Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4118/14.4TCLRS.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: NRAU
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
CONFLITO DE NORMAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A base documental prescrita no art.º 15º do NRAU cria a aparência de direito do senhorio suficiente para intentar o procedimento especial de despejo.
\ II - Esta aparência não cumpre uma função probatória, sendo que a eventual prova apenas será necessária para a instrução após a convolação do procedimento em fase contenciosa.
III – A norma do art.º 10º da portaria 9/2013, de 10 de Janeiro, ao estabelecer que o documento comprovativo do pagamento da caução deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário, contraria o art.º 15º-F, n.º 3, do NRAU, que, incontornavelmente, isenta de tal ónus de prestação de caução o requerido que beneficie de apoio judiciário.
IV - Estando em causa um conflito entre duas normas de direito infraconstitucional, o mesmo apenas pode ser resolvido pela prevalência da fonte de maior hierarquia.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – A requereu, no Balcão Nacional de Arrendamento, procedimento especial de despejo, cumulando o pedido de pagamento de rendas, contra B.
Notificado deduziu o Requerido oposição.
Distribuídos os autos, e garantido o contraditório relativamente à arguida exceção de ilegitimidade passiva, foi, por sentença reproduzida a folhas 129-131 – e considerando não ter o Requerido procedido ao pagamento da caução a que alude o art.º 15º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro – julgada “a oposição não deduzida, nos termos do art.º 15º-F, n.º 4” da sobredita Lei.

Inconformado, recorreu o R., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. Não há quaisquer rendas, encargos ou despesas em atraso, como consta da PI do autor e oposição do oponente.
2. Ilegitimidade passiva do oponente (…), desacompanhado de sua esposa (…), com quem é casado desde o dia 21 de Agosto de 1972, sendo o arrendamento datado de 1 de Setembro de 1981.
3. A renda que o oponente tem depositado até à presente data é de 90,96€/mês, conforme o próprio autor refere no seu articulado.
4. A esposa do oponente não recebeu qualquer notificação para actualização de renda, ou de denúncia do contrato.
5. A não notificação da arrendatária esposa, toma evidente a ilegitimidade passiva e nulo todo o processado de aumento de renda e denúncia do contrato.
6. Em 9 de Março de 2013, o autor propôs ao oponente a actualização da renda para 350,00€/mês.
7. O oponente respondeu em 23 de Março de 2013, propondo uma renda de 100,00€/mês e juntou cópia do documento previsto no art° 32° n°2, documento solicitado ao serviço de finanças de RABC do agregado familiar e que seria enviado logo que fosse emitido e entregue pelo mesmo.
8. O serviço de finanças emitiu tal documento em 5 de Agosto de 2013, que o oponente enviou ao autor, como o mesmo comprova nos documentos juntos nos autos.
9. Nos meses que precederam o recebimento do RABC pelo serviço de finanças, o oponente sempre que depositava a renda na conta do autor, informava-o telefonicamente que as finanças ainda não tinham emitido o documento solicitado, ao que lhe era respondido " logo que o obtenha envie-mo"
10. De acordo com o art.º 35° n°2 al.iii) a renda não pode ser aumentada mais de 10% do RABC ou seja como consta em 14 da oposição no valor de 32,00€.
11. O autor em 26 de Julho de 2013, comunica ao oponente para pagar a renda de 329,27€ a partir do mês de Setembro de 2013.
12. De acordo com o art.º 33 e 35 da Lei 30/2012, o autor se nada respondesse o oponente teria que actualizar a renda no valor de 10% do RABC ou seja 32,00€.
13. Como lhe foi comunicado pelo autor uma actualização para 329,27€ que o oponente não aceitou, nem legalmente lhe é exigível, conforme resposta escrita enviada ao autor, o oponente só está obrigado a pagar o valor da renda em vigor 'data da comunicação do senhorio, por falta de acordo conforme previsto no art° 33 n°2 da Lei 30/2012 ou seja 90,96€ que tem pago mensalmente até à presente data.
14. Assim torna-se evidente que é abusivo, ilegal e nulo o aumento da renda comunicado pelo autor ao oponente, e não devido no valor de 329,27€/mês.
15. 0 valor devido como renda pelo oponente e esposa mantém-se no valor de 90,96€ quantia que tem depositado todos os meses na conta do autor até à presente data, não se encontrando por conseguinte quaisquer rendas em atraso, nem direito à resolução do contrato por tal motivo.
16. A data da propositura da acção e até à presente data, não há assim quaisquer rendas em atraso de 90,96€/mês como consta da PI e oposição.
17. Não é assim aplicável o art° 15 F) n°3 da Lei 31/2012 de 14 de Agosto no que respeita a pagamento de caução porque não há qualquer valor das rendas encargos ou despesas em atraso.
18. Quanto à desabitação, igualmente o oponente contestou tais factos no seu articulado de oposição.
19. Para que o oponente fosse obrigado a depositar caução teria que resultar inequívoco dos elementos dos autos, pedido do autor e oposição que comprovadamente havia rendas, encargos ou despesas em atraso, o que comprovadamente não há.

