Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3902/13.0JFLSB-AN.L1-3
Relator: ANA PAULA GRANDVAUX
Descritores: ARRESTO
LEVANTAMENTO DO ARRESTO
ABSOLVIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: No caso de absolvição dos arguidos no processo principal, pode ser ordenado desde logo o levantamento dos arrestos decretados ao abrigo do artº 10º da Lei nº 5/2002 de 11.1, porquanto o artº 11º/3 desse mesmo diploma, não exige que se aguarde pelo trânsito em julgado da decisão absolutória.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 – No âmbito do processo nº 3902/13.0JFLSB foi em 24 de Janeiro de 2019 (fls. 4 e 5) requerido pelos arguidos A.S., P.E., J.G. e P.V., o levantamento dos arrestos decretados nos autos, invocando para tal o facto de em 14.1.2019 ter sido depositado o Acórdão que os absolveu dos crimes pelos quais vinham pronunciados, aí se decidindo também não haver lugar a qualquer declaração de perda de bens a favor do Estado ou no âmbito do regime da perda alargada, não poderem os respectivos patrimónios ser alvo de declaração de perda.
O Sr. Juiz colocado no Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 15, depois de ouvir o Ministério Público (que promoveu o indeferimento do requerido levantamento dos arrestos, com base no facto do Acórdão absolutório ainda não ter transitado em julgado), apreciando aquele requerimento dos arguidos, proferiu, no dia 18.3.2019, o seguinte despacho (fls. 7):
Tendo em consideração que foi proferido acórdão absolutório, não se poderá afirmar que continuam a existir fortes indícios da prática de um qualquer crime por parte dos arguidos.
Assim sendo, embora o acórdão proferido ainda não tenha transitado em julgado, ocorreu uma alteração dos requisitos de decretamento do arresto.
Razão pela qual, deverão os mesmos ser objecto de levantamento.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, ordeno o levantamento dos arrestos ainda subsistentes sobre o património dos requeridos A.S., P.E., J.G. e P.V..
Notifique e demais diligências necessárias.”
2 – O M.P interpôs recurso desse despacho (fls. 10 a 19).
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos de procedimento cautelar de arresto, em 4/5/2017, foi proferido despacho a ordenar o arresto sobre a conta n° 0429 ... 300 da «Caixa Geral de Depósitos» titulada pelo requerido A.S. até ao montante de € 21.388,08; o arresto sobre o prédio urbano sito na Estrada da ..., Quinta do ..., no concelho de Tábua, distrito de Coimbra, inscrito na respectiva matriz predial sob o número 26.. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tábua sob o número 5029/1997... para garantia do montante de € 44.511,93 referente ao requerido P.E.; o arresto sobre prédio urbano sito na Travessa ..., n° 16, 1° esquerdo, em Oliveira do Hospital, inscrito na respectiva matriz predial sob o número 15.. (fracção C) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Hospital sob o número 487/1989... para garantia do montante de € 23.828,00 referente ao requerido J.G.; e o arresto sobre as contas bancárias da «Caixa Geral de Depósitos» n° 0442... e n° 2004... tituladas pelo requerido P.V. até à quantia de € 8.070,91.
2. O arresto foi decretado ao abrigo do disposto no artigo 10° da Lei n° 5/2002 de 11/1, ou seja, como mecanismo sancionatório e repressivo com a finalidade de garantir a perda das vantagens obtidas com a actividade criminosa.
3. O regime especial de arresto, ou seja, o arresto para garantia da perda alargada pode ter lugar a todo o tempo, podendo ser reduzido ou ampliado posteriormente, e mantém-se até que seja proferida decisão final absolutória (artigos 10°, n° 2, e 11°, n°s 2 e 3, da Lei) precisamente devido à finalidade de garantir a perda das vantagens obtidas com a actividade criminosa.
4. A ser assim, o arresto mantém-se até que seja proferida decisão final absolutória (art° 11°, n° 3 da Lei 5/2002), ou seja, e dito de outro modo, o arresto caduca com o trânsito em julgado da sentença absolutória.
5. No entanto, o Tribunal, por despacho de 18/3/2019, ordenou o levantamento dos arrestos ainda subsistentes sobre o património dos requeridos A.S., P.E., J.G. e P.V., sem que o Acórdão proferido no processo principal tenha transitado em julgado.
6. O Ministério Público veio a interpor recurso do Acórdão proferido no processo principal.
7. Assim sendo, e sempre com o salvo e devido muito respeito, o despacho judicial recorrido mostra-se, assim, precipitado e infundado.
8. Precipitado, porque sendo conhecido o regime jurídico do arresto deduzido ao abrigo da Lei 5/2002 de 11/1, o Tribunal deveria ter aguardado pelo trânsito em julgado do Acórdão proferido no processo principal e não o tendo feito desrespeitou, claramente, o mencionado regime jurídico que garantia a perda das vantagens obtidas com a actividade criminosa.
