Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6620/2006-7
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: RECURSO HIERÁRQUICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- O recurso interposto deve ser admitido à luz da decisão de que se declara pretender recorrer; outra questão, que já se prende com o mérito do recurso, é a de saber se, interposto recurso de determinado despacho, o recorrente afinal vai impugnar a decisão integrativa de outro despacho que não foi objecto de recurso.
II- Assim sendo, deve ser considerado tempestivo o recurso hierárquico interposto pela sociedade X do despacho que aprovou a denominação social Y para efeitos de alteração os objecto social (Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio, artigo 64.º), tratando-se de questão de mérito saber se afinal a recorrente em vez de impugnar a decisão que emitiu o certificado de admissibilidade para efeitos de alteração do objecto (decisão de 18-7-2004) está afinal a querer impugnar o despacho que admitiu a denominação Y, despacho este que data de 30-12-1986.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.


1. RELATÓRIO

O DIRECTOR GERAL DOS REGISTOS E NOTARIADO interpôs recurso da decisão do Tribunal judicial de Loures, a qual, concedendo provimento ao recurso da interessada J.[…] S. A., determinou o recebimento de recurso hierárquico por ela interposto.

Também a interessada C.[…] LD.ª interpôs recurso dessa decisão.

Ambos os recursos pedem a revogação da decisão judicial referida e a consequente manutenção do despacho de 17/03/2005 do Director Geral dos Registos e do Notariado que indeferiu liminarmente, por extemporâneo, o recurso hierárquico interposto em 24/01/2005 pela interessada J.[…]
Como dos autos consta, estes recursos foram neste Tribunal da Relação recebidos como agravo, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

O Director Geral Dos Registos E Notariado formulou as seguintes conclusões:

1.ª Vem a presente apelação interposta da douta sentença do 2° juízo […] que julgou procedente o recurso contencioso interposto pela autora J.[…] S.A, determinando a recepção, por tempestiva, do recurso hierárquico interposto pela mesma sociedade em 25 de Janeiro de 2005.

2.ª Com o devido respeito, que é muito, afigura-se-nos que o meritíssimo Juiz "a quo" não fez a mais correcta interpretação dos factos ocorridos, tendo determinado a recepção de um recurso hierárquico claramente extemporâneo.

3.ª O recurso apresentado em 25 de Janeiro de 2005 no RNPC não foi interposto do despacho que determinou, em 18 de Julho de 2004, a emissão do certificado de admissibilidade para efeitos de alteração de objecto, mas sim do despacho que admitiu a denominação C.[…] Lda., que data de 30 de Dezembro de 1986.

4.ª À semelhança do que acontece em processo civil, também em matéria de recurso hierárquico, se nos afigura que o âmbito do recurso se delimita pelas conclusões das alegações do recorrente (art.º 684°, n.º 3 e 690° do Código do Processo Civil).

5.ª Afigura-se-nos assim claro, que o recurso hierárquico interposto em 25 de Janeiro de 2005, referia-se única e exclusivamente ao despacho que admitiu a denominação C.[…] Lda., e não ao despacho que determinou a emissão de um certificado de admissibilidade para efeitos de alteração do objecto social, de forma a que ao mesmo fosse acrescentada a actividade de comercialização de materiais de construção

6.ª A recorrente, nunca no seu recurso hierárquico, declarou que impugnava o despacho de emissão do certificado de admissibilidade para alteração de objecto – nem isso fazia qualquer sentido –, mas sim que impugnava a admissibilidade de uma denominação de terceiros, facto esse que ocorreu 18 anos atrás.

7.ª O facto de ter junto uma fotocópia de um Diário da República que publica a alteração do pacto social da C.[…], não pode significar, como aceitou a sentença ora impugnada, que afinal o recorrente não soube dizer o que queria, e afinal queria outra coisa, que nunca disse!

8.ª Efectivamente, o que a recorrente queria era impugnar o despacho que admitiu a denominação C.[…] Lda., despacho esse que fora produzido há quase duas décadas, pelo que foi correcto e legal o despacho do Director Geral dos Registos e Notariado que indeferiu o recurso hierárquico por extemporaneidade.