Foi assim violado preceituado no artigo 1093° n°3 do Código Civil e art° 15 F) n°3 da Lei 31/2012 de 14 de Agosto, por não haver comprovadamente quaisquer rendas em atraso.
A interpretação dada pelo Juiz a quo de aplicação do art° 15 F) n°3 e 10 da portaria 9/2013, sem verificar dos elementos dos autos e prova se é inequívoca e comprovada a existência de rendas em atraso, encargos ou despesas, para se pronunciar pela falta de pagamento de caução de tais rendas ou encargos em atraso, fez errada interpretação de tais preceitos.
Tal interpretação, seria manifestamente inconstitucional por violar o art° 13 e 65° da CRP.
Assim, não se encontram quaisquer rendas, encargos ou despesas em atraso, pelo que o oponente não tinha nem tem que depositar qualquer caução, nem ser limitado nos seus direitos de contraditório e oposição. Requer-se assim, a revogação da douta decisão recorrida e decidido que os autos prossigam para decisão sob a matéria constante dos autos.”.

Contra-alegou o A., pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal a de saber se não havia, in casu, lugar ao “pagamento de caução”, como condição da apresentação da oposição.
***
Vejamos.
1. Dispõe art.º 15º-F, do NRAU, aditado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto:
“Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.° do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.”.
E o art.º 10º da portaria 9/2013, de 10 de Janeiro:
“1 - O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.° da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança.
2 - O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.”.
Finalmente nos termos do art.º 1083º do Código Civil, para que remete o supracitado art.º 15º-F:
“3. É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.
4. É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dia, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpeladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte.”.

2. Ora, e desde logo, é de rejeitar a tese do Recorrente, segundo a qual a exigência de caução, nos quadros do n.º 3, do art.º 15º-F da Lei n.º 31/2012 – sendo que a prestação daquela é, procedimentalmente, condição de admissibilidade da oposição, nos termos do n.º 4 do mesmo art.º – pressuporia a verificação, face aos “elementos dos autos e prova”, de ser “inequívoca e comprovada a existência de rendas em atraso, encargos ou despesas”.
Como refere Rui Pinto,[1] a exigência da base documental prescrita no art.º 15º do NRAU “cria a aparência de direito do senhorio suficiente para intentar o procedimento especial (…) É essa aparência de titularidade do direito cumprida pelos documentos do 15°/2 que permite que o inquilino seja notificado para desocupar voluntariamente o locado ainda sem título executivo, i.e., documento que certifique judicialmente a existência da pretensão exequenda.
Portanto os documentos do 15.º/1 do NRAU = 15º/2 do NRAU/2012 delimitam o objeto deste despejo ao cumprirem um valor de justificação pelo senhorio dos fundamentos do pedido de despejo.”
E “Esta aparência não cumpre, pois, uma função probatória. Isto porque a eventual prova apenas será necessária para a instrução após a convolação do procedimento em fase contenciosa. Aí terá de ser apresentada prova em audiência (15º-I/4 e 6) que poderá ser aqueles documentos ou outros.”[2] (os sublinhados são nossos).

