Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11708/2005-7
Relator: ARNALDO SILVA
Descritores: ABUSO DE DIREITO
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
CLÁUSULA
NULIDADE
RENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1. Num contrato de arrendamento comercial, é nulo o posterior acordo meramente verbal de aumento da renda, porque tal acordo está sujeito à forma legalmente prescrita para a formação do contrato de arrendamento comercial __ ao tempo escritura pública, art.º 7º, n.º 2 al. b) do R.A.U., antes da redacção introduzida pelo art.º 3º do Dec. Lei n.º 64-A/2000, de 20-04 __, uma vez que as razões da exigência especial da lei para a constituição convencional de tal arrendamento lhe são aplicáveis (n.º 2 do art.º 221º do Cód. Civil).
2. Todavia, tem de se recusar a declaração de nulidade de tal acordo, bloqueando-o, e aceitar a sua validade, ainda que contra legem, se a ré arrendatária ao invocar a nulidade actua com abuso de direito por venire contra factum proprium (art.º 334º do Cód. Civil).
(AS)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na 7.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
1. A […], na qualidade de interessada na herança aberta por óbito de L […], intentou contra H. […] Ld.ª acção de despejo com forma ordinária, na qual pediu a ré seja condenada a despejar imediatamente o local arrendado_ o 2º andar e o rés-do-chão do prédio […] Lisboa, […]_, deixando-o devoluto de pessoas e bens e ainda condenado a pagar ao autor as rendas vencidas, e ainda, que a ré seja condenada a pagar à autora as rendas vencidas e as vincendas até à restituição, por a ré ter deixado de pagar as rendas a partir de Agosto de 1993.
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2. A ré contestou alegando que a renda era no montante de 21.480$00 e não de 150.000$00, e que, na pendência da acção, veio a depositar as rendas em falta e a indemnização referida no art.º 1041º do Cód. Civil, pelo que caducou o direito à resolução do contrato de arrendamento.  
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3. A autora replicou.  
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4. A acção prosseguiu os seus posteriores termos, tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente, e, consequentemente, decretou o despejo do rés-do-chão e segundo andar do prédio […] e condenou a ré a pagar à autora as rendas vencidas e não pagas desde Agosto de 1993 até à entrega efectiva do locado, no valor unitário de € 748,20 cada, correspondente a 150.000$00 e respectivos juros, e condenou a ré nas custas.
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5. Inconformada apelou a ré. Nas suas alegações, em síntese nossa, conclui:
1.º (...).
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6. Nas suas contra-alegações, a autora, em síntese nossa, conclui:
1(...)
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7. As questões essenciais a decidir:
Na perspectiva da delimitação pelo recorrente(1), os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) (2), salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil), exceptuando-se do seu âmbito a apreciação das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 1.ª parte do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).

Atento o exposto e o que flui das conclusões das alegações(3) _e só se devem conhecer as questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas(4). Assim sendo, e porque a ré não trouxe às conclusões das suas alegações a questão a seguir indicada, não pode esta questão ser objecto do presente recurso. A dita questão é a seguinte: o ter-se dado como provado o aumento da renda de 21.480$00 para 150.000$00, sem se saber entre quem foi celebrado o acordo e quando é que este foi celebrado, ou seja, embora a ré não o indique concretamente, a ré insurge-se contra o se ter dado como provada a matéria de facto que se deu como provada (art.ºs 1º, 3º 4º e 5º da base instrutória) e não se ter dado como provada a versão da ré: art.ºs 2º e 3º, 4º, 5º e 6º (os  3º, 4º, 5º e 6º sem qualquer restrição) e 7º da base instrutória __, da ré apelante supra descritas em I. 5., que são três as questões essenciais a decidir: 1) se é ou não nulo o acordo verbal sobre o aumento da renda de 21.480$00 para 150.000$00 por inobservância da forma legal prescrita (escritura pública na tese da ré); 2) se as respostas aos artigos 1º, 3º, 4º, 5º e 6º da base instrutória são ou não deficientes e obscuras; 3) se o artigo 7º  da base instrutória deve ou não ser eliminado, na hipótese de a decisão sobre a matéria de facto aos artigos 1º, 3º, 4º, 5º e 6º da base instrutória vir a ser anulada e repetido o julgamento.
Por razões de ordem lógica, vai-se conhecer das questões suscitadas pela seguinte ordem:
1.º a 2.ª questão;
2.º a 3.ª questão; e
3.º a 1.ª questão.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
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II. Fundamentos:
A) De facto:
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 28-05-2003, faleceu L […] tendo deixado como únicos herdeiros a autora A , M […] e LF[…]
2. Da herança faz parte o prédio sito […] Lisboa,
3. O segundo andar e o rés-do-chão do imóvel supra identificado em 2., encontra-se “arrendado” à ré, desde 1953, e destinam-se a escritório da actividade comercial da ré.
4. Não foram pagas as rendas referentes aos meses compreendidos entre Agosto de 1993 até à presente data.
5. O valor da “renda” era, em Agosto de 1993, de 150.000$00.
6. O valor da renda em Outubro de 1990 e aceite pelas partes era de 21.480$00.
7. Foi acordado verbalmente que o valor a pagar seria de 150.000$00 a partir de 1993.
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Estão ainda provados os seguintes factos, atento os documentos juntos a fls. 71 (doc. 1), e os documentos de fls. 76 e 77 (doc. 2), e o disposto nos art.ºs 376º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil, atenta a sua força probatória plena não impugnada, e ainda acordo das partes(5) relativamente ao depósito na Caixa Geral de Depósitos (artigo 17º da contestação e art.ºs 2º e segs. da réplica e o doc. 2 a fls. 28), e o disposto no art.º 712º, n.º 1 al. b) do Cód. Proc. Civil:
8. Em 08-01-1992, a ré emitiu o cheque, cuja fotocópia se encontra junta a fls. 75 (doc. 1) sobre o Banco Totta Açores n.º […] no montante de 127.500$00 a favor de L.[…].
9. O cheque supra referido em 8. foi emitido a favor de L. […] para pagamento da renda relativa ao rés-do-chão e 2º andar do prédio […]
10. O montante de tal cheque diz respeito ao excesso ou diferença resultante do diminuendo ou aditivo de 150.000$00 (montante da renda referido em 9.) e do diminuendo ou subtractivo 22.500$00 (correspondente à retenção na fonte do montante de 15 % de 150.000$00, por motivos fiscais), ou seja, 150.000$00 – 22.500$00 = 127.500$00.
11. Em 12-11-2001, a ré procedeu ao depósito, na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa […] relativamente ao presente processo, da quantia total de 3.222.000$00, relativa às rendas de Agosto de 1993 a Novembro de 2001, no valor unitário cada uma de 21.480$00 (100 x 21.480$00 = 2.148.000$00), respeitantes ao rés-do-chão e 2º andar do prédio supra referido em 9., e à indemnização referida no artigo 1941º, n.º 1 do Cód. Civil, no montante de 1.074.000$00.
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1 A inexistência de obscuridades e deficiências na matéria de facto:

