Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
573/18.1T8SXL.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
FALTA DE CAUSA DE PEDIR
SANAÇÃO DA NULIDADE
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
II - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
III - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
IV - As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório:
1.1. A  com os sinais dos autos, intentou acção de processo comum de declaração contra B melhor identificado nos autos, formulando o seguinte pedido:
- “Ser declarada a nulidade do contrato de promessa de compra e venda celebrado.
E ser o R. condenado a restituir à A. o montante de 10.000,00 euros (dez mil euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data da citação até efectivo pagamento.
Bem como no pagamento de custas, procuradoria condigna e o demais legal.”
1.2. Alegou, em síntese, que celebrou com o Réu um contrato-promessa de compra e venda de uma parcela de terreno com a área de 6.7993 avos indivisos do prédio sito em Fernão Ferro, Quinta Nova das Lobateiras – 2.ª Fase, freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, pelo montante de 44.400,00 euros, tendo pago 5.000,00 euros, a título de sinal e princípio de pagamento, e que, entretanto, foi informada pela Associação de Proprietários da AUGI em que aquela parcela de terreno está inserida que, para que possa ser efectivada a respectiva legalização da mesma parcela, teria que efectuar um pagamento na quantia global de 77.985,40 euros, dos quais 6.790,30 euros correspondem ao Plano de Pormenor, 67.993,00 são relativos a infra-estruturas e 3.193,10 a juros contados até 24 de Junho de 2017.
Mais alegou que o Réu omitiu tal informação e que caso tivesse tido conhecimento da existência de uma dívida de montante tão elevado nunca teria celebrado o contrato-promessa de compra e venda, o que o Réu bem sabia.
Termos em que concluiu que o negócio é anulável, nos termos do disposto nos art.ºs 251º e 247º do Código Civil, e que, dado estarmos perante um contrato-promessa de compra e venda, tem o Réu a obrigação de restituir à Autora, em dobro, tudo o que a mesma prestou a título de sinal e princípio de pagamento, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 442.º do mesmo diploma legal.
 1.3. Citado, o Réu contestou, por excepção e por impugnação: Por excepção, alegou a inexistência da dívida, uma vez que a parcela de terreno objecto do contrato não se encontra inserida no contrato-promessa, e o incumprimento deste [não definitivo, face ao interesse do Réu na sua conclusão] por parte da Autora, por não ter procedido ao pagamento das prestações que se venceram entre 16 de Junho e 15 de Dezembro de 2017; Por impugnação, impugnou os factos, opondo-lhe outros, e as razões de direito invocados pela Autora.
Concluiu pela procedência das excepções peremptórias e dos factos invocados na contestação, com a consequente absolvição do Réu do pedido.

1.4. Em 30/05/2018 [ref.ª Citius 377038470, a fls. 29-30] foram as partes notificadas pela Senhora Juíza a quo da desnecessidade de realização de audiência prévia e convidadas a pronunciarem-se sobre a seguinte questão:
“[…] Efectivamente, se por um lado a autora funda a sua pretensão em factos a que subsume ao erro previsto no art. 251º CC, e por via disso á anulabilidade do contrato celebrado - contrato promessa de compra e venda, cujos efeitos estão previstos no art. 289º CC - “devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado”, por outro lado, pretende a autora pretende cumular tal declaração de anulabilidade com a condenação do réu na restituição do sinal em dobro, previsto no art. 442º, n.º 2 CC, sendo que a perda do sinal está relacionado com a resolução ou desistência do contrato, ou seja, está relacionado com a falta de cumprimento do mesmo.
Assim, e com o fito de permitir às partes discutir cabalmente as questões suscitadas, designadamente quando se posse apreciar excepções conforme prevê o art. 591º, n.º 1, b) CPC, mas antevendo o Tribunal a dispensa da realização da audiência prévia, por se afigurar a mesma desnecessária, desde já se convida as partes a, querendo, se pronunciarem quanto á suscitada questão supra elencada.[…]”
1.5. Através de articulado apresentado em 14/06/2018 [ref.ª Citius 19377167, a fls. 21-22], veio a Autora alterar o pedido, nos seguintes termos:
Deve a presente acção ser considerada procedente por provada e, consequentemente, ser declarada a nulidade do contrato de promessa de compra e venda celebrado.
E ser o R. condenado a restituir à A. o montante de 10.000,00 euros (dez mil euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data da citação até efectivo pagamento.
Ou, caso assim não se entenda, ser o R. condenado a restituir à A., o montante entregue pela mesma a título de sinal e princípio de pagamento no valor de 5000,00 euros (cinco mil euros), acrescido de juros de mora vencidos no valor de 50,00 euros (cinquenta euros), contados desde a data da notificação judicial avulsa e vincendos, até efectivo e integral pagamento.
Bem como no pagamento de custas, procuradoria condigna e o demais legal.”
