Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
157/13.0PHLSB.L2-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: 11-04-2019
Sumário: I - Tendo o acórdão condenatório transitado em 08/09/2016 e tal porque o arguido se ausentou da morada constante do TIR não podendo assim ser encontrado, o PIRS foi só elaborado em 08/06/2018, depois de o arguido ter sido solenemente advertido pelo tribunal e comparecido naqueles serviços, tendo este sido homologado em 20/06/2018, desiderato que foi dado conhecimento ao arguido, o qual, depois disso, não mais compareceu no IRS, pelo que não foi possível cumprir o PIRS, por motivo imputável única e exclusivamente àquele;

II - Perante tal quadro o arguido desprezou manifestamente, e por completo o regime de prova que lhe foi fixado, sem que tenha apresentado qualquer justificação para isso, configurando com tal atitude uma violação grosseira e repetida do mesmo;

III - Essa violação, aliada ao facto de o arguido já ter sido condenado pela prática, ainda que anterior ao decurso desta suspensão, de três crimes de condução sem carta, dois crimes de desobediência, um crime de roubo, um crime de tráfico de droga de menor gravidade e um crime de tráfico de droga, pelos quais foi condenado em penas de multa, de prisão suspensa e de prisão efectiva, afasta manifestamente a manutenção do juízo de prognose positivo, que é, simultâneamente necessário e pressuposto da não revogação da suspensão da pena de prisão em que foi condenado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

No Juízo Central Criminal de Lisboa, por despacho de 25/10/2018, constante de fls. 514/516, ao Arg.[1] AA, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 470[3]), foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos, nos seguintes termos:
“… Por acórdão transitado em julgado a 8 de Setembro de 2016, foi o arguido AA condenado numa pena de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo, mediante acompanhamento em regime de prova, e sob a condição de pagar € 500,00€ à demandante, pela prática de um crime de homicídio na forma tentada.
Em 8 de Maio de 2017, os serviços de reinserção social deram conta de que o arguido havia sido convocado para comparecer naqueles serviços e que havia faltado, razão pela qual não havia sido possível elaborar o correspondente PIRS (cf. fls. 422).
Ouvido em conformidade com o disposto no artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido explicou, muito em síntese, que foi vítima de 3 tiros, em 2015; esteve um mês no hospital; depois da alta foi para casa de um irmão; em 2017, a jogar futebol, sofreu uma lesão que o deixou incapacitado durante cerca de 8 meses.
Mais referiu que não contactou os serviços da reinserção social, porque não chegou a ter conhecimento das convocatórias (estava sempre a mudar de casa).
Acrescentou que vivia agora na P…; que trabalhou, durante pouco tempo, como varredor na junta de freguesia de S…; e que não dispunha de dinheiro para satisfazer a condição associada à suspensão da execução da pena.
Foi, então, o arguido solenemente advertido para a necessidade de se manter contactável pelos serviços da reinserção social e de neles comparecer sempre que para o efeito convocado.
Na sequência dessa advertência, o arguido veio efectivamente a comparecer naqueles serviços, tendo estes elaborado o PIRS que foi, entretanto, homologado.
Entretanto, em 23 de Julho de 2018, os serviços de reinserção social deram conta de que o arguido AA havia faltado a uma entrevista, sem ter apresentado justificação. Mais informaram que “…foi realizada deslocação à sua residência… e que nessa “…diligência e na ausência de moradores, foi deixada segunda convocatória na caixa do correio.”. Informaram, ainda, que, porém, “…o condenado não compareceu novamente, não tendo contatado este serviço, até ao momento”.
Foi designado o passado dia 21, para audição do arguido AA.
No entanto, o mesmo faltou à diligência, por não ter sido localizado pela autoridade policial e ser desconhecido o seu paradeiro.
O Ministério Público promoveu que fosse revogada a suspensão da execução da pena.
Notificado o arguido e o seu Ilustre Defensor Oficioso/Mandatário para se pronunciarem quanto a essa promoção, nada disseram.
Nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de condutas impostos ou o plano de reinserção social ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Da própria letra da lei resulta, pois, que a revogação da suspensão da execução da pena, em tais circunstâncias, não decorre de modo automático da infracção do plano de reinserção social nem da prática de crime durante o período de suspensão da execução da pena.
Na primeira das situações exige-se uma infracção grosseira ou repetida e na segunda a conclusão de que, não obstante a prática de crime durante o período da suspensão, as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Ora, no caso em apreço, o arguido foi condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução, mediante acompanhamento em regime de prova por parte da DGRSP, sendo que esse acompanhamento nunca se concretizou na realidade por manifesta falta de colaboração e de interesse do arguido nisso, dado que o arguido encontra-se em Portugal (tal como revela a notificação que recentemente lhe foi realizada) e foi localizado pelas autoridades policiais, pelo que só não se desloca à DGRSP ou ao tribunal, quando convocado para o efeito, porque não tem interesse nisso.
Esse comportamento consubstancia uma infracção grosseira do Plano Individual de Reinserção Social, que não se concretizou, contra o que o tribunal havia decidido.
Tais motivos levam-nos, pois, a concluir que existem claros fundamentos para determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, podendo com segurança afirmar-se que as finalidades que estiveram na base da aplicação da pena de prisão suspensa na sua execução não puderam, por via dela, ser alcançadas.
Pelo exposto, determino a revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao arguido AA nestes autos, determinando o cumprimento efectivo da pena de 3 anos e 10 meses de prisão em que foi condenado. …”.
*
Não se conformando, o Arg. interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 523/531, concluindo da seguinte forma:
“… 1. AA, arguido nos autos acima referenciados, tendo sido notificado de decisão a revogar a suspensão da execução da pena de 3 (três) ano e 10 (dez) meses prisão em que foi condenado nos presentes autos por sentença transitada em julgado a 08-09-2016, e determinando o seu cumprimento, não se conformando com a mesma, dela vem interpor recurso, suspendo os efeitos da decisão recorrida.
2. Com o presente recurso pugna pela reforma da decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido, uma vez que considera existirem circunstâncias na vida actual do arguido tendentes a concluir que o juízo de prognose favorável à ressocialização do mesmo se mantem actual, desconhecendo-se os motivos que estiveram na origem do seu incumprimento do plano elaborado pelos serviços de reinserção social.
3. A revogação da suspensão da execução da pena de prisão deverá ser decretada apenas e só em última instância, esgotadas todas as outras possibilidades legais ao dispor do julgador.
4. É verdade, como consta do despacho de que se recorre, que o arguido, não esteve presente em tribunal no dia 21.09.2018 por forma a ser ouvido nos termos dos art.º 495.º do C.P.P.
5. Acontece que não se logrou levar a cabo a notificação pessoal em causa ao arguido por, segundo informação recolhida pela P.S.P., o mesmo não se encontrar a residir no local onde a P.S.P. procurou notificá-lo, Cfr. Oficio datado de 19.09.2018 junto aos autos.
6. Por outro lado, verifica-se que veio a ser concretizada a notificação ao arguido da decisão que optou por revogar a suspensão da execução da pena, exactamente na morada do TIR, e onde se frustrara a notificação para que estivesse presente em tribunal a 21.09.2018, Cfr. Ofício datado de 15.10.2018 junto aos autos.
7. Não está em causa a boa-fé, honestidade intelectual e competência profissional de quem julgou a decisão recorrida, em face dos argumentos aduzidos na mesma.
8. No entanto, e em face de decisão tão gravosa, não podemos deixar de lançar mão dos meios judiciais ao nosso dispor, por forma a indagar junto de uma instância judicial superior da possibilidade, adequação e proporcionalidade de uma outra decisão que não passe pela decisão, definitiva, de revogar a suspensão da execução de pena.
9. Pugnando-se por uma nova oportunidade ao arguido, para que este possa provar ser merecedor da mesma, devendo ser ouvido nos termos do art.º 495.º n.º 2 CPP.
