da (pretensa) prática do ilícito contra-ordenacional previsto e punido pelos artigos 8.º, alínea b), e 33.º, n.º 1, alínea c), e n.ºs 1 e 2 daquele diploma, à autoridade nacional competente - o ICP-ANACOM - estava vedada a possibilidade de apreender os equipamentos objecto dos presentes autos (cfr. artigo 34.º), por tal configurar uma restrição injustificada da livre circulação dos equipamentos.

XX.Esta interpretação foi também ela, muito recentemente, acolhida pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, para quem o “responsável pela colocação no mercado” é o importador que coloca pela primeira vez os aparelhos no mercado comunitário (decisão de não admissão do recurso, proferida pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, no âmbito do processo n.º 33/12.4YQSTR.E1, Relator: Senhor Desembargador João Martinho de Sousa Cardoso).

XXI.Consequentemente, por força da aplicação dos princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da UE, impõe-se a revogação da sentença recorrida e a necessária absolvição da ora RECORRENTE.

XXII.O Decreto-Lei n.º 79/2013, de 11 de Junho - que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2011/65/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2011 -, consagra no seu artigo 3.º, n.º 1, alínea c), que por “colocação no mercado” se deve entender a «primeira disponibilização de EEE no mercado da União Europeia».

XXIII. Sendo o conceito de “colocação no mercado” idêntico ao consagrado no Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto, em particular nos seus artigos 8.º e 26.º (que estabelece o elenco dos responsáveis pelo cumprimento das obrigações resultante desse capítulo, designadamente das previstas no artigo 28.º), impõe-se concluir, no presentes autos, que:

a.Por força do princípio da unidade do sistema jurídico e da adopção de uma interpretação sistemática das normas jurídicas, a RECORRENTE não possa ser considera responsável pela introdução dos equipamentos, pela primeira vez, num país do mercado comunitário, uma vez que os adquiriu à sociedade fabricante, sedeada na União Europeia, através de uma transação intra-comunitária;

b.Contrariamente ao que resulta da sentença recorrida, a referência ao “mercado”, no âmbito do diploma interno, pode ter por objecto o mercado da União Europeia e não, apenas, o mercado interno do respectivo Estado membro (neste caso, Portugal),

XXIV. Razão pela qual se pode legitimamente afirmar e aceitar que, para efeitos de aplicação dos artigos 8.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto, o mercado em causa é o mercado da União Europeia e não o mercado nacional, e que, por esse motivo, a ora RECORRENTE deve ser absolvida.

XXV.Dos presentes autos resultam elementos adicionais que confirmam a existência de uma questão de Direito da União Europeia — questão que não só deverá ser apreciada no âmbito do presente recurso, como justificará a utilização pelo Tribunal ad quem do mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

XXVI. O artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto não é aplicável ao caso concreto, uma vez que este preceito não se refere, em geral, à obrigação de fornecimento do manual de instruções em língua portuguesa ao utilizador, antes estabelecendo a obrigatoriedade de disponibilização da documentação, dos manuais de informação e instruções em língua portuguesa, sempre que, em concreto, se verifiquem os pressupostos referidos nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo 28.º.

XXVII.No presente caso, não foram alegados pela autoridade administrativa, nem ficaram provados os pressupostos de que dependia a aplicação do referido n.º 3 do artigo 28.º, pelo que a RECORRENTE não podia ter sido condenada pelo seu incumprimento.

XXVIII. Na hipótese de não ser determinada a absolvição com os fundamentos acima expostos - o que se concebe por mero dever de patrocínio, sem conceder -, a verdade é que não está demonstrado nos autos que a RECORRENTE tenha violado o dever de cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.

XXIX. Está provado nos autos que o entendimento jurídico que a RECORRENTE extraía do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto, era o de que é “responsável pela colocação no mercado” aquele que introduz, pela primeira vez no mercado comunitário, os aparelhos de rádio abrangidos por aquele diploma.

XXX.  Esta interpretação foi acolhida pelo TRIBUNAL JUDICIAL DE MATOSINHOS e, mais recentemente, pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA.

XXXI. Era, pois, convicção da RECORRENTE que não sendo “responsável pela colocação no mercado” dos aparelhos não lhe cabia efectuar o controlo das embalagens, mas sim ao fabricante, G..., que havia colocado os aparelhos, pela primeira vez, para o mercado comunitário.

XXXII.A aceitar como boa a interpretação do Tribunal a quo, segundo a qual a ora RECORRENTE seria responsável pela colocação no mercado dos aparelhos apreendidos nestes autos, sempre se lhe impunha julgar que esta actuou em erro sobre a proibição (cfr. artigo 8.º, n.º 2, do RGCO), não se podendo, porém, considerar que violou o dever de cuidado a que, segundo a circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz, devendo, por conseguinte, ser absolvida.

XXXIII.Na hipótese de não ser determinada a sua absolvição - o que se concebe por mero dever de patrocínio, sem conceder —, deve a sentença recorrida ser revogada na parte que condenou a RECORRENTE no pagamento de uma coima única (resultante do cúmulo das duas coimas individuais aplicadas) e substituída por uma decisão que aplique uma admoestação (cfr. artigo 51.º do RGCO),

XXXIV.Ou, em alternativa, ser a coima única fixada pelo mínimo legal aplicável, especialmente atenuado (cfr. artigo 18.º, n.º 3, do RGCO), e a sua execução suspensa, por período não superior a dois anos, nos termos do disposto no artigo 31.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 99/2009, de 4 de Setembro.

XXXV.            A substituição da coima única aplicada na decisão condenatória por admoestação ou por coima especialmente atenuada e suspensa na sua execução justifica-se:

a.Pela diminuta gravidade das infracções e censurabilidade da conduta imputada à RECORRENTE — na medida em que (i) o disposto no artigo 8.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto, contém apenas uma obrigação de informação, não estando em causa a violação dos requisitos essenciais de colocação no mercado dos equipamentos de rádio e, nessa medida, a protecção da segurança ou da saúde dos utilizadores, (ii) que a ora RECORRENTE entregou ao ICP-ANACOM, quando para tal solicitada, a respectiva declaração de conformidade emitida pelo fabricante e que (iii) quanto à alegada violação do artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 192/2000, a RECORRENTE diligenciou pela colocação de uma etiqueta no exterior das embalagens dos equipamentos, por forma a dar cumprimento à obrigação de disponibilização das instruções de funcionamento em língua portuguesa;

b.Pela circunstância de o Tribunal a quo ter dado como provado que a RECORRENTE vendeu os 86 aparelhos por € 4.335,04 (cfr. facto provado n.º 14 dos factos provados), entendendo, no entanto, que, quanto aos 4 aparelhos apreendidos nos presentes autos, o benefício económico teria de ser muito diminuto e, bem assim, que as margens de lucro do negócio não poderiam ser muito elevadas (cfr. página 41 da sentença recorrida).