1.6.  Na mesma data, em novo articulado [ref.ª Citius 1934523, a fls. 23-24], veio a Autora responder ao convite da Exma. Senhora Juíza a quo argumentando, em substância, que não se verifica incompatibilidade entre pedidos e a causa de pedir, termos em que pugnou pela improcedência das excepções e pelo prosseguimento dos autos.
1.7. Por sua vez, o Réu, em articulado de resposta ao requerimento de alteração do pedido, veio dizer que considera que a Autora não corrigiu a petição inicial, porquanto continua a invocar a mesma factualidade como fundamento do incumprimento contratual e da nulidade do contrato, termos em que reiterou os argumentos aduzidos na contestação [ref.ª Citius 19464580, a fls. 25-26].
1.8. Em 17/09/2018 [ref.ª Citius 37948673, de fls. 27 a 31], veio a ser proferido saneador-sentença, que julgou procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, anulando-se todo o processado incluindo a petição inicial, e absolveu o Réu da instância, com os seguintes fundamentos:
«[…] a autora fundamenta a acção - causa de pedir, em factualidade que se subsume ao erro enquanto causa de anulabilidade do contrato, pretendendo, conforme se afere dos pedidos que seja “declarada a nulidade do contrato promessa de compra e venda celebrado”.
Contudo, a autora pretende ainda, cumulativamente, a condenação do réu na restituição do sinal em dobro, limitando-se para o efeito a aludir ao disposto no art. 442º, n.º 2 do CC.
No requerimento de resposta ao contraditório concedido pelo Tribunal - ref.ª 29228572, aludiu que ao não esclarecer a autora deu causa a que não pudesse a autora cumprir o contrato, o que lhe é imputável.
Ora, a alegação como causa de pedir de uma causa de invalidade - erro - art. 251º CC, e que acarreta a declaração de anulação do negócio celebrado, com o efeito previsto no art. 289º CC - no caso, o contrato promessa, é manifestamente incompatível com a pretensão de restituição do sinal em dobro, visto que tal pretensão tem como pressuposto a manutenção ou regularidade/validade do contrato e o seu subsequente incumprimento e resolução - art. 442º.
Neste sentido veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 01.06.2010, in www.dgsi.pt, relator Desembargador José Carvalho: Quer a possibilidade de o promitente vendedor fazer seu o sinal entregue, quer a faculdade de o promitente comprador exigir o dobro do que tiver prestado a título de sinal, pressupõem o incumprimento culposo da parte contrária, conforme decorre do teor do n° 2 do artigo 442°, que menciona expressamente o “não cumprimento do contrato”.
Ainda que a autora tenha vindo aos autos suscitar uma “ampliação” do pedido, a verdade é que nos esclarecimentos prestados vem referenciar como causa de pedir advém da actuação do réu, aludindo que foi tal actuação - ao omitir propositadamente e conscientemente factos relevantes que inviabilizam totalmente o negócio, sendo imputável ao réu a causa pela qual o contrato não pode ser cumprido.
Assim, se, por um lado se está perante uma clara incompatibilidade de pedidos - pois que a autora pretende a verificação de uma causa de invalidade do contrato e a declaração da sua anulação e pretende obter um concreto efeito indemnizatório fundado no incumprimento do contrato, o que pressupõe a sua validade, igualmente acaba por expor duas causas de pedir entre si contraditórias, pois que invoca a causa de anulabilidade de negócio pretendendo a “declaração de nulidade do contrato promessa” e ainda alega que o motivo para o não cumprimento do contrato é imputável ao réu.
Verifica-se, pois, uma clara incompatibilidade entre as causas de pedir e entre os pedidos deduzidos na petição inicial (conjugado com os esclarecimentos prestados - ref. 29428572.
Para além disso, noutro requerimento apresenta uma alteração ao pedido, apresentando um pedido subsidiário - “ou, caso assim se não entenda, ser o réu condenado a restituir á autora o montante entregue pela mesma a título de sinal e princípio de pagamento no valor de € 5000,00 (…)”.
Ora, como se diz no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-01-2011, relator Desembargador Teles Pereira, relativamente a simples ampliação do pedido tentada a pretexto de novo articulado aperfeiçoado na sequência de convite: “1. Na resposta ao despacho de aperfeiçoamento, não pode o autor apresentar um aditamento ou correcção do seu articulado inicial, que conduza a uma alteração do pedido ou da causa de pedir, não sendo admissível, por esta via, o suprimento de uma petição inepta, nem a convolação para uma causa de pedir diferente da inicialmente invocada. 2. O aperfeiçoamento do articulado apenas pode ter por objecto o suprimento de pequenas omissões, ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo, o que justifica as limitações restritivas, imperativamente impostas pelo n.º 5 do artigo 508.º do CPC. 3. Deve considerar-se não escrito tudo o que no segundo articulado apresentado vai para além do que foi determinado no despacho de aperfeiçoamento (esclarecimento do pedido), com manifesta violação dos parâmetros imperativos enunciados no n.º 5 do artigo 508.º do CPC.”