10. Com o presente recurso pugna pela revogação da decisão supra, devendo o tribunal recorrido, ao invés, procurar por todos os meios ao seu dispor notificar presencialmente o arguido no sentido de, também presencialmente, vir este dar conta dos motivos adjacentes ao incumprimento do plano elaborado pelos serviços de reinserção social.
11. O arguido, como referido, não foi notificado pessoalmente para estar presente em tribunal no dia 21.09.2018, tendo-o sido, no entanto, e na mesma morada, da decisão ora recorrida.
12. Assim, e salvo melhor entendimento, incorreu o tribunal recorrido em violação, por aplicação analógica à situação em apreço, do artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que prescreve que o tribunal decide por despacho sobre a revogação da pena de trabalho a favor da comunidade “…depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento…”.
13. Como consta da decisão recorrida, o arguido sofre de problemas de saúde, e tem vindo a procurar, ainda assim, integrar-se socialmente, tendo trabalhado como varredor, o que demonstra sinais de integração social e profissional.
14. A revogação da suspensão da execução da pena de prisão de 3 anos e 10 meses em que foi condenado terá a consequência nefasta de interromper essa realidade, afastando-o do processo de ressocialização que tem vindo a encetar.
15. Pelo que, e em suma, somos do entendimento de que não deve ser revogada a suspensão da execução da pena de 3 anos e 10 meses em que foi condenado o arguido.
16. Requerendo-se, em consequência do supra exposto, seja o arguido notificado, nos termos do art.º 495.º n.º 2 CPP para ser ouvido perante o tribunal recorrido.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, assim se fazendo ... JUSTIÇA!!! …”.
*
O Exm.º Magistrado do MP[4] respondeu ao recurso, a fls. 540/547, concluindo da seguinte forma:
“… Em conclusão, dir-se-á que:
- o recorrente foi ouvido, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 495º, nº 2, do CPP (em 02.03.2018);
- subsequentemente, foi designado a pretérito dia 21 de setembro, para nova audição;
- apesar de validamente notificado para esta diligência, o recorrente faltou;
- o recorrente não pode prevalecer-se da não realização de uma diligência, quando esta não se realiza por motivo só a si próprio imputável;
- não há, por isso, violação do artigo 495º, nº 2, do CPP;
- mantém-se a validade dos motivos que determinaram a revogação da suspensão da execução da pena.
pelo que deve julgar-se improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida …”.
*
Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 553/555, em suma, pronunciando-se pela improcedência do recurso e subscrevendo a posição assumida pelo MP na 1ª instância.
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É pacífica a jurisprudência do STJ[5] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[6], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[7].
Da leitura dessas conclusões, e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que a questão fundamental a decidir no presente recurso é a seguinte:
I – Falta de audição do Arg., nos termos do art.º 495º/2 do CPP;
II - Verificação dos pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos.
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Cumpre decidir.
I - Entende o Recorrente que não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 495º/2 do CPP[8], porque não foi presencialmente ouvido, o que deve agora ser determinado.
O Arg. prestou TIR e a notificação para a audição, marcada para 21/09/2018, foi enviada para a morada constante do TIR, tendo sido depositada no respectivo receptáculo postal (cf. fls. 493), pelo que, desde logo, a lei considera que foi regularmente notificado (art.ºs 113º/1-c)/3 e 214º/1-e) do CPP).
Para além disso, o tribunal recorrido solicitou à PSP a notificação pessoal do Arg., não tendo esta sido possível (cf. fls. 495/497).
Apesar disso, o Arg. não compareceu na referida diligência.
Acresce que o Exm.º Defensor do Arg. e este, perante a sua ausência, foram notificados para se pronunciarem sobre a promovida revogação da suspensão, nada tendo dito.
Por isso, há que concluir que foi dado cabal cumprimento ao dever de audição prévia do Arg., previsto no art.º 495º/2 do CPP, pelo que é improcedente nesta parte o recurso.