c.Pela inexistência de antecedentes quanto à prática de infracções desta natureza e, bem assim, pela sua conduta posterior aos factos sub judice;

d.Pela sua suficiência, à luz das exigências de prevenção reconhecidas pela própria autoridade administrativa;

e.Pela circunstância de terem decorrido 4 anos e 4 meses sobre a alegada prática das contra-ordenações pela qual a RECORRENTE foi condenada, atenta a sua boa conduta (cfr. artigo 72.º, n.º 2, alínea d), do CPP, ex vi artigo 32.º do RGCO, ex vi artigo 36.º da Lei n.º 99/2009, de 4 de Setembro);

f.Por haver fundadas razões para crer que a simples censura dos factos e a ameaça de sanção (na suspensão da execução da coima) realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Termos em que deve o presente recurso ser admitido, ao abrigo do artigo 73.º, n.º 1, do RGCO, julgando-se o mesmo procedente, e, em consequência:

1.        Ser a ora RECORRENTE absolvida dos ilícito contra-ordenacionais por que vem condenada, com fundamento na circunstância de, à luz de uma interpretação conforme ao Direito da União Europeia, a mesma não poder ser considerada responsável pela colocação no mercado e, por essa razão, autora das contra-ordenações previstas e punidas nos termos dos artigos 8.º, alínea b), 28.º, n.º 3, e 33.º, n.º 1, alíneas c) e m), e n.º 3, do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18 de Agosto; ou,

2.        Ser a ora RECORRENTE absolvida do ilícito contra-ordenacional por que vem condenada, com fundamento na circunstância de, à luz de uma interpretação conforme ao direito da União Europeia, se ter por cumprida a obrigação de informação resultante do artigo 8.º, alínea b), do mesmo diploma, atendendo à sua qualidade de mera distribuidora grossista, que adquiriu os equipamentos com a marcação “CE” no âmbito de uma transacção intra-comunitária, e que, quando para tal solicitada, remeteu a declaração de conformidade emitida pelo fabricante ao ICP-ANACOM;

3.        Ser a ora RECORRENTE absolvida do ilícito contra-ordenacional por que vem condenada, com fundamento na circunstância de, no presente caso, não terem sido alegados nem terem ficado provados os pressupostos de que depende a aplicação do n.º 3 do artigo 28.º do mesmo diploma;

4.        Subsidiariamente, ser a RECORRENTE absolvida por não preenchimento do tipo subjectivo dos ilícitos em causa, ou seja, por não ter ficado demonstrada que a mesma tenha actuado negligentemente;

5.        Subsidiariamente ser a ora RECORRENTE condenada em admoestação, no que respeita a ambas as infracções, ou, ainda que não se concedendo, em coima pelo mínimo aplicável, especialmente atenuada e suspensa na sua execução por um período não superior a dois anos.

Porque só assim se fará JUSTIÇA!”


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Na sua resposta, o MºPº defendeu a procedência do recurso concluindo nos seguintes termos:

 “1ª No quadro normativo atual deverá entender-se por “responsável pela colocação no mercado”, para efeito da norma do art. 8º b), do DL 192/2000, de 18/08, o agente económico que coloca o equipamento de rádio ou terminal de telecomunicações pela primeira vez no mercado europeu e não aquele que o coloca no mercado nacional (por regra o importador e distribuidor nacional, como é o caso da recorrente).

2ª Não resultando da matéria de facto dada como provada que foi a arguida o agente que introduziu os aparelhos de rádio no mercado europeu pela primeira vez, não será possível imputar-lhe a contra-ordenação pp pelo art. 33º, nº 1, c), por violação do art. 8º, b), do DL 192/2000, de 18/08 (coima parcelar de € 4000), razão pela qual deverá ser absolvida desta.

3ª A falta de declaração de conformidade determinou que o consumidor ficasse impedido de obter informação sobre o cumprimento dos requisitos essenciais do aparelho.

Porém, não era a arguida a destinatária do dever consagrado no art. 8º, b), do DL 192/2000, de 18/08, razão pela qual a apreciação do cumprimento de tal dever se encontra prejudicada.

4ª Os factos dados como provados nada referem sobre a obrigatoriedade de os equipamentos da marca G..., colocados no mercado pela arguida, disporem de marcação CE resultante de outras disposições legais, tal como referido no art. 28º, nº 1 do DL 192/2000 e, desse modo, estarem sujeitos ao regime estabelecido no número 3 deste preceito.

A conduta da arguida é assim atípica, sob pena de violação do princípio da legalidade consagrado no art. 2º do RGCO, o que determina a sua absolvição da contra-ordenação pp pelo art. 33º, nº 1, m), por violação do art. 28º, nº 3, do DL 192/2000, de 18/08 (coima parcelar de € 4 000).

Face ao exposto, o douto recurso interposto deverá proceder na parte em que pugna pela absolvição da arguida relativamente à prática das duas contra-ordenações pelas quais foi condenada, assim se fazendo Justiça.”


*

A entidade administrativa, “ICP – ANACOM, Autoridade Nacional de Comunicações”, também se pronunciou no sentido da improcedência, concluindo nos seguintes termos:

“1ª O entendimento adotado na sentença ora recorrida tem sido sistematicamente seguido pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, tribunal de competência especializada, em todas as suas decisões relativas a aplicação das normas constantes do Decreto-Lei n° 192/2000, de 18 de agosto, e foi recentemente consagrado no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 2013.04.16.

2ª A Recorrente colocou os equipamentos descritos nos autos simultaneamente quer no mercado nacional, quer non mercado comunitário.

3ª A pretendida protecção dos utilizadores é melhor obtida obrigando a que várias entidades procedam à verificação da conformidade dos aparelhos com os requisitos legalmente fixados.

4ª Responsabilizar quem coloca um determinado aparelho no mercado nacional pela conformidade com o preceituado no Decreto-Lei n° 192/2000, de 18 de agosto, não impõe a essas entidades a análise da conformidade do produto com os requisitos essenciais aplicáveis nem é uma exigência que ultrapasse o necessário para se atingir o objetivo de livre circulação de equipamentos de rádio, conforme reconhecido pelo então TJCE.