9. Infundado, porque contrariamente ao argumento invocado, por ora, e uma vez que o Acórdão proferido no processo principal não transitou em julgado, não ocorreu qualquer alteração dos requisitos de decretamento do arresto, na medida em que tais requisitos se mantêm, aliás os mesmos só foram necessários e só se tornaram operativos aquando do decretamento do arresto, e tendo este sido decretado como foi, o mesmo só caduca com o trânsito em julgado da sentença absolutória e não, desde logo, com a prolação e depósito da sentença absolutória.
10. Por outro lado, convém não olvidar que se relativamente aos arguidos A.S., P.E., J.G. e P.V., o Tribunal, por despacho 4/5/2017, ordenou os arrestos acima mencionados, não pode agora o Tribunal ordenar o levantamento de tais arrestos sem que tenha ocorrido qualquer alteração superveniente das condições que se verificavam e foram atendidas no despacho que decretou os arrestos em causa.
11. E na verdade não ocorreu qualquer alteração dos requisitos de decretamento do arresto, aliás o artº 11º/3 da Lei nº 5/2002 contempla e disciplina a ocorrência dessas eventualidades e dá a chave para a solução das mesmas.
12. Assim, tendo o Tribunal decretado o arresto, por despacho transitado em julgado, não pode o mesmo tribunal e no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, pronunciar-se novamente em sentido contrário, pois violaria o caso julgado formal.
13. O caso julgado formal consiste na imodificabilidade das decisões judiciais proferidas ao longo processo e ocorre quando a decisão já não pode ser impugnada nesse processo. Esta torna-se definitiva e exequível, e esgota-se o poder jurisdicional quanto à matéria que constituiu objecto de conhecimento.

14. Foi violado o art° 11°, n° 3, da Lei n° 5/2002 de 11/1.
15. Termos em que se requer que seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que mantenha os arrestos ainda subsistentes sobre o património dos arguidos A.S., P.E., J.G. e P.V..
NO ENTANTO,
V. EXaS.
FARÃO A HABITUAL JUSTIÇA!

3 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 20.
4 – Os arguidos responderam à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso (fls. 23 a 26), alegando em síntese:
(…) Acresce que, uma vez que houve julgamento, a intervenção judicial que o Ministério Público reclama não pode entender-se como cautelar, tanto que a exigência probatória está ultrapassada e deixou de ser indiciária.(…) os procedimentos cautelares têm uma natureza de provisoriedade por se basearem em juízos indiciários. E destinam- se a acautelar o efeito útil da decisão definitiva, entenda-se, a de primeira instância.
Pois, se as decisões intercalares (as que decretam ou mantém os arrestos) se fundam em provas indiciárias, a decisão final basear-se-á em provas sujeitas ao escrutínio do Tribunal Coletivo e poderá terminar com uma decisão de perda alargada de um valor de património semelhante ou distinto das decisões proferidas no procedimento cautelar, ou, diremos nós, poderá terminar com a simples constatação de que não se confirmando o pressuposto base para a verificação dos pressupostos de aplicação do arresto (porque absolveu), como aconteceu no presente caso.
Ou seja, com a prolação do acórdão absolutório, imediatamente se têm como não verificados os dois pressupostos relacionados com a aplicação desta medida, qual sejam a existência de fortes indícios da prática de um dos crimes do catálogo consagrado no artigo 1.° da Lei n° 5/2002, de 11 de Janeiro e os requisitos da necessidade, adequação, subsidiariedade, precariedade e proporcionalidade.
E quanto a estes últimos, contrariamente à tese do Recorrente, que resume a questão à simples existência ou não de trânsito em julgado, não estão, de todo, verificados.
É precisamente nesse erro em que o Recorrente labora: o de que não havendo trânsito em julgado da decisão final os arrestos se devem manter, independentemente da verificação casuística daqueles pressupostos.
Para além do mais, embora o arresto seja uma providência cautelar destinada a, principalmente durante a fase de inquérito, evitar a fuga de património e uma vez que a lei refere a possibilidade de ser requerida a todo o tempo, naturalmente que este conceito de tempo terá que ser interpretado com razoabilidade, pois que haverá que ser conjugado com o disposto no artigo 7°, n° 1 da referida Lei, particularmente com o pressuposto de ter que haver condenação.
Ou seja, à semelhança das restantes medidas de garantia patrimonial, também o arresto para garantia da perda alargada está sujeito aos princípios já enunciados.
Contudo, ao invés de fazer considerações sobre estes princípios, como era suposto fazer, o Recorrente foca-se na circunstância, diremos nós, absolutamente irrelevante, de não existir trânsito em julgado, desconsiderando toda a matéria acima exposta.
Aliás, o douto despacho em apreço indicou que embora o acórdão proferido ainda não tenha transitado em julgado, ocorreu uma alteração dos requisitos do decretamento do arresto, em concreto o que poderia estar eventualmente em causa, nomeadamente a aferição da necessidade e justificação da medida face às exigência cautelares que ainda se pudessem fazer sentir, que não se confundem com o caso julgado, como o Recorrente confunde.