Nos termos do art.º 712º, n.º 4, 1.ª parte in principio do Cód. Proc. Civil(6), a decisão da 1ª instância à matéria de facto pode ser anulada em duas situações: 1) quando esteja inquinada sobre determinados pontos com base num destes três vícios: a) deficiência; b) obscuridade; c) contrariedade; 2) quando for indispensável a ampliação da matéria de facto.

Está-se perante o vício da deficiência quando a resposta não abrange todos os pontos de facto ou a totalidade do facto controvertido; está-se perante o vício da obscuridade quando a resposta for equívoca, imprecisa, ou ininteligível; está-se perante o vício da contradição quando as respostas a certos pontos de facto controvertidos colidem entre si, ou colidem com os factos dados como assentes, tornando-se entre si inconciliáveis(7).

Vejamos.

A recorrente sustenta que a matéria de facto constante dos quesitos 1º, 3º, 4º, 5º e 6º é obscura e deficiente, porque a resposta aos quesitos 3º, 4º e 5º que deu como provado “apenas que foi acordado verbalmente que o valor da renda a pagar seria de 150.000$00 a partir de 1993” e não se diz quem acordou, e quando acordou. E não é aceitável que as respostas aos quesitos deixem sem saber quem foram os intervenientes no acordo e quando o mesmo se deu. Tendo a ré alegado a ocorrência de um acordo, mas que o mesmo não se tornou firme e definitivo, por ser a fracção de um negócio mais amplo, que não se concretizou, não é aceitável que o Tribunal tenha omitido posição relativamente a esse enquadramento. A autora sustenta que não existe qualquer obscuridade ou deficiência, porque, respectivamente, as respostas são claras, concisas e não suscitam dúvidas, e nada omitem sobre a matéria de facto.

Basta a simples leitura dos artigos 3º, 4º, 5º, 7º a 10º da contestação __ matéria de facto controvertida, quanto aos factos nus e crus dela constantes, face ao articulado pela autora na petição inicial de que a renda era (tout court) de 150.000$00 (art.ºs 8º da 10º) __ e das respostas à matéria de facto constantes da b.i. (base instrutória) aos artigos 1º 3º, 4º, 5º e 6º para se constatar que a respostas a estes artigos da base instrutória abrange a totalidade da matéria de facto controvertida. Logo e pelo exposto quanto ao vício da deficiência, não se está perante este vício. E basta também a simples leitura da resposta aos artigos 1º 3º, 4º, 5º e 6º da b.i. para se constatar que as respostas aos ditos artigos são precisas e não têm mais do que um sentido. Portanto e pelo exposto quanto ao vício da obscuridade, não se está perante este vício.