5ª A Diretiva não se opõe á aplicação de disposições nacionais que imponham ao importador num Estado membro de um produto fabricado noutro Estado membro a obrigação de se certificar, antes da respetiva entrega ao utilizador, de que o produto está acompanhado da declaração CE de conformidade com uma tradução na ou numa das línguas do Estado membro de importação, na condição de que tais exigências não equivalham a submeter o importador à obrigação de verificar ele próprio a conformidade da maquina com os requisitos essenciais aplicáveis.

6ª O TJUE entende que as normas comunitárias não se opõem à aplicação de disposições nacionais que imponham ao importador nacional a verificação dos requisitos formais legalmente exigíveis que lhes é possível verificar, bem como de fornecimento de toda a informação necessária.

7ª A garantia de proteção da segurança e da saúde dos utilizadores reconduz-se a defesa do consumidor.

8ª Para todas as contraordenações previstas no Decreto-Lei n° 192/2000, de 18 de agosto, existe uma mesma moldura contraordenacional, sem prejuízo das valorações que cabem ao decisor, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes dos casos concretos.

9ª Não é verdade que a sentença recorrida sustente uma interpretação desconforme ao Direito da União Europeia, nem que as normas nela aplicadas violem o disposto no n° 4 do art. 8° da Constituição.

10ª A Recorrente sustenta uma interpretação incorreta do regime aplicável à colocação no mercado de equipamentos de rádio.

11ª São responsáveis pela colocação no mercado, para a Diretiva 1999/5/CE, todas as entidades que coloquem a venda equipamentos terminais e de rádio, independentemente da fase do circuito comercial em que o façam, e independentemente de a quem os adquiriram.

12ª No mercado de equipamentos de rádio não existe o conceito de distribuidor, que não foi consagrado pela Diretiva 1999/5/CE nem pelo Decreto-Lei n° 192/2000, de 18 de agosto, segundo os quais colocação no mercado é toda e qualquer colocação à venda de equipamentos terminais e de rádio.

13ª A Diretiva 85/374/CEE, cujo conceito de colocação no mercado não é acolhido pela Diretiva 1999/5/CE, refere-se à responsabilidade do produtor e do responsável pela colocação no mercado pelos danos causados por aparelhos defeituosos.

14ª O conceito de colocação no mercado da Diretiva 2011/65/CE também não é acolhido pela Diretiva 1999/5/CE.

15ª A referenda que é feita na Directiva 1999/5/CE à Directiva 85/374/CEE tem o objetivo de deixar claro que não ficam revogadas por especialidade as normas desta ultima relativas a responsabilidade pelos danos causados por aparelhos defeituosos.

16ª Nunca o ICP - ANACOM proibiu, restringiu ou impediu a colocação no mercado dos aparelhos descritos nos autos, apenas tendo aplicado uma coima,  posteriormente reduzida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, pelo facto de a ora Recorrente ter colocado no mercado 86 aparelhos da marca e modelos supra referidos que não respeitavam varias normas do Decreto-Lei n° 192/2000, de 18 de agosto.

17ª Uma decisão de proibição, restrição ou impedimento de colocação no mercado de equipamentos de rádio não poderia ser tomada em sede de processo de contra-ordenação, para tanto sendo necessário um procedimento administrativo próprio.

18ª O facto de aparelhos se encontrarem devidamente marcados não exclui que fosse obrigação da ora Recorrente colocá-los no mercado apenas se respeitassem todos os requisites formais legalmente exigidos, e que o desrespeito de normas nesse sentido seja qualificado como contraordenação.

19ª Nenhum dos Acórdãos do TJUE invocados trata de situações de facto sequer semelhantes com a factualidade descrita nos autos, que respeita à colocação no mercado de equipamentos de rádio sem que estivessem acompanhados quer da declaração de conformidade com os requisitos essenciais aplicáveis, a fornecer aos utilizadores, quer de manuais de instruções em língua portuguesa.

20ª A desconformidade com os requisites essenciais aplicáveis de equipamentos que estejam devidamente marcados é apenas responsabilidade dos fabricantes ou seus representantes legais, ou do importador do equipamento para o território da União Europeia.

21ª A colocação em serviço é a colocação em funcionamento de um concreto aparelho, e o consumidor final que o faça só poderá ser responsabilizado se os aparelhos não estiverem devidamente marcados e/ou não estiverem acompanhados da declaração de conformidade descrita na alínea b) do art. 8° do Decreto-Lei n° 192/2000, de 18 de agosto.

22ª A exigência adicional, pela lei italiana, de marcação que atestasse a homologação pela administração dos correios tinha carácter material e ultrapassava as constantes da Diretiva 1999/5/CE, ao contrario das exigências em causa neste processo, de carácter formal, que em nenhum caso constituiriam medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas.

23ª A doutrina do Acórdão do TJUE de 2009.04.30 não exclui – nem poderia excluir, por essa obrigação decorrer do preceituado no n° 3 do art. 6° da Diretiva 1999/5/CE - a responsabilidade pela violação dessa mesma obrigação.

24ª Esse mesmo Acórdão refere-se à declaração de conformidade prevista no Anexo III a Diretiva 1999/5/CE, que é uma certificação de carácter industrial elaborada após a realização do procedimento de avaliação de conformidade e não a declaração de conformidade a fornecer aos utilizadores, pelo que a questão é absolutamente distinta da ora em discussão.

25ª E, mesmo que assim não fosse, tal significaria que os responsáveis pela colocação no mercado não teriam de fornecer aos utilizadores uma declaração de conformidade adicional quando os aparelhos já estão acompanhados de uma declaração de conformidade CE - o que não é o caso na situação sub judice.

26ª A ora Recorrente confunde a possibilidade de apreensão de aparelhos a titulo cautelar com as medidas de carácter administrativo através das quais se proíba, restrinja ou impeça a colocação no mercado e/ou em serviço de qualquer aparelho.

27ª Seria absurdo que o ICP - ANACOM não estivesse legitimado quer para apreender cautelarmente equipamentos que verifique não estarem conformes com alguma das normas aplicáveis, quer para recolher aparelhos relativamente aos quais não tenha sido detetada qualquer desconformidade, a fim de permitir a realização de ensaios laboratoriais que avaliem a sua conformidade com os requisites essenciais aplicáveis, ou uma avaliação mais aprofundada da sua conformidade com os requisitos de natureza formal.

28 As exigências constantes do n° 3 do art. 6° da Diretiva 1999/5/CE não são situações especiais, pois dizem respeito a todos os equipamentos terminais de comunicações electrónicas e equipamentos de rádio.

29ª A declaração de conformidade a fornecer aos utilizadores não pode ser confundida com a declaração de conformidade descrita no Anexo III quer da Diretiva 1999/5/CE quer do Decreto-Lei n° 192/2000, de 18 de agosto.