Ou seja, o Tribunal a quo ponderou a verificação do princípio da adequação, que exige que exista uma correspondência entre os interesses cautelares a assegurar no caso concreto e a medida imposta; do princípio da proporcionalidade (que está sempre dependente do princípio anterior) que representando a exigência de que em cada fase do procedimento exista uma relação de proporcionalidade entre a medida aplicada, a importância do facto imputado e a sanção que se julga que pode vir a ser imposta (e neste caso não foi imposta); e, finalmente, o princípio da necessidade, que impõe uma concreta aferição de que o fim visado pela concreta medida de coacção não possa ser realizado por outro meio menos oneroso para o destinatário da mesma, desde que subsistam indícios fortes - o que in casu não se verifica.
Por todas as razões invocadas e exigências legais invocadas, ao sustentar a aplicação da medida de arresto preventivo, o Recorrente fá-lo sem fundamento legal e fora do padrão de verificação dos requisitos.
Face ao exposto, deve ser negado provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público, mantendo-se o despacho recorrido nos seus precisos termos, com as legais consequências”

5 – Por despacho proferido em 18.6.2019 o Sr. Juiz do Tribunal a quo manteve a sua decisão e ordenou a subida do recurso a esta 2ª Instância.
6 - Neste Tribunal, a Srª Procuradora-Geral-Adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, não emitiu qualquer parecer (fls 32).
7- Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objecto do recurso
É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (artº 410º nº 2 e 3 do C.P.Penal).
Por outras palavras, do artº 412º/1 do C.P.P resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso (neste sentido vide Germano Marques da Silva em “Curso de Processo Penal”, III, 2ª edição, 2000, pág. 335 e Acs do S.T.J de 13.5.1998 in B.M.J 477-263; de 25.6.1998 in B.M.J 478º-242 e de 3.2.1999 in B.M.J 477º-271), exceptuando aquelas que são do conhecimento oficioso (cf Artº 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do C.P.P e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J de 19.10.1995 in D.R, I - série de 28.12.1995).
Assim, a única questão a apreciar por este Tribunal ad quem, tem por objecto saber se o despacho recorrido proferido em 18.3.2019 que ordenou o levantamento dos arrestos decretados nos autos, é ilegal por violação do preceituado no artº 11º/3 da Lei nº 5/2002 de 11.1.

2. Os Factos
a) Nos presentes autos de procedimento cautelar de arresto, em 4/5/2017 foi proferido despacho a ordenar, além do mais, os seguintes arrestos:
- O arresto sobre a conta n° 0429 ... 300 da «Caixa Geral de Depósitos» titulada pelo requerido A.S. até ao montante de € 21.388,08;
- O arresto sobre o prédio urbano sito na Estrada da ..., Quinta do ..., no concelho de Tábua, distrito de Coimbra, inscrito na respectiva matriz predial sob o número 26.. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tábua sob o número 5029/1997... para garantia do montante de € 44.511,93 referente ao requerido P.E.;
- O arresto sobre prédio urbano sito na Travessa ..., n° 16, 1° esquerdo, em Oliveira do Hospital, inscrito na respectiva matriz predial sob o número 15.. (fracção C) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Hospital sob o número 487/1989... para garantia do montante de € 23.828,00 referente ao requerido J.G.;
- O arresto sobre as contas bancárias da «Caixa Geral de Depósitos» n° 0442... e n° 2004... tituladas pelo requerido P.V. até à quantia de € 8.070,91.

b) em 14/1/2019 foi depositado o Acórdão no processo principal, que absolveu os arguidos A.S., P.E., J.G. e P.V. da prática do crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17° n° 1, 19° n° 2 e n° 3, 3°-A alíneas d), e), f), todos da Lei n° 34/87, de 16 de Julho, com referência aos 202° alínea b), 28° n° 1, 66° n° 1 alíneas a), b) e c) e 68.° do Código Penal (factos relacionados com o acordo firmado com E.B., descritos no Núcleo C), bem como dos montantes peticionados no pedido de perda alargada deduzido nos termos da Lei 5/2002 de 11/1.
c) Os arguidos A.S., P.E., J.G. e P.V. vieram requerer o levantamento dos arrestos decretados nos autos.
Alegam para o efeito que tendo sido depositado o Acórdão que os absolveu dos crimes pelos quais vinham pronunciados, essa decisão determinou que em consequência não poderia já haver lugar a qualquer declaração de perda de bens a favor do Estado ou que, no âmbito do regime da perda alargada, os respectivos patrimónios não poderiam ser já alvo de declaração de perda alargada.