No mesmo acórdão cita-se: “Como refere Lopes do Rego, o n.º 5 do artigo 508.º do CPC estabelece claramente os limites ao aperfeiçoamento “substancial” da matéria de facto alegada, não podendo o autor, na resposta ao despacho de aperfeiçoamento, apresentar um aditamento ou correcção do seu articulado inicial, que conduza a uma “alteração unilateral” do pedido ou da causa de pedir, em colisão com o preceituado no art. 273.º, que apenas a admite na réplica, e não em fases ulteriores do processo.
Ora, no caso em apreço, pese embora não tenha o tribunal dirigido um despacho de aperfeiçoamento, proferiu um despacho para efeitos de contraditório, não cabendo desta feita, e nesta fase processual, ser admissível qualquer alteração ao pedido ou causa de pedir - aqui, e em concreto, um aditamento de um pedido subsidiário, pelo que tal pretensão é processualmente inadmissível - art. 265º CPC.
Igualmente não se afigura que no caso fosse possível qualquer despacho convite ao aperfeiçoamento.
Verificando-se a efectiva ineptidão da petição inicial, face ao disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 186º do CPC - quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis, cumpre determinar a nulidade de todo o processado, incluindo a própria petição inicial, conforme consagrado no art. 186º, n.º 1 do CPC, o que constitui uma excepção dilatória não suprível – cfr. art. 577º, alínea b) CPC, e que conduz à absolvição da instância – art. 278º e 576º CPC.» [Fim de citação].
1.9. Inconformada, apelou a Autora para esta Relação, extraindo das alegações de recurso as seguintes Conclusões:
«A) De acordo com a douta sentença, ora recorrida, foi julgada procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, anulando-se todo o processado incluindo a petição inicial, assim se absolvendo o Réu da instância.
B) Alega, para tanto, o Mm.º Juiz do Tribunal “A quo”, que a causa de pedir que acarreta a anulação do negócio celebrado é manifestamente incompatível com a pretensão de restituição do sinal em dobro.
C) Para além disso, alega existir uma incompatibilidade entre as causas de pedir e os pedidos deduzidos na petição inicial.
D) Por fim, e quanto à alteração do pedido formulado pela ora Recorrente, alega não caber nesta fase processual a alteração ao pedido, sendo tal pretensão processualmente inadmissível.
E) Salvo melhor opinião, não pode a ora Recorrente concordar com tal entendimento, pois
F) De acordo com o disposto no n.º 2 do Art.º 442 do C. Civil, quando haja sinal, quem por causa que lhe seja imputável deixar de cumprir, pode fazer seu o sinal, ou no caso do vendedor, terá que restituir o sinal em dobro.
G) Na situação em apreço, o ora Recorrido, é uma pessoa esclarecida e que se movimenta bem no ramo do imobiliário, pelo que não pode vir sequer alegar que desconhecia da existência das dívidas à AUGI, ou que desconhecia a essencialidade desse facto, para a ora Recorrente concluir o negócio.
H) Sendo assim é inegavelmente imputável ao ora Recorrido, a causa pela qual o contrato não pode ser cumprido.
I) Deste modo, entende-se que existe por parte do ora Recorrido, a obrigação de restituir à ora Recorrente, em dobro, tudo o que recebeu a título de sinal, como peticionado na presente acção, não existindo incompatibilidade entre o pedido e a causa a pedir, como determina a douta sentença proferida.
J) Quanto à alegada incompatibilidade entre os pedidos e a causa de pedir tal, também não se verifica pelos motivos supra expostos, já que nem sequer existem de todo duas causas de pedir, pois
K) A causa de pedir é uma única que se funda na omissão por parte do ora Recorrido de factos que o mesmo sabia serem essenciais para a celebração do negócio e que conduz por isso à nulidade do mesmo.
L) E os pedidos são pedidos alternativos em que apenas um pode ser julgado procedente, de acordo com o entendimento do Tribunal, face à causa de pedir.
M) No que respeita à alteração do pedido formulado pela ora Recorrente, alega o Tribunal “A quo”, que não cabe tal alteração nesta fase processual, sendo uma pretensão processualmente inadmissível.
N) Tal entendimento é claramente violador do disposto no n.º 2 do Art.º 265.º do C.P.C., pois
O) Determina a supra referida disposição legal que o pedido pode ser reduzido ou ampliado até ao encerramento da discussão em 1ª Instância.
P) No caso vertente, a ora Recorrente, em requerimento autónomo, apresentou uma ampliação do pedido, a qual é o desenvolvimento do pedido primitivo que é a declaração de nulidade do contrato promessa, celebrado.
Q) Tal pedido foi formulado antes do encerramento da discussão em 1ª Instância, dado que o foi no prazo concedido para efeitos de contraditório.