30ª O reenvio prejudicial para o TJUE não consubstanciaria uma diligência essencial para a descoberta da verdade, por não visar qualquer apresentação de factos.

31ª No Acórdão supra mencionado, relativo à mesma questão de Direito, o Tribunal da Relação de Évora excluiu expressamente o reenvio prejudicial.

32ª A confirmação da decisão recorrida não se afastaria da invocada jurisprudência do TJUE.

33ª Os equipamentos de rádio estariam de qualquer forma obrigados a dispor de marcação CE tendo em conta que se lhes aplicariam as normas nacionais e comunitárias relativas a compatibilidade eletromagnética, e assim qualquer equipamento de rádio preenche os requisites do n° 1 do art. 28° do Decreto-Lei n° 192/2000, de 18 de agosto, pelo que a exigência de que estes aparelhos estejam acompanhados de documentação em português decorre do n° 3 do mesmo artigo, e não de qualquer outra norma mais genérica.

34ª A norma constante do n° 2 desse artigo não é relevante, por se reportar apenas e só a períodos transitórios em que seja possível escolher entre vários requisitos de conformidade, o que não é manifestamente o caso.

35ª Mesmo que assim não fosse, esta Autoridade seria competente para investigar, processar e punir as situações em que exista concurso de contraordenações e uma delas, em equipamentos de rádio, fosse a falta de manuais de instruções em português, atenta a previsão constante do art. 36° do RGCO.

36ª Um eventual erro sobre a ilicitude que pudesse hipoteticamente verificar-se seria inequivocamente censurável.

37ª O bem jurídico tutelado, atendendo ao conjunto de pessoas potencialmente lesadas pelos efeitos da contraordenação, determina que não seja reduzido o desvalor da infração, o que exclui a aplicação de uma pena de admoestação.

38ª A falta da declaração de conformidade CE implica que os consumidores não possam ter a garantia de que a conformidade dos equipamentos foi avaliada.

39ª A falta de documentação em língua portuguesa implica que muitos consumidores não possam compreender quer a declaração de conformidade, quer os manuais de instruções, comprometendo nomeadamente a sua devida utilização.

40ª A etiqueta colocada pela ora Recorrente nas embalagens dos referidos equipamentos não corresponde a um manual de instruções.

41ª O critério do beneficio económico obtido apenas assume relevância como agravante, atenta a sua inserção sistemática no n° 1 do art. 18° do RGCO e a redação do n° 2 do mesmo artigo.

42ª O tempo que decorreu sobre a pratica do ilícito não diminui a necessidade de o punir, e muito menos de forma acentuada, tendo em conta, nomeadamente, o bem jurídico tutelado, as elevadas exigências de prevenção geral e as médias exigências de prevenção especial, razões essas que fizeram o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão excluir a substituição da coima aplicada por uma pena de admoestação.

43ª A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos extraordinários ou excecionais, em que a imagem global do facto resultante da atuação da(s) atenuante(s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura correspondente ao tipo de facto respetivo.

44ª As razões que fizeram o Tribunal excluir a substituição da coima por admoestação ou a fixação das coimas parcelares nos limites mínimos excluem igualmente a suspensão da aplicação da sanção, que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excecionais, tendo o tribunal a quo entendido ser necessário o efeito inibidor da coima para afastar a ora Recorrente de voltar a praticar a mesma infração.

45ª A simples possibilidade de ser cometida pela arguida nova infração deve excluir a suspensão da execução da sanção.

46ª De acordo com a doutrina do Tribunal da Relação de Coimbra, o art. 31° da Lei n° 99/2009, de 4 de setembro, limita expressamente a possibilidade de suspensão da aplicação da sanção a autoridade administrativa, em função dos específicos fins do regime aplicável às contraordenações do sector das comunicações, não podendo o tribunal determina-la.

Face ao exposto, deve ser negado provimento ao recurso apresentado, por serem improcedentes as alegações produzidas pela Recorrente e por ser inteiramente válida a decisão recorrida.”


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Nesta Relação, o Exmº Procurador Geral Adjunto apôs o seu Visto

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Colhidos os vistos, foram os autos remetidos à Conferência.

Cumpre decidir.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

Na decisão recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:

1. No dia 27/02/2009, a Recorrente vendeu 86 equipamentos de rádio da marca GRIFFIN, modelo P1067 (ROAD TRIP), à F, LDA.

2. Em 06/08/2009, a F, LDA., colocava à venda 4 aparelhos dessa marca e modelo, que adquirira à Recorrente.

3. Esses equipamentos foram apreendidos por técnicos da Anacom, por não estarem acompanhados da declaração de conformidade prevista na alínea b) do art. 8º do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de Agosto, nem de manuais de instruções em português.

4. Posteriormente, foi solicitado à arguida, que foi notificada para esse efeito em 2009.10.23, o envio dos manuais de utilização e técnicos, bem como das declarações de conformidade CE e documentação técnica (cfr. fls. 119).

5. A Recorrente adquiriu os aparelhos referidos nos números 1. e 4. a uma sociedade sediada na União Europeia (fora de Portugal).

6. A Recorrente adquiriu os aparelhos embalados e selados, antes de os vender aos retalhistas.

7. A Recorrente apenas confirmava a existência de marcação CE nos equipamentos que lhe eram fornecidos, antes de proceder à respetiva revenda.

8. A Recorrente é uma grossista, não fabricando os aparelhos e equipamentos que coloca no mercado.

9. A Recorrente confiava que os equipamentos que revendia traziam as declarações, entendendo que não poderia violar as embalagens sob pena de inutilizar os equipamentos.

10. A Recorrente colocou uma etiqueta nos equipamentos com os dizeres: “Transmissor FM com suporte de braço em aço flexível + carregador auto. Incorpora tecnologia Smartscan. Seleciona automaticamente as 3 frequências melhores e deixa atribuí-las a 3 botões diferentes. É um produto com certificação para iPhone (WWI), este funciona ligado ao RoadTrip sem necessidade de estar em “Airplane mode”. Compatível com iPhone 1G/3G, iPod touch, nano e iPod classic. Fabricado em Taiwan, garantia 2 anos (particulares) e 1 ano (empresas).

11 A Recorrente não efetuou verificação dos equipamentos que vendeu (analisando se continham o manual de instruções e as declarações de conformidade), nem mesmo através de triagens (por amostragem), não atuando por isso com o cuidado que podia e era capaz.