A questão do entre quem e quando foi celebrado o acordo relativo ao aumento da renda de 21.480$00 para 150.000$00 é um assunto que, in casu, tinha a ver com processo racional que levou o julgador à convicção do que se provou e não provou quanto aos artigos da b.i. (fundamentação – art.º 653º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil) e, por conseguinte, tema de eventual interesse para a impugnação da matéria de facto, mas nunca algo que pudesse consubstanciar um vício de obscuridade ou de deficiência nas respostas à matéria de facto.
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2 A questão da eliminação do artigo 7º da b.i.:

A jurisprudência tem entendido que se as partes não reclamarem contra a selecção da matéria de facto assente (especificação) e da base instrutória (art.º 511º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) não têm legitimidade para recorrer sobre a selecção da matéria de facto, inserindo essa problemática no recurso que interponham da decisão final, porque o recurso sobre aquela selecção pressupõe que tenha havido reclamação contra tal selecção, e que tenha havido despacho a decidi-la. Só após esta decisão, é que a parte que se considere lesada com alguma deficiência da especificação e questionário pode impugná-la no recurso que interpuser da decisão final, caso esta lhe venha a ser desfavorável(8).

No início da audiência de julgamento, a ré reclamou contra a selecção da matéria de facto feita na base instrutória, pedindo que fosse eliminado o artigo 2º da b.i. e que fossem aditados novos artigos correspondentes aos artigos 3º, 4º e 5º da sua contestação, cuja matéria neles vertida, no seu entender, não se encontrava reflectida na b.i..

A decisão que recaiu sobre a reclamação não eliminou o artigo 2º , mas corrigiu a sua redacção, e aditou à b.i. o artigo 7º que corresponde ao artigo 5º da contestação da ré. Desta forma, e quanto ao artigo 7º da b.i. o despacho foi inteiramente favorável à pretensão da ré. Logo e pelo exposto, não tem a ré legitimidade para recorrer, e introduzir esta questão no seu recurso.

Além do mais, e mesmo que assim não fosse, mas é, sempre a pretensão da ré tinha de improceder, porque não só o artigo 7º trata de matéria relevante para a decisão da causa, visto que pode influenciar a sua decisão, como também, porque respeita a matéria de facto alegada pela ré e que se encontrava controvertida. Ao que acresce ainda, que tendo sido dado como não provado, tudo se passa, relativamente a tal matéria, como se nada tivesse sido alegado.
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B) De direito:

1. A nulidade do acordo verbal quanto ao aumento da renda:

O arrendamento data de 1953 [cf. matéria de facto provada supra descrita em II. ponto 3.]. Como arrendamento comercial estava sujeito a escritura pública [art.º 37º, n.º 1 al. b) da Lei n.º 2030 de 22-06-1948(9). Artigo este que veio a ser a fonte do art.º 1029º do Cód. Civil, entrado em vigor 01-06-1967 (art.º 2º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 47.344, de 25-11-1966, diploma que aprovou o Cód. Civil), onde também se continuou a exigir a escritura pública para tais arrendamentos. E a mesma exigência continuou após a entrada em vigor do R.A.U. (15-11-1990 ou se se preferir 18-11-1990, art.º 2º do Dec. Lei n.º 321-B/90, de 25-10(10)), art.º 7º, n.º 2 al. b). Com a redacção introduzida pelo art.º 1º do Dec. Lei n.º 64-A/2000, de 22-04 (diploma que visou a modernização do sistema de registos e notariado, reduzindo o número de actos sujeitos a escritura pública, no domínio do arrendamento urbano), ao art.º 7º do R.A.U. deixou de estar subordinada a escritura pública os arrendamentos para o comércio, indústria ou exercício de profissão liberal. Alteração esta que entrou em vigor em 01-05-2000 (art.º 3º do Dec. Lei n.º 64-A/2000). Os contratos de arrendamento atrás referidos celebrados antes de 01-05-2000, continuam a ser nulos se não foram celebrados por escritura pública, porque nos termos do art.º 12º, n.º 1 do Cód. Civil, a lei só dispõe para o futuro. E depois, porque, em conformidade com o n.º 2 do art.º 12º do Cód. Civil, quando a lei dispõe sobre as condições de validade formal ou substancial de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, no caso de dúvida, só visa os factos novos. Todos estes contratos têm, no entanto, a partir de 01-05-2000 de ser reduzidos a escrito].« As modificações do contrato de arrendamento evolvem estipulações posteriores à celebração deste, e portanto, em princípio estão sujeitas à forma prescrita para a formação do contrato, uma vez que também para elas obviamente se mantêm, em regra, as exigências especiais postas na lei para a constituição convencional do arrendamento (art.º 221º, n.º 2 do Cód. Civil). Regem-se contudo, naturalmente, pelo regime legal que se encontre em vigor à data da modificação não por aquele a que a sua celebração esteve sujeita, ainda que persista então em vigor(11) ». Ao tempo em que se verificou o acordo do aumento da renda se 21.480$00 para 150.000$00 (cf. matéria de facto provada supra descrita em II. A) pontos 5. a 7.) as estipulações posteriores à celebração do contrato de arrendamento para comércio estavam em princípio sujeitas a escritura pública (art.º 7º, n.º 2 al. b) do R.A.U. antes da redacção introduzida pelo art.º 3º do Dec. Lei n.º64-A/2000, de 22-04). Nos termos do n.º 2 do art.º 221º do Cód. Civil, as estipulações verbais posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhes forem aplicáveis. As estipulações são, pois, em princípio válidas, só sendo nulas se, não tendo respeitado a forma legal prescrita, se mostrar ser-lhes aplicável a exigência especial da lei(12). Para se determinar se a razão da forma se comunica às convenções e pactos acessórios é preciso verificar, por um lado, se isoladamente considerados preenchem a previsão legal de um preceito legal que exija essa forma, por exemplo do art.º 80º do Cód. Notariado, e, por outro, se, de acordo com o seu conteúdo, se devem considerar como substancialmente integrantes do núcleo principal, embora dele formalmente separados(13). A distinção entre cláusulas essenciais e cláusulas acessórias do negócio jurídico, para o efeito de determinar se estão ou não sujeitas à forma que a lei prescreve para a declaração negocial, parece dever ser estabelecida atendendo às razões desse requisito legal(14). A lei exige a forma escrita à alteração do montante da renda num contrato de arrendamento comercial, não só por razões da sua publicidade ou reconhecibilidade por terceiros, mas também para levar à ponderação pelas partes e até garantir (sobretudo ao arrendatário) que foram observadas certas restrições legais(15). Assim sendo, os aumentos convencionais da renda meramente verbais, no arrendamento para comércio, são nulos por falta de forma(16).