R) Assim sendo, contrariamente ao alegado na douta sentença proferida a pretensão não é processualmente inadmissível, ficando com tal pedido sanados todos os fundamentos invocados para a ineptidão da petição inicial.
S) Para além disso, entende-se ainda que face à matéria alegada pelo Mm.º Juiz do Tribunal “A quo”, o despacho a proferir seria um despacho de aperfeiçoamento, convidando a parte a aperfeiçoar a P.I., e não um despacho para efeitos de contraditório.
T) Entende-se assim, face ao supra exposto, que a douta sentença ora recorrida viola o disposto nos Art.º 442, n.º 2 do C. Civil e o disposto nos Artigos 265, n.º 2 e 590, ambos do C.P.C.
Devendo assim, ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente ser revogada a douta sentença proferida, ordenando-se o prosseguimento dos autos afim de serem apreciados os pedidos formulados pela ora Recorrente ou caso assim não se entenda, ordenando-se a prolação de um despacho de aperfeiçoamento da PI e posterior prosseguimento dos autos dos seus termos legais.
NESTES TERMOS
Deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente ser revogada a douta sentença proferida que declara inepta a petição inicial, ordenando-se o prosseguimento dos autos a fim de serem apreciados os pedidos formulados pela ora Recorrente ou caso assim não se entenda ordenando-se a prolação de um despacho de aperfeiçoamento da PI e posterior prosseguimento dos autos dos seus termos legais.».
1.10. O Réu apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes Conclusões:
«1. A recorrente fundamenta a acção - causa de pedir, em factualidade que se subsume ao erro enquanto causa de anulabilidade do contrato, pretendendo, conforme se afere dos pedidos que seja declarada a nulidade do contrato promessa de compra e venda celebrado;
2. A recorrente pretende ainda, cumulativamente, a condenação do réu/recorrido na restituição do sinal em dobro, limitando-se para o efeito a aludir ao disposto no art. 442º, n.º 2 do CC.
3. A alegação como causa de pedir de uma causa de invalidade - erro, e que acarreta a declaração de anulação do negócio celebrado, é manifestamente incompatível com a pretensão de restituição do sinal em dobro, visto que tal pretensão tem como pressuposto a manutenção ou regularidade/validade do contrato e o seu subsequente incumprimento e resolução;
4. A Recorrente pretende a verificação de uma causa de invalidade do contrato e a declaração da sua anulação e obter um concreto efeito indemnizatório fundado no incumprimento do contrato, o que pressupõe a sua validade;
5. Igualmente acaba por expor duas causas de pedir entre si contraditórias: invoca a causa de anulabilidade do negócio pretendendo “a declaração de nulidade do contrato promessa” e alega que o motivo para o não cumprimento do contrato é imputável ao réu;
6. Verifica-se, pois, uma clara incompatibilidade entre as causas de pedir e entre os pedidos deduzidos na petição inicial;
7. Em suma, verificando-se a efectiva ineptidão da petição inicial, face ao disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 186º do CPC - quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis, cumpre determinar a nulidade de todo o processado, incluindo a própria petição inicial, conforme consagrado no art. 186º, n.º 1 do CPC, o que constitui uma excepção dilatória não suprível – cfr. art. 577º, alínea b) do CPC, que conduz à absolvição da instância – art. 278º e 576º CPC;
8. Pelo exposto, e tendo em consideração os citados normativos, deve confirmar-se a sentença proferida em que se julgou procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, anulando-se todo o processado incluindo a petição inicial assim se absolvendo o recorrido da instância.
Por todo o exposto, e pelos fundamentos invocados deve manter-se a sentença proferida em 1ª instância, negando-se provimento ao presente recuso, por assim ser de inteira JUSTIÇA».
1.11. Foram colhidos os vistos legais.
II - Objecto do recurso
De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil [CPC], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer oficiosamente, estando esta Relação adstrita à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso (art.º 130º do CPC). Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[1].
No caso, atendendo às conclusões do recurso interposto pela Autora a questão fulcral a decidir é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar a petição inicial inepta, com a consequente anulação de todo o processo e absolvição do Réu da instância.
A decisão desta questão crucial acarreta a apreciação das seguintes subquestões:
- É admissível a alteração/ampliação do pedido apresentado pela Autora?
 - O vício de que enferma a petição inicial era susceptível de sanação através de aperfeiçoamento do referido articulado [artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC]?
III – Fundamentação
A) Motivação de Facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso são os constantes do relatório que antecede.
B) Motivação de Direito
1. Da ineptidão da petição inicial e da insusceptibilidade de sanação do vício, por convite a aperfeiçoamento:
A Autora mostra-se irresignada com a decisão do Tribunal a quo que absolveu o Réu da instância e anulou todo o processo, por ter julgado verificada a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, por incompatibilidade substancial entre o pedido primitivo e a causa de pedir.