Concluem assim que a partir de 14.1.2019 não se verificavam mais qualquer dos pressupostos legalmente exigíveis para o decretamento do arresto destinado a servir de garantia à decisão da perda alargada de bens a favor do Estado, nomeadamente a:
existência de fortes indícios da prática de um dos crimes do catálogo consagrado no artigo 1° da Lei n° 5/2002, de 11 de Janeiro;
existência de fortes indícios da desconformidade do património dos arguidos;
E muito menos se verificam in casu os requisitos da necessidade, adequação, subsidiariedade, precariedade e proporcionalidade.
d) O M.P na 1ª instância veio a interpor recurso do Acórdão absolutório no processo principal e deduziu também oposição ao requerimento dos arguidos nos autos de procedimento cautelar de arresto, promovendo o seu indeferimento, argumentando para o efeito que o Acórdão absolutório ainda não havia transitado em julgado.
e) O Tribunal de 1ª instância por despacho de 18/3/2019, ordenou o levantamento dos bens arrestados, nos termos acima expostos, com os seguintes fundamentos «Tendo em consideração que foi proferido acórdão absolutório, não se poderá afirmar que continuam a existir fortes indícios da prática de um qualquer crime por parte dos arguidos. Assim sendo, embora o acórdão proferido ainda não tenha transitado em julgado, ocorreu uma alteração dos requisitos de decretamento do arresto.”
           
3. Analisando
O M.P sustenta a sua posição no facto de os arrestos sobre os bens dos arguidos nestes autos, acima melhor identificados, terem sido decretados ao abrigo do artº 10º da Lei nº 5/2002 de 11.1 ou seja como mecanismo sancionatório e repressivo com a finalidade de garantir a perda das vantagens obtidas por aqueles arguidos com a actividade criminosa por eles desenvolvida.
Por isso, sublinha estarmos perante um regime especial de arresto e nessa medida este arresto para garantia da perda alargada pode ter lugar a todo o tempo, podendo ser reduzido ou ampliado posteriormente, e mantém-se até que seja proferida decisão final absolutória (artigos 10°, n° 2, e 11°, n°s 2 e 3, da Lei) precisamente devido à finalidade de garantir a perda das vantagens obtidas com a actividade criminosa.
Conclui assim o M.P ser o despacho recorrido que ordenou o levantamento dos arrestos precipitado e infundado, nos termos que a seguir se recordam e aqui se deixam transcritos:
Precipitado, porque sendo conhecido o regime jurídico do arresto deduzido ao abrigo da Lei 5/2002 de 11/1, o Tribunal deveria ter aguardado pelo trânsito em julgado do Acórdão proferido no processo principal e não o tendo feito desrespeitou, claramente, o mencionado regime jurídico que garantia a perda das vantagens obtidas com a actividade criminosa.
Infundado, porque contrariamente ao argumento invocado, por ora, e uma vez que o Acórdão proferido no processo principal não transitou em julgado, não ocorreu qualquer alteração dos requisitos de decretamento do arresto, na medida em que tais requisitos se mantêm, aliás os mesmos só foram necessários e só se tornaram operativos aquando do decretamento do arresto, e tendo este sido decretado como foi, o mesmo, como se notou anteriormente, só caduca com o trânsito em julgado da sentença absolutória e não, desde logo, com a prolação e depósito da sentença absolutória.
Por outro lado, convém não olvidar que se relativamente aos arguidos A.S., P.E., J.G. e P.V., o Tribunal, por despacho 4/5/2017, ordenou os arrestos acima mencionados, não pode agora o Tribunal ordenar o levantamento de tais arrestos sem que tenha ocorrido qualquer alteração superveniente das condições que se verificavam e foram atendidas no despacho que decretou os arrestos em causa.
E na verdade, e como se notou anteriormente, não ocorreu qualquer alteração dos requisitos de decretamento do arresto, aliás o art° 11°, n° 3 da Lei 5/2002, contempla e disciplina a ocorrência dessas eventualidades e dá a chave para a solução das mesmas.
Assim, tendo o Tribunal decretado o arresto, por despacho transitado em julgado, não pode o mesmo tribunal e no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, pronunciar-se novamente em sentido contrário, pois violaria o caso julgado formal.

QUID JURIS?
De acordo com o M.P recorrente, estando nós nos presentes autos, perante arrestos para garantia da perda alargada de bens a favor do Estado, nos termos da Lei nº 5/2002 de 11.1, então os mesmos deveriam manter-se até que fosse proferida decisão final absolutória ou seja, o arresto só poderia caducar com o trânsito em julgado da sentença absolutória.
Como melhor explicaremos adiante e salvo o devido respeito por posição contrária, entendemos que assim não é.
Naturalmente que este Tribunal não ignora, numa perspectiva historicista, as razões que estiveram na base da criação deste diploma legal – a Lei 5/2002 de 11.1.