12. Em 2010 a Recorrente teve um volume de negócios de €1.838.347,58 e um resultado líquido de €30.980,62.

13. A Recorrente não tem antecedentes contraordenacionais.

14. Os 86 aparelhos referidos no número 1. dos factos provados foram vendidos por €4.335,04.”

Consignou-se que não se provaram os seguintes factos

1. A Recorrente não teve o cuidado de verificar quais as normas aplicáveis à colocação no mercado de equipamentos de rádio.


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O Direito

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[i], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[ii].

Antes do mais convirá referir que conforme se afere da matéria de facto dada como provada, os aparelhos apreendidos foram adquiridos pela recorrente a uma sociedade sita no espaço comunitário, embalados e selados, sendo que a arguida antes de os revender apenas confirmava a existência de marcação CE, confiando que os equipamentos já traziam as declarações e entendia que não podia violar as embalagens sob pena de inutilizar os equipamentos.

A razão da apreensão dos aparelhos deveu-se por os mesmos não estarem acompanhados da “declaração de conformidade” prevista no art. 8º, b), do DL 192/2000, de 18/08, nem de “manuais de instruções em português”.

Como tal a jurisprudência invocada pela recorrente não tem cabimento no caso em apreço.

Com efeito no Ac. do Tribunal de Justiça de 20/06/2002 apreciava-se da legitimidade e proporcionalidade da medida tomada por um Estado-Membro de exigir um procedimento administrativo de marcação com homologação nacional, sem o qual considerava proibida a comercialização de equipamentos de rádio; por sua vez no Ac. do Tribunal de Justiça de 08/05/2003 estava em causa o estabelecimento de normas do Estado-Membro contrárias ou condicionadoras das condições de comercialização harmonizadas através da imposição de requisitos suplementares à comercialização de produtos que cumpram o direito europeu e já ostentem marcação CE; finalmente no Ac. do Tribunal de Justiça de 30/04/2009 estava em causa a legitimidade de o Estado-Membro exigir a quem coloca equipamento de rádio no mercado a apresentação de uma declaração de conformidade quando esta já exista e tenha sido emitida pelo fabricante juntamente com a marcação CE.

Passemos de seguida a analisar a 1ª das questões levantadas pela recorrente e que se reveste de importância dada a natureza de questão prévia que se revela relativamente a parte das outras questões invocadas no presente recurso, ou seja qual o conceito de “responsável pela colocação no mercado de acordo” a que se refere o artº 8º do Dec-Lei nº 192/2000 de 18/08.

Como se sabe na decisão recorrida foi imputada à recorrente a prática da contra-ordenação, a prevista no art.º 8.° al. b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18-8, que estabelece que constitui obrigação dos fabricantes de aparelhos ou dos responsáveis pela sua colocação no mercado, “Fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho”.

E para tal, considerou-se que a recorrente integraria a categoria de responsável pela colocação do produto no mercado, adoptando-se assim uma noção ampla que tanto abrangeria aquele que o colocou pela 1ª vez no mercado comunitário como quem como a recorrente se limitou a colocá-lo no mercado nacional, após tê-los adquirido a uma empresa já sediada no espaço comunitário.

Pois bem, consideramos que esta questão já foi respondida pelo Ac RE de 09/10/13, relator Martinho Cardoso, o qual subscrevemos e que para efeitos de melhoria da aplicação do direito e à promoção da uniformidade da jurisprudência, aceitando o recurso, nos termos do artº 73º nº 2 do RGCO e decidiu que:

“Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 8.° al. b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18-8, que estabelece que constitui obrigação dos fabricantes de aparelhos ou dos responsáveis pela sua colocação no mercado, fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho”, que quando estão em causa produtos fabricados no espaço Geográfico da CE, a obrigação de fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho, cabe ao fabricante; e quando estão em causa produtos fabricados no espaço geográfico exterior à CE, a obrigação de fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho, cabe a quem introduzir o produto na área geográfica da CE.”

Para além do Acórdão supra citado, convirá referir que aderimos aos termos e fundamentos constantes na resposta do MºPº junto do Tribunal “ a quo” e que com a devida vénia passamos a transcrever:

5. A questão essencial consiste pois em definir o “responsável pela colocação no mercado”.

5.1. Segundo o “Guia relativo à aplicação das directivas de harmonização técnica comunitária elaboradas com base nas disposições da nova abordagem e da abordagem global”, editado pela Comissão, o qual foi elaborado em estreita colaboração com os diferentes serviços da Comissão Europeia e com as administrações nacionais em função dos temas abordados, permitiu precisar «Numa linguagem menos Jurídica determinadas disposições contidas nas directivas comunitárias ditas da "nova abordagem" e (…) facilitar a compreensão das referidas disposições e possibilitar a sua aplicação mais uniforme em toda a Comunidade» - cfr. a nota prévia do então Diretor-Geral da Indústria da Comunidade, Senhor Riccardo PERISSICH, p. 6 do Guia.

A fim de implementar uma “doutrina comum”, este guia apresentou-se como um manual de trabalho destinado aos "praticantes" da Nova Abordagem e da Abordagem Global, ou seja, os negociadores, os redatores, os gestores das disposições e aqueles que devem garantir a melhor aplicação possível dessas mesmas disposições: os serviços da Comissão, (…) os Estados-membros e as suas administrações, os parceiros económicos, etc (cfr. p. 13 do Guia).

5.2. É claro que o Guia tem como horizonte legislação revogada, designadamente a Diretiva do Conselho 91/263/CEE, de 29/04/1991 e o DL 228/93, de 22/06, revogados respetivamente pela Diretiva 1999/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e pelo DL 192/2000, de 18/08. Além disso, não tem como destinatários os operadores judiciários mas a administração e os agentes económicas que com esta entram em relação. Ainda assim, não pode deixar de se lhe atribuir valor hermenêutico para a questão aqui trazida pela recorrente.

5.3. Na verdade, a Diretiva do Conselho 91/263/CEE, de 29/04/1991 já se referia aos equipamentos terminais “colocados no mercado” (art. 3º, nº 1 e nº 2; art. 5º; art. 8º, nº 1, 1º §; art. 11º, nº 3) e à sua colocação no mercado pela primeira vez (art. 2º, nº 1). O § 2º do ponto 3. do anexo II desta Diretiva estabelecia que «Quando nem o fabricante nem o seu representante autorizado se encontrarem estabelecidos na Comunidade, a obrigação de manter disponível a declaração e conformidade caberá à pessoa responsável pela colocação do produto no mercado comunitário».