Em substância, argumenta, que a causa de pedir é uma única que se funda na omissão por parte do ora Recorrido de factos que o mesmo sabia serem essenciais para a celebração do negócio e que conduz, por isso, à nulidade do mesmo e que os pedidos são pedidos alternativos em que apenas um pode ser julgado procedente, face à causa de pedir.
Refere, ainda, que, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, nesta fase processual era admissível a alteração do pedido formulado pelo ora Recorrente, por constituir o desenvolvimento do pedido primitivo que é a declaração de nulidade do contrato-promessa celebrado. E que com a referida alteração do pedido ficaram sanados todos os fundamentos invocados para a ineptidão da petição inicial.
Alega, por fim, que o despacho a proferir pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo deveria ter sido um despacho de aperfeiçoamento, convidando a Autora a aperfeiçoar a petição inicial, e não um despacho para efeitos de contraditório.
2. Ora, antecipando, diremos que só podemos acompanhar a decisão em crise, quer quanto à fundamentação, quer no que se refere ao sentido decisório alcançado.
Como é sabido, é a partir da análise da forma como o litígio se mostra estruturado na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber se a petição inicial é inepta, designadamente por incompatibilidade substancial de causas de pedir ou de pedidos [art.º 186.º, n.º 2, alínea c), do CPC].
Segundo o n.º 1 do artigo 2.º do Código de Processo Civil (CPC), a protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo (…). Daí se infere que o direito à jurisdição, genérica e abstractamente proclamado e garantido no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República, se realiza mediante o exercício do direito de acção concretamente adequado a reconhecer em juízo o singular direito subjectivo (ou interesse legalmente protegido) que se pretende fazer valer, a prevenir ou reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente, como deflui da noção constante do n.º 2 do citado artigo 2.º do CPC.
Por isso mesmo, o exercício do direito de acção requer a verificação de requisitos formais quanto aos respectivos sujeitos e objecto - designados por pressupostos processuais relativos à acção -, cuja falta obsta ao conhecimento de mérito, determinando a absolvição do réu da instância. Um desses requisitos incide sobre a delimitação do próprio objecto da acção, o qual tem se mostrar idóneo em termos de permitir delinear o âmbito de cognição do tribunal e da formulação do respectivo juízo de mérito, dentro dos parâmetros traçados nos artigos 608º, nº 2 e 609º, n.º 1, e 5º do CPC, bem como definir os limites objectivos do caso julgado material, em conformidade com o disposto nos artigos 619.º e 621.º, com referência ao artigo 581º, n.ºs 3 e 4, do mesmo diploma.  
Com efeito, nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC, exige-se que o autor, na petição inicial, exponha os factos e as razões de direito e formule o pedido, respectivamente, pedido esse que tem de ser dirigido contra um concreto réu ou contra uma pluralidade de réus, no caso de litisconsórcio ou coligação passivos.
Do disposto no nº 3 do artigo 581.º do citado Código extrai-se que o pedido, na sua vertente substantiva, consiste no efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção, o que se reconduz à afirmação postulativa do efeito prático-jurídico pretendido, efeito este que não se restringe necessariamente ao seu enunciado literal, podendo ser interpretado em conjugação com os fundamentos da acção com eventual suprimento pelo tribunal de manifestos erros de qualificação, ao abrigo do disposto no artigo 6º do CPC, desde que se respeite o conteúdo substantivo da espécie de tutela jurídica pretendida e as garantias associadas aos princípios do dispositivo e do contraditório [[2]].       
Por seu lado, o n.º 4 do indicado artigo 581º define a causa de pedir como sendo o facto jurídico de que o autor faz proceder o efeito pretendido. E, em particular no que concerne às pretensões reais, o mesmo normativo, inspirado na teoria da substanciação, precisa que a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real invocado.
Como é sabido, o objecto da acção consubstancia-se numa pretensão processualizada integrada pelo pedido e causa de pedir.
No que aqui releva, sobre a Autora impende o ónus de indicar o concreto efeito prático-jurídico pretendido e de alegar uma factualidade específica ou concreta que viabilize a formulação de um juízo de mérito sobre a pretensão deduzida contra  o Réu.
Ainda no que respeita ao substrato factual da causa de pedir, há que distinguir os factos indispensáveis à sua caracterização, e portanto dela estruturantes, e os factos que, muito embora essenciais à procedência da acção, não se mostram todavia imprescindíveis à caracterização da causa de pedir para efeitos de um pronunciamento de mérito, seja ele positivo ou negativo. É certo que nem sempre é fácil fazer a distinção prática entre as duas categorias de factos, mas o critério de aferição passará por um juízo de prognose a ponderar, no confronto de cada situação, na perspectiva do caso julgado material que venha a recair sobre o objecto da causa em ter-mos de evitar a repetição futura de causa idêntica.
No que toca à incompatibilidade de pedidos, temos por certo que são incompatíveis tanto os pedidos que mutuamente se excluem como os que assentam em causas de pedir inconciliáveis.