 A agravante C.[…]  formulou as seguintes conclusões:

- O certificado de admissibilidade da denominação da sociedade “C.[…] Lda.” aqui Apelante, foi emitido em 30/12/1986.
 - E a sua constituição, com a denominação “C.[…] Lda.”, foi publicada em 16/04/1987 no Diário da República […]
- O direito da apelante ao uso exclusivo da referida denominação social radicou-se na sua esfera jurídica em 13/05/1987, data em que ocorreu a sua inscrição definitiva no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, de harmonia com o disposto no art.º 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 425/83.  
 - Em 28/07/2004, foi emitido certificado de admissibilidade de alteração do objecto social da Apelante para as actividades de “indústria de construção civil, obras públicas e urbanizações; a compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim; a comercialização, importação e exportação de materiais para a construção civil e a prestação de serviços de gestão, administração e consultoria conexas com as referidas actividades”.
 - A publicação da alteração parcial do contrato de sociedade, incluindo a referida ampliação do objecto social da Apelante, ocorreu no Diário da República […] datado de 31 de Dezembro de 2004.
 - Em 24 de Janeiro de 2005, a apelada, J.[…] S.A., interpôs recurso hierárquico do «despacho do Registo Nacional de Pessoas Colectivas que admitiu a denominação social “C.[…] Lda.”» e de que alega ter tomado conhecimento através da publicação a que se alude na anterior conclusão.
 - Esse recurso hierárquico foi indeferido, e bem, com fundamento em extemporaneidade na respectiva interposição, por despacho de 17.03.2005 do Senhor Director Geral dos Registos e Notariado.
 - Efectivamente, com a publicação do contrato de sociedade no Diário da República de 16 de Abril de 1987, presume-se conhecida da Apelada, desde então, a denominação social da Apelante.
 - Assim, o recurso hierárquico interposto pela J.[…], S.A. em 24/01/2005, foi apresentado manifesta e largamente fora do prazo legal para o efeito, fixado pelo art.º 64º do Decreto-Lei nº 129/98 de 13 de Maio.
10ª - Não obstante a bondade do despacho de 17/03/2005 do Senhor Director Geral dos Registos e do Notariado, que indeferiu o recurso hierárquico, dele foi interposto recurso contencioso pela ora apelada, no qual alega e conclui – diferentemente do que invocara no recurso hierárquico – que «interpôs recurso do Despacho do Registo Nacional de Pessoas Colectivas que admitiu a alteração do objecto social da Requerida»
11ª - Enquanto no recurso hierárquico a apelada questiona a admissão da denominação social “C.[…] Lda.”, no recurso contencioso, questiona a admissão da alteração (entenda-se ampliação) do objecto social da apelante.

12ª - Assim, a questão suscitada no recurso hierárquico é diversa da questão suscitada no recurso contencioso, o que é inadmissível em fase de recurso, pois o despacho de 17/03/2005 do Senhor Director-Geral dos Registos e Notariado, reapreciado no recurso contencioso, recaiu sobre a admissibilidade da denominação social da apelante e não sobre a alteração do seu objecto social.
13ª - A decisão ora recorrida ao acolher a nova questão suscitada no recurso contencioso como devendo ser o sentido, ou a interpretação, a dar à questão apresentada no recurso hierárquico, violou o princípio do dispositivo, consagrado no art.º 264º do C.P.C.    
14ª - Acresce que a admissão da alteração do objecto social da apelante, concedida por despacho de 28.07.2004, não é impugnável mediante o recurso previsto no art.º 63º do Decreto-Lei nº 129/98, de 13 de Maio, e mesmo que o fosse, sempre deixaria intacta a denominação social da apelante.
15ª - Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 64º e 63º do Decreto-Lei nº 129/98 de 13 de Maio e ainda no art.ºs 264º do C.P.C.,

A agravada J.[…] contra-alegou pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A) OS FACTOS

Sendo certo que a questão a apreciar se configura, essencialmente, como uma questão de direito, os factos a considerar são os seguintes, fixados pelo Tribunal a quo:

1) No Diário da República […]  de 16-04-1987, foi publicado o acto de constituição da sociedade C.[…] Lda., constando do artigo segundo do contrato da sociedade, “O objecto social consiste em construções civis e obras públicas, compra e venda de propriedades.”.
2) Em 30 de Dezembro de 1986, foi emitido certificado de admissibilidade da denominação social C.[…] Lda., que serviu de base à escritura de constituição de sociedade mencionada em 1).
3) No Diário da República […] de 31-12-2004, foi publicada a alteração parcial do contrato de sociedade mencionado em 1), quanto aos artigos 1º, 2º, 3º, 5º e 10º, sendo o seguinte o teor dos artigos 1º e 2º:
“Artigo 1º – A sociedade continua a adoptar a firma C.[…] Lda., e passa a ter a sua sede na Rua de […] concelho de Oeiras.
Artigo 2º – A sociedade tem por objecto a indústria da construção civil, obras públicas e urbanizações; a compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim; a comercialização, importação e exportação de materiais para construção civil e a prestação de serviços de gestão, administração e consultoria conexas com as referidas actividades.”.
4) Em 28 de Julho de 2004, foi emitido certificado de admissibilidade da denominação social C.[…] Lda., para efeitos de alteração do objecto social da referida sociedade, que serviu de base à escritura mencionada em 3).
5) Em 25 de Janeiro de 2005 a Recorrente J.[…] S.A. interpôs recurso hierárquico «do despacho do registo nacional de Pessoas Colectivas que admitiu a denominação social “C.[…] Lda.”», nos exactos termos constantes do requerimento junto em fotocópia a fls. 55 a 59, sendo o seguinte o teor do artigo 3º do mencionado documento:
“3º - A Recorrente, tomou conhecimento da denominação social admitida pelo despacho recorrido, através da publicação do respectivo contrato de sociedade no Diário da República […] datado de 31 de Dezembro de 2004, cuja cópia se junta como Documento N.º 2.”.
 