Independentemente da questão da equiparação entre o fabricante ou seu representante e o responsável pela colocação no mercado, a qual também ocorre no atual corpo do art. 8º do DL 192/2000, a verdade é que o legislador europeu deixou aqui uma referência expressa ao que entendia ser a “colocação do produto no mercado”. Segundo esta disposição do anexo II referia-se ao responsável pela colocação do produto no mercado comunitário.

5.4. Na parte das definições e comentários, o Guia refere: «1. Colocação no mercado Primeira introdução, a título oneroso ou gratuito, de um produto abrangido pela diretiva no mercado comunitário, com vista à sua distribuição e/ou utilização no território da Comunidade.» (p. 20).

Na mesma página o Guia comenta que «A colocação no mercado determina o momento em que o produto passa da fase de fabrico no mercado comunitário à fase de distribuição e/ou utilização no território da Comunidade. Dado que a colocação no mercado se refere apenas à primeira introdução do produto no mercado comunitário com vista à sua distribuição ou utilização no território da Comunidade, apenas são abrangidos pelas directivas os produtos novos fabricados na Comunidade e os produtos novos ou usados importados de um país terceiro. A colocação de um produto no mercado comunitário pode ser efectuada, quer pelo próprio fabricante ou o seu mandatário estabelecido na Comunidade, quer pelo importador do produto (cf. ponto 5 infra). A introdução de um produto abrange:

- a cessão do produto, ou seja, a transferência da propriedade do produto, ou a transferência física do produto, do fabricante (/do mandatário estabelecido na Comunidade/do importador) para a pessoa que efectuará a distribuição desse produto no mercado comunitário ou a sua transferência para o consumidor ou utilizador final, no âmbito duma operação comercial, a título oneroso ou gratuito, independentemente do acto jurídico em que tal cessão se baseie (venda, empréstimo, locação, locação financeira, doação ou qualquer outro tipo de acto Jurídico de carácter comercial). No momento da cessão, o produto tem de estar conforme com as disposições da diretiva.

- a oferta de cessão nos casos em que o fabricante (ou o seu mandatário estabelecido na Comunidade) ou o importador proponha, na sua própria cadeia comercial de distribuição, um produto para fins de cessão directa do mesmo ao consumidor ou utilizador final. A partir desse momento, o produto tem de estar conforme com as disposições estabelecidas na directiva».

Depois de nos pontos 2., 3. e 4. fornecer as definições de “entrada em serviço”, “fabricante” e “mandatário”, o Guia em apreço define: «5. Importador ou responsável pela colocação no mercado A pessoa que coloca no mercado comunitário um produto abrangido pela directiva e proveniente de um país terceiro.» (p. 24).

Na mesma página o Guia comenta que «O importador, contrariamente ao mandatário, não tem laços privilegiados com o fabricante (de um país terceiro). Por esse motivo, apenas lhe pode ser confiada a execução de determinadas obrigações delimitadas nas directivas, a menos que o fabricante (ou o seu mandatário) esteja estabelecido na Comunidade. Se não for esse o caso, as directivas atribuem ao importador a responsabilidade pela colocação no mercado do produto por ele importado. A esse título, o importador deve manter à disposição das autoridades fiscalizadoras o dossier técnico (…) e a declaração de conformidade do fabricante.».

5.5. Seja como for, foi-nos possível aceder á versão atualizada ao ano de 2000 daquele guia, versão essa que apenas está disponível em língua inglesa. Trata-se do «Guide to the implementation of directives based on the New Approach and the Global Approach, da Comissão Europeia, cuja versão digital em PDF está disponível em http://ec.europa.eu/enterprise/policies/single-market-goods/files/blue-guide/guidepublic.

Esta versão abrange já a Diretiva 1999/5/CE, tal como resulta expressamente do ponto 21. da tabela que consta da p. 13 deste Guide «Radio and telecommunications terminal equipment, Directive 99/5/EC».

Este guia ou manual atualizado manteve justamente os conceitos que já constavam da tabela de 1994.

Sob o capítulo «2. Scope of new Approach directives» (âmbito da nova abordagem das diretivas), este guia ou manual refere no ponto 2.3. (p. 18): « Placing on the market is the initial action of making a product available for the first time on the Community market, with a view to distribution or use in the Community. Making available can be either for payment or free of charge».

No ponto 2.3.1., 2º e 3º parágrafos, refere: «A product is placed on the Community market when it is made available for the first time. This is considered to take place when a product is transferred from the stage of manufacture with the intention of distribution or use on the Community market (30). Moreover, the concept of placing on the market refers to each individual product, not to a type of product, and whether it was manufactured as an individual unit or in series. The transfer of the product takes place either from the manufacturer, or the manufacturer’s authorised representative in the Community, to the importer established in the Community or to the person responsible for distributing the product on the Community market (31). The transfer may also take place directly from the manufacturer, or authorised representative in the Community, to the final consumer or user.

5.6. O Ac. da RE de 10/09/2013, João Martinho Cardoso, Pº 33/12.4 YQSTR.E1, teve como suporte a nomenclatura do Guia para aplicação das diretivas elaboradas com base nas disposições da nova abordagem e da abordagem global, versão de 1994.

Teve ainda como suporte a nomenclatura do considerando 35) da Diretiva 1999/5/CE que dispõe o seguinte: «Considerando que, nos termos do disposto na Directiva 85/374/CEE do Conselho, os fabricantes são responsáveis pelos danos causados por aparelhos defeituosos; que, sem prejuízo da responsabilidade do fabricante, qualquer pessoa que importe na Comunidade aparelhos destinados à venda no âmbito da sua actividade comercial, é responsável, nos termos da referida directiva; que o fabricante, o seu mandatário, ou a pessoa responsável pela colocação dos aparelhos no mercado comunitário são responsáveis, de acordo com as disposições legais em matéria de responsabilidade contratual e extra-contratual em vigor nos Estados Membros;» (sublinhado nosso).

Entre os agentes que incorrem em responsabilidade civil, este Considerando ou parágrafo 35) da exposição de motivos da Diretiva 1999/5/CE refere-se expressamente, no estrito contexto do mesmo (responsabilidade pelos danos causados por aparelhos defeituosos), à “pessoa responsável pela colocação dos aparelhos no mercado comunitário” e por isso, refere-se inequivocamente àquele que introduz no espaço da União aparelhos fabricados em países terceiros.