A incompatibilidade deve reportar-se exclusivamente aos pedidos e fundamentos invocados pelo autor e de modo nenhum ao enquadramento ou qualificação dos factos segundo a lei.
3. Da análise da petição inicial apresentada constata-se a invocação, pela Autora, como a própria admite nas alegações de recurso, de factos integradores de uma única causa de pedir fundada em erro-vício [art.º 251.º do Cód. Civil], que atingiu os motivos determinantes da sua decisão de celebrar o contrato-promessa de compra e venda [doravante CPCV] ajuizado e se refere ao objecto do negócio, vício esse que, a confirmar-se, torna o negócio anulável nos termos do art.º 247º do citado diploma legal.
Se atentarmos ao(s) pedido(s) primitivo(s), isto é, sem atender à “ampliação do pedido” apresentada pela Autora, só podemos acompanhar a decisão recorrida quando considera que se verifica incompatibilidade substancial entre o pedido de anulação[[3]] e o pedido com este cumulado de condenação do Réu a restituir à Autora o montante de 10.000,00 euros, correspondente ao dobro das quantias entregues àquele a título de sinal e princípio de pagamento.
Com efeito, a Autora não pode pedir simultaneamente a anulação do CPCV fundada em erro-vício e a restituição em dobro do sinal prestado, pedido que tem por fundamento a resolução do CPCV, nos termos do n.º 2 do art.º 442.º do CC, não só por se tratar de pedidos que mutuamente se excluem, mas também porque assentam em causas de pedir inconciliáveis e que se contrariam uma à outra, sendo, por isso, de impossível procedência simultânea: o pedido indemnizatório pretendido [restituição em dobro do sinal prestado] fundado na resolução do contrato, por incumprimento imputável ao Réu, ao contrário do pedido de nulidade [ou anulação] pressupõe a validade do CPCV e subsequente extinção - cessação do vínculo contratual -, por resolução.
Aliás, bem vistas as coisas e abstraindo da deficiente alegação de direito, falta que sempre poderia ser suprida pelo Tribunal a quo, a verdade é que a Autora nem sequer indica factos suficientes e idóneos a fundamentar o pedido de resolução do CPCV, que o pedido de restituição em dobro do sinal prestado pressupõe.
3.1 Como é sabido, independentemente do cumprimento das respectivas prestações, as relações obrigacionais extinguem-se por via da resolução, da revogação e da denúncia. A resolução e a denúncia conduzem à cessação do vínculo obrigacional por declaração unilateral de uma das partes dirigida à contraparte. Por sua vez, a revogação pressupõe a existência de um consenso das partes com vista à cessação do vínculo contratual. A estas três causas, supervenientes[4], de cessação do contrato, acresce a caducidade que determina a extinção do vínculo em virtude de facto superveniente.
Em caso de impossibilidade superveniente importa distinguir se houve ou não uma conduta culposa do devedor. Não sendo a impossibilidade imputável ao devedor, a prestação extingue-se (artigo 790º, n.º 1, do CC) e se a contraprestação tiver sido efectuada será restituída nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa (artigos 795º, n.º 1 e 473º e segs do CC). No caso de impossibilidade imputável ao devedor, cuja culpa se presume (art.º 799º, n.º 1, do CC), o credor pode resolver o contrato e tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos (art.º 801º, do CC).
O direito de resolução, importando a destruição da relação contratual, quando não convencionado pelas partes, como sucedeu no caso em apreço, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, assim, a um direito potestativo vinculado – artigo 432º, n.º 1, do CC.
Fica, por isso, a parte que invoca a resolução obrigada a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do contrato que o seu acto determina.
De realçar, quanto a este ponto, que quando esteja em causa o incumprimento bilateral vigora a regra do «tu quoque», ou seja, “a parte infiel ao contrato não pode, em princípio, derivar direitos da violação praticada pela contraparte ao mesmo contrato”, designadamente quando o pedido de resolução se mostre abusivo (cf. Brandão Proença, “Do incumprimento Do Contrato-Promessa Bilateral”, 1987, pp. 95 e ss.).
Efectivamente, como dos artigos 801º, n.º 2 e 802º, n.º 1, do Código Civil decorre, só o contraente fiel – aquele que cumpriu ou se ofereceu para cumprir – goza de legitimidade para resolver o contrato, ficando vedado ao faltoso invocar o seu próprio incumprimento como fundamento resolutivo.
Por fim, deve salientar-se que constitui jurisprudência largamente maioritária, se não uniforme, do Supremo Tribunal de Justiça, o entendimento de que só a falta definitiva e culposa de cumprimento, que não a simples mora, legitima a resolução do contrato-promessa (cf., por todos, o acórdão do STJ, de 09/02/2006, proc. 05B4093, disponível em www.dgsi.pt/jstj).
Aplicados estes princípios ao caso concreto, logo se vê que o Tribunal a quo teria sempre de averiguar se houve incumprimento definitivo - e a quem era imputável - do CPCV que constitui a causa de pedir na acção.