Tal como foi analisado na Dissertação de Mestrado de Direito Criminal da Universidade Católica de 2015 da autoria de Gonçalo José Almeida Marques Rocha, intitulada “O arresto e os terceiros na perda de bens a favor do Estado na Lei nº 5/2002 de 11.1” e aqui se deixa transcrito: “(…) O confisco dos instrumentos e dos produtos do crime, fruto de conhecidas circunstâncias históricas, desencadeia, ainda hoje, uma resposta mais reactiva do que ponderada, levando a uma reacção de medo.
O jusracionalismo iluminista, reagindo às prepotências anteriores, determinou a proibição generalizada do confisco geral de bens. Era uma sanção desumana, que punha em causa o carácter intransmissível e individual das penas e que atentava contra o direito de propriedade.
Por isso mesmo, acabou por ser elevado à dignidade de direito constitucional (constituições americana, francesa ou portuguesa) e por ser parcialmente abolido, tanto nos sistemas da civil law, como até nos sistemas da common law. No entanto, sobretudo a partir da década de setenta do século passado, o confisco abandonou a longa letargia em que assim tinha mergulhado, afirmando-se, cada vez mais como um instrumento fundamental de combate à criminalidade que escolhe o lucro como o seu principal móbil.
É hoje evidente que o crime sobretudo na área da criminalidade económica compensa e que só atingido o âmago deste lucrativo negócio se poderá lograr algum sucesso na luta contra o fenómeno.
 Os mais recentes escândalos e os números relativos aos valores envolvidos nas actividades criminosas (que só pecam por defeito) revelam a extensão do problema e as fragilidades do Estado de Direito.
Se nada for feito, os seus próprios fundamentos serão afectados. Não admira, por isso, que a generalidade dos instrumentos e dos fóruns internacionais proponha agora o confisco como um mecanismo indispensável na luta contra este flagelo.
 Em vez da sua proibição a sua maximização: à proibição do confisco devemos hoje contrapor o maior confisco admissível no quadro de um Estado de Direito.
Completando este regime material, o legislador nacional (em coerência com as propostas internacionais e os modelos disponíveis no direito comparado) estabeleceu também um conjunto de garantias processuais da efectivação do confisco: a apreensão (arts. 178º e ss. do CPP), a caução económica (artº 227.º do CPP), o arresto preventivo (artº 228º do CPP) e o arresto para efeitos de perda alargada (artº 10º da Lei n.º 5/2002).
 Se não for assim, quando finalmente chegar o momento derradeiro de, enfim, executar a decisão, já nada haverá para confiscar. A sentença arrisca-se então a ser uma decisão platónica (…)”

Por outro lado, e ao contrário do defendido pelo M.P recorrente, do ponto de vista dogmático estes mecanismos não são encarados como mais uma sanção penal, não se pretende censurar nem castigar por via da sua aplicação, um comportamento antijurídico, mas apenas impedir que persista no futuro uma perturbação do ordenamento jurídico produzida no passado.
Ou seja, o que se pretende e está em causa aqui é reduzir o visado ao “status quo” patrimonial anterior à prática do crime – assim demonstrando que ele não compensa e não a sua punição.
Importa assim não confundir “a perda das vantagens do facto ilícito típico” (regulada no artº 111º do C.P) com “a perda alargada” prevista na Lei nº 5/2002 de 11.1.
 No caso da perda das vantagens (artº 111º do CP) o Ministério Público (em última análise o próprio Tribunal) deverá demonstrar o facto ilícito típico, a vantagem dele decorrente e o seu montante, não beneficiando de qualquer presunção.
 No caso da perda alargada, o Ministério Público não tem que demonstrar a relação entre o património incongruente e um qualquer crime («presume-se»), devendo apenas provar um crime do catálogo previsto no artº 1º da Lei nº 5/2002 de 11.1 (mesmo que dele não tenha resultado qualquer vantagem), a existência de um património e a sua incongruência como os rendimentos lícitos.
Defende ainda o referido autor Gonçalo José Almeida Marques Rocha, na sua Dissertação de Mestrado de Direito Criminal da Universidade Católica de 2015 o seguinte:
O legislador teve como mote para a criação da perda alargada de bens a favor do Estado, os elevados lucros provenientes da criminalidade organizada e económico financeira que, até então, a perda clássica do CP, devido às exigências probatórias, não havia conseguido combater eficazmente.
Curiosamente, desde logo, o nome que o legislador atribui para esta sanção gera surpresa.
Como vimos, não se trata de uma perda de bens mas sim de um montante, apurado como vantagem criminosa, calculado com base na diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
 Montante esse, que se só se traduz na perda de bens caso o arguido não pague voluntariamente este valor.(…)”
 
Por último convém distinguir as garantias processuais penais da perda clássica que consistem na apreensão (arts. 178.º e ss. do CPP), na caução económica (artº. 227.º do CPP) e no arresto preventivo (artº 228.º do mesmo diploma legal); das garantias da perda alargada que se traduzem no arresto (artº 10º da Lei n.º 5/2002), o qual pode cessar se for prestada caução económica (artº 11º da referida lei nº 5/2002).