Porém, esta nomenclatura não esclarece o intérprete sobre o significado da expressão “Responsável pela colocação no mercado”, designadamente para efeitos do corpo da norma do art. 8º, do DL 192/2000, de 18/08. A expressão “pessoa responsável pela colocação dos aparelhos no mercado comunitário” é apenas utilizada mais uma vez no ponto 3. do Anexo II da Diretiva 1999/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. Nos considerandos e no seu articulado normativo, esta Diretiva limita-se a utilizar a expressão “pessoa responsável pela colocação no mercado” ou tão-somente “colocação no mercado” – v. art. 1º, nº 1; art. 6º, nºs 1, 2, 3, 4 – 1º e 2º parágrafos; art. 8º, nº 1; art. 9º, nº 1; art. 12º, nºs 1 e 4; art. 18º, nº 2. Idem no anexo IV, 2º e 4º §§.

O que este considerando 35) enfatiza, bem como a Diretiva do Conselho de 25/07/1985, é que para efeitos proteção do consumidor, tanto são responsabilizados os participantes do processo de produção, como o importador de produtos na União, como qualquer pessoa que se apresente como produtor ou que forneça um produto cujo produtor não possa ser identificado (v. § 8º do preâmbulo da Diretiva de 25/07/1985). Ou seja, o legislador europeu equiparou estes diferentes agentes económicos para efeitos de responsabilidade civil perante o consumidor e com vista à defesa deste, sem com isso adiantar o que entendia por “Pessoa responsável pela colocação no mercado”. Diferentemente desta expressão, a Diretiva de 25/07/1985 usa a expressão “importador”, o qual equipara a produtor como resulta inequivocamente do art. 3º, nº 2, desta Diretiva 25/07/1985.

Ainda assim podemos ver neste considerando 35) e em particular no art. 6º, nº 3, 1ª parte, no art. 12º, nº 4, no anexo II, nº 3 e no anexo IV, 2º e 4º §§, todos da Diretiva 1999/5/CE, um afloramento que permite a aproximação ao conceito. Deste afloramento resulta estar permanentemente ausente a menção, direta ou indireta, ao importador nacional, ao distribuidor grossista e claro está, ao retalhista, ou a qualquer outro agente económico que se posicione no circuito mercantil europeu a jusante daquele que primeiro introduziu o produto no mercado europeu.

6. Assim, a interpretação conforme à doutrina europeia do art. 8º do DL 192/2000, de 18/08 que transpôs o art. 6º, nº 3, 1º período, da Diretiva 1999/5/CE, de 09/03/1999 é a que considera como responsável pela colocação no mercado dos aparelhos de rádio e de terminais de telecomunicações o agente económico que os introduz no mercado comunitário pela primeira vez.

7. Não se trata de exigir ao responsável pela colocação no mercado que elabore a declaração de conformidade e que verifique ele próprio a conformidade do aparelho com os requisitos essenciais. Do que se trata tão somente é de lhe exigir que proporcione ao consumidor, juntamente com o aparelho, o recebimento efetivo de tal declaração de conformidade, fornecendo-a com a indicação dos requisitos essenciais (art. 8º, b), do DL 192/2000), os quais consistem na proteção da saúde e da segurança do utilizador (art. 4º, nº 1, a), deste diploma).”

Assim sendo forçoso será de concluir pela absolvição da recorrente no que a esta contra-ordenação diz respeito, e que abrande como é óbvio as alíneas a) e b) do artº 8º do Dec-Lei nº 192/2000

A arguida foi ainda condenada pela prática de uma contra-ordenação pp pelo art. 33º, nº 1, m) por violação do art. 28º, nº 3, do diploma em causa o qual estabelece que:

“A documentação, os manuais de informação e instruções que nos termos das disposições legais mencionadas no número anterior acompanham os aparelhos devem dispor de versão em língua portuguesa e conter indicação expressa das disposições legais em relação às quais o aparelho se encontra conforme”.

A recorrente alega que relativamente à contra-ordenação pp pelo art. 33º, nº 1, m), do DL 192/2000, de 18/08, não se provaram os pressupostos de que depende a aplicação do art. 28º, nº 3, do mesmo Diploma.

Subescrevemos de igual modo a resposta do MºPº junto do Tribunal “ a quo” que relativamente a esta questão referiu:

A recorrente sustenta, em suma, que o nº 3 não tem força geral normativa direta e própria relativamente aos aparelhos apreendidos nos autos, por não encerrar uma obrigação genérica, aplicável a todos os aparelhos, mas apenas aplicável a certos aparelhos.

2. Efetivamente o art. 27º do DL 192/2000 deveria conter um nº 5 idêntico ao nº 3 do seu art. 28º - a menção expressa à obrigatoriedade de versão em língua portuguesa da documentação, manuais de informação e instruções que acompanham os aparelhos com marcação CE.

Dispõe o art. 28º do DL 192/2000, de 18/08 sob a epígrafe “Outras marcações CE”:

«1- Sempre que a obrigatoriedade de os aparelhos disporem de marcação CE resulte de outras disposições legais, a marcação CE referida no anexo VI deve indicar que o aparelho está conforme com essas disposições legais.

2 - Caso uma ou mais das disposições legais mencionadas no número anterior permitam ao fabricante, durante um período transitório, escolher em relação a quais de entre elas o aparelho está conforme, a marcação CE deve indicar apenas o cumprimento dos requisitos das disposições legais escolhidas pelo fabricante.

3 - A documentação, os manuais de informação e instruções que nos termos das disposições legais mencionadas no número anterior acompanham os aparelhos devem dispor de versão em língua portuguesa e conter indicação expressa das disposições legais em relação às quais o aparelho se encontra conforme.».

3. A norma deste artigo 28º resulta da transposição direta do art. 8º, nº 3 da Diretiva 1999/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. É aplicada por remissão do nº 3 para o nº 2 e para o nº 1. Interessar-nos-á apenas a relação de remissão do nº 3 para o nº 1, até porque sendo o nº 2 uma norma transitória a mesma já há muito caducou .

A referência feita no nº 1 a “marcação CE” que resulte de “outras disposições legais” visava os números 12º, 13º e 14º da então vigente Portaria 767-A/93, de 31/08, entretanto alterados pela Portaria 935/95, de 24/07 que substituiu ainda a nomenclatura de «marca CE» para «marcação CE».

O nº 3 desta Portaria 767-A/93, de 31/08 estabelecia que «Os aparelhos, equipamentos e instalações mencionados no nº 1 devem ser acompanhados de instruções, que descrevam os respectivos componentes, e contenham as informações necessárias para permitir uma correcta utilização, instalação e manutenção dos mesmos, conforme o fim a que se destinam.» Como se vê, esta norma não contemplava a tradução em língua portuguesa e daí a preocupação do legislador interno na sua previsão por via do art. 28º, nº 3, do DL 192/2000.

A Portaria 767-A/93, de 31/08 foi entretanto revogada pelo DL 325/2007, de 28/09.