O incumprimento definitivo do contrato-promessa, pode verificar-se em consequência de uma, ou mais, das seguintes situações:
1ª - inobservância de prazo fixo essencial para a prestação;
2ª - ocorrência de um comportamento do devedor que exprima inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato;
3ª - ter o credor, em consequência da mora, perdido o interesse que tinha na prestação;
- encontrando-se o devedor em mora, não realizar a sua prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor.
As duas últimas situações enunciadas correspondem a outros tantos casos que a lei expressamente equipara ao não cumprimento definitivo em consequência da mora – art.º 808º, n.º 1, do Código Civil.
A perda do interesse do credor é apreciada objectivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo Tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta, a justificá-lo, «um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas» e a sua correspondência à «realidade das coisas» - art.º 808º-2 (cfr. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pp. 20, nota 3; Galvão Telles, “Obrigações”, 4ª ed., 235; Ac. STJ, 21/5/98, BMJ 477º-468).
Quando tal não ocorra, deve entender-se que o contrato continua a ter interesse para as partes - o interesse do credor mantém-se -, apesar da mora, e esta só pode converter-se em incumprimento definitivo se a prestação não vier a ser realizada em «prazo que razoavelmente for fixado pelo credor», sob a cominação estabelecida no preceito legal – interpelação admonitória (cfr. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 532 e ss.). De notar que uma tal interpretação pressupõe ainda a manutenção do interesse no cumprimento.
Às restantes situações aludidas não se refere expressamente a lei.
Apesar desse vazio legal, ninguém põe em dúvida a equiparação da segunda situação à inexecução da prestação dentro de prazo razoável, sendo que essa causa “tem de ser expressa por uma declaração absoluta e inequívoca de repudiar o contrato. Impõe-se que o renitente emita uma declaração séria, categórica e que não deixe que subsistam quaisquer dúvidas sobre a sua vontade (e propósito) de não outorgar o contrato prometido”, tanto mais que, perante um tal posicionamento do devedor, qualquer interpelação cominatória seria um acto inútil e destituído de justificação (Galvão Telles, ob. cit., 189; Antunes Varela, cit., I, 6ª ed., 91; Brandão Proença, ob. cit. 90; Acórdãos STJ, 26/01/99, CJ VII- Tomo I, p. 61 e de 06/02/07, proc. 07A749).
Quanto à primeira, há-de estar-se perante as chamadas obrigações de prazo fixo essencial absoluto – “negócios fixos absolutos” ou de “prazo fatal” – em que o decurso do prazo sem o devido cumprimento pode determinar, sem mais, a sua extinção, por oposição às de prazo fixo relativo, simples ou usual em que o decurso do prazo poderá fundamentar o direito à resolução quando concorram os requisitos gerais (artigos 808º, 801 e 802º do CC).
Ora, resulta de quanto ficou dito e do alegado na petição inicial, por um lado que a própria Autora está em mora no cumprimento das obrigações a que ficou adstrita e, por outro, que a petição inicial também é inepta por falta de indicação de causa de pedir no que concerne ao pedido de resolução do CPCV, fundado em incumprimento do Réu, que sempre teria de ser absoluto e definitivo e obviamente suportado em factos alegados e provados idóneos a suportar tal pretensão.
3.2. Face a esta omissão [falta de indicação de causa de pedir], nem sequer é possível a invocação da salvaguarda prevista no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, porquanto, apesar da contestação, seria absurdo concluir que o Réu interpretou correctamente uma Petição Inicial na qual nem sequer foi materializado qualquer pedido contra si.
Neste caso, existe um “vazio” que não foi preenchido pela Autora como era seu ónus.
À sanação ou suprimento do vício de ineptidão da petição inicial, por falta de indicação da causa de pedir opõem-se, desde logo, os princípios estruturantes do processo civil do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes.
O vício de ineptidão que afecta a Petição Inicial, por falta de indicação de causa de pedir - quanto ao pedido de resolução do CPCV -, também não é susceptível de suprimento, através de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 2, alíneas a) e b), 3 e 4, do CPC, na medida em que não se pode corrigir ou aperfeiçoar o que não existe.
Neste caso, o vício é tão grave, que já não há remédio [cfr. Acórdão do TRP, de 08-10-2015, proc. 855/12.6TBLSLV.E1, disponível em www.dgsi.pt.].
O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essências e estruturantes da causa de pedir.
Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).
De outra forma, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza-se quanto ao objecto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objectiva ou subjectiva.
3.3. Assim sendo, mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se considerasse válida e processualmente eficaz a “ampliação” do(s) pedido(s) primitivo(s) formulado(s) pela Autora [que já se viu são entre si substancialmente incompatíveis e excluem-se mutuamente conduzindo à ineptidão da PI], e não é esse o nosso caso como demonstraremos de seguida, sempre a petição inicial estaria inquinada do referido vício de ineptidão e seria nula relativamente ao pedido restituição do sinal em dobro, por falta de indicação de causa de pedir, de acordo com o artigo 186,º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 “a contrario”, do CPC.