3. A lei – art.º 15º, n.º 2 do NRAU (P.E.D.) – estabelece que apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo, e no que agora interessa:
“e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra;”.
Sendo que nos termos de tal disposição do Código Civil:
“A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.”.
Como é bom de ver, quando tal resolução, por comunicação, se funde na falta de pagamento de rendas, a invocação, fundamentadamente, da obrigação incumprida implica a discriminação das rendas em dívida, e seu montante…
…Como é bastante, de resto, para a formação de título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário, cfr. art.º 14º-A do mesmo NRAU.
No caso em apreço, temos que, como o próprio A. dá conta, o R. tem procedido ao pagamento da renda resultante “dos coeficientes legais de atualização”, no montante de € 90,96.
Estando em causa o superior montante de €329,27, que o A. alega haver-se fixado, nos quadros do art.º 33º, n.º 5, alínea b), do NRAU.
Documentando os sucessivos passos do procedimento estabelecido nos art.ºs 30º e seguintes do NRAU e a não comprovação, em tempo, pelo arrendatário, da invocada circunstância prevista no art 31º, n.º 4, alínea a) do NRAU (Rendimento anual bruto corrigido do seu agregado familiar…).
Anotando-se que o Recorrente, nas suas alegações de recurso, não põe em crise seja o facto de o documento por si enviado ao A. em 23-03-2013 – previsto no art.º 32º, n.º 2 do NRAU – ter a validade de 90 dias, nem que aquando da comunicação da nova renda pelo A., em 26-07-2013, não havia comprovado perante aquele o RABC do seu agregado familiar, ou, pelo menos, enviado novo comprovativo de novo requerimento de emissão…de documento comprovativo do valor RABC.
Alegando, quanto a este ponto, que “Nos meses que precederam o recebimento do RABC do serviço de finanças, em Abril, Maio, Junho e Julho de 2013, sempre que o oponente depositava a renda na conta do requerente, informava-o telefonicamente que as finanças ainda não tinham emitido o documento solicitado, ao que lhe era respondido “logo que o obtenha envie-mo"”.
O que, transcendendo os quadros da definição da aparência do direito do A., interessaria à composição do litígio em fase contenciosa, quando a ela houvesse lugar.

4. Porém:
Com a sua oposição documentou o R. ter requerido a concessão de apoio judiciário para contestar a ação, vd. folhas 90.
Mostrando-se reproduzido a folhas 128, um FAX da Segurança Social, entrado a 29-10-2014, informando que tal pedido foi deferido em 16-07-2014.
Ora, cotejando o art.º 15º-F, do NRAU, com o art.º 10º da Portaria n.º 9/2013, verificamos que este último inciso contraria o primeiro.
E isto, assim, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – art.º 9º, n.º 3, última parte, do Código Civil –e presente que, em matéria interpretativa, como ensina Oliveira Ascensão[3] “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer isto dizer que o texto funciona também como limite da busca do espírito. Os seus possíveis sentidos dão-nos como que um quadro muito vasto, dentro do qual se deve procurar o entendimento verdadeiro da lei. Para além disto, porém, não se estaria a interpretar a lei mas a postergá-la, chegando-se a sentidos que não encontrariam no texto qualquer apoio.”.
Ou, nas palavras de Castro Mendes,[4] “A primeira e principal tarefa do intérprete “é ler a lei e ver o que aí se diz”.
Com efeito, naquele art.º 15º-F e como visto, determina-se que com a oposição “deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.° do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, (…)”.
Que não dever “o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.° do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, (…)”.
Ou dever “o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.° do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo, quanto à taxa de justiça, nos casos de apoio judiciário, em que está isento, (…)”.
Já na sobredita Portaria – e objetivando-se um expediente legislativo quiçá recorrente – se dispondo que o documento comprovativo do pagamento da caução “deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.”.

Assim se equacionando a violação de uma Lei da Assembleia da República – cfr. art.º 112º, n.º 3, 161º, alínea c), 165º, n.º 1, alínea h), 166º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa – por uma mera Portaria, supostamente reguladora daquela Lei.
E sendo que a suscitada questão da interpretação dos convocados normativos do PED e Portaria regulamentadora, abarca a matéria de tal violação, aliás de conhecimento oficioso. Mas cfr. 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Quedando pois arredada a consideração da inconstitucionalidade da dita interpretação, e certo que, como se julgou no Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 779/13, de 19 Novembro, 2013,[5] “estando em causa um conflito entre duas normas de direito infraconstitucional, mormente a violação de uma lei por um ato regulamentar – como sucede in casu - existe um vício de ilegalidade, pelo que, não se reintegrando tais situações nos casos de ilegalidade por violação de lei com valor reforçado expressamente previstos na Constituição (cfr. o artigo 280.º, n.º 2, alíneas a), b), c), e d), da CRP), não há que delas conhecer no quadro dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.”.
Estando em causa um conflito entre duas normas de direito infraconstitucional, o mesmo apenas pode ser resolvido pela prevalência da fonte de maior hierarquia.