Tendo sido verbal o acordo sobre o aumento da renda de 21.480$00 para 150.000$00 [cf. matéria de facto provada supra descrita em II. A) pontos 5. a 7.], é este acordo nulo. Todavia tem de se recusar a declaração de nulidade deste acordo e de aceitar a sua validade, visto que a ré ao invocar a sua nulidade actua com abuso de direito.
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2. A existência de abuso de direito:

Nos termos do art.º 334º do Cód. Civil há abuso de direito quando o titular do direito exceda, manifestamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

A boa fé a que se refere o art.º 334º do Cód. Civil é a boa fé objectiva(17), ou seja o princípio pelo qual o sujeito deve actuar como pessoa de bem, honestamente, com lealdade. Neste sentido a boa fé não versa sobre factores atinentes, directamente, ao sujeito, mas diz respeito a elementos que, enquadrando directamente o seu comportamento, se lhe contrapõem, vale não como um estado de espírito subjectivo mas como um princípio normativo, pelo qual todos devem actuar como pessoas de bem, num quadro de honestidade, correcção, probidade e lealdade de forma a não defraudar as legítimas expectativas e a confiança gerada nos outros e ainda na  proibição de « venire contra factum proprium », ou aquilo a que os alemães chamam « Verwirkung(18) » com que se veta o exercício de um direito ou de uma pretensão, por o titular não os ter exercido durante muito tempo e, por isso, ter criado na contraparte uma fundada expectativa de que tais direitos já não seriam exercidos, revelando-se posteriormente, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável. É isto que acontece nos vários tipos de « facta propria », v.g. o abuso da nulidade por vícios formais de alguém que, apesar disso o cumpre ou aceita o cumprimento realizado pela outra parte (inalegabilidades formais)(19); a proibição de o credor recusar a prestação apta a satisfazer o seu interesse apesar de não estar inteiramente de acordo com as estipulações contratuais (v.g., ligeira ou insignificante ultrapassagem do prazo ou a falta de entrega de uma diminuta importância em dinheiro numa vultuosa obrigação pecuniária __ cf. art.º 802º, n.º 2 do Cód. Civil); a proibição de se invocar a « excepção do não cumprimento do contrato » (art.º 428º do Cód. Civil) quando a falta do inadimplente não seja de tal modo grave que justifique a recusa de cumprir da outra parte(20).

O « venire contra factum proprium(21) » postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos e diferidos no tempo. O primeiro __ o « factum proprium » __ contraria o segundo. Só se considera como « venire contra factum proprium » a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo « factum proprium » e o segundo comportamento do autor __ exclui-se, pois, no fundamental a « supressio », a actuação por conta própria, a situação dita « tu quoque » e a do chamado dolo inicial __, o « factum proprium » não surge à partida como um acto jurídico que vincule o autor em termos de o segundo comportamento representar a violação desse dever específico, porque isso seria o accionamento dos pressupostos da responsabilidade obrigacional e não o exercício inadmissível de posições jurídicas. Há « venire contra factum proprium » quando uma pessoa, em termos que, especificamente, a não vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e depois o pratique, ou quando uma pessoa, de modo a não ficar especificamente adstrita, declare avançar com certa actuação e depois se negue. O « venire contra factum proprium » é o assumir de comportamentos contraditórios que violam a regra da boa fé e é dotado de carga ética, psicológica e sociológica negativa(22).

A boa fé fixa critérios intersubjectivos da conduta. O limite da boa fé abrange não só os actos emulativos e actos chicaneiros, como também muitas outras situações em que estão em causa um modo de exercício incorrecto do direito(23).