Neste sentido, embora por razões diferentes se pronunciou o acórdão da RC de 07/05/2003, relatado por João Trindade, in www.gde.mj.pt, processo 612/03, de cujo sumário citamos: “…III - O tribunal cumpre todas as obrigações processuais criando a condições necessárias para proferir despacho de apreciação no termos do art.º 56.° do C.P. se enceta várias diligências tendentes tomar declarações ao arguido e este não é encontrado, não só na morada que consta dos autos como em outras obtidas junto da autoridades.”.
Este é, aliás, um exemplo típico do comportamento dos Arg. que o acórdão de fixação de jurisprudência 6/2010 do STJ, de 15/04/2010[9] pretendeu combater, conforme resulta da seguinte passagem do mesmo: “…Sucede que a esmagadora maioria dos arguidos que não estão dispostos a cumprir os deveres que condicionam a suspensão de execução da pena também não estão na disposição de se deixarem notificar, o que irá ter por consequência a submersão dos tribunais, e dos órgãos de policia criminal, em sucessivas e infindáveis diligências de averiguação do paradeiro de indivíduos que, mesmo após terem assumido a obrigação de informar da mudança de domicílio, e não obstante terem sido condenados em pena de multa que sabem ser seu dever pagar, votam o processo criminal aos mais absoluto desprezo.
Nem sequer já nos atrevemos a citar Locke ou Hobbes e afirmar que todos nós somos outorgantes de um contrato social pelo qual assumimos direito e deveres e que o compromisso de lealdade para com o Estado, o qual deve estar inscrito em cada cidadão. Porém, mais prosaicamente, diremos que o arguido que deu a sua residência no processo cumpriu, também, uma obrigação de informação a que o Estado vai corresponder informando-o, no mesmo local indicado, de toda a decisão que possa afectar os seus interesses.
Se o arguido, sabendo que foi condicionado numa pena cuja execução foi suspensa e depois de ter sido notificado para esclarecer do não cumprimento das condições olimpicamente se ausenta do local que indicou é problema que o afecta a si única e exclusivamente como cidadão relapso.
A condenação em pena suspensa não constitui uma ‘carta de alforria que permite ao arguido proclamar que nenhum dever lhe assiste na sua relação com o Estado nem sequer a obrigação de o manter informado sob sua residência. …”.
*
II - Entende o Recorrente que, em qualquer dos casos, não se verificam os requisitos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nestes autos, apesar de não ter cumprido o regime de prova.
Nos termos do disposto no art.º 56º/1 do CP[10], a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

“…A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência». [11]”.
Por isso, mesmo que se considerem unicamente relevantes considerações de prevenção, como já dissemos, quando o agente infringe grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos, ou o plano de reinserção social, ou é condenado pela prática de um crime durante o período da suspensão, para decidir da revogação dessa suspensão o que importa é determinar se o não cumprimento do regime de suspensão fixado ou a prática desse novo crime revelam que as finalidades da suspensão, isto é, o afastamento do agente da delinquência e a protecção dos bens jurídicos, não puderam ser asseguradas com a simples ameaça da pena.
Voltando à lição de Figueiredo Dias (ob. e loc. cit.), quanto à suspensão da execução da pena de prisão, “… Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena - acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta (art.º 49.º-1) - «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade» (art.º 48.º-1). Para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.
A lei torna deste modo claro que, na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto. Por isso, crimes posteriores àquele que constitui objecto do processo, eventualmente cometidos pelo agente, podem e devem ser tomados em consideração e influenciar negativamente a prognose. Como positivamente a podem influenciar circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham sido já tomadas em consideração - na medida possível: supra § 355 ss. - em sede de medida da pena: com isto não deve dizer-se violada a proibição de dupla valoração. Não pode deixar de ser valorada para este efeito, v. g., a circunstância de o condenado por um crime relacionado com o consumo de álcool ou de estupefacientes se ter submetido com êxito posteriormente ao crime, mas anteriormente à condenação, a uma cura de desintoxicação (cf. de resto os arts. 41.º e ss. do DL n.º 15/9.1. de JAN22).
….
Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (nos casos, naturalmente. em que também estes últimos sejam puníveis). Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (art. 51.º-1 e infra § 546). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão: mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação (fundamentação, aliás, sempre necessária: infra § 523).
§ 520 Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (art. 48.º-2 in fine). Já determinámos (supra § 502) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise. …”[12].
O regime de prova, previsto nos art.ºs 53º e 54º do CP, tem um sentido marcadamente educativo e correctivo “… que sempre o distinguiu da simples suspensão da execução da pena é, por um lado, a existência de um plano de readaptação social e, por outro, a submissão do delinquente à especial vigilância e controlo de assistência social especializada, o que representa uma intervenção do Estado na vida do delinquente após a condenação, no sentido de desenvolver o seu sentido de responsabilidade. …”[13].
Como se afirma no acórdão do STJ de 03/11/2004, relatado por Henriques Gaspar, in JusNet 7769/2004, “…Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.
A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão. …”.
Vejamos.
Como se diz no despacho recorrido, o acórdão condenatório transitou em 08/09/2016. Porque o Arg. se ausentou da morada constante do TIR e não pôde ser encontrado, o PIRS[14] só foi elaborado em 08/06/2018, depois de o Arg. ter sido solenemente advertido pelo tribunal e comparecido naqueles serviços, tendo sido homologado em 20/06/2018, do que foi dado conhecimento ao Arg.; depois disso, não mais compareceu no IRS, pelo que não foi possível cumprir o PIRS.
O Arg. desprezou, pois, por completo o regime de prova que lhe foi fixado, sem que tenha apresentado qualquer justificação para isso, configurando uma tal atitude a violação grosseira e repetida do mesmo.
Essa violação, aliada ao facto de o Arg. já ter sido condenado pela prática, ainda que anterior ao decurso desta suspensão, de 3 crimes de condução sem carta, 2 crimes de desobediência, 1 crime de roubo, 1 crime de tráfico de droga de menor gravidade e um crime de tráfico de droga, pelos quais foi condenado em penas de multa, de prisão suspensa e de prisão efectiva, afasta a manutenção do juízo de prognose positivo que é pressuposto da não revogação da suspensão.
Não pode, pois, deixar de improceder o presente recurso.
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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos não provido o recurso e, consequentemente, confirmamos o despacho recorrido.
Custas pelo Recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UC.
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Notifique.
D.N..
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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).
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Lisboa, 11/04/2019

Abrunhosa de Carvalho

Maria Leonor Botelho

[1] Arguido/a/s.
[2] Termo/s de Identidade e Residência.
[3] Prestado em 02/03/2018.
[4] Ministério Público.
[5] Supremo Tribunal de Justiça.
[6]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[7] Cf. Ac. 7/95 do STJ, de 19/10/1995, relatado por Sá Nogueira, in DR 1ª Série A, de 28/12/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no art.º 410.º/2 CPP, nos seguintes termos: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”.
[8] Código de Processo Penal.
[9] Relatado por Carmona da Mota e publicado no DR, 1ª Série A, de 21/05/2010, também disponível in JusNet 2487/2010, que fixou jurisprudência, nos seguintes termos: “I - Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. II - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada ). III - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de contacto pessoal como a via postal registada, por meio de carta ou aviso registados (…) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).”..
[10] Código Penal.
[11] Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, II, Coimbra Editora, 2009, pág. 343.
[12] Contra este entendimento de que a opção entre uma pena de prisão ou uma pena não detentiva relevam unicamente as necessidades de prevenção e não considerações de culpa, manifesta-se A. Lourenço Martins, in “Medida da Pena – Finalidades – Escolha …”, Coimbra Editora, 2011, a p. P. 517 e 518, donde citamos: “… Por isso, salvo menção expressa, a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou a de substituição não depende unicamente de considerações de prevenção, sem embargo de se poderem mostrar particularmente relevantes.”.
[13] Maia Gonçalves, in “CP Anot.”, Ed. Almedina, 11ª ed., 1997, a p. 210.
[14] Plano individual de reinserção social.

As finalidades da punição, nos termos do disposto no art.º 40º do CP são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.