Este DL 325/2007 excluiu expressamente do seu âmbito de aplicação os equipamentos abrangidos pelo DL 192/2000, de 18/08. Daqui resulta que a norma do art. 28º, nº 1, do DL 192/2000 deixou de ter aplicação aos aparelhos de rádio e terminais de telecomunicações.

A exigência de versão em língua portuguesa para a documentação, os manuais de informação e instruções não é feita nem no art. 26º, nem no art. 27º do DL 192/2000. Tal exigência é apenas feita no nº 3 do art. 28º e só nos termos das disposições legais mencionadas no nº 2 e no nº 1 deste art. 28º.

Ora, os factos provados nada referem sobre a obrigatoriedade de os equipamentos da marca Griffin, colocados no mercado pela arguida, disporem de marcação CE resultante de outras disposições legais, tal como referido no art. 28º, nº 1 do DL 192/2000 e, desse modo, estarem sujeitos ao regime estabelecido no número 3 deste preceito.

4. Estando o direito das contra-ordenações, como direito sancionatório que é, sujeito ao princípio da legalidade (art. 2º do RGCO), não é legítimo que o intérprete recorra à interpretação e menos ainda à analogia, para suprir as lacunas do legislador.

Consequentemente, e tendo em conta os factos dados como provados, a conduta imputada à arguida não é suscetível de ser sancionada, por falta de tipicidade – cfr. os já mencionados artigos 26º e 27º e ainda as contra-ordenações previstas no art. 33º, nº 1, todos do DL 192/2000. É uma conduta que reputamos verdadeiramente atípica. Neste sentido, cfr. o Ac. da RE de 11/07/2013, Alberto João Borges, Pº 81/12.4 YQSTR.

Deste modo, a arguida deverá ser absolvida da contra-ordenação pp pelo art. 33º, nº 1, m), por violação do art. 28º, nº 3, do DL 192/2000, de 18/08 (coima parcelar de € 4 000).”

Acresce que no mesmo sentido se pronunciou de igual modo a Relação de Évora no seu Acórdão de 07/11/2013, relator Alberto Borges e que sobre tal matéria referiu:

Salvo o devido respeito, a obrigatoriedade da documentação que acompanha os aparelhos dispor de versão em língua portuguesa apenas está prevista para o caso previsto no n.º 2, para o qual o n.º 3 remete, ou seja, quando outra ou outras disposições legais (que não o DL 192/2000) imponham a obrigatoriedade da marca CE e seja permitido ao fabricante, de acordo com as mesmas, optar, durante um período transitório, pela disposição relativamente à qual o aparelho está conforme.

Só nessas situações – o que se compreende pela necessidade de definir com certeza qual a legislação pela qual o agente opta, porque diversa dessa - os manuais, instruções e demais documentação (que devam acompanhar os aparelhos, nos termos de tal disposição) devem dispor de versão em língua portuguesa.

Não vemos como fugir desta interpretação, sendo que o intérprete, não podendo cingir-se à letra da lei, não pode considerar o “pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (art.º 9 n.º 2 do Código Civil), e não se vê que a exigência prevista no art.º 28 n.º 3 respeite a todos os diplomas que imponham a marca CE (a que se reporta o n.º 1), quer porque este diploma veio regular tal matéria e nessa medida até se poderia entender que aqueles se teriam como tacitamente revogados por este diploma (posterior), quer pela insegurança e indefinição que daí resultaria (não se sabendo qual o diploma infringido), quer porque se essa fosse a intenção do legislador tê-lo-ia dito, remetendo para os n.ºs 1 e 2, quando é certo que remeteu apenas para o n.º 2.

Ora, no caso não está demonstrado que a arguida tenha usado da faculdade prevista no n.º 2 do art.º 28 do DL 192/2000, de 18 de agosto, pelo que a falta de manuais em versão portuguesa – que, de acordo com a factualidade dada como provada não era exigível, por não demonstrada o circunstancialismo previsto no n.º 2 desse preceito – não integra a contra ordenação sancionada pelo art.º 33 n.º 1 al.ª m) do DL 192/2000, de 18.08.”

Atento o exposto e uma vez que no caso em apreço não foram alegados pela autoridade administrativa, nem ficaram provados os pressupostos de que dependia a aplicação do referido n.º 3 do artigo 28.º, não pode como é óbvio a recorrente ser condenada pelo seu incumprimento.

Deverá assim a recorrente ser absolvidas das contra-ordenações de que foi condenada, mostram-se necessariamente prejudicadas as restantes questões invocadas no recurso.

Cremos que sendo julgado procedente o recurso naquela parte, fica prejudicada a apreciação da questão suscitada, isto é o reenvio prejudicial, que só interessava à Recorrente na medida em que tribunal considerasse que o conceito de responsável pela colocação de mercado, integrasse aquele que coloca o produto à disposição do consumidor e que abrangeria a recorrente licenciamento, o que não aconteceu.

De qualquer forma, sempre diremos que, sendo certo que os tribunais nacionais estão sujeitos ao princípio da interpretação conforme ao direito comunitário, não o é que este tribunal esteja obrigado a suscitar o reenvio prejudicial.

Na verdade, apesar de não haver recurso ordinário desta decisão, ela sempre será passível de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nos termos do disposto no art.º 437º/2 do CPP, pelo que nunca haveria lugar a reenvio obrigatório.[iii]

Por outro lado, do artº 267º do TJUE, resulta que o reenvio prejudicial apenas tem em vista levar ao TJUE qualquer questão relativa à interpretação ou à apreciação da realidade de um acto de direito comunitário, pelo que estarão abrangidas as questões relativas à interpretação ou apreciação das normas legislativas ou regulamentares de direito interno, nem matérias relacionadas com a compatibilidade destas normas ou regulamentos com o direito comunitário e muito menos, as questões respeitantes à validade ou interpretação das decisões dos tribunais nacionais.

Na verdade, o disposto no artº 267º visa, precisamente, a harmonização europeia, razão pela qual, só faz sentido o reenvio prejudicial quando se coloquem questões contraditórias relativas à aplicação do direito comunitário na aplicação das normas jurídicas provenientes da União Europeia.

Como tal e pelo exposto forçoso será de concluir que não haveria lugar ao reenvio no caso em apreço.


*

III DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, e absolver a recorrente das contra-ordenações pelas quais foi condenada

Sem custas.

Lisboa 15 de Janeiro de 2014

Vasco Freitas

Rui Gonçalves


[i] ( cfr. Prof. Germano Marques da  , "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335  e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[ii]  Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[iii] Ac RL de 27/02/2011 in www.dgsi.pt