Por bons costumes entende-se aqui(24), numa concepção de base sociológica, os usos  ou costumes (mores) que são valorados como bons (boni) pelo conjunto das regras morais aceites pela consciência social, identificáveis através da moral pública, externa ou social. Nesta medida são factos sociais variáveis no espaço e no tempo e valorados pelo sentido ético imperante na sociedade. Factos sociais que exprimem a moral social vigente no espaço e no tempo, compreendendo regras impeditivas de comportamentos que, embora não tendo consagração expressa, quer por tradição quer por insipiência, são consideradas em vigor. Está-se pois perante uma moral objectiva não a subjectiva ou pessoa do juiz. Desta forma estão aqui afastada uma concepção  idealista dos bons costumes, de cariz filosófico ou religioso, orientada por um ideal divino ou humano, oposta à mera aceitação de práticas usuais, antes visando reagir sobre elas com vista a alcançar esse mesmo ideal __, uma moral pública, a moral que deve ser observada (« bonus mores »), o « conjunto das regras morais aceites pela consciência social dominante », o que é algo fluído. Esta moral social, engloba naturalmente, no caso de Portugal, áreas da moral católica, bem como das morais pró­prias de outras religiões, com predominância da primeira, visto ser a religião largamente maioritária na sociedade por­tuguesa. É um princípio jurídico que compreende regras que, não estando explicitadas em normas, são no entanto observadas.  Encontram-se abrangidas por estas regras da mora social comportamentos nos domínios da actuação sexual e familiar e da deontologia profissional, proibindo-se actos que as contrariem. Os bons costumes referidos no art.º 334º do Cód. Civil são, pois, uma cláusula geral que preserva a sensibilidade jurídica em áreas onde falhem outros princípios, mas cuja regulamenta­ção a sociedade exige. A razão da exigência destes bons costu­mes é a mesma que é exigida para a boa fé(25).

O limite dos bons costumes não respeita à função mas ao modo de exercício. Não afasta comportamentos disfuncionalizados mas comportamentos incorrectos(26).

O fim social ou económico do direito são os juízos de valor positivamente consagrados na lei. A função económica e social do direito tem a ver com a sua configuração real, a apurar através da interpretação(27). Cada direito tem uma função instrumental própria que justifica a sua atribuição ao titular e define o seu exercício. O titular do direito deve exercê-lo nos limites do seu fim social e económico. Ultrapas­sadas essas fronteiras, o exercício será abusivo. No que toca a estes juízos consagrados na lei, uns são acentuadamente consagrados a um fim (v.g. o poder paternal, o poder tutelar, etc.) e outros dão maior liberdade de actuação ao seu titular (v.g. direitos potestativos, o direito de propriedade dentro de certos limites)(28).

O fim social ou económico do direito tem particular incidência em matéria de direito de propriedade __ à propriedade absoluta do século passado contrapõe-se agora a propriedade socialmente limitada __ e em matéria de bens de produção e é ainda fundamental na interpretação de regras e preceitos contratuais, uma vez que é sempre de preferir a interpretação de que resulte aquela coincidência(29).  

A ré acordou, verbalmente, com o senhorio L.[…], no aumento da renda de 21.480$00 para 150.000$00 e chegou a pagar a renda de 150.000$00 ao dito senhorio a renda de 150.000$00 [cf. matéria de facto provada supra descrita em II. A) pontos 5. a 7. e 8. a 10.]. A ré concasou directamente um vício de forma (acordou verbalmente um aumento de renda sem respeitar a forma verbal prescrita) e pretende agora aproveitar-se dela. Com esta sua conduta (factum proprium), a ré atenta contra a boa fé, já que criou a confiança no senhorio, justificada pela boa fé, que o levou justificadamente a acreditar que a ré aceitou o aumento da renda e que a ré não invocaria a nulidade do acordo, crença que é agora destruída quanto aos seus herdeiros [o senhorio faleceu em 28-05-2003. cf. supra II. A) ponto 1] pela invocação da nulidade (o venire contra factum proprium). Invocação que a ré faz, com o intuito de voltar apenas a pagar a renda de 21.480$00. O que é para os herdeiros do senhorio não apenas um efeito duro, mas também insuportável, e constitui um comportamento verdadeiramente escandaloso e, por conseguinte, violador manifestamente dos limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes(30).

Donde e por todo o exposto, ao invocar a nulidade do acordo verbal sobre o aumento da renda por vício de forma a ré actua com abuso de direito, pelo que se tem de recusar a nulidade do dito acordo, bloqueando-o, e aceitar a sua validade, mantendo o acordo nulo, ainda que contra legem(31).
***
III. Decisão:
Assim e pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso interposto pelo ré, e, consequentemente, confirmam a sentença recorrida..
Custas pela ré apelante.
Registe e Notifique (art.º 157º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil).
***
Nos termos do art.º 706º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, e atentos os fundamentos supra expostos em II. A) 1. quanto à junção de documentos com as alegações do autor apelante, ordena-se o desentranhamento dos docs. de fls. 252 a 256.
Custas do incidente pelo autor apelante, cuja taxa de justiça se fixa em ½ de 1 UC (art.º 16º do C.C.J.).
Notifique.  
***
      Lisboa, __16__/__05__/__2006______
 Arnaldo Silva
     Graça Amaral
     Orlando Nascimento


(01)-O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461 e 395 e segs. Cfr. ainda, v. g., Manuel Rodrigues, Dos Recursos – 1943 (apontamentos de Adriano Borges Pires), págs. 5 e segs.; J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V (Reimpressão – 1981), págs. 305 e segs.; Castro Mendes, Direito Processual Civil – Recursos, Ed. da A.A.F.D.L. – 1980, págs. 57 e segs. e 63 e segs.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Ed. da A.A.F.D.L. – 1982, págs. 239 e segs.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.