B) O DIREITO APLICÁVEL

O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).

Atentas as conclusões dos agravos, supra descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pelos agravantes consiste, tão só, em saber, se o recurso hierárquico interposto em 25 de Janeiro de 2005 pela recorrente J.[…] S.A deveria ter sido recebido, porque tempestivo, como decidiu o Tribunal a quo, ou se devia ter sido rejeitado, como foi, por extemporâneo, como pretendem os agravantes.

A decisão recorrida, que determina a admissão do recurso, funda-se no entendimento de que “…ainda que em termos imperfeitamente expressos no requerimento apresentado em 25-01-2005, a alusão ao despacho recorrido por referência à mencionada publicação, da qual consta “Alteração parcial do contrato quanto aos artigos abaixo indicados, que passam a ter a seguinte redacção:”, terá de ser interpretada no sentido de que a Recorrente pretendeu interpor recurso hierárquico do despacho que aprovou a denominação social C.[…]  Lda., para efeitos de alteração do objecto social”.

Nestes termos, concluiu que o recurso hierárquico interposto pela Recorrente em 25/01/2005, foi interposto dentro do prazo fixado pelo art. 64.º, parte final, do Dec. Lei nº 129/98, de 13 de Maio.

E, de facto, o que está em causa nos autos e que agora nos cumpre apreciar é, tão só, a questão de o recurso ter sido, ou não, interposto dentro do prazo respectivo.

Se a recorrente (hierárquica) tem ou não razão na sua pretensão de fundo e seus fundamentos é questão, assaz diversa, a ser apreciada pela entidade administrativa ad quem.

Os agravantes, como resulta das conclusões supra descritas, entendem que a pretensão apresentada no recurso hierárquico respeita, não ao despacho que determinou, em 18 de Julho de 2004, a emissão do certificado de admissibilidade para efeitos de alteração de objecto, mas sim ao despacho que admitiu a denominação C.[…] Lda., que data de 30 de Dezembro de 1986 e daí a sua óbvia conclusão quanto à extemporaneidade do recurso.

Acontece, todavia, que este entendimento, cuja legitimidade interpretativa não questionamos, respeita, já, ao mérito da questão, ou seja, a ser assim, a recorrente hierárquica poderá não ter razão na sua pretensão de fundo.

Se, de facto, interpõe recurso do despacho de 18 de Julho de 2004 para, por essa via impugnar o despacho de 30 de Dezembro de 1986 o que lhe poderá suceder é ver soçobrar a sua pretensão substantiva.

Tal não obsta, todavia, a que possa interpor recurso do despacho proferido em 2004.

É este o entendimento expresso na decisão recorrida, que interpretou a pretensão de recurso da agravada de acordo com dois princípios que são caros ao nosso sistema judicial, a saber, o principio da economia processual na sua vertente de aproveitamento dos actos praticados e o principio segundo o qual o recurso deve ser admitido a não ser que, declaradamente, deva ser rejeitado.

E, nesta medida a decisão recorrida, que, de modo algum violou o princípio dispositivo ou qualquer outro, não merece qualquer censura.

Sendo tempestivo o recurso hierárquico interposto pela agravante em 25/01/2005, porque interposto dentro do prazo determinado pelo art.º 64.º do Dec. Lei nº 129/98 de 13 de Maio, o mesmo não pode deixar de ser admitido.

Todos os outros itens da questão referenciados pelos agravantes poderão ser considerados na decisão do recurso hierárquico (1), mas não na sua admissibilidade.
Improcedem, pois, as conclusões dos agravos.
 
3. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento aos agravos, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelos agravantes.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2006

(Orlando Nascimento)
(Ana Resende)
(Dina Monteiro)



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1.-E é esse recurso hierárquico e não as peças processuais posteriores como sejam as alegações e contra alegações dos recursos judiciais que balizará a actividade cognitiva da entidade administrativa recorrida.