E, no caso, já não era possível, pelos fundamentos apontados, a sanação ou suprimento do vício de ineptidão da petição inicial, por falta de indicação da causa de pedir, através de convite ao aperfeiçoamento deste articulado.
3.4. Da inadmissibilidade da ampliação do pedido:
O princípio da estabilidade da instância, ínsito ao artigo 260º do CPC, segundo o qual “citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”, torna firmes, após a citação, os elementos essenciais da causa, o que, aliás, consta como um dos efeitos da citação [artigo 564º, b), do CPC]. Assim, após a citação, só nos casos processualmente delimitados e mediante a verificação dos correspectivos pressupostos pode ocorrer a modificação subjectiva e objectiva da causa.
Afastada, por não importar ao caso, a modificação subjectiva da instância, a alteração objectiva do pedido e da causa de pedir varia de requisitos consoante haja, ou não, acordo das partes. E não havendo acordo, como aqui, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, a formular em 10 dias a contar da aceitação, mas a ampliação do pedido pode verificar-se até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, se for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (artigo 265º, 1 e 2, do CPC).
Na compatibilização destas normas com os momentos de preclusão específicos para a alegação de factos supervenientes, parece existir uma compressão do princípio da economia processual modelado pelo normativizado quanto à ampliação e alteração do pedido e da causa de pedir, mormente no que respeita à ampliação do pedido, que se pode verificar até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, se for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
A ampliação do pedido pressupõe, pois, a emanação da mesma causa de pedir, na medida em que só é permitida se constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
No caso, a alteração objectiva que pretendida pela Autora consiste em formular em separado os pedidos primitivos, que antes cumulara, passando o pedido de restituição em dobro do sinal prestado a ser deduzido subsidiariamente, para a eventualidade da improcedência do pedido de “declaração de nulidade” do CPCV.
Sucede que este pedido subsidiário não emana da única causa de pedir invocada [erro-vício conducente à anulabilidade do CPCV, nos termos dos art.ºs 251º e 247.º do Cód. Civil], nem constitui, por isso o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
Não ocorre sequer qualquer acréscimo quantitativo do pedido inicial formulado, que a ampliação do pedido pressupõe.
Sendo que o pedido subsidiário nem sequer tem suporte na causa de pedir invocada, verificando-se, como se disse, relativamente ao mesmo, falta de indicação de causa de pedir, vício que acarreta a ineptidão da petição inicial e é insusceptível de sanação ou suprimento através de convite a aperfeiçoamento deste articulado.
A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão inicial se modifique para um mais.
Não se verificando esse circunstancialismo, a ampliação do pedido é inadmissível, nos termos do n.º 2 do art.º 265.º do CPC.
Face à inadmissibilidade da ampliação do pedido e à ineptidão da petição inicial, por incompatibilidade substancial entre os pedidos [primitivos] cumulados, bem como à impossibilidade de sanação ou suprimento deste vício de que enferma a petição inicial, bem andou a Senhora Juíza a quo em decidir como decidiu, declarando nulo todo o processo e absolvendo o Réu da instância.
IV - Decisão
Por tudo o exposto, acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e confirmar inteiramente a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela Autora - artigo 527º do CPC.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 24 de Janeiro de 2019

Manuel Rodrigues

Ana Paula Carvalho

Gabriela Marques

[1] Cf. Geraldes, António Santos Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, 2017, Almedina, p. 109
[2] Sobre a noção do pedido como efeito prático-jurídico, vide, Anselmo de Castro, Direito Processual Declaratório, Vol. 1º, Almedina, Coimbra, 1981, pag. 203; quanto ao suprimento pelo tribunal dos meros erros de qualificação jurídica, vide Antunes Varela, Anotação ao acórdão do STJ, de 13-1984, RLJ Ano 122º, pags. 233-256 (255); e entre outros, os acórdãos do STJ, de 17/6/92, BMJ nº 418, pags. 710 e segs, e de 8-2-94, CJ dos Acs. do STJ, Ano II, Tomo 1º, oags. 95 e segs.
[3] A Autora, erroneamente, peticiona a declaração de nulidade do CPCV, erro de qualificação em que labora nos demais articulados apresentados no processo e também nas alegações de recurso, sendo o erro-vício previsto no artigo 251.º do CC torna o negócio anulável nos termos do art.º 247.º do mesmo diploma legal, consequência diversa da nulidade.
[4] A cessação do contrato está relacionada com situações supervenientes ocorridas após a respectiva celebração e pressupõe sempre um negócio jurídico válido e eficaz. A par das causas supervenientes referidas (resolução, revogação, denúncia ou caducidade), os efeitos do contrato também não se produzem, se o mesmo, em razão da invalidade (causa originária), for declarado inexistente, nulo ou anulado.