(02)-Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.

(03)-As quais terão de ser, logicamente, um resumo dos fundamentos porque se pede provimento do recurso, tendo como finalidade que elas se tornem fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal. As conclusões não devem ser afirmações desgarradas de qualquer premissa, e sem qualquer referência à fundamentação por que se pede o provimento do recurso. Não podem ser consideradas conclusões as indicadas como tal, mas que sejam afirmações desgarradas sem qualquer referência à fundamentação do recurso, nem se deve tomar conhecimento de outras questões que eventualmente tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas, mas não levadas às conclusões. Por isso, só devem ser conhecidas, e só e apenas só, as questões suscitadas nas alegações e levadas às conclusões. Neste sentido, vd. Acs. do STJ de 21-10-1993 e de 12-01-1995: CJ (STJ), respectivamente, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19.

(04)-Cfr. supra nota 3.

(05)-O acordo das partes ou admissão por acordo, seja mediante pura omissão de contestação (art.º 484º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil), seja mediante a não impugnação dos factos (art.º 490, n.º 2 do Cód. Proc. Civil) __ que tradicionalmente é tida como uma confissão tácita ou presumida (fita confessio), mas não se confunde com a confissão. Sobre a diferença entre confissão e admissão vd. por todos Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Edições Ática, Lisboa – 1961, págs. 550 e segs. e nota 12 pág. 551; e, v. g., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Ld.ª (1979), 242; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Ld.ª (1984), pág. 522; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, págs. 52 nota 1 e 80 nota 4; Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, Ld.ª (2001), págs. 266 e segs., nota 3 __ é fonte de prova legal (Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Edições Ática, Lisboa – 1961, pág. 415) e tem força probatória plena [Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Edições Ática, Lisboa – 1961, pág. 703; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Ld.ª (1979), págs. 142-143 e 161 e segs. Diz este autor que se está perante uma presunção irrefutável de confissão, perante uma confissão ficta (ficta confessio)] quanto aos factos do acordo, não sendo estes objecto de mais prova (Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Edições Ática, Lisboa – 1961, pág. 720), e só excepcionalmente pode ser posta em causa, segundo uns nos termos do art.º 359º do Cód. Civil (nulidade e anulabilidade da confissão), directa ou analogicamente aplicado à admissão, consoante seja tida ou não como uma modalidade da confissão __ Manuel de Andrade [Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Ld.ª (1979), págs. 143 e 242] ensina que equivale à confissão, mas que dela se distingue, e que parece não lhe serem aplicáveis todas as regras desta (cfr. art.º 355º, n.º 3 do Cód. Civil) __, segundo outros nos termos do art.º 506º do Cód. Proc. Civil (articulado superveniente), quando ocorre conhecimento tardio da inexistência dos factos inimpugnados, por se ter erroneamente pensado que se tinham verificado. Cfr. por todos, com citação de doutrina e jurisprudência, J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, Ld.ª (2001), págs. 267-268 nota 3 e pág. 297 nota 2.

(06)-São do Cód. Proc. Civil as disposições legais indicadas na falta de indicação em contrário.

(07)-Vd., v. g., A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Ld.ª - 1984, págs. 638; J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, Ld.ª (2001), pág. 631 nota 5, em anotação ao artigo 653º.

(08)-Neste sentido se insere a mais recente jurisprudência do STJ. Vd. v. g., Ac. do STJ de 09-02-1999: Revista, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, etc., Proc. n.º 98A1186, n.º Convencional JSTJ00035806 – Relator Conselheiro Ferreira Ramos – unanimidade e jurisprudência do STJ nele citada na pág. 4; e Ac. do STJ de 11-01-2000 – 6.ª: Sumários, 37º-13; Ac. da R. de Lisboa de 23-04-1998: Apelação, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/, etc., Proc. n.º 0001652, n.º Convencional JTRL00021450 – Relator Desembargador Ferreira Girão – unanimidade; Ac. da R. do Porto de 17-09-2001: Apelação, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, etc., Proc. n.º 0110672, n.º Convencional JTRP00031037 – Relator Desembargador Cipriano Silva – unanimidade. Em sentido contrário vd. Ac. do STJ de 24-10-1996: Revista, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, etc., Proc. n.º 088038, n.º Convencional JSTJ00031088 – Relator Conselheiro Ferreira da Silva – unanimidade.
Em sentido contrário, se bem julgamos, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa – 1997, pág. 314. Para este professor, se a parte não tiver reclamado contra a selecção da matéria de facto (em especial, contra a base instrutória) não impede que ela impugne a o julgamento dessa matéria realizado pelo tribunal colectivo ou singular na fase da audiência final, invocando qualquer dos vícios que justificam a decisão aquela reclamação (art.º 511º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil), porque aquele julgamento vai incidir sobre os factos incluídos na base instrutória (art.º 511º, n.º 2 e 653º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil), e qualquer vício nesta selecção reflecte-se necessariamente naquele julgamento.
Esta parece-nos ser a melhor tese, e parece-nos estar mais de acordo com a índole meramente provisória de tais peças, tanto a especificação como o questionário (base instrutória) não fazem caso julgado formal. Na verdade, estando esta decisão final sobre a matéria de facto viciada, e não havendo recurso autónomo dela, pode ela ser impugnada no recurso interposto da decisão final, nos termos gerais.