Note-se ainda que nos termos do art.º 112º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, “Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.”.
E Gomes Canotilho e Vital Moreira,[6] ressalvando embora os problemas de interpretação levantados por aquela norma constitucional, anotam que “Salvo os casos expressamente previstos na Constituição (cfr. art. 169°), uma lei só pode ser afectada na sua existência, eficácia ou alcance por efeito de uma outra lei. Quando uma lei regula uma determinada matéria, ela estabelece ipso facto uma reserva de lei, pois só uma lei ulterior pode vir derrogar ou alterar aquela lei (ou deslegalizar a matéria).”.
Sendo que, no caso de reenvio da lei para regulamento, “a norma regulamentar é uma norma de diferente natureza da norma legal, e a intervenção regulamentar visa regular aquilo que a lei se absteve de regular, e não «integrar» a regulamentação legislativa (o n.º 5 exclui expressamente os regulamentos integrativos), pelo que o regulamento nunca pode intervir sub specie legis (…) Em segundo lugar, o reenvio da lei para regulamento está também sujeito aos limites constitucionais da reserva de lei, não podendo a lei, no âmbito da reserva de lei, deixar de esgotar toda a regulamentação «primária» das matérias, só podendo remeter para regulamento os aspectos «secundários» (isto, independentemente do facto de as leis de bases deverem ser desenvolvidas por decretos-leis e não por actos regulamentares).”.

Dest’arte, face à comprovada concessão de apoio judiciário, estava pois o R. isento da obrigação de pagamento de caução.
E, nessa circunstância, não cobrava aplicação o disposto no art.º 15º-F, n.º 4, do NRAU (PED).
Devendo observar-se o disposto no art.º 15º-H, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma, salvo se outras questões o prejudicarem.

Procedendo, nesta conformidade, as conclusões do Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente, e revogam a decisão recorrida, a substituir por outra que, se a tanto nada mais obstar, contemple o prosseguimento da fase contenciosa do procedimento, na observância do disposto no art.º 15º-H, n.ºs 2 e 3 do NRAU.

Custas pelo Recorrido, que tendo contra-alegado, assim decaiu totalmente.
***
Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:
“I - A base documental prescrita no art.º 15º do NRAU cria a aparência de direito do senhorio suficiente para intentar o procedimento especial de despejo. II - Esta aparência não cumpre uma função probatória, sendo que a eventual prova apenas será necessária para a instrução após a convolação do procedimento em fase contenciosa. III – A norma do art.º 10º da portaria 9/2013, de 10 de Janeiro, ao estabelecer que o documento comprovativo do pagamento da caução deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário, contraria o art.º 15º-F, n.º 3, do NRAU, que, incontornavelmente, isenta de tal ónus de prestação de caução o requerido que beneficie de apoio judiciário. IV - Estando em causa um conflito entre duas normas de direito infraconstitucional, o mesmo apenas pode ser resolvido pela prevalência da fonte de maior hierarquia.”
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Lisboa, 2015-02-19

(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)

[1] In “Leis do arrendamento urbano anotadas”, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2014, Almedina, pág. 425- 17 e 18.
[2] Idem, págs. 18 e 19, nota de rodapé n.º 7.
[3] In “O Direito Introdução e Teoria Geral”, 13ª ed., Almedina, 2006, pág. 396.
[4] In “Introdução ao Estudo do Direito”, Lisboa, Ed. da AAFDL, 1977, pág. 351.
[5]Proc. n.º 915/2013, 1ª Secção, Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/
[6] In “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, Vol. II, 4ª Ed., Coimbra Editora, 2010, págs. 67, 70-71.