Este arresto surge como garantia da futura decisão de perda alargada e constitui o único meio disponível na Lei nº 5/2002 para garantir que não há uma dissipação dos bens por parte do arguido, tendo em conta que limita e diminui o poder de disposição deste sobre os referidos bens.
Quanto a este arresto - o qual como já dissemos, surge regulado e previsto como meio de garantia da execução da perda alargada, isto é da execução da perda do montante apurado como vantagem da actividade criminosa (e que nessa medida assume especificidades e diferentes fins face ao arresto previsto no artº 228º do C.P.P), iremos de seguida dirigir a nossa atenção para a análise dos seus requisitos legais, mencionados no artº 10º da citada Lei nº 5/2002.
Desde logo, resulta evidente que o artº 1º deste diploma estabelece um “catálogo” de crimes que se caracterizam, não só pelo grau de sofisticação e organização com que são praticados, mas também, e sobretudo, pela sua capacidade de gerar avultados proventos para os seus agentes – surgindo pois o arresto como “providência cautelar” para garantir ou evitar a fuga de património, desta forma assegurando a execução de uma futura decisão de perda alargada nos casos de prática de algum desses ilícitos.
Assim o arresto é decretado ao abrigo do disposto no artº 10º da lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro:
 1 – Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º;
2 – A todo o tempo, o Ministério Público requer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de actividade criminosa. A norma legal não diz “para garantia de valor que venha a ser determinado nos termos do nº 1 do artº 70 da lei 5/2002 de 11.1”, mas antes e simplesmente que o arresto é decretado para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do nº 1 do artº 7º − ou seja, o valor determinado aquando da condenação por um dos crimes do artº 1º da Lei n.º 5/2002.
São pois pressupostos para o decretar o arresto de bens que sofrerão a perda alargada a favor do Estado:
 – a existência de fortes indícios da prática de um dos crimes do catálogo consagrado no artigo 1º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro;
 – fortes indícios da desconformidade do património do arguido, ou seja, o património apurado tem de ser incongruente com o rendimento lícito; – e/ou, primeiramente, a condenação por um dos crimes referidos no artº 1º desta lei que defina o âmbito da sua aplicação.
Por outro lado, e à semelhança das restantes medidas de garantia patrimonial, também o arresto para garantia da perda alargada está sujeito aos princípios da necessidade, adequação, subsidiariedade, precariedade e proporcionalidade, o que implica respeitar normas e princípios constitucionais.
O único requisito que o Ministério Público está dispensado de demonstrar é um periculum in mora substancial – artigo 10º, nº 3 e 4, da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, uma vez que o arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no nº 1 do artigo 227º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime.
Por tudo o acima exposto, vistos os factos e Direito aplicável, entendemos que não assiste razão ao M.P recorrente.
Desde logo, não se verifica qualquer violação do caso julgado formal, porquanto ao decidir ordenar o levantamento dos arrestos que havia decretado anteriormente o Tribunal a quo não estava perante idêntico quadro factual e jurídico.
Com efeito, esse quadro alterou-se a partir do momento em que em 14/1/2019 foi depositado o Acórdão no processo principal que absolveu os arguidos A.S., P.E., J.G. e P.V. da prática do crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17° n° 1, 19° n° 2 e n° 3, 3°-A alíneas d), e), f), todos da Lei n° 34/87, de 16 de Julho, com referência aos 202° alínea b), 28° n° 1, 66° n° 1 alíneas a), b) e c) e 68.° do Código Penal (factos relacionados com o acordo firmado com E.B., descritos no Núcleo C), bem como dos montantes peticionados no pedido de perda alargada deduzido nos termos da Lei 5/2002 de 11/1.
Com efeito, a Lei n.º5/2002, ao fazer alusão aos “fortes indícios da prática do crime”, cuja definição legal não está prevista, leva-nos a crer que a averiguação destes será feita nos mesmos moldes em que é feita a averiguação dos “fortes indícios” para a aplicação de medidas de coacção previstas no C.P.P.
Como que equiparando a gravidade da intromissão na liberdade patrimonial do arresto com a intromissão na liberdade individual das medidas de coacção, defende GERMANO MARQUES DA SILVA o seguinte: “nos casos em que a lei exige fortes indícios a exigência é naturalmente maior; embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é pelo menos necessário que face aos elementos de prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição”.
Por isso, naturalmente que em caso de ser proferida uma decisão final de absolvição no processo principal, como sucedeu no caso sub judice, cessa a existência de indícios fortes da prática de um dos crimes elencados no artº 1º da Lei nº 5/2002 de 11.1, por parte dos arguidos nestes autos.
Não podemos deixar de sublinhar que os procedimentos cautelares (como é o caso do arresto objecto deste recurso) têm uma natureza de provisoriedade, por se basearem em juízos indiciários e estão destinados por isso a vigorarem até à prolação da decisão proferida no processo principal, sendo certo portanto que a partir do depósito do Acórdão proferido nestes autos em 14.1.2019, deixamos de estar num campo de juízo indicário para entrarmos num campo distinto de factos apurados – ou seja de factos provados/ não provados.