(09)-Os arrendamentos para comércio, indústria e profissão liberal anteriores a esta lei que não foram celebrados por escritura pública podiam vir a ser validados, nos termos do art.º 81º da mesma Lei.

(10)-Sobre a entrada em vigor, vd., por todos Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7.ª Ed., Liv. Almedina – 2003, anotações 1 e 2 ao artigo 2º do Dec. Lei n.º 321-B/90, de 15-10, págs. 22 e segs.

(11)-Vd. Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, Liv. Almedina, Coimbra – 1996, pág. 349.

(12)-Vd. Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral – Refundido e actualizado, 4.ª Ed., Coimbra Editora – 2002, pág. 150.

(13)-Vd. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Ed., Liv. Almedina – 2003, pág. 552.

(14)-Vd. Vaz Serra, RLJ Ano 113 pág. 147.

(15)-Neste sentido, vd. António Pais de Sousa, Extinção do Arrendamento Urbano, Liv. Almedina, Coimbra – 1980, págs. 54-55; Galvão Telles, opus cit., pág. 149, e Ac. da R. de Lisboa de 12-02-1969: JR, 15º-63. No campo das restrições legais, é preciso ter em conta que as restrições à actualização das rendas. Nos arrendamentos comerciais, industriais e para o exercício de profissão liberal a actualização quinquenal das rendas (art.ºs 1104ºe 1105º do Cód. Civil) sofreu uma importantíssima alteração com o Dec. Lei n.º 330/81, de 04-12, que veio instaurar um regime de actualização anual, dependente de coeficientes de actualização. Sistema este que foi continuado pelo Dec. Lei n.º 436/83, de 19-09. Diploma este que veio a ser declarado inconstitucional pelo Ac. do T. Constitucional n.º 77/88, de 12-04-1988, de que resultou a represtinação do Dec. Lei n.º 330/81, 04-12. Com o R.A.U., as rendas dos diversos tipos de arrendamento passaram a ser actualizadas de acordo com coeficientes de actualização anual, em função do coeficiente resultante da totalidade da variação do índice de preços no consumidor, sem habitação, correspondente aos últimos 12 meses, nos termos dos art.ºs 30º e segs.

(16)-Neste sentido, vd. Ac. da R. de Lisboa de 12-02-1969: JR, 15º-63. O mesmo já não sucede com as estipulações relativas ao lugar e ao tempo do pagamento das rendas ou ao modo de realização da sua quitação, por serem estipulações modificativas menores. Estas podem ser estipuladas verbalmente Vd. Pinto Furtado, ibidem págs. 349-350. No mesmo sentido Galvão Telles, opus cit., pág. 149.

(17)-Num sentido subjectivo boa fé é essencialmente um estado ou situação de espírito de que se retiram consequências favoráveis. É o estado ou situação de espírito que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na igno­rância da sua ilicitude. O que se visa aqui é uma actuação em boa fé. Num sentido objectivo visa-se um actuação segundo a boa fé. Vd. Cunha de Sá, Abuso de Direito, Liv. Almedina, Coimbra - 1997, pág. 165 e 171; Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora - 1995, pág. 530; António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, Colecção Teses, Liv. Almedina - Coimbra 1984, pág. 662.

(18)-De « verwiken », v.t., incorrer em, perder. Verwirkung, « perda prescrição, caducidade, perempção, vencimento ». A tradução mais expressiva e apropriada é aqui é « exercício inadmissível do direito ». Ligado ao § 242 do B.G.B. __ [Leistung nach Treu und Glauben] « O devedor está obrigado a efectuar a prestação como exigem a fidelidade e a boa fé em atenção aos usos do tráfico ». __ o instituto da « Verwikung » proíbe, no âmbito de uma relação preexistente, que o titular de um direito o venha fazer valer em contradição com a conduta anterior, porque tal se afigura inadmissível perante os deveres de correcção e de boa fé vigentes na relação que seriam violados por tal exercício. Vd. Cunha de Sá, Abuso de Direito, Liv. Almedina, Coimbra - 1997, pág. 95.