Assim neste cenário, quanto à responsabilidade penal dos arguidos pelos factos imputados na acusação, com a prolação do Acórdão de 14.1.2019, deixou de haver um juízo indiciário para passar a existir um juízo seguro (com a “segurança” que as decisões judiciais podem proporcionar e que não sendo matemática, resulta da produção de prova efectuada com obediência a critérios jurídicos e racionais que lhe conferem elevada credibilidade).
Ou melhor dizendo, passou a existir uma decisão judicial quanto aos factos descritos na acusação (assente em produção de prova em julgamento e com respeito pelos princípios legais que tornam essa prova fiável) no sentido de que os arguidos acima identificados, não poderiam ser condenados pelos crimes pelos quais vinham pronunciados.
Deste modo,  no momento em que foi proferida a decisão recorrida em 18.3.2019, dúvidas não poderiam pois subsistir quanto “à inexistência de fortes indícios da prática por esses arguidos de um dos crimes do catálogo consagrado no artº 1º da Lei nº 5/2002 de 11.1 ou quanto à inexistência de fortes indícios da desconformidade do património dos arguidos.
Mais se decidiu ainda nesse Acórdão absolutório de 14.1.2019 que os respectivos patrimónios não poderiam ser alvo de declaração de perda, no âmbito do regime legal da perda alargada.
 Assim sendo, embora tal decisão judicial absolutória não seja ainda definitiva (tendo sido alvo de recurso interposto pelo M.P), ela não deixa de ser, até que outro Tribunal superior se venha a pronunciar sobre o objecto da causa principal, a última decisão a ser proferida no processo sobre tal matéria ou por outras palavras, a decisão que pôs termo à causa e por isso se compreende que em nome do princípio Constitucional da presunção da inocência (aqui reforçado pela própria decisão de absolvição) e por respeito aos princípios da necessidade, da adequação, subsidiariedade, precariedade e proporcionalidade, o Sr. Juiz do Tribunal a quo tenha em 18.3.2019 decidido nestes autos, ordenar o levantamento dos arrestos anteriormente decretados.
Na realidade, a manutenção dessa medida de natureza cautelar (arresto) deixou de ser necessária, adequada e proporcional por se ter extinguido o objectivo para o qual fora decretada – garantir a existência de património dos arguidos que pudesse suportar a futura declaração de perda das vantagens obtidas com a actividade criminosa, pois que este arresto surgira precisamente como garantia dessa futura decisão de perda.
Ou seja num cenário de absolvição (ainda que sem trânsito em julgado) é altamente provável que a decisão de “perda alargada” prevista no artº 7º do da Lei nº 5/2002 de 11.1 nunca venha a ocorrer no processo principal (pois que tal “perda” tem como pressuposto a condenação pela prática de um dos crimes previstos no catálogo constante do artº 1º do mesmo diploma) e nessa medida não se justifica (por ser até contraproducente) manter uma restrição ou proibição de livre disposição de bens (por parte de determinados cidadãos sobre os quais deixou de recair qualquer suspeita da prática de crimes), como garantia duma futura decisão de perda alargada, que já se sabe, ser altamente provável não vir mais a ser decretada.
É certo que com esta posição, se pode correr o risco de havendo revogação da decisão de absolvição, na procedência do recurso do M.P e o processo terminar com a condenação dos arguidos, o património destes poder estar já dissimulado algures, fora do alcance das instâncias formais de controlo, inviabilizando a possibilidade de ser decretada a perda alargada prevista no artº 7º da Lei nº 5/2002 de 11.1.
Mas o legislador quis expressamente que esse risco não corresse por conta dos arguidos, em nome dos princípios gerais da certeza e da segurança jurídica e do princípio constitucional da presunção da inocência (pois como se sabe, todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, conforme o estipulado no artº 32º/2 da C.R.P).
Desse modo, o legislador não salvaguardou expressamente esta situação, regulando de forma clara no artº 11º/3 da Lei nº 5/2002 de 11.1 que o arresto previsto no artº 10º só se poderia extinguir “com o trânsito em julgado da decisão final absolutória” como sucedeu aliás mutatis mutandis noutras situações, nomeadamente no artº 214º/1/e) do C.P.P, onde expressamente se veio dispor que “as medidas de coacção só se extinguem com o trânsito em julgado da decisão condenatória”.
Mas então, poderá ainda assim vir defender-se como fez o M.P neste recurso, que a decisão recorrida violou o artº 11º/3 da Lei nº 5/2002 de 11.1?