(19)-Vd. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Coleção Teses, Liv. Almedina – 1997 (reimpressão), págs.771 e segs.; e Tratado de Direito Civil Português, I (Parte Geral), Tomo I, Liv. Almedina – 1999, págs. 203 e segs.

(20)-Vd. Jorge M. Coutinho de Abreu, in « Do Abuso de Direito », Liv. Almedina, Coimbra-1983, págs. 55 a 60.

(21)-Tem origem canónica a expressão venire contra factum proprium nulli concidetur. Vd. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português citado, pág. 200.

(22)-Vd. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, II Vol., Colecção Teses, Liv. Almedina, Coimbra 1984, págs. 745 e segs.

(23)-Vd. Oliveira Ascensão. Direito Civil – Teoria Geral, Vol. III, Coimbra Editora – 2002, pág. 276.

(24)-Os antecedentes históricos dos bons costumes encontram-se nos « boni mores » romanos cujo controlo, confiado ao censor, marcava bem a separação cuidada existente entre as normas morais que os integravam e as normas jurídicas, estas entregues ao pretor. Os romanos não definiam a imoralidade, apenas se encontram, espalhadas pelos Digesta várias ocorrências típicas tidas por contra os bonos mores. Embora os antecedentes dos bons costumes se reportem historicamente aos « boni mores » romanos, e com uma origem bem diferenciada da boa fé, todavia não foi a partir dos « boni mores » romanos que fizeram a sua aparição no Código Civil de 1966 mas sim a partir da Ciência Jurídica da segunda codificação. Sobre isto Vd. António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, Colecção Teses, Liv. Almedina - Coimbra 1984, págs. 1210 e segs. e pág. 210 nota 33.

(25)-Vd. Jorge M. Coutinho de Abreu, opus cit., págs. 63 a 66; M. Almeida Costa, in « Dir. Obrigações », 4ª Ed., págs. 56-57; A. Menezes Cordeiro, in Dir. Obrigações, I Vol., págs. 368 nota 99 e 369; Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, Colecção Teses, Liv. Almedina - Coimbra 1984, págs. 1222 e segs.; Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora - 1995, pág. 531 e 531 nota 46; Cunha de Sá, Abuso de Direito, Liv. Almedina, Coimbra - 1997, págs. 188 e segs.

(26)-Vd. Oliveira Ascensão. Direito Civil – Teoria Geral, Vol. III, pág. 275.

(27)-Vd. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil citado, pág. 194.

(28)-Vd. P Lima e A. Varela, in « Cód. Civil Anot. », I Vol. 4ª Ed., pág. 299; A. Almeida Costa, opus cit., págs. 57.

(29)-Vd. Oliveira Ascensão. Direito Civil – Teoria Geral, Vol. III, pág. 272

(30)-Vd., v.g., a construção de Canaris referida por Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Colecção Teses, Liv. Almedina – 1997 (reimpressão), pág. 784.

(31)-No sentido do texto, ou seja da possibilidade da aplicação da figura do abuso do direito aos casos de invocação abusiva de nulidades por vício de forma, vd., v.g., Manuel de Andrade, Sobre as cláusulas de liquidação de partes sociais pelo último balanço, Coimbra – 1955, págs. 99-100, cit. apud Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do Abuso do Direito, Liv. Almedina, Coimbra – 1983, pág. 93 nota 286; Cunha de Sá, Abuso do Direito, Liv. Almedina, Coimbra – 1997, págs. 648; Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Colecção Teses, Liv. Almedina – 1997 (reimpressão), § 29 págs. 771 e segs. Mas já quanto às consequências da invocação abusiva da nulidade por vício de forma não há unanimidade. Uns aceitam a a validade do acto não obstante a falta de forma exigida. Vd. Cunha e Sá, ibidem, pág. 648. Manuel de Andrade pronuncia-se em termos dubitativos dizendo que se deve entender que as disposições legais sobre a forma dos negócios jurídicos deve ser de aplicação indefectível, por imperiosas exigências de clareza. Menezes Cordeiro, na obra citada nesta nota, págs. 795-796, diz que quando o exercício do direito que implique a alegação de nulidade formal for abusivo por contrariar a boa fé, o titular exercente, em abuso, incorre em previsões de indemnização ou outras (culpa in contrahendo, e noutros institutos, como as próprias conversão e redução dos negócios jurídicos), consoante os efeitos práticos a ponderar, visto que o Cód. Civil português __ ao contrário do BGB, que obriga a recorrer às regras do enriquecimento sem causa __ quando regula a nulidade prescreve, claramente, os seus efeitos primordiais no art.º 289º, n.º 1, e o tribunal tem de ficar adstrito às regras plenas da nulidade. Quanto a isto, a nossa jurisprudência foi marcada inicialmente por um estrito legalismo. Posteriormente passou admitir o abuso de direito e a admitir a validade dos actos nulos. Veja-se, por exemplo, a jurisprudência citada por Abílio Neto ao artigo 334º do Cód. Civil, no seu Cód. Civil Anot. 13.ª Ed. (2001).