No que respeita a este diploma legal, a doutrina já se pronunciou no sentido de a regulação do arresto enquanto meio de garantia da execução da perda do montante apurado como vantagem da actividade criminosa, aparecer com uma redacção pouco clara e pouco explícita, nomeadamente no que respeita, aos seus pressupostos, momento em que deve ser decretado, quais os bens abrangidos e quanto às formas de extinção do mesmo, as quais surgem expressamente reguladas no referido artº 11º da Lei nº 5/2002 de 11.1 da Lei nº 5/2002 de 11.1.
Quanto à extinção do arresto esta lei prevê três formas de fazer cessar o mesmo no seu artº 11º sob a epígrafe: “MODIFICAÇÂO e EXTINÇÃO do ARRESTO”:
1 - O arresto cessa se for prestada caução económica pelo valor referido no nº 1 do artigo anterior;
2 - Se, em qualquer momento do processo, for ampliado ou reduzido, em qualquer fase do processo, a pedido do MP, face ao aparecimento de novos dados.
3 - O arresto ou a caução económica extinguem-se com a decisão final absolutória.”

Resulta desde logo assim desta previsão legal que o valor, tido como vantagem da actividade criminosa, é mutável.
Deste modo, pode ser ampliado ou reduzido, em qualquer fase do processo, a pedido do MP, face ao aparecimento de novos dados.
Mas por tudo o que acima ficou dito, resulta ser ainda mais exigente a tarefa de interpretação do preceituado no artº 11º/3 deste diploma legal, no sentido de se tentar descobrir qual o verdadeiro espírito da norma ou pensamento do legislador, quanto a esta forma de extinção do arresto.
A interpretação é hoje sem dúvida um momento essencial da Administração da “justiça de acordo com a lei e o direito” (artº 9º do C.P.P) e é imprescindível à arte da realização da justiça no caso concreto.
Mas a actividade de interpretação tem limites claros (artº 9º do C.C) não podendo resultar em poder absoluto, em arbítrio que vá sobrepor as convicções pessoais à vontade do legislador.
O intérprete não pode criar soluções que não tenham um mínimo de correspondência na letra da lei e o julgador deve obediência à lei (artº 203º da C.R.P).
No caso presente, se fosse intenção do legislador querer que a extinção do arresto só ocorresse com o trânsito em julgado da decisão absolutória, teria certamente feito consignar tal dispositivo na letra da lei (artº 11º/3 do da Lei nº 5/2002 de 11.1), e não o tendo feito, não é pois legítimo ao intérprete presumir ser essa a sua vontade.
Aqui chegados, a equiparação ou chamada à colação do regime legal previsto para a mais severa das medidas de coacção previstas no C.P.P como é a prisão preventiva (por ser aquela que de forma mais gravosa atenta contra liberdade do arguido), revela-se quanto a nós oportuna e legítima.
Isto porque este arresto configurando uma garantia da futura decisão de perda alargada, também representa uma grande limitação da liberdade patrimonial do arguido: quer pelo número de bens que a “perda alargada” pode abranger, quer pelo facto de poder ser decretado a todo o tempo, quer porque a “perda alargada” vem trazer uma presunção legal estranha ao processo penal – esta presunção dispensa o M.P de provar a origem ilícita do conjunto dos bens tidos como vantagem da actividade criminosa, fazendo recair sobre o arguido a prova da licitude dos referidos bens.
E sendo assim, não nos podemos esquecer que no caso da prisão preventiva, a mesma se extingue com a sentença absolutória, ainda antes do trânsito em julgado da mesma – apenas com a ressalva de que neste caso da prisão preventiva a vontade do legislador ficou clara e expressamente consagrada na letra da lei, para que não restassem quaisquer dúvidas - artº 214º/1/d) do C.P.P - não havendo contudo razões quanto a nós, para que no caso da extinção do arresto previsto no artº 10º da Lei nº 5/2002 de 11 Janeiro, se proceda de forma diferente.
Por último, importa ainda dizer em reforço da nossa posição, que o efeito atribuído pelo legislador ao recurso interposto pelo M.P nestes autos é meramente devolutivo (artº 408º “a contrario”) e nessa medida a decisão proferida em 18.3.2019 que determinou o levantamento dos arrestos foi há muito executada, não tendo assim o presente recurso do M.P qualquer efeito útil na prática – pelo que sempre seria de qualquer forma difícil neste contexto, fazer reverter a decisão recorrida.
Por tudo o acima exposto, nenhuma censura temos a fazer à decisão recorrida a qual foi proferida no respeito pelas normas legais e constitucionais em vigor, não tendo sido violada qualquer preceito legal, nomeadamente aqueles invocados pelo M.P.
Improcede assim na íntegra o recurso do M.P.

III- Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal da Relação de Lisboa em:

A) Julgar não provido o recurso interposto pelo M.P, mantendo nos seus precisos termos a decisão recorrida datada de 18.3.2019, que ordenou o levantamento dos arrestos decretados.
B) Sem tributação.

***
Lisboa, 11 de Julho de 2019

Ana Grandvaux Barbosa
Maria Perquilhas